Backlash À Brasileira: A Insatisfação da Opinião Pública Ante o Supremo Tribunal Federal

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Bruno Carvalho Fioravanti Venturato¹
Mayra Thais Andrade Ribeiro²
Pablo Viana Pacheco³

Resumo: Corriqueiro no dia-a-dia brasileiro, a insatisfação para com as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, popularmente chamado de STF, estão em voga. A cada esquina que se passa, a cada opinião manifestada, mensura-se um aborrecimento grande a respeito dos entendimentos declamados pelos onze juízes que compõe a Suprema Corte Brasileira. O descontentamento para com as decisões denomina-se efeito backlash , ocasionado pelo movimento neoconstitucionalista, que se faz presente no direito vigente. Diante de tais fatos, observa-se dois pontos bases ao fenômeno denominado de backlash. A vanguarda protecionista dos direitos fundamentais pela corte, e o clamor popular, com ideais conservadores, que buscam de certa forma romper, fragmentar, minar estes direitos fundamentais em razão de pensamentos tradicionalistas. O presente artigo, tem por finalidade, trazer à tona a análise jurisprudencial pátria, explicitar a relação do ativismo judicial, judicialização e do neoconstitucionalismo com este efeito e trazer o pensamento doutrinário nacional e estrangeira ao artigo.

Palavras-chaves: Ativismo judicial, efeito backlash, judicialização, direitos fundamentais.

 

Abstract: Everyday Brazilian day-to-day, dissatisfaction with the decisions given by the Supreme Court, popularly called the Supreme Court, are currently in vogue. At every corner that takes place, with each opinion expressed, a great annoyance is measured about the understandings declaimed by the eleven judges that make up the Brazilian supreme court. Discontent with decisions is called a backlash effect, caused by the neo constitutionalist movement, which is present in current law. In view of these facts, two base points are observed to the phenomenon called backlash. The protectionist vanguard of fundamental rights by the court, and the popular outcry, with conservative ideals, which seek in a way to break, fragment, undermine these fundamental rights due to traditionalist thoughts. This article aims to bring up the jurisprudential analysis of the homeland, to explain the relationship of judicial activism, judicialization and neo constitutionalism with this effect and to bring to the national and foreign doctrinal thought to the article.

Keywords: Judicial activism, backlash effect, judicial review, fundamental rights.

 

Sumário: Introdução. 1.Neoconstitucionalismo e a origem do fenômeno 1.1 Diferenciação básica entre judicialização e ativismo judicial. 2. Casos emblemáticos no direito comparado. 3. Protecionismo dos direitos fundamentais pelo órgão judiciário. 4. Constitucionalismo popular e sua ligação com o Backlash. 5. Supremacia Judicial e o Last Word. 6. O papel do Minimalismo Judicial no fenômeno. Considerações Finais. Referências. Notas

 

INTRODUÇÃO

Hodiernamente, tem se notado uma insatisfação enorme da sociedade civil em relação às decisões proferidas pelos órgãos judiciários, em especial, ao Supremo Tribunal Federal. Sendo a corte a última instância em matéria constitucional, na qual julgará temas de ampla repercussão, em observância à Constituição, exercendo a função de guardião da mesma, o Supremo, desempenha papel fundamental na solidificação do Estado democrático e de direito. Enquanto a supreme court julga temas pertinentes à população brasileira, a população julga a corte pelas suas decisões. Os questionamentos populares, se baseiam em possíveis discricionariedades por parte dos onze magistrados, que ao proferirem seus votos, estão carregados de vícios políticos, ideológicos e econômicos. Este descontentamento com os entendimentos adotados pelos ministros, vem sendo chamado pela doutrina estrangeira de efeito backlash, no qual descreve reações desencadeadas por mudanças bruscas e ameaçadoras do status quo.

O respectivo efeito, está englobado dentro da nova perspectiva de constitucionalismo, denominado de neoconstitucionalismo, constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivismo. O presente fenômeno, tem por finalidade adotar uma interpretação constitucional mais efetiva, na medida em que concretiza os valores fundamentais e o seu garantismo.

