Resumo: O trabalho faz um estudo a respeito dos principais estruturantes do novo Código de Processo Civil e sua aplicabilidade ao processo do trabalho.
1. Introdução. Ideologia do Código
Entrou em vigor em 18 de março de 2016 a Lei 13.105/2015, com as alterações trazidas pela Lei 13.256 de 04 de fevereiro de 2016, o Código de Processo Civil, marcado, essencialmente, por uma principiologia fundada nos valores constitucionais democráticos previstos na Carta da República.
Com efeito, consta da Exposição de Motivos do novo Código:
“A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que prevêem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou “às avessas”.
Está expressamente formulada a regra no sentido de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa a obediência ao princípio do contraditório.”
Essa é uma importante inovação, pois ao trazer para a lei processual os princípios fundamentais previstos na Constituição da República, como o do devido processo legal, do contraditório entre outros, o legislador pretendeu afirmar que as regras processuais devem ser interpretadas em harmonia com os valores e as normas fundamentais previstas na Carta Suprema, evitando-se ocorra aquilo que infelizmente costuma acontecer: a não observância de princípios que muitas vezes apesar de não constarem expressamente da lei ordinária, encontram-se expressos ou implícitos no Texto Maior, tornando inconstitucional a própria interpretação da norma processual quando divorciada desses princípios.
O novo Código determina logo no artigo 1º que o processo civil, aí incluído por óbvias razões, o processo do trabalho, “será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”, numa evidente demonstração de que o julgador não deve levar em conta apenas as normas expressas ou positivadas no ordenamento jurídico, mas também os valores e os princípios fundamentais albergados, expressa ou implicitamente, no Texto Magno. E mais que isso, aqueles constantes dos tratados internacionais, especialmente aqueles alusivos aos direitos fundamentais dos quais o Brasil é signatário.
Desse modo, na aplicação das regras processuais, o juiz deve, necessariamente, passar tanto no ponto de partida como no de chegada pela Constituição, de modo a adequá-las à principiologia contida na Lei Maior.
Como se percebe, o Código contém uma tessitura aberta, com termos abertos ou indeterminados, incumbindo ao julgador completá-los e densificá-los de forma a concretizar o fundamental direito de acesso à justiça previsto expressamente no artigo 3º, que em verdade repete o contido no inciso XXXV do artigo 5º da Carta de 1988[1]. Por conseguinte, se deve prestigiar, na interpretação e também na aplicação das regras e princípios processuais que dever ser no sentido de que mais se aproxime dos valores albergados pela Constituição da República, mas apenas a isso, também aos tratados de direitos humanos de que seja parte o Brasil, considerando o estabelecido no art. 5º, §§ 2º e 3º da Constituição.
Na presente manifestação se pretende fazer algumas breves considerações a respeito de alguns dos princípios estruturantes da nova ordem processual civil, porém nem de longe se almeja esgotar o tema, apenas contribuir para a discussão do tema.
Procura-se apenas destacar alguns desses princípios que entendemos estruturantes do novo processo civil e que a nosso juízo se aplicam ao processo do trabalho, porém com as necessárias e indispensáveis cautelas, à medida que essa aplicação deve observar as balizas previstas nos artigos 8º e 769 da Consolidação das Leis Trabalho – CLT e a Instrução Normativa 39/2016[2] que, apesar de fortemente criticada, a ponto de ter sido objeto de contestação em ação direita e inconstitucionalidade ajuizada por Associação de Magistrados, estabelece um norte ao Juiz do Trabalho para aplicação e interpretação de alguns dos dispositivos do novo Código no âmbito do Processo do Trabalho.
2. Dos princípios informativos ou estruturantes do novo Código de Processo Civil aplicáveis ao processo do trabalho
Antes de se adentrar propriamente no tema dos princípios estruturantes do novo Código de Processo Civil, necessário lembrar com Miguel Reale que os "princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis"[3].
Os princípios informam, orientam e inspiram o próprio ordenamento jurídico iluminando a interpretação e a aplicação das regras gerais. Por conseguinte, devem ser observados quando da criação, interpretação e aplicação das normas. Por isso, sistematizam e dão origem a institutos. E no campo do Direito Processual isso se mostra ainda mais evidente, à medida que os princípios processuais constituem elemento básico para todo o sistema de julgamento e de distribuição de justiça. E essa relevância se vê ainda mais reforçada agora com o novo Código que, expressamente, no artigo 1º determina que devam ser observados os valores e princípios fundamentais previstos na Constituição, a evidenciar que os princípios processuais ganham com o novo Código um nível constitucional, tendo várias funções.
Podemos sintetizar, com base em abalizada doutrina[4], as seguintes funções dos princípios:
a) constituem instrumentos eficazes que facilitam a interpretação de preceitos complexos de difícil compreensão, incorporando critérios válidos para se descobrir o seu verdadeiro alcance, dado ao caráter informativo dos princípios.
b) são meios fundamentais de integração normativa nos casos de lacunas legais, apontando critérios capazes de facilitar a aplicação analógica de normas;
c) se revelam como critérios suscetíveis de utilização na resolução de situações de conflito entre distintos direitos, como no caso da colisão de direitos fundamentais, em que o princípio da proporcionalidade permite num processo de ponderação dos valores em pugna, optar-se por aquele que, no caso concreto, deva prevalecer.
d) são pontos de referência básicos que devem ser tomados em consideração nas reformas legislativas à medida que, do contrário, as futuras leis poderão contradizer, distorcer e não guardar coerência com o sistema processual, com a conseguinte insegurança jurídica que isso pode gerar, como os princípios do respeito à coisa julgada, do ato jurídico perfeito que devem ser respeitados em caso de alteração legislativa ou agora – no sistema processual brasileiro – da superação ou revogação do precedente judicial que deve sempre respeitar, em nome da segurança jurídica, as situações constituídas na vigência da norma ou precedente superado ou revogado.
