Sim, é possível reverter a negativa do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com autismo. A negativa pode ocorrer por diversos motivos, como renda per capita acima do limite exigido, ausência de laudos médicos suficientes, erro na avaliação social ou até falhas na análise do INSS. No entanto, o fato de o pedido ter sido negado não significa que a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) não tenha direito ao benefício. Neste artigo, vamos explicar detalhadamente como funciona o BPC para autistas, os principais motivos de indeferimento, como recorrer e quais os caminhos administrativos e judiciais possíveis para garantir esse direito.
O que é o BPC e quem tem direito
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) está previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e assegura o pagamento de um salário mínimo mensal a:
- Pessoas com deficiência, de qualquer idade, que comprovem impedimentos de longo prazo e dificuldade de participação plena e efetiva na sociedade.
- Idosos com 65 anos ou mais, que comprovem baixa renda.
O Transtorno do Espectro Autista é considerado uma deficiência para fins legais conforme a Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana), que estabelece a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Dessa forma, pessoas com autismo têm direito de requerer o BPC, desde que preencham os critérios exigidos pela legislação.
Requisitos para receber o BPC em caso de autismo
Para ter direito ao BPC, é necessário preencher dois requisitos principais:
Comprovar a condição de deficiência: no caso do autismo, deve ser demonstrado que o transtorno causa impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais dificultam a participação da pessoa de forma plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Comprovar situação de vulnerabilidade social: a renda mensal per capita da família deve ser igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo. No entanto, esse critério vem sendo flexibilizado pela Justiça, quando há prova da real necessidade da família, especialmente em casos de altos gastos com medicamentos, terapias, alimentação especial ou transporte.
Quem pode solicitar o BPC para autistas
O BPC pode ser solicitado:
- Pela própria pessoa com autismo, se for maior de idade e capaz.
- Por seu representante legal (pais, tutores ou curadores), nos casos em que o beneficiário for menor de idade ou incapaz civilmente.
O pedido deve ser feito junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio do site ou aplicativo Meu INSS, pelo telefone 135 ou em uma agência presencial, mediante agendamento.
Motivos mais comuns de negativa do BPC para autismo
Ter o pedido do BPC indeferido não é incomum, mesmo quando a pessoa com autismo atende aos critérios legais. Abaixo estão os principais motivos de negativa:
Renda per capita superior ao limite exigido: O INSS pode negar o benefício com base em uma análise rígida da renda familiar, desconsiderando despesas essenciais da família ou custos elevados com terapias, medicamentos e deslocamento.
Ausência de comprovação da deficiência: Laudos médicos genéricos, sem detalhamento das limitações funcionais, podem ser considerados insuficientes para demonstrar os impedimentos de longo prazo.
Erro na avaliação social ou médica: Durante a perícia médica ou avaliação social, o profissional do INSS pode interpretar que o autismo não compromete significativamente a vida do requerente, mesmo quando há limitações graves.
Cadastro desatualizado no CadÚnico: A falta de atualização no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) pode prejudicar a análise do benefício.
Documentação incompleta: A ausência de documentos exigidos pelo INSS, como comprovantes de residência, documentos de identidade de todos os membros da família e laudos médicos recentes, pode levar à negativa.
Como agir após a negativa do BPC por autismo
Caso o benefício seja negado, é essencial não desistir de imediato. Existem três caminhos principais que podem ser seguidos:
1. Recurso administrativo:
O primeiro passo após a negativa é apresentar um recurso dentro do prazo de 30 dias a contar da data da notificação da decisão. Esse recurso é analisado pela Junta de Recursos da Previdência Social. Nesse momento, é possível anexar novos documentos, como laudos mais completos, relatórios de terapeutas, recibos de despesas médicas e outros comprovantes que demonstrem a condição de deficiência e a situação socioeconômica.
2. Novo pedido administrativo:
Caso o recurso seja indeferido ou o prazo tenha expirado, é possível fazer um novo pedido do BPC. Antes disso, é importante reunir toda a documentação necessária, revisar o CadÚnico e atualizar os laudos e relatórios.
3. Ação judicial:
Se o INSS continuar negando o benefício, mesmo com provas suficientes, é possível ingressar com uma ação judicial contra o INSS. A Justiça tem sido sensível a esses casos, principalmente quando é comprovado que o autismo afeta de forma significativa a vida do requerente e há vulnerabilidade social.
