O mundo em que vivemos já não é mais o mesmo de quando foram estabelecidos os acordos e tratados que regulam o Direito de Autor.
É certo que o direito é reativo às necessidades da sociedade e no Direito do Autor não é diferente. Facilmente encontram-se na história do direito autoral forte presença de reformas aumentando o lapso temporal e suas limitações com o exclusivo dado ao autor, fruto da reação e lobby exercido no legislativo.
O direito positivado não é mais suficiente para fazer frente à nova sociedade. Temos um direito classificado como “analógico” para uma sociedade digital e no que tange, ao já mencionado direito de autor, essa máxima é facilmente visualizada e sobre essa dicotomia será pautado o presente estudo.
A delimitação que se faz é tanto temporal como no próprio objeto a ser tratado. O tema é muito abrangente e para não correr o risco de deixar de tratar alguns pontos importantes a limitação dar-se-á ao enfoque do Direito do Autor relativo às obras literárias no suporte eletrônico, a constituição de bibliotecas digitais mais precisamente sobre o projeto do Google Books e demarcando a investigação a partir de sua criação no inicio do ano de 2004.
Estamos diante de um direito anacrônico, concebido em um que tempo onde a tecnologia não era a digital, mas que persiste positivado na maioria das legislações dos Estados. São leis que não contemplam o uso de novas tecnologias ou quando o fazem não passam de acertos pontuais na lei vigente. Estamos diante de uma colcha de retalhos e a pergunta que se impões é se ela ainda serve aos propósitos. Notar-se-á que a resposta é negativa. Há necessidade de profundas reformas para deixar de se ter o antigo apenas renovado e ter-se algo com plena efetividade.
Nesse sentido a tecnologia pode e será útil para renovar a forma com que a sociedade, as entidades de gestão coletivas, os detentores de direitos autorais e os autores se relacionem constituindo um novo modelo que será mais adequado às necessidades da sociedade atual.
José de Oliveira Ascensão classifica o direito do Autor como direitos essencialmente de exclusivo ou monopólio cujos titulares detêm a exclusividade na exploração e sempre ao abrigo da concorrência; classificados como propriedade.[2]
Modelo construído no século XVII e que é transportado até os dias de hoje não pela sua eficiência ou necessidade mas apenas por uma função ideológica que se justifica apenas para manter o monopólio sobre a propriedade industrial.[3]
O presente trabalho demonstrará a discrepância entre os dois direitos, o velho e o novo, o analógico e o digital e exporá os vícios justificando as mudanças que tão necessárias e inadiáveis.
Antes das conclusões será exposto um caso prático que tem sido tratado por parte dos especialistas da matéria devido à sua amplitude e impacto no cenário atual do Direito do Autor. Serão expostos o conteúdo, o objeto e o objetivo da tentativa de acordo entre a empresa californiana Google e os representantes de direitos intelectuais, nos Estados Unidos da América assim como os episódios que vêm se desenrolando no período entre sua proposição em Outubro de 2008[4] e o mês de abril de 2011, quando a sentença do Juiz do Estado de Nova York suspendeu as negociações e a concretização do projeto.
Ao final, serão expostas as conclusões do presente estudo, o qual é baseado na investigação resultante da pesquisa bibliográfica, da coleta de notícias da mídia e principalmente das aulas práticas do curso de doutoramento e pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Tem-se certo que algo repetido diversas vezes e de forma insistente passa a ser tomado como verdade, mesmo não o sendo e é o que podemos observar quanto ao tratamento dispensado ao uso não formal do conteúdo protegido pelo exclusivo criado pelo direito do autor. Torna-se verdade a afirmação vez que o referido exclusivo também tem suas limitações, conforme podemos encontrar no ordenamento jurídico de muitos Estados ou então pela dedução hermenêutica da conjunção de leis, em outros. Tem-se o instituto da cópia privada em Portugal, a função social da propriedade no Brasil e de uma forma mais difusa o direito ao acesso da Informação e consequentemente, com sua assimilação, o direito ao conhecimento.
Propaga-se que o pagamento pelo uso da obra ou a indenização ou retribuição pelo uso da obra protegida pelo direito exclusivo do autor presta-se para incentivar a produção. Antes do copyrights ser estabelecido pela determinação da Rainha Anne, então rainha da Inglaterra, em 1710 – Estatuto de Anne, que estabeleceu os direitos exclusivos de impressão à corporação de editores de Londres, chamada Conger exclusiva por 14 anos, renovável por igual período, caso houvesse interesse e o autor estivesse vivo[5] – não havia este estímulo, e os autores foram capazes de criar uma obra vasta e de grande qualidade.
Muitos autores tiveram produções notáveis sem a compensação ou a perspectiva de um recebimento pecuniário prévio por suas obras.
Logo, o que se depreende é que o dito estímulo foi criação relativamente recente se comparado à extensa história da criação intelectual e, portanto, não mais se justifica, já não é um dos pilares onde se possa sustentar o direito do autor.
O que se assistiu nos últimos tempos, desde o já mencionado ato da Rainha Anne, foi um aumento do tempo de proteção e um desvio dos benefícios para os detentores dos direitos autorais. Ao se falar de estímulo para a produção autoral, o que está a ser estimulado são os titulares dos direitos autorais e não necessariamente os próprios autores, sujeitos da proteção e objeto da lei.
Informação e conhecimento
São palavras muitas vezes confundidas pelo leigo mas que têm significados diferentes tecnicamente e uma relação estreita entre si.
A informação pode ser classificada etimologicamente[6] como ato ou efeito de informar um fato ou manifestação de um ou mais indivíduos em determinado tempo e espaço, instrução ou ensinamento, transmissão de conhecimento. Portanto a informação não passa de uma base para que associada a outras informações e processada dentro de uma lógica ou metodologia possa se transformar ou transmitir conhecimento.
Por outro lado, o conhecimento é a capacidade de o indivíduo associar informações e delas tirar efetivo proveito contribuindo para seu crescimento pessoal e também, quando bem utilizado, para o crescimento da sociedade onde está inserido.
Temos portanto uma relação intrínseca dependente e dissociável dos dois elementos vez que o conhecimento não é gerado sem a informação e a informação sem um propósito perde seu valor perde a razão de ser.
A palavra informação foi utilizada no contexto de que os tipos de obras autorais acima citados exprimem umas informações, bem como podem também ser reduzidas em informações binárias, e dessa forma, ser colocadas em linha em diferentes modos e escalas e vir a compor uma biblioteca digital.
Tomemos por exemplo um livro. Após ser concluído, em qualquer que seja o suporte, poderá ser convertido em formato binário e então ser reproduzido e vendido diversas vezes, sob um custo muito baixo. Baixo, pois o custo do produto não será composto pelo suporte cartáceo, por custos de armazenamento, transporte, distribuição, administração de vendas, marketing tradicional, etc. Logo quando se trata da colocação em linha da obra o custo diminui drasticamente mas o incremento de vendas pode torná-lo mais rentável que o análogo no papel.
Quando foi escolhido o elemento acima também foi considerada a questão da convergência de mídias. A Sociedade da Informação propicia que um mesmo conteúdo esteja em diversos formatos no mesmo suporte eletrônico. Considerando que pode-se visualizar o conteúdo de um livro no formato “escrito” com todos seu caracteres, na forma verbalizada, através da leitura de uma pessoa ou através de um software que “lê” o texto, ou ainda através e sua representação em um vídeo. Temos em todos os formatos o mesmos conteúdo com obras originais ou derivadas. A informação é, de certa forma, a mesma. E o suporte é o digital. Também há que se considerar a convergência de mídias como suporte. Os aparelhos modernos de “interface” do ser humano com repositórios e transmissores de informações tem se aperfeiçoado e tornam-se ambivalentes. Podemos assistir transmissões de TV no computador; podemos utilizar o tela da TV para visualizar nossas pastas de trabalho armazenadas no PC; utilizamos o telefone para acessar informações na Internet e a Internet para fazer ligações. A possibilidade de apenas um suporte, uma media ou um tipo de forma de transmissão de informações, digo pois podem-se transmitir dados, sons, luzes, etc, não é factível, vez que cada forma tem suas vantagens e desvantagens.