Desse modo, e porque o precedente também sofre a influência das mudanças e das conquistas da sociedade, não podem ser por ele ignoradas. Logo, precisa ser superado ou revisto quando elas ocorrem de forma a alterar a visão não apenas do legislador, mas da própria sociedade sobre certos ou determinados assuntos.
Todavia, para garantir a segurança jurídica das relações firmadas sob a égide da decisão acolhida pelo precedente, a norma processual faculta ao Tribunal modular os efeitos da alteração (artigo 896-C, § 3º da CLT no campo do processo laboral) e que se encontra prevista no âmbito do processo civil no artigo 927, § 3º do novo Código estabelecendo que na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de recursos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
Desse modo, a decisão de alteração do precedente, seja no âmbito dos Tribunais Superiores ou nos de segunda Instância, poderá, em nome da preservação das situações criadas pelo entendimento anterior, em homenagem ao princípio-garantia da segurança jurídica, modular os efeitos da alteração.
Afinal, como lembra J. J. Gomes Canotilho[5]:
“o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas.”
Quando o precedente sofre alteração ou for superado pela técnica do overruling, devem ser preservadas as situações jurídicas com base nele constituídas, modulando-se os efeitos da alteração.
Como averba Guilherme Marinoni[6], a segurança jurídica, “vista como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser “Estado de Direito”, o que implica afirmar que a superação ou alteração do precedente deve preservar as decisões e situações com base nele criadas, não se podendo surpreender aqueles que tiveram os conflitos compostos com arrego nos fundamentos do precedente, sob pena de se criar instabilidade nas relações jurídicas.
De fato, as pessoas têm o direito de prever razoavelmente as obrigações decorrentes dos atos originários do Poder, não apenas os decorrentes do sistema normativo, mas também aquele que são originados da atividade jurisdicional do Estado. Por conseguinte, não podem ser surpreendidas com mudanças que impliquem em destruição daquilo que convencionaram ou conquistaram com base em entendimento anterior do Poder Judiciário, sob pena de instalar-se a insegurança se não a desordem.
Na hipótese de uma Corte de Justiça, nomeadamente uma Corte Superior, tomar uma decisão grave de reverter a jurisprudência consolidada, não pode nem deve fazê-lo com indiferença em relação à segurança jurídica, às expectativas de direito por ela própria gerada, à boa-fé e à confiança legítima que os jurisdicionados criaram com base nesse entendimento.
Nessa hipótese, é a própria credibilidade do Tribunal que está em questão[7].
Se a Constituição impõe limites à inovação legislativa em nome da segurança jurídica, da boa-fé e das legítimas expectativas de direito, pelas mesmas razões essa limitação deve ser observada pelo Judiciário ao alterar um precedente. Até porque a garantia da segurança encontra-se consagrada no artigo 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, como um direito natural e imprescritível.
E na Constituição de 1988, esse direito encontra abrigo no artigo 5º ao lado do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade.
e) são ainda os princípios meios para se descobrir o porquê de determinadas instituições e sua correta regulação normativa.
f) e, finalmente, os princípios processuais têm uma função pedagógica, pois constituem parâmetros que facilitam uma excelente visão genérica de todo o sistema processual como, por exemplo, o princípio da boa-fé que impede as partes de se valer do processo como instrumento para alcançar objetivos antiéticos ou imorais, permitindo assim, que aquele que eventualmente venha violá-lo, seja sancionado com a pena por litigância de má-fé, inclusive indenizando a parte inocente pelos prejuízos sofridos.
Como se vê, os princípios processuais têm uma imensa importância, pois informam o sistema processual, inclusive, e por óbvias razões, o sistema processual trabalhista.
Necessário, pois, fazer a necessária distinção, ainda que de forma sintética, entre princípios e regras.
Para Robert Alexy[8], os princípios são mandatos de otimização. Caracterizam-se pelo fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus. São, pois, normas que ordenam que algo seja realizado em maior ou menor medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, enquanto as regras apenas podem ser cumpridas ou não. São válidas ou inválidas.
Os princípios, que embora vinculantes, encontram-se marcados por um grau de abstração muito maior do que aquele das normas.
As normas são aplicadas a um número indeterminado de atos e fatos enquanto os princípios, ao contrário, servem para uma série indefinida de aplicações, daí porque se diz que têm um elevado grau de abstração e generalidade.
Ronald Dworkin[9] argumenta que, ao lado das regras jurídicas, há também os princípios. Estes, ao contrário daquelas, que possuem apenas a dimensão da validade, possuem outra dimensão: a do peso.