Ao supracitado fenômeno, far-se-á menção, também, à temas vigentes no ordenamento jurídico estrangeiro, de forma supletiva, para que orientem sua ligação para com o efeito backlash. Tais como, o judicial review , o ativismo judicial e a judicialização, sendo estes dois últimos amplamente utilizados e conhecidos pela doutrina pátria, e que demonstrarão sua correlação para com o efeito abordado no artigo.

À medida que a sociedade evolui, suas instituições também se desenvolvem, de forma que, possa, sempre que possível, acompanhar as mudanças da sociedade. Tais fenômenos, então, demonstram uma nova perspectiva do direito Constitucional, de muitos que estão por vir.

 

  1. NEOCONSTITUCIONALISMO E A ORIGEM DO FENÔMENO DO BACKLASH

Após sólidos avanços alcançados com o constitucionalismo nos séculos XVIII e XIX, surge no século XXI um fenômeno bastante importante em tema de matéria Constitucional. Uma nova realidade constitucionalista se faz presente na atualidade, denominada de neoconstitucionalismo, pós-positivismo, ou, ainda, constitucionalismo moderno, a nova visão de concretude e efetividade da lex fundamentalis pátria, vislumbrando uma realidade material. Ultrapassado aquele conceito usual de que o constitucionalismo é o movimento jurídico, filosófico e político, que surge nos séculos passados, com intuito de limitar o poder, este novo fenômeno visa, primordialmente, alcançar a efetivação das garantias constitucionais.

Segundo Barroso (2005, p.5):

 

“O marco filosófico do novo direito constitucional é o pós-positivismo. O debate acerca de sua caracterização situa-se na confluência das duas grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas opostos para o Direito: o jusnaturalismo e o positivismo. Opostos, mas, por vezes, singularmente complementares. A quadra atual é assinalada pela superação – ou, talvez, sublimação– dos modelos puros por um conjunto difuso e abrangente de ideias, agrupadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo.”

 

Seu surgimento se dá no período pós segunda guerra, na europa, na Alemanha pós nazismo e na Itália pós fascismo. Devido às atrocidades cometidas nesse período, a intensa violação para com os direitos humanos, as barbáries, à um maior limite, que faça com que tais ações não se repitam, fez-se necessária à instauração de mecanismos que auxiliassem na repressão de tais atos. O pós positivismo, surge com novo direito constitucional, à medida que cria, na ordem jurídica mundial, uma nova forma de alcançar o real sentido de Estado Democrático Social de Direito.

 

“O neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para implantação de um Estado democrático Social de Direito” (AGRA, 2008, p.31).

 

Parafraseando novamente Barroso (2005, p.6), “a superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas”.

 

No Brasil, tal fenômeno surge não em decorrência de fatores externos, e sim, casos internos, tal como o período da ditadura militar. Após seu término em 1985, a primeira manifestação foi a respeito da democracia, almejando o seu retorno, após anos de duras repressões. Em 1988, com a Constituinte do referido ano, promulgou a constituição vigente no país, após árduos meses para que esta, fosse a mais eficaz possível. Embora consagrada por sua extensão analítica, consagrada pelos fins dirigentes, sua efetividade é reduzida, na medida em que as normas programáticas não são cumpridas. O neoconstitucionalismo surge, como forma de concretização dos valores constitucionalizados, garantia de condições dignas mínimas, inovações hermenêuticas etc.

 

“O seu modelo normativo não é descritivo ou deontológico, mas o axiológico. No constitucionalismo moderno a diferença entre normas constitucionais e infraconstitucionais era apenas de grau, no neoconstitucionalismo a diferença é também axiológica. O caráter ideológico do constitucionalismo moderno era apenas o de limitar o poder, o caráter ideológico do neoconstitucionalismo é de concretizar os direitos fundamentais”. (AGRA, 2008, p.31).

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Este novo entendimento constitucional é extremamente importante, haja visto que está diretamente interligado com os avanços das normas constitucionais, trazendo consigo a filosofia, para que, de forma efetiva, interprete de forma prolixa, a funcionalidade da Constituição. “Sua presença se dá nos movimentos da contemporaneidade também, destacando-se aqui, por exemplo, reações aos movimentos de conquista de direitos civis e aos movimentos feministas em busca de direitos” (LENZA, 2020, p.91).

 

E para Marmelstein (2016, p.3), “o Backlash é uma reação adversa não-desejada à atuação judicial. Para ser mais preciso, é, um contra-ataque político ao resultado de uma deliberação judicial”.