O sítio “Europiana” é um exemplo. Congrega diversos tipos de mídia disponibilizando ao público a cultura dos países comunitários. Encontram-se livros, imagens, vídeos e livros. A Biblioteca pode e deve abrigar qualquer suporte de informação.
Mesmo que seja deixada de lado a possibilidade de convergência de mídias e que seja considerado cada forma separada, em virtude da codificação e do armazenamento da informação, a forma de comercialização é muito parecida pois o suporte é o mesmo e isso se reflete na desmaterialização dos livro na biblioteca digital.[7]
A primeira grande crise enfrentada na nova forma de comercialização foi pela indústria fonográfica. Tinha o monopólio da distribuição dos fonogramas pois era a única que detinha uma forma de reprodução em larga escala o que tornava a obra acessível.
É certo que o antigo mimeógrafo, possibilitava a reprodução de determinadas informações com certa rapidez e qualidade, mas para grande parte da população ainda era um trabalho custoso reproduzir grandes trechos de obras. No último século a invenção da fotocopiadora trouxe sérios impactos para a indústria literária, principalmente no segmento de trabalhos acadêmicos que será tratado mais adiante como a segunda crise da comercialização de informações para não se quebrar a cronologia.
Em alguns países, como Portugal, a cópia privada é regulamentada[8] e possível. Cria-se então um limite ao exclusivo do autor, tornando-se possível uma cópia da obra autoral para uso privado e restrito. Este instituto vem de encontro à necessidade do cidadão ter acesso a obras para desenvolver seus estudos e cultura.
Com o estabelecimento da rede mundial de computadores e em seguida com o aumento da velocidade de troca de dados iniciou-se a troca de arquivos com conteúdo protegido pelo direito autoral. Na essência a troca de arquivos não é ilegal mas se o seu conteúdo é de propriedade de terceiro, ai sim, se configura o fato delitivo. Muito se discute se o instituto da cópia privada pode ser aplicado em alguns casos.
E dessa forma estabeleceram-se “serviços” de gerenciamento de troca de conteúdos que foram largamente utilizados para o envio e recebimento de arquivos cujos proprietários não recebiam o que a lei estabelecia como devido em virtude de seu direito patrimonial sobre a obra, ou sequer sabiam das transações que lá ocorriam.
No âmbito da União Europeia existe um projeto semelhante ao que será analisado mais adiante denominado Europeana, que tem por objetivo possibilitar às pessoas ter acesso e explorar obras em diferentes formatos como imagens, textos, sons e vídeos dentro de seus mais de 15 milhões de itens, promovendo oportunidade de descoberta em um espaço multilíngue, com a possibilidade dos utilizadores colaborarem partilhando e sendo inspirados dentro da rica diversidade cultural da Europa e suas mãos de 1500 instituições que contribuem como a Britsh Library em Londres, Rijksmuseum em Amsterdã e o Louvre em Paris.[9]
Diante das novas tecnologias e da necessidade de acesso pelo público à informação contida nos livros de uma forma mais fácil, e a biblioteca digital é uma das soluções, direito autoral atravessa uma nova fase de transição, da mesma forma que na Europa de Gutenberg, século XV, a adoção da prensa de tipos móveis para fixação e transito de informações, hoje testemunha-se nova passagem para o meio eletrônico e fortemente pela Internet.[10]
Aos juristas não compete o exercício da futurologia, mas também não podem deixar, quando cercados das informações do presente, fundados no direito e em casos precedentes, procurar traçar os desdobramentos para os iminentes problemas que se colocam.
1 – Projeto
O projeto de criar uma nova biblioteca de Alexandria[11] em uma versão digital surgiu no ano de 1999 pela sugestão de Larry Page, co-fundador da empresa Google.
Pela dimensão e custo foi deixado em suspenso até que em 2004, sob o nome de Google Print, iniciou seu desenvolvimento e inicialmente contava com uma parceria entre 40 grandes bibliotecas dentre elas as das maiores universidades norte-americanas,[12] com o objetivo que foi concretizado de digitalizar 18.000.000 de livros.
O objetivo é ter uma biblioteca on-line não para que se possa fazer o download do livro inteiro, mas para que se faça consultas em trechos, leitura de capítulos, dependendo do tipo de obra, e que se obtenha referencias para compre e empréstimos em bibliotecas.
Em um primeiro momento, e cheia de justificativas, intenção altruísta, a digitalização maciça de livros, para que todos tenham acesso a uma grande base de informações esbarrou na atual legislação do direito autoral. Muitas foram as críticas originadas nos mais diversos meios, comerciais e acadêmicos, favoráveis e contra.
A possibilidade de que qualquer usuário, dotado de um terminal de acesso à Internet, possa procurar um volume que não conseguiria em sua casa, biblioteca ou livraria aumentaria, de forma exponencial, o acesso a informações que podem ser utilizadas em suas pesquisas científicas ou simplesmente em seu lazer.
Essa justificativa torna-se mais forte no tocante às obras que estejam fora do comércio e com o apelo de proporcionar uma sobrevida comercial, para o autor, e o acesso que antes estaria a alguns exemplares em poucas bibliotecas, para o leitor.
Estaríamos diante de uma nova Alexandria, mas agora no formato digital. E com as diversas facilidades e segurança que esse formato permite, tal como não ser queimada em um incêndio, de não ser atingida por enchentes ou destruída em um terremoto. Além dessas vantagens na segurança, podemos ampliar a forma de uso proporcionando uma pesquisa mais eficaz no tocante à indexação de todas as palavras do livro. Essa tecnologia permite a pesquisa de qualquer termo que componha a obra digitalizada bem como de todo o catálogo. Uma pesquisa sobre determinado termo poderia retornar todos os livros que o contenha. Facilitaria inclusive a identificação de usos não autorizados.
Mas acima de tudo permitiria a informação ser reciclada. Tudo que se produz em termos de produção literal de alguma maneira é influenciada por uma obra já existente. Não se propõe que não existam mais criações originais apenas que em maiores ou menores proporções os autores se baseiam em informações e conhecimentos já publicados.
Não poderia ser diferente pois o alfabeto usado é o mesmo. As palavras são as mesmas e o que se altera, como em uma música são as notas, é o seu elemento básico as palavras.
A proposta é destrancar o conhecimento encerrado em milhões de livros que estão indisponíveis pelo fato de estarem fora do mercado ou então por se tratarem de obras órfãs. Uma quantidade enorme de informação que pode voltar ser processada para que o conhecimento seja produzido e trazido de volta à sociedade.
Com o início em uma ideia simples do co-fundador de uma das maiores empresas do mundo que lida com o tratamento e processamento de dados, o sonho de proporcionar ao usuário de internet se concretiza na ferramenta conhecida como Google Search Books, que hoje já proporciona o fácil acesso a dados bibliográficos, trechos de livros e outros tantos que se encontram em domínio público.
A empresa americana dividiu em duas categorias as obras e com acesso diferenciado para cada categoria. A primeira engloba as obras que já se encontram em domínio público e portanto com a exploração econômica esgotada permitindo o acesso total ao seu conteúdo.