Desse modo, as regras ou valem, e são, por isso, aplicáveis em sua inteireza, ou não valem. Por conseguinte, não devem ser aplicadas, enquanto nos princípios essa indagação a respeito da validade não tem sentido, à medida que em caso de colisão entre princípios, não há que se indagar a respeito de validade, mas apenas sobre o peso. Prevalece, assim, o princípio que for, no caso concreto, o mais importante, ou seja, o que tiver maior peso, porém sem deixar de continuar valendo e integrando o ordenamento jurídico. Apenas não terá tido peso suficiente para ser decisivo naquele caso, mas em outros, a situação pode inverter-se e ser perfeitamente aplicável.
Na aplicação dos princípios o critério que o intérprete deve se valer é o da ponderação dos valores em pugna, sendo assim, como ressalta Norberto Bobbio[10], os princípios um fator determinante para a completude do ordenamento jurídico, inclusive, no campo do ordenamento processual e no âmbito do processo do trabalho isso se mostra ainda mais evidente, e tanto assim é verdadeiro, que a própria Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (art.769) e o próprio Código de Processo Civil reconhece de forma expressa no art. 15.
Lembra, a propósito, Luis Prieto Sanchís[11], que a ponderação conduz a uma exigência de proporcionalidade que implica estabelecer uma ordem de preferência relativa ao caso concreto, sendo assim, um passo intermediário entre a declaração de relevância dos princípios em conflito para regular prima facie um certo caso e a construção de uma regra para regular em definitivo esse caso, regra que, por certo, mercê do precedente, pode generalizar-se e terminar por se tornar desnecessária a ponderação em casos centrais ou reiterados. Em consequência desse reconhecimento à luz das circunstâncias do caso concreto, a ponderação constitui uma tarefa essencialmente judicial baseada essencialmente na hermenêutica da ponderação dos princípios.
Parece ser esse o modelo adotado pelo novo Código de Processo Civil[12], ao determinar que o juiz, na aplicação e interpretação das normas e regras processuais, deve tomar em consideração os valores e os bens constitucionais, afastando-se, assim e em boa hora, do critério da mera subsunção inerente ao positivismo que até então praticamente reinava como expressado no art. 8º do Código.
Assim entendido, passemos a apreciação de alguns de alguns dos princípios nos quais o Código de Processo Civil foi estruturado e que a nosso sentir têm aplicação no âmbito do Processo do Trabalho, todos tendo como fundamento o princípio democrático e do devido processo legal como se demonstrará a seguir.
2.1. Devido processo legal
Pode-se afirmar que o princípio do devido processo legal, na verdade uma dimensão do mega princípio do Estado Democrático de Direito que encontra assento no art. 1º da Carta de 1988, constitui a base da qual derivam os demais princípios processuais. Por isso, necessárias algumas considerações a respeito da sua origem e dimensão para que melhor possa ser entendido.
O princípio do devido processo legal tem origem no Direito inglês, tendo na histórica Magna Carta do Rei João Sem Terra, de 1215, sua primeira expressão.
O aludido Documento que tinha por objetivo limitar o poder real, na verdade, à época, era um instrumento protetor dos nobres contra os excessos da Corroa.
Entretanto, como pondera Antonio Enrique Perez Nuño[13], na Inglaterra a Magna Carta é considerada não apenas um marco histórico sob a perspectiva constitucional, mas um importante documento medieval no processo de positivação dos direitos humanos.
Embora inicialmente vista como um mecanismo de limitação do poder real, que prevaleceu até o século XIX, a partir da Emenda V à Constituição dos Estados Unidos, a fórmula da law of the land, que foi transformada no due process of law, começa a ter destaque em quase todas as Constituições do mundo democrático, o que levou a noção do devido processo legal a ser considerada como uma garantia fundamental do cidadão, sendo vedado à lei privá-lo desse direito, passando assim a adquirir uma dimensão material.
Nos Estados Unidos, com a consagração da supremacia da Constituição, o Poder Judiciário, pela Suprema Corte, passa a ter o poder de revisar os atos estatais contrários aos preceitos constitucionais, com fundamento na cláusula do devido process of law, que adquire maior vigor.
Essa visão passou a contaminar a maioria das Constituições dos demais países, ampliando sua dimensão no sentido de proteger todos os indivíduos, indistintamente, inclusive o próprio Estado.
Carlos Roberto Pereira de Castro[14] afirma que o princípio do devido processo legal pode ser considerado como um dos mais antigos e veneráveis institutos da ciência jurídica, cuja trajetória perpassou séculos, garantindo sua presença no direito moderno com renovado vigor.
Pode-se afirmar com Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz[15] que o devir histórico do devido processo legal passou por três fases:
1) a primeira, com o seu surgimento na Magna Carta de 1215, mediante o pacto de João Sem Terra e seus súditos, com ênfase para as garantias no processo penal;
2) a segunda, que surge com o entendimento de que o devido processo legal é uma garantia geral, constituindo requisito de validade da atividade jurisdicional: o processo regularmente ordenado, portanto, com ênfase no procedimento;
3) a terceira, e com certeza a mais importante, surge com as Emendas V e XIV à Constituição dos Estados Unidos[16], em que a garantia ao devido processo legal adquire um caráter substantivo, material, sem deixar de lado o aspecto procedimental, passando assim, a limitar o mérito das ações estatais, especialmente a partir da tutela das minorias étnicas e econômica pela Corte de Warren (nos anos de 1950 e 1960)[17].
No Brasil, embora não expresso, o princípio do devido processo legal encontrava-se presente no ordenamento jurídico nacional, pois consagrado em documentos internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas – ONU (1966).