 

1.1 DIFERENCIAÇÃO BÁSICA ENTRE ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO

Embora tais fenômenos estejam, de certa forma, consolidados no ordenamento jurídico brasileiro, far-se-á menção à diferença entre ativismo judicial e a judicialização. O primeiro, se inicia a partir de uma retração do órgão legislativo, delegando, tacitamente, tal dever ao órgão judiciário. O ativismo, consiste numa interpretação legal prolixa por parte do judiciário, com o intuito de elaborar uma hermenêutica protecionista, a fim de concretizar as normas constitucionais. Nas palavras de Barroso (2011, p.365), “a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações, sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios”.

 

Defende-se, também, dois pontos de vista, o ativismo no sentido positivo, favorável, e o ativismo negativo, desfavorável.

A grande temática abordada é que, embora o ativismo se mostre, muitas vezes preenchedor de espaços, garantindo assim, a efetivação do texto constitucional, cuida-se também, da questão da discricionariedade. Na sua forma negativa, uma parcela de magistrados que o utilizam para fins subjetivos, ferindo assim o sistema dos freios e contrapesos, identificado por Aristóteles, e que foi otimizado por Locke e Montesquieu. Nas palavras de Figueiredo (2017), “é responsável por uma atmosfera subjetivista, um verdadeiro império de vontades pessoais, onde o julgador sente-se à vontade para julgar conforme o seu isolado pensamento, ainda que divorciado do lastro jurídico e/ou probatório, com extremo risco para a segurança jurídica da própria democracia”.

 

Já pelo lado positivo, “nos últimos anos, uma persistente crise de representatividade, de legitimidade e de funcionalidade no âmbito do Legislativo tem alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral.” (BARROSO, 2008).

 

Citando agora o fenômeno da judicialização, num apanhado histórico, o órgão Judiciário foi o último a se destacar dentre os três órgãos.

Mas antes de discorrer sobre sua historicidade, menciona-se a adoção da doutrina do professor Pedro Lenza no artigo, ao fazer a diferenciação entre poder e órgão. Como menciona o referido professor (2020, p. 568), “o poder é uno, indivisível e indelegável. O poder não se triparte. O poder é um só, manifestando-se por meio de órgãos que exercem funções. Assim, todos os atos praticados pelo Estado decorrem de um só poder, atos esses que irão adquirir diversas formas, dependendo das funções exercidas pelos diferentes órgãos”.

 

Procedendo ao contexto histórico, menciona-se primeiramente o Legislativo, com surgimento entre os séculos XVII e XVIII, com a função de limitar o poder do rei e criar leis para vigorarem na sociedade então vigente. Em seguida, o Executivo, com surgimento no século XX, como cita Lopes (2017), “já sob as políticas do welfare state, o Poder Executivo era o condutor da satisfação dos direitos sociais. Passado o período pós segunda guerra, com observância no século XXI, o Judiciário se fez presente no resguardo dos direitos dos cidadãos, promoção da justiça, impedir possíveis conflitos armados novamente e solucionar os conflitos presente na sociedade”.

 

Retomando à judicialização, está se configura quando há uma maior atuação judicial no resguardo e na tutela dos direitos e garantias resguardados pela Constituição. Tal fenômeno encontra origem em dois acontecimentos históricos no Brasil, a redemocratização, necessitando assim, de uma maior participação do Judiciário na sua consolidação. E na promulgação da Constituição de 1988, tendo como característica sua amplitude, fazendo com que o órgão atuasse de forma concisa nas normas constitucionais, visando assim, sua efetivação.

Na visão doutrinária, sua conceituação encontra duas definições concretas e compreensíveis sobre:

 

De acordo com Fernandes (2017, p.14), “o processo pelo qual os juízes passam a definir ou cada vez mais dominar a definição de políticas públicas que, anteriormente, haviam sido definidas (ou, acredita-se, devem ser definidas) por outras agências governamentais, especialmente do Legislativo e Executivo, e. 2. O processo pelo qual os fóruns não judiciais de negociação e de tomada de decisão passam a ser dominadas por regras e procedimentos quasi-judiciais (legalistas)”.