Na segunda e mais problemática categoria encontram-se as obras esgotadas e obras órfãs assim como as que ainda estão em catálogo ou com a exploração comercial ativa. Para esta categoria permite-se apenas o acesso a pequenos trechos que contenham termos que foram utilizados para a procura.[13]
Também, na mesma visualização, encontram-se links para livrarias ou bibliotecas onde a obra pode ser encontrada.[14]
O futuro que se avizinha será ditado pelo meio informático e o primeiro passo para que a informação produzida pela humanidade até os dias de hoje seja preservada e colocada à disposição de qualquer um que se disponha a procurá-la já foi dado. Para ao segundo é necessário vencer uma legislação anacrônica que em nome do Autor defende os detentores de seus direitos, que não se apercebe que o modelo que impõe não mais é efetivo, pois não traz retorno ao autor, e por fim mas não menos importante, que se está diante de uma guerra já perdida vez que a nova geração não entende e não aceita o modelo atual que deve ser revisto para reestabelecer o equilíbrio entre o exclusivo (autor) e o acesso à informação (leitor).
Para efeitos doutrinários divide-se, no presente trabalho, as obras literárias que são objeto do projeto de estudo em dois grandes ramos: com e sem proteção de direitos do autor. As últimas quando já decorrido o prazo legal de exploração e as primeiras dividida em obras em exploração comercial e em uma segunda categoria, deste mesmo ramo, dividida entre obras órfãs e fora de impressão (out of print). Cada ramo e categorias serão abordados a seguir neste capítulo.
2.1 Com proteção de direitos intelectuais
Por força dos tratados internacionais e pela legislação de cada país, foi positivado, em cada país, que a criação do espírito depositada em um suporte mecânico, portanto exteriorizada e passível de ser reconhecida por outrem, goza de um exclusivo, conferido pelo direito, que pode ser imposto contra todos, erga omines.
O ordenamento varia de Estado para Estado vez que preso ao princípio da territorialidade a lei não pode ultrapassar os limites do país e respeitados uma linha comum imposta pelos tratados internacionais[15] ainda existe uma margem para que o legislador possa adaptar, como por exemplo a quantidade de anos que se estende o exclusivo patrimonial pos mortem.
Mas por outro lado os tratados e suas revisões e hoje mais comumente por acordos, encontram-se os direitos relativos à proteção tanto da personalidade quanto aos patrimoniais redações muito similares que apontam, em sua maioria, para um mesmo norte.
Dessa forma caminha-se para uma uniformização dos códigos tornando o direito da propriedade intelectual muito parecido nos mais diferentes cantos do mundo, posição esta que não se mostra mais acertada vez que uniformizar é impor ao passo que harmonizar seria uma somatória que ainda assim respeita sutis diferenças.
Dentro dessa categoria encontra-se a grande maioria das obras atuais. Mas dentro de um universo de 18.000.000 de livros apenas 9% deles fazem parte desta categoria[16] segundo aponta Lawrence Lessig observando os números iniciais do projeto.
O direito anglo-saxão distingue-se em muitos pontos do direito continental, o Copy Right do Droit D’autour, base do direito positivado.
Ambos ordenamentos, baseado na convenção de Berna, asseguram o direito moral e patrimonial do autor. Este segundo, sendo uma propriedade, pode ser transacionado e é o que comumente se encontra em relação aos autores. Praticam-no, pois dificilmente têm recursos e informação para publicar e divulgar sua obra. A credibilidade do editor ou da empresa editorial também avaliza a obra e para esse crédito é necessário o pagamento de um preço, no caso, a cessão de todos os direitos patrimoniais ao editor ou companhia editorial.
Desta forma os direitos patrimoniais descritos e protegidos pelo ordenamento passam à gestão de editores, companhias editoras, que por sua vez passam a integrar seu patrimônio, e as entidades de gestão coletiva, representantes legais de muitos autores e detentores de direitos autorais, que defendem ferozmente e cuidam de amplia-los, pela lei, sempre que possível.
São obras chamadas órfãs todas aquelas em que não se consegue determinar o autor ou de difícil sua localização e portanto mesmo dentro do lapso temporal legal da exploração patrimonial, não pode ser feita pois não se sabe qual o destinatário dos valores.
Da mesma forma coloca-se o problema de atribuição de valor, elemento subjetivo, que não depende de tabela ou de parâmetros aritméticos, vez que somente o autor – o criador – pode valorar sua obra.
Trata-se de valor que em determinado momento, depois da descoberta autoral, pode vir a ser contestado e justamente por esse motivo é temerário determinar algo que possa vir a ser reformado e trazer consequências jurídicas e pecuniárias para aquele que determinou.
Está-se diante de um problema que todas as soluções possíveis não são definitivas e dessa feita torna-se uma questão que, mesmo com a maior boa fé empregada, artefatos culturais cuja determinação da titularidade é de difícil, e ainda não entraram no domínio público.
Temos uma outra classe de obras que por diversos motivos, como o desinteresse de exploração econômica, ou oposição do autor, deixa de ser reimpressa permanecendo apenas edições em algumas bibliotecas públicas, pessoais e em casas de livros usados. São obras cujo acesso é difícil, e dessa forma confina-se a informação. Mais uma vez estamos diante de um obstáculo para o acesso à informação.
E essa categoria Lessig[17] soma à categoria anterior e aponta que são 75% do total de 18.000.000 livros que constam no projeto inicial do Google Search Books, portanto a parcela mais expressiva e que gera mais questionamentos da forma como se utilizar ou viabilizar o acesso ao leitor.
A informação e consequente conhecimento que pode se extrair dessa categoria de obras fica limitado ao investigador que tenha possibilidade, leia-se tempo e recursos financeiros, para se deslocar a um grande centro para encontrar em uma renomada biblioteca tal obra.
Constitui uma limitação ao desenvolvimento científico e consequentemente à sociedade onde está inserido o pesquisador. Há que se ponderar se em nome de um positivismo deverá se deixar esse legado na obscuridade, sem a possibilidade de acesso pelas novas gerações de pesquisadores.
Obras que não têm um interesse comercial quando postas novamente em circulação não haverão de ferir direito ou uma expectativa de direito, o que não seria atingido sem se propiciar uma forma de retorno ao leitor.
2.2 Domínio público
São consideradas obras em domínio público todas aquelas que já tenham tido decorridos os prazos estabelecidos pela lei nacional do país onde foi editada e portanto não mais suscetíveis de exploração comercial ou qualquer outra forma de se perceber qualquer valor pecuniário.
Obras definidas como domínio público são as que não são passíveis de uma exploração econômica em virtude do exclusivo de autor portanto todo valor que for cobrado pela sua utilização não será fundado no direito patrimonial sobre a obra.
Mesmo não comportando uma exploração econômica, a preservação da defesa da obra se mantém agora por parte do Estado. É seu dever proteger para que não sofram mutilações, supressões, alterações e acima de tudo que não percam a titularidade que lhe foi atribuída através da paternidade. Em nome do acesso público à informação o ônus suportado pelo ente público não deve ser visto como um fardo, mas sim como um investimento para a preservação da memória e conteúdo da obra que é parte integrante da cultura.
Dessa forma temo determinada obra que durante a vigência legal foi explorada e, respeitada a lei e o interesse social, passou a ser de acesso público disseminando o conhecimento e proporcionando o desenvolvimento cultural a partir de seu conteúdo.
Esta classe de obras que corresponde a 16% no universo de 18.000.000 de livros que constam no projeto original do Google Book Search segundo estudo apresentado no artigo de Lessig.[18]
Em setembro de 2005 foi proposta uma ação[19] contra a Google pela Authors Guild à qual se juntaram no mês seguinte cinco editores da Association of American Publishers (AAP) que alegavam, contara a gigante californiana, violação maciça de direitos do autor (massive copyright infringement). [20]
Foram levantados argumentos contra a empresa californiana por dois ex-congressistas americanos à presidente da Association of American Publishers, Patricia Schroeder e a Bob Barr, membro da House Judiciary Committee, que ocupam lados opostos mas se juntaram,[21] no sentido de que não foi pedido permissão para a digitalização dos livros.