Com efeito, os artigos 8º[18] e 10[19] da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 prevêem o direito ao devido processo legal, enquanto o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, firmado em Nova York em 19 de dezembro de 1966 e promulgado pelo Governo brasileiro por meio do Decreto 592/92 estabelece garantias que revelam esse direito.
Ademais, a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969 – promulgada entre nós pelo Decreto 678/92 prevê de forma expressa a garantia ao devido processo legal.
Nesses Documentos, que tratam da garantia aos direitos humanos, se tutela o direito à não auto-incriminação, à presunção de inocência, a um julgamento sem dilações indevidas, à ampla defesa e à publicidade do processo, revelam-se as dimensões à garantia do devido processo legal.
Nesse contexto, pode-se dizer que, apesar de não expresso, o devido processo legal antes de 1988 encontrava-se incorporado ao ordenamento jurídico nacional por força daqueles documentos internacionais sobre a proteção aos direitos humanos integrando, assim, o que doutrinariamente se denomina bloco de constitucionalidade.
Ademais, ainda nos idos anos de 1968 lembrava José Frederico Marques[20]:
“No direito pátrio, está implícita entre as garantias constitucionais, a do chamado “due processo of law” (ou “devido processo legal”) em face de do que diz o art. 150, § 35, da Constituição do Brasil de 1966, “in verbis” (…).
Desse modo, também entre nós “ninguém será privado da vida, da liberdade ou da propriedade sem o devido processo legal”[21].
Como se vê, mesmo na vigência do regime constitucional anterior, se entendia a presença da cláusula do devido processo legal no ordenamento jurídico brasileiro, embora em dados momentos não tenha sido observado, especialmente no período de vigência do Ato Institucional n. 5.
Mas foi com a promulgação da Carta de 1988 que a cláusula do devido processo legal foi definitivamente positivada na ordem constitucional brasileira[22].
Para Carlos Roberto Siqueira Castro[23]:
“em decorrência da falta de previsão constitucional expressa, a cláusula do devido processo legal acabou ingressando paulatinamente no direito pátrio como uma “garantia inominada”, mas em sua figuração apenas “adjetiva” ou processualista (procedural due process).”
Mas se faz necessário lembrar que o principio-garantia do devido processo legal não está limitado ao aspecto procedimental; antes, tem uma dimensão que transcende a meramente processual, à medida que tem intima relação de conexão com o mega princípio do Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º da Carta de 1988, como se tentará demonstrar ma continuação.
2.2. Dimensão do devido processo legal no ordenamento jurídico brasileiro
Em que pese a forma como inicialmente foi incorporado ao ordenamento jurídico interno, o certo é que não mais pode existir dúvida de que o devido processo legal é um super princípio norteador do ordenamento jurídico visando assegurar a qualquer pessoa, litigante ou acusada, em processo judicial – civil, criminal, trabalhista – ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa, bem como os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição de 1988).
Não está, pois, consubstanciado apenas em um princípio constitucional, mas, num super princípio que rege todo o sistema jurídico pátrio, porquanto informa a maneira como deverão ser realizados todos os atos e procedimentos processuais, bem como os administrativos até mesmo o processo de criação do direito.
Tendo em conta a ligação intrínseca do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito (art. 1º da Carta da República), pois um Estado não pode ser legitimamente qualificado de direito e menos ainda democrático se não confere ao cidadão as garantias necessárias e indispensáveis ao exercício dos mais diversos direitos coletivos ou individuais que a Lei Fundamental consagra, é evidente que o Estado, entendido na sua mais abrangente acepção, encontra-se vinculado à absoluta observância dos postulados inerentes e decorrentes do devido processo legal, porquanto não estatui apenas uma faculdade às partes e ao julgador, mas uma regra de natureza imperativa, vinculante e indisponível, portanto.
Deveras, como lembra abalizada doutrina[24], o devido processo legal “é uma expressão significativa do Estado de Direito, impondo ao titular do poder o dever de desenvolver-se sem afetar arbitrariamente os direitos fundamentais do individuo, que são tutelados pela cláusula – “a liberdade e os seus bens” -, de modo a contribuir eficazmente para o estabelecimento do Estado Democrático de direito”.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o princípio-garantia do devido processo legal não está na disposição das partes ou do juiz, tampouco do legislador que dele não pode dispor nem mesmo por meio de Emendas à Constituição[25].
Não se pode olvidar, ainda, que o principio do devido processo legal encontrando-se inserido no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais do Texto Maior vincula a todos inclusive o legislador e limita até mesmo o querer democrático, à medida que se trata de cláusula pétrea tornando-se imune a qualquer alteração até mesmo por meio de emenda constitucional[26].
Tem, pois dupla dimensão: uma processual e a outra substancial ou material.
A primeira – procedural due processo of law – alusiva ao sentido mais comum ligada à garantia procedimental, garante a toda pessoa um certo processo, ao ser privada de algum direito, bem ou liberdade.
Nessa dimensão o procedimento serve para demonstrar os fundamentos e a legalidade do ato estatal – ação ou omissão – em desfavor do cidadão.
A ausência ou a falha na observância do procedimento previamente estabelecido pode gerar a anulação do ato que possa afetar a vida, a liberdade ou a propriedade, bens tutelados pela cláusula.
