O sistema processual civil deverá proporcionar à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, em perfeita harmonia com as garantias constitucionais do Estado Democrático de Direito.
Os princípios e garantias processuais presentes no ordenamento constitucional devido ao movimento de constitucionalização do Direito, não se limitam, conforme alude Comoglio a reforçar do exterior mera reserva legislativa para a regulamentação desse método em referência ao processo como método institucional de resolução de conflitos sociais, mas impõem a esse último, e à sua disciplina, algumas condições mínimas de legalidade e retidão, cuja eficácia é potencialmente operante em qualquer fase do processo.
Evidentemente se for ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade[1]. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo.
Barbosa Moreira já explicou com sua habitual clareza que para o processo ser efetivo é querer que desempenhe com eficiência o papel que lhe compete na economia do ordenamento jurídico. Visto que esse papel é instrumental em relação a relação de direito substantivo. De forma que uma noção conecta-se a outra, e por assim dizer a implica. Lembrando-se que qualquer instrumento será bom na medida em que sirva de modo prestimoso à consecução dos fins da obra a que se ordena. Ou seja na medida em que seja efetivo
O CPC vigente, de 1973 sobrevivente durante duas décadas sofreu a partir dos anos noventa sucessivas reformas, em grande parte destas lideradas pelos Ministros Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira que trouxeram significativas atualizações as normas processuais hábeis a promover a adaptação as mudanças sociais e institucionais vividas no Brasil.
A expressiva parte dessas alterações no CPC de 1973, e em particular, as de 1994 trouxe a inclusão no sistema do instituto da antecipação de tutela; em 1995, a alteração do regime do agravo; e, mais recentemente, as leis que alteraram a execução, foram bem recebidas pela comunidade jurídica e geraram resultados positivos no plano da operatividade do sistema.
Houve paulatino enfraquecimento da coesão entre as normas processuais, comprometendo-se dua forma sistemática. E, a complexidade resultante desse processo confunde-se, até certo ponto, com essa desorganização, comprometendo a celeridade e gerando questões polêmicos que subtraem indevidamente a atenção do operador do Direito.
Foi a preocupação em se manter a forma sistemática das normas processuais e seu grau de funcionalidade que motivou a elaboração de um novo codex. Mas apesar de ser um novo CPC não significa, no entanto, que exista uma ruptura com o código anterior de Alfredo Buzaid[2]. Pois além de ter sido conservados os institutos considerados positivos, incluíram-se no sistema outros tantos que visam a lhe atribuir alto grau de eficiência.
Sálvio de Figueiredo Teixeira em texto contundente exaltou que a Constituição Federal de 1988 apesar de suas vicissitudes valorizou tanto a Justiça tomada na acepção de conjunto de instituições voltadas para a realização da paz social. Efetivamente o aprimoramento do processo civil como garantia da cidadania.
Realmente é notável a necessidade de se construir um CPC coerente e harmônico interna corporis, mas não se cultivou a obsessão em elaborar uma obra magistral, estética e tecnicamente perfeita, em deterimento de sua funcionalidade.
Portanto, a coerência substancial há de ser vista como objetivo fundamental, e mantida em termos absolutos, no que tange à Constituição Federal da República. Afinal, é na lei ordinária e em outras normas de escalão inferior que se explicita a promessa dos valores encampados pelos princípios constitucionais.
Visa o NCPC gerar um processo mais célere e mais jursto e mais atinente às necessidades sociais e muito menos complexo. O que corresponde a um passo decisivo para afastar os obstáculos para o acesso à justiça e razoável duração do processo, em face de seu altíssimo custo e excessiva formalidade.
Definitivamente o NCPC estabeleceu sintonia fina com a Constituição vigente, criou condições para que o julgador possa exarar a decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa, simplificou resolvendo os problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal. Deu todo rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado, criando maior saneabilidade as nulidades processuais, e finalmente, imprimiu maior organividade ao sistema processual brasileiro, fornecendo-lhe a indispensável coesão.