Documentos importantes para o pedido ou recurso
Ter a documentação correta e completa é fundamental para aumentar as chances de sucesso, seja em um novo pedido, recurso ou ação judicial. Os principais documentos são:
- Documento de identidade e CPF do requerente e de todos os membros da família
- Comprovante de residência atualizado
- Número do NIS (Número de Identificação Social)
- Comprovantes de renda de todos os membros da família (ou declaração de ausência de renda)
- Laudos médicos atualizados, com o CID do autismo (F84.0), descrição dos sintomas, evolução e limitações funcionais
- Relatórios de terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos ou outros profissionais que acompanham o autista
- Comprovantes de despesas com medicamentos, tratamentos, alimentação especial e transporte
- Comprovante de inscrição e atualização no CadÚnico
O papel do advogado nos casos de BPC por autismo negado
Embora não seja obrigatório ter advogado para recorrer administrativamente no INSS, contar com o apoio jurídico de um advogado previdenciarista pode fazer toda a diferença. Esse profissional tem conhecimento técnico para:
- Analisar a decisão do INSS e identificar falhas ou injustiças
- Orientar sobre os documentos mais eficazes para cada caso
- Redigir o recurso de forma adequada, com argumentação jurídica
- Ingressar com ação judicial e acompanhar o processo
- Solicitar perícias judiciais mais completas, se necessário
- Garantir que o benefício, se concedido, seja retroativo à data do pedido
Ação judicial: como funciona e o que esperar
Quando o caso vai à Justiça, o advogado ingressa com uma ação ordinária previdenciária contra o INSS. Esse processo pode ser ajuizado na Justiça Federal ou no Juizado Especial Federal, dependendo do valor da causa.
A ação judicial costuma incluir:
- Petição inicial com os fundamentos legais e fáticos
- Juntada de todos os documentos que comprovam o direito ao benefício
- Pedido de perícia médica judicial e estudo social, quando necessário
- Eventual concessão de tutela de urgência (antecipação do benefício)
- Sentença que pode conceder o benefício com pagamento dos atrasados
Os juízes costumam analisar o caso com maior sensibilidade do que o INSS, levando em conta não apenas a renda, mas também as despesas com o tratamento do autismo e as dificuldades enfrentadas pela família.
A renda per capita pode ser superior a 1/4 do salário mínimo?
Sim, há decisões judiciais que reconhecem o direito ao BPC mesmo quando a renda per capita familiar ultrapassa o limite legal de 1/4 do salário mínimo. Isso ocorre quando se comprova que a renda é insuficiente para custear as necessidades especiais da pessoa com deficiência, como:
- Medicamentos de uso contínuo
- Sessões de fonoaudiologia, psicoterapia, terapia ocupacional
- Transporte adaptado ou fora do município
- Alimentação especial
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o limite de 1/4 do salário mínimo não pode ser aplicado de forma rígida e automática, devendo ser avaliada a realidade de cada caso concreto.
Exemplo real de reversão judicial do BPC para autismo
João, um menino de 7 anos com diagnóstico de autismo moderado, teve o BPC negado pelo INSS porque sua renda familiar ultrapassava, por poucos reais, o limite de 1/4 do salário mínimo. No entanto, sua mãe apresentou uma ação judicial com documentos que mostravam gastos mensais altos com terapia ABA, fonoaudiólogo, consultas particulares e alimentação especial.
A Justiça, com base nesses documentos e em laudos detalhados, reconheceu a condição de deficiência e a situação de vulnerabilidade da família, concedendo o benefício com pagamento retroativo à data do primeiro pedido. Esse exemplo demonstra que a negativa administrativa não é definitiva, e o Judiciário pode garantir o direito.
Perguntas e respostas
Quem tem autismo tem direito automático ao BPC?
Não. O autismo por si só não garante o benefício. É necessário comprovar que o transtorno causa impedimentos relevantes e que a família vive em situação de vulnerabilidade.
Posso recorrer se o BPC for negado?
Sim. Você pode apresentar recurso administrativo no INSS em até 30 dias ou entrar com ação judicial.
Se minha renda for um pouco acima do limite, ainda tenho chance?
Sim. A Justiça já reconheceu que o limite de renda pode ser relativizado quando há gastos elevados com o tratamento da pessoa com deficiência.
Quanto tempo demora a ação judicial para o BPC?
Depende do local e da complexidade, mas pode variar de 6 meses a 2 anos. Com concessão de tutela, o benefício pode ser liberado antes da sentença final.
Preciso de advogado para entrar com ação?
Sim. Para ações judiciais é obrigatório ter um advogado. No recurso administrativo, não é obrigatório, mas é recomendável.
Posso receber os valores atrasados se ganhar a ação?
Sim. Se a Justiça conceder o BPC, você receberá os valores desde a data do pedido inicial, corrigidos monetariamente.
Conclusão
O BPC para pessoas com autismo é um direito garantido por lei, mas infelizmente muitos pedidos são negados por critérios burocráticos, falhas na análise do INSS ou documentos incompletos. A boa notícia é que existe solução, e o caminho da Justiça é um dos meios mais eficazes para assegurar o benefício quando os requisitos estão presentes.
Se você teve o pedido negado, não desista. Busque orientação especializada, reúna os documentos adequados, entenda os motivos da negativa e lute por esse direito. O BPC não é um favor: é uma garantia constitucional de dignidade para quem vive em situação de vulnerabilidade. E quando a administração pública falha, o Judiciário está à disposição para corrigir as injustiças.