Em 2008 os processos que corriam foram apensados e foi proposto um acordo (the “Settlement”)[22] entre as partes, Authors Guild e vários publishers, na tentativa de contornar a questão de disputa no processo, o fair use, mas levanta-se pela primeira vez questões sobre a administração de direitos autorais. O Acordo desenha um novo território para resolução de disputas sobre copyrights por meio de ações de classe chamadas class actions.[23]
Neste acordo, onde a empresa teria um uso exclusivo sobre todas as obras digitalizadas, estavam abrangidas tanto as obras em circulação, como as out-of-print e as obras órfãs, portanto um universo que compreendia diversos direitos distintos.
Esta licença previa a disponibilização de 20% do conteúdo das obras fora de catálogo e das obras órfãs, mantendo a disponibilização integral das obras em domínio público.
Para as obras em circulação foi adotado o sistema de opt-out onde o detentor de direitos autorais que encontrasse uma obra sobre sua tutela e não concordasse com a sua disponibilização poderia solicitar através de sistema disponibilizado pela empresa sua exclusão. Ainda, caso houvesse interesse, poderia alterar a quantidade e conteúdo disponibilizado ampliando a porcentagem ou ainda liberando para a visualização páginas, capítulos ou mesmo o livro inteiro.
Dentre as criticas nota-se a que o acordo não inclui apenas os autores que optaram por fazer parte(opt-in) mas também os que falharam em sair (opt-out) e mesmo sem anuir passaram a fazer parte.
O Department of Justice, em 2009 pronunciou-se no sentido de que o acordo não fosse aprovado em virtude os problemas autorais significativos que levavam a problemas concorrenciais passando a Google o monopólio sobre um número muito significativo de obras intelectuais.
Em virtude do pronunciamento do DOJ e depois de muitas criticas por acadêmicos, autores e até mesmo por governos de outros países[24], as partes concordaram e m rever os termos do acordo resultando em uma alteração que foi feita pela emenda ao acordo chamada Amended Settlement Agreement, arquivado em 13 de novembro de 2009 onde trata de alguns pontos, mas não todos, levantados pelo DOJ em seu pronunciamento.
Em 18 de fevereiro de 2010 houve uma audiência para ouvir as partes sobre os termos, em específico sobre o fair use do ASA, e os autores sobre essa nova rodada de negociações. Para tanto foi utilizado o instrumento chamado class action[25], onde os representantes de uma determinada classe de cidadãos, representados por uma entidade por eles legitimada mas sem interesse direto, pois não discute-se o próprio direito e sim o de seus representados, ingressa com os termos do acordo para apreciação judicial para ser ou não homologado.
Depois de ouvidas as partes, o Juiz Denny Chin da corte de Nova York pronunciou-se no sentido de rejeição[26] fundamentando sua decisão que mesmo o acordo modificado permitirá a Google desequilibrar o mercado editorial e não remunera bem os detentores de direitos sobre as obras de seu acervo.
O custo, para a Google, por este acordo seria da ordem de US$ 125 milhões por ano a serem pagos pelos representantes dos representantes dos titulares de direitos autorais. A questão do monopólio foi elencado no pronunciamento judicial que sustentou a negativa do acordo.
Ainda cabe recurso da decisão da corte de Nova York, mas que não foi manifestado até a conclusão do presente estudo.
Dentre os diversos problemas apontados pelos críticos e acadêmicos, serão aqui abordados, os que se mostram de maior relevância para entendimento da questão dentro de um limite sintético que o formato do estudo exige.
O gigantesco acervo criado pela gigante da informação e seu acesso implica diretamente em uma questão crucial, que se coloca não somente nesse projeto mas praticamente em todos os sistemas da empresa. Por uma questão de restrição do tema abordar-se-á somente o enfoque pelo prisma do Google Books Search .
Uma vez que o usuário faça uma busca, seus dados pessoais e de navegação serão coletados pelo motor de buscas e serão armazenados. Teremos um sistema que saberá todas informações de quem quer que vá buscá-las. A data, hora, local de onde partiu a busca, o assunto que retornou e por fim o interesse do usuário; se examinou a obra por inteiro, apenas alguma parte, se guardou referências para uma pesquisa em um outro momento, ou se buscou referências para uma livraria ou biblioteca.
São informações que uma vez compiladas têm um valor enorme. Pode-se determinar qual parcela da população de determinada localidade tem interesse em um assunto em especial. E esse interesse pode ter motivações diferentes.
Imagina-se o caso de um usuário que busca informações sobre táticas de guerrilha. Ao primeiro momento pode-se tomar como um terrorista na iminência do planejamento de um ato terrorista. Mas será que não se trata apenas de um pesquisador reunindo informações para entender o “por quê” de algumas ações de personagens históricos?
A exposição de dados pessoais é iminente e talvez a garantia de termos em um contrato ou um acordo não trará a segurança. Todo sistema é falível e com o vazamento destes dados muitos cidadãos podem vir a ser expostos a consequências graves.
O acordo em tema é acusado de que, se concretizado, deixará sob o domínio de uma empresa o controle de toda informação contida nos livros, e em específico das obras órfãs, do mundo.
Deve-se analisar essa afirmativa com cautela vez que uma verdade pode ser vista de vários ângulos, e por vezas é vista apenas da forma que convém a cada um.
Já existe o monopólio no controle de informação produzida no mundo e de forma vigorosa vem crescendo com fusões e aquisições nos mais variados setores.
Quando foi publicada nos Estados unidos a lei das comunicações em 1996, (Telecommunications Act) o lobby das televisões foi agraciado com custo zero, o espectro digital, estimado em US$ 70 bilhões. O que aconteceu a seguir foi o fechamento de mais de 1100 emissoras de rádio e 10 mil fundidas a outras acabando com o controle sobre a concentração de mídia naquele país deixando as três maiores cadeias com cerca de 80% da audiência e do mercado publicitário. Cerca de 85% de toda a renda da exploração por cabo está nas mãos de dez empresas.[27]
Dentro do mundo do cinema os números não se mostram de maneira diversa vez que as dez maiores concentram praticamente 99% de toda a renda obtida com filmes.[28]
Jorge Machado aponta que “a tendência de concentração no mercado da informação tem se acentuado nos últimos anos, em 2006 e 2007, observou-se grandes fusões e aquisições do mercado da informação envolvendo gigantes do setor como Viacom, AOL Time-Warner, MSN, Thompson, Sony, Disney e Yahoo,” portanto o monopólio sobre bens cultural não é novidade dentro do mercado.
Antes de mais nada, é preciso dizer que estamos diante de um modelo de negócio que não existe. Pelo menos no volume que se propõe devido ao número de obras que se trata e o alcance a consumidores que a Internet proporciona.
No segundo aspecto há de se considerar uma série de questões que o direito impõe ao iniciar a questão da territorialidade.
Territorialidade é um princípio constitucional presente na grande maioria das constituições dos Estados soberanos e delimita a eficácia de suas leis ao território de cada um deles. A Lei de direito do Autor, portanto, só teria eficácia no Estado em que tenha sido editada.
Devido a esse princípio há a necessidade de tratados internacionais para regular o direito do autor, com um mínimo de regras a ser respeitado pelos signatários, e que atualmente vêm sendo discutido frente a Internet a qual não conhece as fronteiras territoriais. Legisladores e juristas empreendem seus esforços e estudos no sentido de solucionar o direito transfronteiriço. Dentro da seara do Direito do Autor o primeiro e ainda mais significativo elemento jurídico é o tratado de Berna.