Porém, é conveniente lembrar das lições de Barbosa Moreira que informa que: “não se promove uma sociedade mais justa, ao menos primariamente, por obra do aparelho judicial. É todo edifício, desde as fundações, que para tanto precisa ser revisto e reformado. Pelo prisma jurídico, a tarefa básica inscreve-se no plano do direito material (é a busca do processo socialmente efetivo).
Costuma-se cogitar que o processo civil constitucionalizou-se[3]. Então o modelo constitucional de processo, expressão inspirada na obra de Italo Andolina e Giuseppe Vignera. O processo há de ser examinado, estudado e compreendido à luz da Constituição e de forma a dar o maior rendimento possível aos seus princípios fundamentais.
Assim, o depósito da quantia relativa às multas[4], cuja função processual seja levar ao cumprimento da obrigação in natura, ou da ordem judicial, deve ser feito logo que estas incidem. Porém, não poderão ser levantadas, a não ser quando haja trânsito em julgado ou quando esteja pendente agravo de decisão denegatória de seguimento a recurso especial ou extraordinário.
Restou prestigiado o princípio constitucional da publicidade das decisões, frisando-se que todo julgamento de recurso deve constar da pauta, para que as partes tenham oportunidade de tomar as providências que entendam necessárias ou, pura e simplesmente, possam assistir ao julgamento.
Outro princípio muito homenageado é o princípio da razoável duração do processo. Afinal, a ausência de celeridade, sob certo ângulo, é ausência de justiça. A celeridade não é um valor que deva ser perseguido a qualquer custo.
Também criou-se o incidente de julgamento conjunto de demandas repetitivas que acarrete um processo mais célere as medidas cujo objetivo seja o julgamento conjunto de demandas que gravitam em torno da mesma questão de direito, por dois ângulos: a) o relativo àqueles processos, em si mesmos considerados, que serão decididos conjuntamente; b) no que concerne à atenuação do excesso de cargo de trabalho do Judiciário.
O novo diploma legal procura podar a existência indefinidamente de posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica o que acarreta prejuízos aos jurisdicionados que estejam em idênticas situações ou conflitos.
Prestigiou-se então a já aberta orientação presente no ordenamento jur´diico brasileiro, expressado na criação da Súmula Vinculante do STF[5] e do regime de julgamento conjunto de recursos especiais e extraordinários repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado), tendência a criar estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à luz do que venham decidir tribunais superiores e até de segundo grau.
Ratifica o entendimento de que a razão de ser dos tribunais superiores é proferir decisões que modelem o ordenamento jurídico, é uma função paradigmática. E, por essa razão, é que tais princípios foram expressamente formulados. E salienta o novo codex, no Livro IV: “A jurisprudência do STF e dos Tribunais Superiores deve nortear as decisões de todos os Tribunais e Juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios de legalidade e da isonomia.”
Daí, é necessário que aqueles tribunais mantenham jurisprudência razoavelmente estável. Evidentemente, fica comprometida a segurança jurídica quando há brusca e integral alteração do entendimento dos tribunais sobre as questões de direito.
Jeremy Bentham em sua obra Judges, legislators & professors[6] salientou sabiamente: “que os jurisdicionados não podem ser tratados como cães, que só descobrem que algo é proibido quando o bastão toca seus focinhos[7]”.
Outro fator importante é que a tentativa de conciliação entre os litigantes deverá ser o primeiro passo de todo processo, otimizando-se a atuação jurisdicional somente nos casos irresolutos.
Reza o NCPC expressamente que “ a mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação adequada e especófoca, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas”. E, na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do STF e dos Tribunais superiores, ou oriunda de julgamentos de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.
Desta forma, criaram-se figuras, no novo CPC, para evitar a dispersão excessiva da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional.
Em complementação a eficiência do regime de julgamento de recursos repetitivos, há a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais que etejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento, divorciados dos afetados.
Com as mesmas finalidades e com inspiração no direito alemão, o referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta.
O incidente deve ser julgado no prazo de seis meses, tendo preferência sobre os demais feitos, salvo os que envolvam réu preso ou pedido de habeas corpus.