Por força dessa cláusula o Estado tem o dever de notificar e dar oportunidade de ser ouvido o individuo ou grupos cujos interesses alusivos à vida, à liberdade e à propriedade possam ser afetados pela ação estatal, pois que a certeza de um julgamento justo ou pelo menos de uma audiência justa perante o juiz imparcial, que não tenha interesse em uma conclusão e seguindo-se um dado procedimento previamente previsto, representa essa dimensão procedimental da garantia do devido processo legal.
Todavia, a cláusula não se limite à observância de certo procedimento. Há também a dimensão material ou substancial.
A noção de devido processo legal substancial originou-se a partir de um caso concreto submetido à apreciação da Suprema Corte norte-americana no fim do século XVIII no qual foi examinada a questão dos limites do poder governamental[27].
Contemporaneamente se entende que o devido processo legal, na dimensão substancial, constitui uma garantia que estabelece legítima limitação ao poder estatal de modo a censurar a própria legislação e declarar a ilegitimidade de leis ou atos que violem os princípios e as grandes colunas do regime democrático.
Tem significado de proclamar a autolimitação do Estado no exercício da própria jurisdição, no sentido de que a promessa de exercê-la será cumprida com as limitações contidas nas demais garantias e exigências, sempre segundo os padrões democráticos e republicanos. Portanto, com respeito aos direitos fundamentais. Por isso, diz respeito à limitação ao exercício do poder, autorizando ao Judiciário questionar a razoabilidade e a proporcionalidade de dado ato e a justiça das decisões estatais, inclusive daquelas emanadas do próprio Poder Judiciário e, em razão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também dos particulares que eventualmente possa afetar a esses direitos.
Não basta a observância a dado procedimento para que o ato estatal seja considerado acorde com o devido processo legal, é necessário que observe critérios de razoabilidade, de proporcionalidade, pois o conteúdo material da cláusula significa que o Estado não pode a despeito da observância sequencial de etapas em um dado procedimento, afetar arbitrariamente certos bens ou valores dos indivíduos ou da comunidade. Exige-se, pois, razoabilidade no ato de afetação. Por conseguinte, na dimensão substancial da cláusula do devido processo legal há a preocupação com a proteção dos direitos humanos e os interesses da comunidade quando em confronto[28] e isso fica evidenciado no art. 1º do novo Código de Processo Civil ao mandar que o juiz na aplicação e interpretação das normas, leve em consideração os valores e as normas constitucionais e, portanto, os valores que compõem a dignidade humana.
É nessa dimensão substancial do devido processo legal que se insere o princípio do contraditório e da ampla defesa, incorporados pelo novo Código a partir do dos arts. 9º e 10, cuja aplicação ao processo do trabalho a Instrução Normativa 39 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho expressamente determina[29].
Pode-se então afirmar, sem qualquer hesitação, que o primeiro e mais importante princípio enaltecido pelo novo Código é o princípio do devido processo legal previsto no inciso LIV do art. 5º do Texto Maior, pois dele decorrem os demais, como os princípios do contraditório, da ampla defesa, de publicidade, da razoável duração do processo, da motivação ou racionalidade das decisões entre outros.
A seguir faremos breves comentários a respeito de alguns desses e outros princípios que reputamos estruturantes no processo civil e que têm aplicação com as devidas adequações ao processo do trabalho.
3. Princípio do contraditório e da ampla defesa
Uma das mais importantes dimensões do princípio do devido processo legal, é a garantia do contraditório e da ampla defesa, prevista no inciso LV do art. 5º do Texto Supremo, agora expressamente incorporada pelo novo Código de Processo Civil, especialmente nos art. 7º, 9º e 10 que, a bem da verdade é reflexo do princípio democrático na estruturação do processo. Por conseguinte, aplica-se nos âmbitos jurisdicional, administrativo e negocial, em que pese a literalidade do texto constitucional e legal[30].
“El principio contradictorio (o de contradicción) es la posibilidad que tienen las partes de cuestionar preventivamente todo aquello que pueda luego influir en la decisión final y como tal presupone la paridad de aquéllas (acusación y defensa) en el proceso: puede ser eficaz sólo si los contendientes tienen la misma fuerza o, al menos, los mismos poderes. Es la posibilidad de refutación de la contraprueba. Representa a su vez el derecho a la igualdad ante la ley procesal, de contar con las mismas armas para formar – con las mismas posibilidades – el convencimiento del juzgador”[31].
O princípio-garantia do contraditório tem, assim, significado de participação democrática das partes na formação do convencimento do julgador impedindo o juiz proferir qualquer decisão antes de oportunizar as partes o direito de manifestação, inclusive naquelas em que pode conhecer de oficio (arts. 9º, 10 e 487, Parágrafo único do Código de 2015).
De fato, mesmo no caso de tutela de urgência ou naquelas hipóteses previstas no art. 332 e 701 do Código, o contraditório deve necessariamente ser observado, apenas será diferido.
Desse modo, pode-se afirmar que o princípio do contraditório é formado pelos deveres de informação, reação e poder de influência[32].
De fato, o juiz tem o dever de informar às partes a respeito dos atos praticados no processo, podendo estas reagir. Isso significa que ao julgador se impõe um dever enquanto as partes têm apenas o ônus de reação. Tanto assim que a norma do art. 9º do Código ordena que o juiz não deva proferir decisão contra uma das partes – salvo as hipóteses expressamente previstas em que o contraditório é diferido – sem que ela seja previamente ouvida podendo, todavia, pode ou não se manifestar à medida que tem apenas o ônus e não o dever de manifestação.