Consentimento do Autor
José de Oliveira Ascensão ensina que se deve distinguir duas decisões que são tomadas pelo autor, uma que é absoluta e de cunho pessoal, de explorar a obra; e uma segunda que pode ser restringida, que é a de não licenciar certos utilizadores, diante da possibilidade de originar discriminações sem justa causa.[29]
Quando trata da questão de colocar em linha determinada obra já editada e lançada em papel é decisão do autor como seria em relação a publicação por editoras diferentes. Este é um dos fundamentos das ações impetradas contra a Google, que passou ao largo da lei, digitalizou e colocou à disposição de seus usuários o conteúdo dentro das categorias que dividiu. Logo, diante de uma situação já concretizada estaríamos diante da necessidade de uma compensação por parte da Google aos detentores dos direitos sobre as obras digitalizadas.
De qualquer forma a atitude inverteu o que manda a lei e deu combustível para os detentores dos direitos autorais litigarem.
3.2 Solução privada para a ineficácia legislativa
A proteção jurídica das obras artísticas e literárias e seus efeitos pertence ao campo dos direitos fundamentais tais como o acesso à cultura. Diante de dois preceitos fundamentais que têm mesmo peso e tamanho, somente o caso em concreto trará a densidade da matéria para, então, ser possível uma tomada de decisão.
Por outro lado não se deve deixar de lado o direito do criador-autor; direito constitucionalmente atribuído de utilização, equiparado ao de propriedade – tradição francesa do Droit d’Auteur – premissa sustentada pelos autores e pelos representantes de seus direitos.
O bem imaterial, a criação de espirito, que por toda a história esteve fixado a um suporte mecânico, com o uso das novas tecnologias e o uso do suporte eletrônico que dá uma flexibilidade tanto na replicação como na distribuição, tem sido objeto de estudos por diversos acadêmicos e por diferentes prismas no intuito de estabelecer novas normas e regras para adequação às novas realidades.
Alguns argumentam que o acordo é uma forma compulsória de licença uma vez que segundo os termos do acordo proposto serão válidos para todos os autores que não se manifestarem pela saída, mais uma vez invertendo a lógica do Direito do Autor consagrado em diversos tratados, como o de Berna que traz base legal para maioria das legislações sobre Direito do Autor.
Considerado pela Google como uma situação onde todos ganham, os autores, editores e a Google que preconiza que o real ganhador são os leitores que terão acesso a um extraordinário repositório de livros traz várias críticas e polêmicas que brotam desde os meios acadêmicos pelos governos e diversos estados e pelos concorrentes.
O acordo tanto na forma original quando na alterada (ASA) é um intrincado documento complexo e traz consigo diversas implicações. O grande temor dos autores e das entidades de gestão coletiva é de que se crie um monopólio caso seja concretizado o projeto nos termos em que se encontra. Esta crítica é rebatida pela empresa com a afirmação de que não pode-se ser acusada de monopólio em um mercado que não existe. E para mostrar sua boa fé permitirá que os concorrentes, dentre eles a Amazon, a Barnes & Noble, ou qualquer livraria local, acessem seu acervo, para venda de produtos em qualquer aparelho ou pela Internet.[30]
Também não cria uma exclusividade e dessa forma qualquer outra companhia que tenha interesse em explorar o mercado poderá fazê-lo negociando com os representantes dos direitos autorais e bibliotecas que hoje negociam com a Google com a facilidade de que os temas controversos já estão discutidos e que uma solução usada por ela poderá facilmente servir de base para novos projetos.
Um dos pontos que constam no acordo é a cláusula de “opt-out” ou a possibilidade de retirada da obra. Mais uma vez, temos inversão do que está na lei. A via normal é a autorização prévia do autor para a utilização da obra e não a manifestação para a não utilização. Os autores e ex-congressistas americanos trazem esse ponto à discussão.[31]
Está prevista a criação de uma entidade para controle de recebimentos e pagamentos pelo uso dos direitos do autor intitulada Registro. Os críticos também apontam como uma ameaça à livre concorrência pois concentrará parte das atividades que hoje são exercidas pela entidades de gestão coletiva.
O Registro ficará responsável pelo registro das obras e dos autores no sistema do GBS. Fará o controle das utilizações das obras bem como pela receita das propagandas exibidas junto à obra. Vez que tem a possibilidade de controlar os preços das edições, teme-se, que seja o princípio da formação de um cartel.
Tomando-se por base o bem estar social e todos os elementos apresentados no ASA tem-se de verificar a função social que o projeto inaugura. Diante de novas tecnologias e da necessidade do acesso à informação e conhecimento, deve-se modelar o direito do autor para que este fim social seja atingido. Não é o caso de extinção do direito de autor, apenas de um ajuste na sua trajetória que a cada revisão tem se estendido o período de vigência do exclusivo.
O uso em comum por diferentes membros de uma sociedade de uma determinada propriedade é perfeitamente possível desde que esse bem, quando utilizado, não perca sua essência. No caso de arquivos digitais essa premissa é verdadeira e possível, pois quando se copia um arquivos Eletrônico, em nada diminui ou afeta o arquivo original. Caso o Estado venha a se interessar em uma solução, ao menos para as obras órfãs, a manutenção dos commons os baldios[32] venha a ser uma solução, e que já aparece elencada, quando o Estado assume a concessão de uma licença específica, na proposta de uma diretiva no parlamento europeu.[33]
Dentre as desvantagens apontadas pelos críticos, as mais recorrentes, e que também integram o processo, como já visto, são de que a Google terá a licença exclusiva das obras órfãs. Argumento que pode ser refutado ante a possibilidade de outra empresa trilhar o mesmo caminho e disponibilizar o mesmo conteúdo. O ASA não prevê esta exclusividade e a obra, uma vez de volta à sua origem, continuará a disposição de qualquer leitor que se disponha à tomá-la emprestada.
Outro suposto monopólio que seria criado é o de Registro (GBR) que será utilizado para recolhimento e distribuição dos valores apurados pela obra utilizada na biblioteca digital. O que se questiona é a impossibilidade de negociação de valores. E ainda a indenização do livro publicado estabelecido em US$ 60 de forma uniforme não respeitando o valor de capa. Esta atitude cria uma situação que iguala livros vendidos por valores diametralmente opostos o que não seria justo. O risco de situação idêntica nos valores a ser praticados é igualmente preocupante.
Os algoritmos fixados no sistema visam a maximização do lucro e portanto influindo na indexação e na exibição de resultados no motor de buscas o que geraria uma discriminação e influência na decisão do usuário temendo-se uma fixação horizontal de preços.
Não há garantia de privacidade, mesmo que o acordo, o contrato e a empresa garantam o sistema é falível, como já comprovado recentemente no caso do PSN da Sony[34] e, portanto, pode sucumbir a hackers, a imposição de administrações públicas ou a própria ganância da empresa[35].
A entidade a ser criada, Books Rights Registry (BRR), será constituída por autores e editores que nem sempre têm os mesmos interesse e por algumas vezes entram em conflito e dada natureza da entidade não seria necessária a participação de editores, salvo quando detentores de direitos sobre obras.
Para os editores há o temor de uma diminuição do uso indiscriminado, desrespeitando os direitos autorais e infringindo um suposto prejuízo[36] normalmente causado pela partilha de arquivos em sistemas P2P e sistema análogos ou por sites de depósitos de arquivos. Ainda para os usuários que já se habituaram a procurar e obter na Internet o conteúdo a custo zero, receia-se que não estarão dispostos a pagar em um serviço pelo conteúdo.
As bibliotecas correm o risco de ter um aumento em seus custos relativos a acesso à base do Google; uma mudança de hábitos de leitores e uma dependência da via digital e abandono do formato de papel; o risco da indisponibilidade do acervo digital no caso i.e. uma falha de comunicação o leitor fica impedido de ter contato com as obras.
No caso de autores optarem por ter sua obra excluída (opt-out) diminuirão a qualidade do acervo principalmente em relação a obras novas, problema que se intensifica na mesma medida da quantidade de autores que se utilizarem desta saída.