 

E Hirschl (2006), refere-se à judicialização “a partir da abordagem de transferência de poder das instituições representativas para as judiciárias, cuja origem estaria na transição (constitucional e democrática) ocorrida em diversos países que passaram por regimes autoritários do século passado. Cada vez mais os tribunais são utilizados para tomar decisões difíceis (hard cases), relacionadas a dilemas morais fundamentais e questões de política pública”.

 

Consequentemente, nota-se a diferença entre os fenômenos, enquanto o ativismo judicial, evidencia-se por uma interpretação criativa dos tribunais, para resguardar as garantias e embora, se surpreenda com atos tidos como discricionários e criando novas normas. A judicialização encontra fundamento na busca reiterada da sociedade para com o órgão Judiciário, como forma de promover a tutela jurisdicional de seus direitos.

1.2 CASOS EMBLEMÁTICOS NOS EUA E NO BRASIL

Na história de julgados das supremas cortes pelo mundo, nota-se que, em algumas, houve uma extensa divergência para com o momento histórico e a decisão proferida. Nos EUA, por exemplo, há uma gama de casos a serem relatados neste artigo, iniciando-se pelo Brown vs Board of Education , em 1954, no estado do Kansas. Oliver Brown, após recorrer à corte suprema para que garantisse que sua filha, de oito anos, pudesse estudar numa escola para alunos brancos, visto que a escola para os alunos negros ficava a 21 quarteirões de sua casa. Tal amparo se deu com base na Décima Quarta Emenda, com o entendimento de que não há espaço para segregações na educação. A implantação da decisão foi árdua, em razão da época principalmente, onde ainda havia grande segregação entre negros e brancos, gerando, assim, uma indignação com a Corte

Não obstante, no caso Roe vs Wade , em 1973, no estado do Texas, após ter sido vítima de um estupro, sendo desmentido a posteriori pela referida vítima, a Suprema Corte decidiu de forma favorável ao permitir que Jane Roe pudessem abortar. E novamente, amparado pela Décima Quarta Emenda, a Corte decidiu que o direito à privacidade deveria ser respeitado, sustentando que a maioria das leis dos estados violavam tal direito. O caso reforçou a tensão para com a opinião pública, visto que, foram “criados” dois movimentos, os pro-Roe (favoráveis à decisão) e os anti Roe (pró vida).

Em 2012, numa discussão entre a obrigatoriedade ou não da aquisição de planos de saúde, a Supreme Court, na figura de seu presidente, John Roberts, entendeu ser constitucional a aquisição às pessoas físicas dos referidos planos, visto que a Constituição Americana permite que o Congresso regulamente o comércio interestadual. O presente caso se encontra em National Federation of Independent Business v. Sebelius , e que também foi motivo de críticas, visto que a Lei de Serviços de Saúde Acessíveis, defendida pelo então presidente reeleito Barack Obama, incluía a exigência de que a maioria dos estadunidenses possuíssem acesso à saúde.

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Tratando-se do ordenamento jurídico pátrio, se observa um vasto acervo de decisões do Supremo que repercutiram na sociedade, gerando, assim, uma reação à decisão. Recentemente, em 2019, através de três ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade), o referido tribunal, em uma votação de 6 a 5, alterou o entendimento a respeito da prisão após segunda instância. Com a votação, a interpretação adequada agora é que, a prisão somente será após o trânsito em julgado, acarretando, assim, na soltura, do então ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e também, de quase 5.000 presos em todo país. Numa pesquisa realizada pelo “Instituto Datafolha”, aferiu-se que, 42% da população brasileira correspondeu negativamente à tal decisão, num total de 2.948 opiniões apuradas.

Já na pesquisa realizada pelo “Instituto Real Time Big Data”, em 1.200 apurações, notou-se um parecer desfavorável de 56% da população para com a decisão. No “Instituto Ipso”, através de pesquisa publicada pelo jornal “Gazeta do Povo”, demonstrou que, em 2017, a taxa de reprovação do Ministro Gilmar Mendes foi de 67% no mês de agosto do referido ano. Enquanto o da então presidente da referida Corte naquele ano, Carmen Lúcia, sofreu com uma desaprovação de 47%, entre julho e agosto. E o relator da lava jato, Ministro Fachin, com uma taxa de reprovação de 51%, até o término de agosto.