O que a ordem jurídica não permite é que à parte não seja garantido o direito de manifestação. Essa é dimensão formal do princípio se esgota no dever de informação pelo juiz.
Ao se manifestar, a parte exerce o poder de reação podendo influenciar na decisão, incumbindo ao julgador o dever de zelar para que essa possibilidade seja efetiva, inclusive, quando necessário, com nomeação de defensor se perceber que sua falta pode prejudicar aquela que, desprovida de meios, não disponha de condições para contratar profissional para defesa de seus eventuais direitos.
Esse dever de defesa no sentido amplo, no âmbito do processo do trabalho, deve ser cumprido pelo sindicato da categoria (arts. 8º, inciso III da Carta de 1988 e 513, letra a da Consolidação das Leis do Trabalho) incumbindo ao juiz oficiar a entidade para, gratuitamente, assumir a defesa da parte se com isso concordar, é claro.
O que não se admite é que a parte venha a ser condenada ou não possa ter reconhecido determinado direito por falta de oportunidade de poder influenciar na decisão, ou venha de alguma forma a ser prejudicada por ausência da oportunidade de exercer esse direito fundamental. É esta a dimensão substancial do princípio do contraditório que uma vez não observada poderá levar a invalidade do processo e mais que isto, a injustiça, o que não se pode admitir, pois o Direito visa atingir o justo[33].
Nesse sentido, lembra a boa doutrina[34]:
“Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão jurisdicional – e isso é o poder de influência, de interferir com argumentos, idéias, alegando fatos, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva apenas com a ouvida da parte, exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão”.
E essa dimensão substancial da garantia fundamental é tão importante e indeclinável, que a norma do art. 10 do Código, de inegável aplicação ao processo do trabalho, estabelece que nenhum juiz, em qualquer órgão jurisdicional, em qualquer grau, poderá julgar com base em fundamento que não tenha sido objeto de prévia discussão entre as partes, mesmo naquelas matérias ou hipóteses em que o julgador pode conhecer e decidir de ofício.
Todavia, vale repetir que a norma deve ser interpretada e compreendida no sentido de se garantir às partes o direito ou oportunidade de manifestação e não o dever, pois o poder de interferência constitui mero ônus. O que não se admite é a chamada decisão surpresa que deve passar, sempre, pela garantia do contraditório.
Entretanto, e como antes registrado, o contraditório, em dadas hipóteses e levando-se em consideração bens ou valores que necessitam ser imediatamente tutelados, sob pena de perecimento, ou de ineficácia da tutela pretendida, o contraditório pode ser diferido.
Com efeito, o Parágrafo único do art. 9º do Código, de forma excepcional, autoriza que o contraditório seja diferido permitindo ao juiz o proferimento decisão sem prévia oitiva da parte nas seguintes hipóteses:
I – tutela provisória de urgência;
II – hipóteses de tutela da evidência prevista no art. 311, incisos II e III;
III – decisão prevista no art. 701.
Mas além dessas hipóteses, não se pode esquecer aquelas previstas no art. 332 nas quais também é facultado ao juiz decidir sem necessidade de citar previamente a parte, mas ainda nessa hipótese, não se pode deixar de mencionar que a decisão é favorável àquela que deveria ser citada, o que, em princípio, não lhe traria prejuízo.
Aqui a citação ou intimação ocorre posteriormente para que a parte possa se manifestar a respeito da decisão contrária aos seus interesses, e é a partir desse momento que o direito ao contraditório passa a ser exercido, sem que isso implique qualquer nulidade, pois o direito é garantido, apenas é diferido para momento posterior à decisão permitindo à parte reagir com o exercício da ampla defesa que em verdade qualifica o contraditório correspondendo ao aspecto substancial deste, tendo, esses dois princípios, na visão de abalizada doutrina se fundido formando um amálgama de um único direito fundamental[35].
Esse entendimento nos parece acertado, pois na prática a ampla defesa tem significado do direito da parte lançar mão dos meios e recursos para demonstração de suas alegações. Tanto assim, que é um direito que se estende às partes e não apenas ao réu ou acionado, pois visa a participação de ambos na formação do convencimento do julgador sendo assim também uma dimensão do Estado democrático de direito.
4. Principio da primazia da decisão de mérito
Esse princípio pode ser considerado como uma dimensão do direito de acesso à justiça, pois tem por objetivo assegurar não apenas acesso ao processo formal, mas a uma sentença que aprecie o mérito daquilo que foi postulado, afastando assim formalismos exagerados que não raro levavam a extinção do processo por vícios que não chegavam a impedir o julgador apreciar a controvérsia posta a julgamento e terminava por tornar o processo um fim em si mesmo, o que foi objeto de muitas críticas da doutrina.
Lembrava no início do século XX Francesco Carnellutti que o processo deve assegurar à parte exatamente tudo aquilo que tem direito, o que significa dizer que o juiz deve superar eventuais irregularidades formais e se esforçar ao máximo para apreciar a controvérsia posta à apreciação dizendo o direito. Afinal, o processo nada mais representa do que instrumento para assegurar no campo da realidade da vida o direito material compondo o conflito.
Deixa-se de lado agora e em boa hora, o cientificismo e o formalismo até então predominantes, passando a questão processual a trazer elementos mais consentâneos com a realidade da vida daqueles que buscam justiça por meio do processo.