A qualidade das imagens digitalizadas e os meta-dados associados às obras podem ser de baixa qualidade, dificultando a leitura e localização das informações procuradas pelos investigadores.
E, indagam os críticos, que haverá a perda do espírito da biblioteca tal como conhecemos frente ao propósito puramente comercial da empresa com uma lógica diferente recheada de publicidade?
Para aos autores acadêmicos, que vão em busca de livros científicos e seu incentivo essencial não é econômico e portanto o encargo para o acesso às obras torna-se um encargo que pode vir a se refletir em suas pesquisas.
A remuneração aos autores pode não ser a mais adequada pois a empresa distribui em categorias de preços pré-definidos não distinguindo o valor de capa no mercado trazendo assim uma supervalorização em alguns casos e desvalorização em outros.
Para os leitores há o risco da perda da privacidade; diminuição de seu espaço de liberdade de escolha, pois o motor de buscas não é isento e pode ser tendencioso a obras mais simpáticas à empresa ou comercialmente em melhores condições – maximização do lucro – e ainda a limitação de reproduções tanto na obra como em mídias diferentes. Impossibilita o empréstimo a terceiros como nos livros em papel.
Finalmente tem-se o risco de ter de se pagar por obras fora de catálogo, pois só estarão disponíveis no GBS, e por último mas não menos importante a censura sobre livros, autores e leitores, distinguindo sua origem, crença, raça e situação econômica, dados que podem ser coletados em sua navegação e preferências de buscas.
Para as bibliotecas a digitalização traz a vantagem de preservar a obra que se permanecesse apenas no formato de papel poderia se deteriorar e portanto se extinguir; também facilita o acesso pelos seu usuários internos e externo assim como possibilitaria o acesso a catálogos de outras bibliotecas. No caso de instituição de ensinos que não disponham de biblioteca ou que este seja pequeno mostra-se como uma solução a baixo custo, em compra de exemplares e local para exposição a usuários, o que pode vir a refletir no acesso e produção dos estudantes.
Ainda para as bibliotecas trará o acesso a obras esgotadas ou fora de catálogo que de outra forma não poderiam contar em seu acervo.
Para os usuários são claras as vantagens a iniciar pela disponibilidade em qualquer dispositivo com acesso à Internet que mediante pagamento, seja pelo acesso a um volume ou em um plano como acesso a um determinado número de volumes ou a todo acervo, passando pelo formato que permite localização de termos através de um motor de buscas semelhante ao encontrado para termos na internet e em alguns casos permitindo impressões de volumes parciais ou totais.
Quanto aos números, também são atrativos distribuindo 37% para a Google e 63% para os titulares de direitos através do BRR, sem esquecer os US$ 60 por cada exemplar digitalizado. Diante deste quadro os autores terão um aumento substancial no valor que recebem por sua obra, resultado da soma da exploração da obra somada a exploração publicitária.
Para os que fazem parte como fomentadores de conteúdo, a facilidade de publicação e divulgação de seu trabalho, constituem uma potencialização de exploração econômica e muitos casos são a divulgação da herança cultural de países que atualmente não exportam por fatores de custos relativos a produção e divulgação ou o fazem de maneira tímida.
Uma parcela dos leitores já se habituou à compra pela Internet de e-books assim como ao leitores portáteis de arquivos digitais; e o sistema facilita o uso respeitando as regras do direito do autor.
Os editores estão às voltas com um novo modelo de negócio que já superam, em algumas lojas[37], a venda do exemplar em papel, portanto a eventual perda será pequena diante dos lucros na nova via.
A inovação trazida por este modelo é um maior e mais imediato contato entre o autor e o leitor onde o autor poderá ter mais críticas de sua obra por diversos canais e com o tempo, em alguns casos, dispensar a figura do intermediário, do editor.
Por fim o desenvolvimento de outras técnicas e serviços pela Google tanto na parte técnica como judicial, sendo pioneira e enfrentando os problemas jurídicos e criando precedentes ajudando assim a disseminar informações e cultura.
A grande questão que foi levantada, e qualquer que seja a solução já foi importante a discussão do problema, é o futuro das informações que estão sob proteção do direito do autor, em especial, as obras órfãs. James Boyle socorre-se da astronomia para ilustrar a questão quando compara a atual situação a um buraco negro, a lei de copyright, para onde toda matéria, as obras literárias, são atraídas com uma força gigantesca e onde o acordo Google seria uma forma de escapar.[38]
Privacidade da forma como conhecemos e mais ainda como esperamos não existiria dentro desse mecanismo, ao menos a garantia da expectativa que o usuário espera, e certamente é o preço a se pagar para o acesso as informações, um custo marginal ou um custo que não se apresenta de uma forma explícita.
Grande parte do material utilizado para a digitalização são obras órfãs cujo conteúdo permaneceria ignorado pela população e portanto não passariam de informações que nunca viriam a se transformar em conhecimento, logo o motor de buscas literário traria nova vida para um corpo moribundo.
No tocante à sua função social – um dos princípios mais modernos – que talvez seja o meio para flexibilização ou homogeneização – restauração de um equilíbrio – para o direito do autor; na necessidade de ter referências para criação de novas obras e justamente, fora do legislativo, pode florescer por iniciativa dos produtores de conteúdo.
A sociedade e seus membros, os direitos à educação, pesquisa, cultura e comunicação, todos cruciais para a interação sociocultural e para a própria formação da pessoa e construção de sua dignidade podem vir do acesso à cultura através das bibliotecas digitais.
Garantir o justo equilíbrio na representação dos interesses é um dos maiores desafios que se deparou o direito do autor diante do caso em estudo. Um dos grandes méritos da discussão foi justamente tocar na ferida que já vinha crescendo e ninguém tratava como deveria de ser. Não se pode simplesmente retirar os direitos concedidos aos autores da mesma forma que não se pode negar o acesso às obras. A proposta de diretiva vai enfrentar este problema em breve e seu desdobramento certamente será um guia a ser seguido pelos outros países e seu ordenamentos.
Em face da garantia da segurança das relações jurídicas não se pode ceifar os direitos estabelecidos e exercidos pelos autores, detentores de direitos autorais e entidades de gestão coletiva. Uma solução que comporte os institutos clássicos do direito do autor e a adoção de um novo modelo para as novas obras talvez seja a melhor saída que comportará novas funções às entidades de gestão coletiva.
Permitir aos usuários realizarem procura em milhões de livros através do Google está dento do preceito da lei americana sobre o Copyright pois os dados bibliográficos não são protegidos e podem ser utilizados para a localização de obras. No próprio sistema há a possibilidade de, uma vez encontrada a obra, seja indicada a biblioteca mais próxima para empréstimo ou livraria para venda.
Outro ponto que deve ser levantado é sobre as medidas de proteção sobre as obras que já estão em domínio público e portanto de livre utilização. A limitação ao uso destas obras demonstra um abuso de direito já que o lapso temporal legal já se escoou e portanto o acesso deve ser livre e na maioria dos dispositivos simplesmente não respeitam este limite. Seu uso responsável pode auxiliar o autor na verificação da utilização de sua obra. Através de um sistema onde o leitor é controlado pelos DRMs e que o autor tenha o acesso direto aos dados, não os privados do autor, mas de utilização de sua obra, poderá haver uma forma de conhecer o uso de sua obra gerando uma forma mais justa na distribuição dos recursos por ela gerados.
Caso o projeto prospere, mesmo que não por via do acordo ou em sua provável apelação, estará aberto o caminho para novos empreendedores investirem tempo e dinheiro em projetos semelhantes. Isto por si só já é uma vitória.