Em 2016, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, de n°4.983, por 6 a 5, o plenário do STF declarou inconstitucional a Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, a respeito das “vaquejadas”. A referida prática nasceu na década de 40, no Nordeste do Brasil, e consiste na captura do boi, por dois vaqueiros montado em um cavalo, visando derrubar o boi segurando sua cauda.

De acordo com Barroso, ao proferir seu voto, reconheceu que:

 

“Embora ainda não se reconheça a titularidade de direitos jurídicos aos animais, como seres sensíveis, têm eles pelo menos o direito moral de não serem submetidos à crueldade. Mesmo que os animais ainda sejam utilizados por nós em outras situações, o constituinte brasileiro fez a inegável opção ética de reconhecer o seu interesse mais primordial: o interesse de não sofrer quando esse sofrimento puder ser evitado” (ADI 4983).

 

O respaldo está em conformidade com o que está disposto no artigo 225 da CR/88, in verbis:

 

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988)”.

 

Após tal decisão, a PEC nº 96/2017 foi aprovada, após vasta insatisfação dos grandes proprietários de terra e dos parlamentares ruralistas para com a decisão do STF. Seguindo o texto da referida PEC:

 

“Art. 1º O art. 225 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 7º. § 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.”(NR)”.

 

Diante dos fatos supracitados, evidencia-se que, após uma decisão proferida pela Suprema Corte Brasileira, parte da população, grupos ideológicos, políticos, econômicos etc, reagiram de forma adversa, gerando assim o efeito backlash.

 

1.3 PROTECIONISMO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO ÓRGÃO JUDICIÁRIO

Tutelador master dos direitos fundamentais, ao órgão Judiciário, atribuiu-se o árduo papel de zelar pela prestação e efetivação das prestações materiais. Tais prestações, estão alocadas no título II, da Constituição da República Federativa do Brasil, abrangendo os direitos sociais, direitos políticos, direitos de nacionalidade etc. Embora se mencione reiteradamente, faz-se necessário, o reforço ao entendimento da legitimidade do supracitado órgão, neste modo, de formas distintas entre si. No território pátrio, citando o Supremo Tribunal Federal, encontra-se três linhas de raciocínio, embarcando três tipos de papéis, para que sustente sua legitimidade. O primeiro encontra embasamento na corrente contramajoritária, de modo que, as supremas cortes, controlem a constitucionalidade dos atos dos órgãos Legislativo, e também, do Executivo, mesmo não sendo dotados de legitimidade popular.

 

Como observa o Min.Barroso (2018, p.155), ao citar dois princípios que resguardam a legitimidade democrática da jurisdição constitucional: “a) a proteção dos direitos fundamentais, que correspondem ao mínimo ético e à reserva de justiça de uma comunidade política, insuscetíveis de serem atropelados por deliberação política majoritária; e b) a proteção das regras do jogo democrático e dos canais de participação política de todos […]. Há razoável consenso, nos dias atuais, de que o conceito de democracia transcende a ideia de governo da maioria, exigindo a incorporação de outros valores fundamentais”.

 

Ademais, faz-se menção, também, ao papel representativo, que constitui uma ligação com os anseios populares, legitimando democraticamente as decisões. A referida representatividade, é citada na medida em que o Congresso Nacional não atende, de certo modo, a vontade popular, gerando, assim uma crise de legitimidade, propiciando uma atuação mais ativa do Judiciário, em especial, da Corte Suprema.

 

“Muito embora os juízes não sejam eleitos pelo povo, em algumas situações, a decisão da Corte estará muito mais na linha da vontade popular do que a lei ou ato normativo editado pelo Parlamento, que, como se sabe, representa a vontade popular”. (BARROSO, 2018, p.160-161).

 

Mantendo a ontologia e o afastamento ao retrocesso social, o último papel desempenhado pelo STF encontra-se no campo do iluminismo. Embora tal papel encontre limites e freios ao ser aplicado, sua importância é fundamental para o progresso social, mesmo sendo contrário à crença popular.

 

Citando novamente, o excelentíssimo Min.Barroso (2018, p.165):

“Ao longo da história, alguns avanços imprescindíveis tiveram de ser feitos, em nome da razão, contra o senso comum, as leis vigentes e a vontade majoritária da sociedade. Tampouco, eventuais abusos deste papel seriam paradoxais ao iluminismo, visto que, ao se apossar de tal competência, há riscos que seu uso exacerbado acarrete numa instância absoluta, preeminente.”