De fato, quem busca justiça “dela tem sede” e quer ver a sua pretensão apreciada, mesmo que a decisão lhe seja desfavorável, o mais rapidamente possível.
Desse modo, a satisfatividade e a efetividade devem ser tão essenciais quanto a preocupação com busca da celeridade na tramitação do processo, à medida que esta sempre pode ser causa daquela.
O novo Código abandona, assim, o rigor do formalismo existente no anterior passando a prestigiar o direito de acesso efetivo à ordem justa e não apenas à jurisdição, ao processo, o que a doutrina espanhola costuma denominar “derecho a la tutela efectiva”, ou seja, a uma prestação jurisdicional que além de justa, seja prestada em tempo oportuno e de forma efetiva. Vale dizer: de modo que seu destinatário possa realmente desfrutar daquilo o a decisão reconheceu.
É esse, a nosso sentir, o verdadeiro sentido e o alcance do princípio da primazia da decisão de mérito, que deve receber interpretação harmônica com o constante nos incisos XXXV e LXXVIII do Texto Magno que incorporam os princípios do acesso à justiça com um processo sem dilações e formalidades indevidas.
De fato, o novo Código estabelece no art. 4º:
“As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
A interpretação do aludido dispositivo processual deve ser no sentido de que o juiz necessita priorizar a decisão de mérito e tê-la como objetivo. Para tanto, precisa afastar formalidades que não impeçam alcançar esse desiderato, que em verdade, é da própria atividade jurisdicional do Estado constituindo a finalidade mais importante do processo enquanto instrumento democrático de composição de conflitos e de pacificação social, o que, aliás, deve ser harmonizar com o previsto no art. 485 do Código.
Esse princípio que tem aplicação em todas as instancias, se encontra disseminado em vários outros dispositivos do Código, entre eles, vale citar os arts. 6º que trata da cooperação de todos os sujeitos processuais para que se alcance uma “decisão de mérito justa e efetiva”; 76 ordenando ao juiz o dever de determinar a correção da incapacidade processual; 139, inciso IX pelo qual o julgador deve determinar o suprimento dos pressupostos processuais e outros vícios; 282, § 2º orientando e determinado que não se deve declarar nenhuma nulidade se o ato viciado puder ser repetido ou suprido; 317 prevendo que não deve o juiz extinguir o processo sem resolução do mérito sem antes conceder à parte oportunidade para, caso possível, corrigir eventual vicio; 321 estabelecendo que antes de indeferir a inicial por vício de inépcia, o juiz deve mandar intimar o autor para que a emende ou complete; 485 facultando ao juiz quando extinguir o processo sem resolução de mérito e sendo interposto recurso, o poder de retratação reexaminando a decisão e se possível, proferir nova decisão que examine o mérito da controvérsia; 932, Parágrafo único concedendo ao relator antes de considerar inadmissível o recurso, desde que tempestivo, desconsiderar vicio formal não reputado grave, conceder à parte oportunidade para saná-lo, como por exemplo, vicio de representação, o que também é previsto no art. 896 § 11 da CLT na redação advinda da Lei 13.015/2014; 1019, § 3º permitindo que tanto no Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça se poderá desconsiderar vicio formal em recurso tempestivo ou determinar a correção desde que o vicio não seja reputado grave, de forma a permitir o exame do mérito, o que entendemos deva ser aplicado em todos os recursos em nome do direito a tutela efetiva, a confirmar que a primazia da decisão mérito deve ser o objetivo do julgador que apenas poderá extinguir o processo sem resolução de mérito quando efetivamente houver impossibilidade absoluta de correção do vício.
Em definitivo, pode-se afirmar que o julgador deve ordenar a parte o suprimento do vicio e apenas se não atendida a determinação ou não puder ser superado, poderá decretar a nulidade ou a extinção do processo sem apreciação de mérito.
O princípio da primazia da decisão mérito se mostra ainda mais evidente e necessário no âmbito do Processo Laboral, informado pelos princípios da simplicidade e informalidade a tal ponto de se permitir, inclusive, a postulação sem assistência de advogado, dada a natureza alimentar do crédito trabalhista.
Essa constatação, por si só, constitui razão para aplicação do principio da primazia de decisão de mérito em todas as instâncias na Justiça do Trabalho como forma de impedir que o descumprimento de meras formalidades venham impedir ao juiz de apreciar o mérito da demanda cometendo injustiças como, por exemplo, naquelas decisões que, sem maior reflexão, inclusive não oportunizando à parte o direito de emenda, indeferem pedidos com a extinção do próprio processo sem exame de mérito quando o vicio não raro é constituído por mera ausência de enquadramento legal ou demonstração de diferenças matemáticas de parcelas requeridas – que não impedem ao juiz apreciar o pedido aplicando o direito.
Essas e outras situações como, por exemplo, o não conhecimento de recurso por vício de representação quando o advogado que o subscreveu participou dos demais atos processuais, mas não exibe com o recurso instrumento de mandato não se legitimam ante à norma constante do art. 4º do novo Código que a bem da verdade constitui uma dimensão à garantia do devido processo legal sob a perspectiva substancial ou material.
Verdadeiramente essa tipo de decisão não é mais admissível. E vamos mais longe, agora com a incorporação do precedente, mesmo existindo algum vício no recurso além daqueles antes mencionados que não seja reputado grave[36], sendo possível apreciar o mérito, o Tribunal deve superá-lo com afirmação da tese jurídica, à medida que servirá de baliza para futuros julgamentos como, aliás, sinalizou o Supremo Tribunal Federal[37].