O caminho será mais fácil vez que já debatidos diversos pontos controversos e já estabelecido um caso precedente, o que é muito importante dentro do common law, a criação de outras bibliotecas digitais ou de entidades de gerenciamento de direitos de autor dentro do mundo digital já terá sua base ou ponto de partida.
É uma mudança de paradigma e este tipo de mudança não se faz da noite para o dia ou com a publicação de leis isoladas e que tratem de assuntos periféricos do problema. Há de se mudar a mente das pessoas que estão habituadas com premissas analógicas e que não servem para o mundo digital.
Uma nova geração, que já floresce e que não entende e não aceita a forma como hoje é tratado o direito do autor, haverá de modificar o direito de autor para a realidade digital. Estaremos, então diante de duas modalidades do direito do autor, uma analógica, como conhecemos para os suportes cartáceos e outra para o suporte digital que coexistirão lado a lado completando-se e não sobrepondo-se.
Um caminho mais tortuoso e dispendioso é a negociação direta com autores que ainda detêm os direitos de exploração de suas obras ou ainda com os detentores destes direitos. Como estamos diante de um direito patrimonial, este pode ser livremente negociado em termos estabelecidos em um contrato, segundo as formalidades de cada país para que então, com o direito de divulgação assegurado, possa ser divulgada a obra.
Uma das hipóteses que se coloca é a possibilidade do autor negociar diretamente com a empresa que tornará a disponível o acesso do usuário de Internet no local e horário que desejar as obras para seu acesso.
Dessa forma já se tem resolvida uma série de entraves jurídicos que o modelo analógico impõe, como a questão da territorialidade das entidades de gestão coletiva e consequente ilegitimidade para negociar, cobrar e fiscalizar o exclusivo da propriedade intelectual fora de seu território.
Os repasses de valores obtidos com o exercício do exclusivo que hoje é possível ser feito através de uma empresa que comercialize a propriedade intelectual em vários países e também mantenha escritórios ou representantes com legitimidade e capacidade para efetuar os pagamentos.
Readequação das entidades de gestão coletiva e dos “publishers”. Deverão atuar de uma forma mais ativa e determinante na escolha das obras que publicarão conferindo assim um “selo de qualidade” das obras que publicam. Quando se identificar selo de determinado editor, o leitor, já reconhecerá a linha de qualidade e editorial da obra. Uma atitude mais ativa, como já acontece hoje com diversos editores e companhias editoriais e que será um diferencial para o autor.
Mantém-se sua atuação dentro do mercado analógico, ou do suporte mecânico com suas atribuições, deveres e obrigações e para o mercado digital, uma função subsidiária onde passará a gerir uma nova geração de direitos autorais não de uma forma automática mas apenas se o autor assim o desejar, como um procurador ou gestor de seus direitos.
Há muito que o Direito Civil socorre as partes em seus relacionamentos tornando possível no âmbito do território onde se encontram e, em um segundo plano, respeitados os códigos de Estados onde se encontram ou se darão os efeitos de determinada avença.
O Direito internacional em específico o contratual poderá ser a tábua de salvação para a necessidade de um mundo global vez que permite que contratos vigorem em mais de um território.
Por outro lado a Google pode correr o risco e assumir o eventual passivo jurídico em virtude de algum autor que tenha seu direito atingido e ingresse com uma ação. Considerando que um acordo poderia também ser a solução, mais rápida e satisfatória para ambos os lados. Dentro do acordo já esta prevista a criação de reservas para autores que reclamem e comprovem a paternidade ou a propriedade sobre direitos que recaiam sobre obra disponibilizada em rede.
As composições civis, tanto extra como judiciais, são uma aposta factível vez que o prejuízo gerado pela indenização ou pagamento de acordos sempre será possível diante do vulto do negócio. A única ressalva que se faz é relativa aos punitive damage, que poderiam, em virtude de sua natureza punitiva, impactar o projeto.
4.1.2 Dispersão em outros pequenos acordos pontuais
Uma outra forma de viabilizar a disponibilização de obras no sistema consiste em acordos ou contratos com os detentores dos direitos autorais. Os chamados “publishers” bem como as entidades de gestão de direitos autorais, dentro de sua competência, têm a possibilidade de negociar e autorizar o uso das obras por qualquer meio, inclusive o digital.
Dessa forma constituindo pequenos acordos diretamente com autores, com os seus representantes ou com entidades gestoras será possível a construção de uma base que poderá expandir-se quando os interessado visualizarem uma via de negócios e esta crescer.
4.1.3 Novas tentativas de acordos
A sentença do juiz não põe fim ao caso, ainda resta a possibilidade de apelar e continuar a discussão. Mas por outro lado nada impede da empresa procurar outras estratégias para alcançar seu objetivo. Como se trata de um direito eminentemente pessoal o titular, o autor assim como seu representante ou detentor do direito, tem a liberdade para negociá-lo como bem entender. Abre-se assim um novo campo para que, caso a caso, sejam feitos acordos e seja implementado o projeto em seu dois grandes objetivos, a disponibilização e o gerenciamento coletivo de direitos.
Da mesma forma podem-se estabelecer acordos ou contratos com as entidades de gestão coletiva, representantes de considerável parcela de autores, que em nome de seus representados podem estabelecer os termos para tanto. Essa situação já se mostra mais difícil vez que existe um receio da perda do poder de barganha dos preços dos livros bem como do monopólio em certos países. Mas não deixa de ser um caminho a ser trabalhado para a consecução do projeto.
4.1.3 Um recomeço na UE
A União Europeia tem fundamento em direito positivado o que torna, logo de partida, um viés diferente para o enfrentamento do problema encontrado na consecução do acordo em solo norte americano.
Reunido um comitê para discussão sobre a herança cultural da Europa um dos tópicos tratados foi justamente a questão da disponibilização em linha da cultura e um dos trabalhos resultantes, investigação sobre bibliotecas digitais, está em um relatório[39] no sítio da Sociedade da informação da comissão europeia[40], apontando a disposição de preservar a informação e conhecimento através das vias digitais.
Atualmente transita junto ao legislativo comunitário uma proposta de diretiva para tratar das questões do direito de autor no sentido de se estabelecer uma licença comunitária.
Inicialmente trás o problema das obras órfãs, que são a maior parte das obras, e passa a considerar seis possíveis soluções para que possam ser integradas nas bibliotecas digitais.
A primeira opção seria de não se fazer nada, e portanto não resolveria o problema; na segunda opção considera uma exceção legal ao direito de autor (a statutory exception to copyright); na terceira opção licenciamento coletivo alargado(extended collective licensing); quarta uma licença específica de obra órfã, concedidos pelas sociedades de coleta,(an orphan-specific licence granted by collecting societies); quinta uma licença específica de obra órfã, concedida por um órgão público (an orphan-specific licence granted by a public body); e finalmente o reconhecimento mútuo das soluções nacionais em matéria de obras órfãs (the mutual recognition of national solutions regarding orphan works).[41]
Todas as opções, com exceção da primeira fará o direito autoral mudar pois obrigará os estados membros a se posicionarem, durante as tratativas da diretiva, e em um segundo momento, na sua transposição, a adequação ao seu ordenamento legal.
Correndo o risco de desdobramento jurídicos existe a solução elencada na segunda opção quando cria a exceção legal que evita a necessidade da obtenção de uma licença, de certa forma foi o caminho adotado pelo Google em seu projeto.
Corre-se o risco pois sem a permissão prévia estar-se-ia ferindo o Direito do Autor, mas por outro lado como este direito é personalíssimo e portanto somente o autor ou o detentor dos direitos sobre a obra poderia consentir ou não o uso, somente ele seria legitimado para intentar ação.
Cabe ressaltar que o projeto prevê a formação de um fundo justamente para compensar, caso seja identificado, o autor , seu representante ou o possível detentor dos direitos sobre a obra.