 

Logo, embora essenciais em determinados casos, para manutenção da ordem social, efetivação dos direitos fundamentais e do progresso social, tais papéis não devem ser utilizados de forma desenfreada. “O majoritário pode degenerar em intervenção no espaço da política, gerando uma ditadura do Judiciário, já o representativo, num populismo judicial, que é tão ruim quanto qualquer outro e o iluminista num obscurantismo, atrasando, assim, a história”. (BARROSO, 2018, p.165).

 

2. A LIGAÇÃO COM O CONSTITUCIONALISMO POPULAR DE TUSHNET

Com origem no ordenamento jurídico norte-americano, o constitucionalismo popular, surge como paradoxo à supremacia da interpretação judicial. Em linhas gerais, através deste tipo de constitucionalismo, tal interpretação Constitucional caberia, em última instância, ao povo. O fundamento encontrado é que, os juízes, enquanto membros dos tribunais superiores, não deteriam de tal legitimidade para a tomada de decisões, visto que, não foram eleitos diretamente pelos cidadãos. O debate na doutrina estrangeira, favoravelmente ao constitucionalismo popular, se dá com base no possível elitismo adotado pelas Cortes Supremas, agindo assim, de forma hegemônica.

 

“Este entendimento é um tanto quanto complexo, um dos maiores desafios a ser enfrentado é aquele decorrente da dificuldade de se justificar e aceitar o modelo de revisão judicial pelo qual se inválida a vontade do povo materializada no trabalho legislativo, fruto da atuação do parlamento”. (LENZA, 2020, p.79).

 

“Sua conceituação doutrinária acontece na medida que, se baseia na ideia de que todos nós deveríamos participar na criação de direito constitucional através de nossas ações na política”. (TUSHNET, 1999, p.03-04).

Não obstante, Larry Kramer (2004, p.959) conceitua-o como, “um sistema de constitucionalismo popular o povo não estaria confinado a atos constituintes ocasionais, mas estaria ativamente incluído na interpretação e efetividade do direito constitucional”.

 

Tal linha de raciocínio, se deu empiricamente no século XVIII, num campo fértil para estudos constitucionais, como por exemplo, após a Constituição dos EUA de 1787. Na referida época, pós vigência da Constituição dos autores, cita-se um julgamento nos quais a vontade dos juízes foi substituída pelo clamor do povo, esboçando assim, o que se denomina hoje, de constitucionalismo popular. No ano de 1793, o júri presenciou o julgamento de Gideon Henfield, após ser acusado de “ofensas de direito comum contra os EUA”, após servir a bordo de um corsário francês, visto o contexto histórico da Guerra de Independência para com a Inglaterra. A decisão da Suprema Corte e do Tribunal Distrital foi unânime para condenação, e proclamando pelos ideais adotados na Constituição Americana, o júri, também unanimemente o absolveu.

 

Citando Kramer novamente (2004, p.15), “os Estados Unidos eram então o único país do mundo com um governo fundando explicitamente no consentimento de seu povo, dado em um ato distinto e identificável, e as pessoas que deram esse consentimento estavam intensamente, profundamente conscientes do fato”.

 

Diante disto, encontra-se, nesta linha de raciocínio, sua ligação para com o fenômeno do backlash, uma vez que ambos se mostram desfavoráveis às decisões das Cortes Supremas. Enquanto um, acredita na ilegitimidade desta para atuar na revisão judicial da Constituição, o segundo, backlash, demonstra o descontentamento para decisões isoladas, proferidas por ela. Assim, observa-se que, ambos os fenômenos, abordados no neoconstitucionalismo, vão contra este possível monopólio judicial, aproximando o povo da Constituição então vigente e acarretando, num maior peso ao Judiciário, para que se afaste da discricionariedade.

 

2.1 SUPREMACIA JUDICIAL E O “LAST WORD”

Como é cediço, tem-se enraizado no ordenamento jurídico brasileiro, a questão controversa do STF ser o guardião da Constituição, impondo a ele o direito de “errar por último”. Tal fundamento encontra-se positivado na Carta Magna pátria.