Com a finalidade de simplificação processual[8] ainda se criou a possibilidade de o réu formular pedido independentemente do expediente formal da reconvenção. Aliás, extinguiram-se muitos incidentes, passa a ser matéria alegável em preliminar de contestação a incorreção do valor da causa e a indevida concessão do benefício da justiça gratuita, bem como as duas espécies de incompetência.
Desapareceu igualmente a ação declaratória incidental e também a incidental de falsidade de documento, bem como o incidente de exibição de documentos.
As formas de intervenção de terceiro também foram modificadas e parcialmente fundidas: criou-se pois um único instituto que abrangerá as hipóteses de denunciação da lide e de chamamento ao processo. E que deve ser utilizado quando o chamado puder ser réu em ação regressiva, ou quando um dos devedores solidários puderem saldar a dívida aos demais, ou reparar ou garantir a reparação de dano àquele que tem essa obrigação.
Também muitos dos procedimentos especiais foram extintos (aliás, as características que outrora serviram para os adjetivar desse modo, em face das inúmeras alterações promovidas pela reforma da legislação processual, deixaram de lhes ser exclusivas). O melhor exemplo disso é o sincretismo processual experimentado pelo procedimento comum desde que admitida a concessão da tutela de urgência em face do autor e cumprida as exigências constantes do atual art. 273 do CPC.
A tutela de urgência e a tutela de evidência poderão ser requeridas antes ou no curso procedimental em que se pede a providência principal. Não tendo havido resistência à liminar concedida, o juiz, depois da efetivação da medida, extinguirá o processo, conservando-se a eficácia da medida concedida, sem que a situação reste protegida pela coisa julgada. Uma vez impugnada a medida, o pedido princiapl deverá ser apresentado nos mesmos autos em que tiver sido formulado o pedido de urgência.
Além da incompetência absoluta e relativa poderão ser levantadas pelo réu em prelminar de contestação, o que confere maior simplificação do sistema, a ncompetência absoluta não é, no novo CPC, hipótese de cabimento de ação rescisória.
Criou-se a faculdade do advogado promover, pelo correio, a intimação do advogado da outra parte. E, também as testemunhas devem comparecer espontaneamente, sendo excepcionalmente intimadas por carta com aviso de recebimento.
Foi uniformizado o prazo para todos os recursos, em quinze dias, em face o dos embargos de declaração. O recurso de apelação continua sendo interposto no primeiro grau de jurisdição, tendo=lhe sido, todavia, retirado o juízo de admissibilidade, que é exercido apenas no segundo grau de jurisdição. Com isso, suprime-se um novo foco desnecessário de recorribilidade.
Desapareceu o agravo retido, tendo se alterado, correlatamente, o regime das preclusões. Todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na apelação. Ressalte-se que, na verdade, o que se modificou, nesse particular, foi exclusivamente o momento da impugnação, pois essas decisões, de que se recorria, no sistema anterior, por meio de agravo retido, só eram mesmo alteradas ou mantidas quando o agravo era julgado, como preliminar da apelação. Com o novo regime pretendido, o memeno de julgamento será o mesmo, não o da impugnação.
Assim o novo sistema permite que cada processo tenha o maior redimento possível. E estendeu-se a autoridade da coisa julgada às questões prejudiciais.Com o fito de se dar maior rendimento a cada processo, individualmente considerado, e atendendo a críticas tradicionais da doutrina, deixou a possibilidade jurídica do pedido, de ser condição da ação.
Enfim, para a elaboração do novo CPC, identificaram-se os avanços incorporados ao sistema processual preexistente, que deveriam ser conservados. Estamos dando um passo adiante para se obter um sistema processual mais coeso, ágil e capaz de gerar o processo célere e mais justo.
[1] Cintra, Grinover e Dinamarco explicam a efetividade in verbis: “Para a efetividade do processo, ou seja, para a plena consecução de sua missão oficial de eliminar conflitos e fazer justiça, é preciso, de um lado, tomar consciência dos escopos motivadores de todo o sistema (sociais, políticos, jurídicos) e, de outro lado, superar os óbices que a experiência mostra estarem constantemente a ameaçar a boa qualidade de seu produto final.”(In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo, p.36).
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.