No modelo de "licenças coletivas alargadas", opção três, considera que caso a biblioteca tenha autorização para disponibilizar outras obras protegidas pelo direito do autor esta se estenderia para as obras órfãs, o que parece razoável vez que as entidades de gestão coletiva cuidam dos autores conhecidos poderiam facilmente gerir estes recursos provindos da autorização e no caso da aparição do autor negociar e solucionar a pendência do cunho patrimonial.
Para se garantir é necessário uma pesquisa para certificar que o autor é desconhecido, o que é facilitado em virtude dos bancos de dados que possui em relação aos autores e obras, atitude que trará mais garantias para quem for expedida a licença. Tratando-se de entidades de gestão coletivas, o empecilho desta saída é a territorialidade que limita sua abrangência dentro do Estado que faz parte.
Tratando-se da possibilidade de ser concedida uma licença específica para obras órfãs a segurança jurídica para as bibliotecas u outros usuários passa a ser elevada contra os eventuais pedidos de indenizações de proprietários que possam aparecer. Para tanto não se dispensará uma minuciosa e diligente pesquisa para que depois, e somente depois, possa ser concedida tal licença.
Variando um pouco desta última opção, quatro, a quinta proposta é no sentido do concessor da licença que fica a cargo de um órgão público o que traz elevado nível de segurança mas também o ônus a ser suportado pela administração pública o que explica a rejeição anterior por esta saída que aumenta a carga administrativa.
Muitas vezes complicados problemas só são resolvidos quando distribuído por muitos e o suporte do encargo pelo ente público tem um viés mais democrático pois a disposição das obras será para o publico em geral e indistinto e o ônus individual será menor. Nas duas opções há a necessidade de uma pesquisa diligente, repete-se, responsável para que seja concedida a licença.
A última, mas não menos importante, reconhece as soluções dos diversos estados membros sobre o assunto. Longe de ser a melhor opção pois construirá uma verdadeira manta de retalhos, com imposições diferentes e implicando em, provavelmente, mais questões jurídicas que soluções. É certo que não se deve uniformizar, vez que impõe a quem não aceita a imposição, e sim harmonizar trazendo os benefícios das diferentes soluções, mas se tratando de um serviço que não reconhece fronteiras deve-se ter uma linha condutora mínima para que se torne possível.
Dentre as justificativas para a elaboração de nova diretiva é necessária pois as abordagens voluntárias, nomeadamente Recomendação 2006/585/CE da Comissão, de 24 de agosto de 2006, não têm produzido o resultado desejado e os tratamentos diferenciados pelos estados membros torna difícil que o conteúdo seja disponibilizado por todo o espaço comunitário.
Esse já é um grande passo par uma forma mais justa e viável de gerenciar os direitos de um direito de exclusivo dos autores e traz solução as questões que surgem no exercício trans-fronteiriço. Adequa ao espaço comunitário, que removeu as fronteiras comerciais entre o países, a necessidade da remoção ou substituição das barreiras no direito do autor.
Uma vez materializada a diretiva e transposta para o ordenamento interno dos países que compõem a união Europeia será necessário apenas a obtenção de uma licença em uma das entidades de gestão coletiva para que tenha valor automáticamente nos outros estados membros, de uma forma diferente da que acontece hoje onde o modelo é dos tratados internacionais e dos acordos entre as entidades de gestão coletiva dos respectivos estados membros.
Da mesma forma os autores poderão retomar seus direitos e então negociá-los diretamente com as empresas que têm a estrutura e interesse de oferecê-los na Internet. Somando estas duas facilidades a possibilidade de um recomeço de negociação entre a classe dos autores, das entidades de gestão coletiva, dos editores, publishers e das empresas que e dispuserem ao comércio eletrônico das obras volta a ser viável.
Em função da tradição e do gosto de muitos leitores no formato cartáceo, um novo modelo de distribuição de obras literárias floresce. A gráfica de artigos solicitados e confeccionados com exclusividade para o leitor.
Mesmo neste modelo a legislação de cada país seria respeitada quanto às suas particularidades da seguinte forma:
Inicialmente as regras impostas pelos tratados internacionais, como o tratado de Berna e suas respectivas revisões, pelo Trips e pelas diretivas da união europeia. São ordenamentos comuns a todos os membros e portanto constituem um padrão basilar para composição e estruturação dos contratos tanto entre os autores e, nesse caso a empresa que tornará viável o negócio eletrônico, quanto aos usuários finais, leitores e consumidores.
E um segundo momento, ou filtro jurídico[42] para a composição dos contratos para o usuário final, serão contempladas as regras jurídicas específicas para o país onde será entregue o produto.
Dessa forma tem-se como atender a todos os países, com suas legislações específicas onde todos os que se relacionam terão a oportunidade de experimentar uma relação mais justa e uma distribuição mais equilibrada dos encargos e dividendos a que cada um compete.
O direito analógico não atende às necessidades de um mundo digital, não há ilegalidade. Há desigualdade;[43]
Devem-se estabelecer novas regulamentações para as situações que fazem parte do cotidiano da população;
A digitalização de conteúdo literário já é possível em grande escala e grande parte das obras literárias de grandes bibliotecas já foram digitalizadas pela empresa Google ou por outras entidades quando não pelas próprias bibliotecas;
O comércio eletrônico já é uma realidade a cada dia que passa ganha novos adeptos, a venda de livros virtuais já supera a venda de livros no formato de papel, portanto não há o que se falar em prejuízos frente ao projeto;[44]
O leitor e o usuário requerem um produto diferenciado e individualizado, portanto novos materiais literários serão confeccionados de acordo com as preferências e necessidades de cada usuário;
Existem várias vantagens em um modelo que somente produz o que realmente é necessário, dentre eles a economia de insumos para produção, distribuição – logística – de eliminação ou reciclagem pós uso;
O direito autoral é territorial, portanto as entidades de gestão coletiva têm sua atuação limitada ao território onde está sediada;
Os direitos dos Autores são de caráter civil e pessoal podendo, desde que respeitadas a legislação do local onde pretende exercer, firmar contratos diretamente com entidades de comercialização com abrangência supranacional, bem como diretamente com o leitor-consumidor interessado em sua obra;
Os meios tecnológicos existentes já permitem um acompanhamento do uso de conteúdos protegido pelo exclusivo do direito do autor no meio digital e portanto possibilitando uma aferição maior de seu uso;
As entidades de gestão coletivas ainda têm sua importância dentro do mundo analógico, podendo coexistir sem maiores problemas com o mundo digital;
Poder-se-á negociar com representantes singulares, conhecidos como Publisher, ou então com as entidades de gestão coletiva, no modelo que existe atualmente e para a produção digital com uma nova figura a empresa que faz a negociação direta com o consumidor final;
Excluindo-se os intermediários, nomeadamente editoras e entidades de gestão coletiva, será obtida uma distribuição mais justa, podendo o Autor retomar o que é seu de direito, ou seja, a maior parcela sobre sua produção e colocará o Editor em uma função onde poderá dar um real contributo para a obra;
Existe o risco de haver quebra de privacidade, censura e discriminação em função étnica, comercial ou ideológica e caberá ao leitou um senso crítico para distinguir e quando for necessário recorre ao analógico na biblioteca ou livraria que apesar de não serem imunes, são menos suscetíveis;
Devem-se ser revistas as legislações no sentido de harmonizar e não de uniformizar, visto que a primeira traz as diferenças ao passo que a segunda impões limites.
Informações Sobre o Autor
Paulo Vestim Grande
Advogado; Especialista em Propriedade Intelectual e Bioética; Mestre em Direito na Sociedade da Informação e Doutorando pela Universidade Clássica de Lisboa; Membro da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia e Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB SP; Membro da Associação Portuguesa de Direito Intelectual. Curriculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0469267283633083