Conforme o que está disposto no artigo 102 da CR/88, in verbis:

 

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe. (BRASIL, 1988)

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

O presente entendimento a respeito da supremacia judicial, preceitua que, o Judiciário, passe a atuar de forma unânime nas relações para com questões constitucionais. Após a Segunda Guerra Mundial, em virtude das atrocidades cometidas no período citado, tal órgão ganhou força para que atuasse no julgamento dos crimes e barbáries cometidos durante a guerra, solidificando, assim, sua legitimidade. Ao Supremo Tribunal Federal, através de suas hermenêuticas, criação de súmulas, seu repertório jurisprudencial, nota-se que, o judicial review não pode ser negado de forma indiscriminada. No entanto, com base em discussão doutrinária, pontua-se também, que ao Tribunal, não lhe cabe este tipo de atuação de forma absoluta.

 

Nas ilustres palavras de Souza Neto e Sarmento (2014, p.402), “é preferível adotar-se um modelo que não atribua a nenhuma instituição […] o direito de “errar por último”, abrindo-se a permanente possibilidade de correções recíprocas no campo da hermenêutica constitucional, com base na ideia de diálogo, em lugar da visão tradicional, que concede a última palavra nessa área ao STF”.

 

E completando, “mas isso não significa que a Corte deva exercer sua autoridade sobre todas as questões ou que, quando exerce sua função, a Corte possa desprezar rapidamente ou substituir os pontos de vistas de outras instituições mais democráticas”. (LENZA, 2020, p.81).

 

Em linhas gerais, ao conferir ao STF, o last word , questiona-se, reiteradamente, o porquê a última interpretação caberá a este Tribunal. Acontece que, embora embasada na corrente iluminista, se a Corte couber, de forma absoluta, a resolução de todos os conflitos ocorridos dentro de uma sociedade, torna-se, o povo, refém dela.

Cita-se, também, atenciosamente, de forma esmiuçada, os limites hermenêuticos constitucionais, para que as ações não se tornem discricionárias, e reforcem, mais ainda, a insatisfação popular e a descrença na sua legitimidade.

2.2 O PAPEL DO MINIMALISMO JUDICIAL NO FENÔMENO

Elaborada pelo cientista político, Cass Sunstein, a teoria do Minimalismo Judicial corresponde à limitação jurisdicional a fim de evitar questionamentos morais e políticos nas decisões proferidas pelo órgão Judiciário. Desta forma, ao não adentrar mais em questões carregadas de valores morais, filosóficos e políticos, o Judiciário passa para os demais órgãos (Executivo e Legislativo), o ônus de pacificar determinados conflitos.

 

“A teoria do Minimalismo defende que os tribunais devem limitar sua atuação as provas apresentadas no processo concreto, evitando-se controvérsias morais, e consequentemente o backlash. Sinteticamente, o Minimalismo é melhor compreendido como um esforço para deixar as coisas abertas, limitando a largura e a profundidade das decisões judiciais”. (SUNSTEIN, 1995, p.18).

 

Reforçando Sunstein, para Tara Smith (2010, p. 352), “o Minimalismo é a visão de que os tribunais devem resolver os casos através da emissão de decisões estreitas que afastem claramente os princípios gerais e amplas implicações. Seria, portanto, a política de juízes “dizendo não mais do que o necessário para justificar um resultado e deixando tanto quanto possível indecisos”.

A supracitada teoria possui, ainda, duas dimensões específicas, quais sejam, estreiteza e superficialidade.

 

Na primeira dimensão, a estreiteza, é pautada pela restrição ao proferir uma decisão, para que esta, não gere futuramente, discussões e interpretações mais prolixas para com o assunto. Simplificando, a estreiteza significa em se abster de decidir outras questões desnecessárias para um caso particular. “Por exemplo, no caso Romer v Evans, a Suprema Corte, ao invalidar lei discriminatória contra homossexuais, atuou de forma estreita e se absteve de adentrar em uma série de casos envolvendo discriminação contra homossexuais, tais como a temática da exclusão militar ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo”. (SUNSTEIN, 1999, p.16).

 

E na segunda dimensão, encontra-se a superficialidade, possibilitando que o juiz decida de forma mais superficial, ligeira, evitando um maior aprofundamento nos princípios fundamentais rígidos. “A superficialidade, enquanto segundo atributo, pressupõe que as pessoas, em meio a profundos desacordos, buscam alcançar acordos parcialmente teorizados. A ideia é alcançar “acordos sobre abstrações entre desacordos ou incerteza sobre o significado particular de tais abstrações”. (SUNSTEIN, p.19).

 

Por exemplo, citando novamente Sunstein (1999, p.38), “num determinado grupo de pessoas, concorda-se que o caso A é parecido com o caso B pelo mesmo princípio de baixo nível de abstração, sem estar de acordo em uma teoria geral para explicar porque o princípio de baixo nível é sólido. Dessa forma, as pessoas concordam na importância da similaridade, sem concordar sobre o que faz com que duas coisas sejam similares”.

 

Através desta teoria, proporciona um “alívio” ao Judiciário, para que não conflite com a maioria popular, e não gere, como supracitado em outros tópicos, a insatisfação popular e, novamente citando, a descrença em sua legitimidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a compreensão do neoconstitucionalismo, como forma de ultrapassar a crença de uma Constituição exclusivamente utilizada para limitar o poder, utilizando-a como expansão dos direitos fundamentais assegurados por ela e trazer a justiça, ética junto do positivismo. Notou-se que, juntamente desta nova interpretação constitucional, surgem, também, fenômenos envolvendo o órgão Judiciário.

No debate a respeito da legitimidade dos juízes para decidirem questões constitucionais, sendo que estes não foram eleitos diretamente pelo povo, que será diretamente afetado com as decisões destes juízes é extremamente prolixo. Há entendimento doutrinário estrangeiro diverso, vide o constitucionalismo popular, mas a aplicação desta teoria no ordenamento jurídico brasileiro é dúbia, sendo necessário um maior aprofundamento nesta matéria.

O conflito entre o direito e a política é o alicerce deste assunto, e para que haja uma melhor compreensão das competências do Judiciário, em especial, do Supremo Tribunal Federal, direciona ao cidadão, que passe a estudar, compreender melhor tais competências. A ideia é que não só no sufrágio, mas também a respeito das instituições envolvidas nas questões políticas e jurídicas no Brasil, as pessoas passem a ter um conhecimento mínimo do funcionamento institucional.

E para integralizar, faz-se necessária uma postura mais proativa dos órgãos Legislativo e Executivo, para que possam debater, solucionar, posicionar a respeito de decisões envolvendo temas sensíveis. Retirando, ainda que parcialmente, a tensão sofrida pelo Judiciário, ao lidar com tais questionamentos abordados neste artigo. Complementando, também, além do direcionamento destas questões sensíveis, um maior reforço ao amicus curiae, de forma a legitimar, auxiliar e aproximar o Judiciário da sociedade e a uma alteração cultural, voltada ao reforço popular na política, de forma a inserir na vida do cidadão brasileiro o assunto política.

Referências

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NOTAS

[1] Um forte sentimento entre um grupo de pessoas em reação a uma mudança ou eventos recentes na sociedade ou política (Cambridge Dictionary)

[2] O tribunal mais importante em um país ou estado (Cambridge Dictionary)

[3] Processo em que uma decisão tomada por um departamento governamental é examinada por um tribunal para decidir se foi certa ou não (Cambridge Dictionary)

[4] A lei básica da Igreja Católica Romana, semelhante a uma constituição para a Igreja, é uma nova característica na história da legislação eclesiástica. Foi convocado pelas decisões do Concílio Vaticano II. (Catholic Culture). Que na doutrina brasileira é utilizada para fazer menção à Constituição Federal da República Federativa do Brasil.

[5] Brown v. Board of Education of Topeka, 347 U.S. 483 (1954)

[6] Roe v. Wade, 41 U.S.113 (1973)

[7] National Federation of Independent Business v. Sebelius, 567 U.S. 519 (2012)

[8] Revisão Constitucional feita pela Suprema Corte garantindo a interpretação prolixa de determinado tema (Cambridge Dictionary)

 

¹Acadêmico do Quarto Período do Curso de Direito da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS).
²Orientadora. Professora da UNIFENAS. Doutora e Mestre em Direito Público Internacional pela PUC Minas. Especialista em Estudos Diplomáticos. Advogada.
³Orientador. Professor da UNIFENAS. Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP e Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela Universidade de Coimbra. Advogado

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