Parece ser essa a correta interpretação dos arts. 4º; 932, Parágrafo único e 1029, § 3º do novo Código e 896, § 11 da CLT (redação dada pela Lei 13.015/2014) e que, repita-se, deve ser aplicada a todos os recursos em obséquio aos princípios da tutela efetiva ou acesso à justiça e da primazia da decisão de mérito.
Nesse sentido, aliás, veja-se o Enunciado 219 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, nos seguintes termos:
“O relator ou o órgão colegiado poderá desconsiderar o vicio formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que o repute grave”.
Rompeu-se, pois, com o exagerado formalismo constante do Código anterior preferindo-se, em nome da tutela efetiva, superar-se formalismo e vícios que não impeçam o juiz outorgar a prestação jurisdicional de mérito e não apenas outorgar às partes uma decisão processual.
5. Principio da boa-fé processual
De acordo com o contido na norma do art. 5º do Código, todos os sujeitos processuais devem se comportar com a boa-fé.
Como princípio geral, a boa-fé obriga o Estado e os particulares a terem um comportamento correto e leal em todas suas relações e nas atividades jurídicas em que intervenham[38], inclusive no âmbito do processo.
Pode-se definir a boa-fé processual como aquela conduta exigível de toda pessoa que atua no processo, considerada socialmente admitida como correta.
Trata-se, pois, de um conceito indeterminado que deve ser examinado à luz dos valores éticos da sociedade e normativos do ordenamento, incumbindo ao juiz, em cada caso concreto, analisar se a conduta processual da parte ou daqueles atuam no processo se encontra adequada às formas de atuar admitia pela generalidade dos cidadãos[39].
A esse dever geral corresponde um direito subjetivo dos particulares a que os órgãos do Estado, e em particular os juízes, protejam o princípio da boa-fé.
O princípio da boa-fé tem fundamento constitucional, recebendo, por conseguinte o mesmo peso que outros princípios recolhidos no Texto Supremo, como os da legalidade, da isonomia e da segurança jurídica (art. 5º).
Esse reconhecimento obriga tanto o Estado, especialmente este, como aos particulares à sua obediência, impedindo a perda de previsibilidade e de segurança jurídica nas relações permitindo que julgadores disponham de um critério flexível para a busca da justiça material.
Esse ponto de vista é defendido pela doutrina argentina ao afirmar[40]:
“En la estructura do sistema brasileño, el principio general de la buena fe pode considerarse como una norma iusfundamental adscripta, conforme terminología empleada por Robert Alexy, es lo que en otras palabras sostine Alberto do Amaral Junior cuando refiere a que “El principio de la buena fe objetiva fue, además, implicitamente reconocido por la Constitución Federal, que en el art. 3º determina: art. 3º. Constituyen objetivos fundamentales de República Federativa del Brasil: 1. Constituir una sociedad libre, justa y solidaria” [41].
De acordo com o pensamento de Germán J. Bidart Campos[42]:
“Si nos manejamos cronológicamente – con um “antes” y um “después”, para desembocar en um ahora – debemos reconocer que la filiación genética del principio de la buena fe es jusprivatista. Fue en el derecho civil la cuna “cronológica” donde nasció, e desde la que luego tuvo difusión, desarrollo, aplicación y expansión. Pero se ése fue el “antes”, hemos de admitir que en un después – también cronológico – el principio de la buena fe ingresó a la vez el derecho publico lo que, en un “ahora”, nos hace afirmar con fuerte convicción que el principio de la buena fe tiene raíz constitucional o, si se prefiere, que es uno de los principios que forman parte el sistema axiológico da la constitución.”
Para Lucas Verdu[43], sob o ponto de vista material, nem todo o conteúdo da Constituição é Direito Constitucional e nem todo o Direito Constitucional está contido na Constituição, estabelecendo-se uma conexão entre todas as matérias constitucionais, onde quer que estejam reguladas.
Afirma o jurista espanhol:
“Es obvio que el Estado no puede desentender-se el modo de producción, modificación o derogación de las normas jurídicas. Le importa también la aplicación e interpretación de las normas jurídicas, su publicación, así como el ámbito de aplicación, de manera que aunque las disposiciones del título preliminar del Código Civil son formalmente normas ordinarias, desde el punto de vista material son constitucionales e guardan estricta conexión, ratione materiae, con la Constitución de 1978. Esta conexión afecta a la Constitución en sentido material, a la Constitución substancial, a la fórmula política de Constitución, expresiones equivalentes, ya que el techo ideológico, la organización jurídica e la estructura socioenómica que la componen dependen estrechamente del modo de producción, modificación, derogación, interpretación de las normas que, junto con las instituciones, configuran y articulan el ordenamiento jurídico”.
Parece, pois, razoável defender o entendimento de que o princípio da boa-fé encontra assento na Constituição material, especialmente no âmbito processual em que, pelo menos a grande maioria das normas, são de ordem pública e visam dá cumprimento ao dever de prestar a jurisdição, atividade fundamental do Estado.
Desse modo, os valores constitucionais da justiça e da igualdade previstos no novo Código (arts. 1º, 6º e 7º) têm o significado de que o comportamento de todos aqueles de atuam no processo deve se pautar pelo cumprimento desse dever que tem sentido de lealdade na atuação processual, à medida que o processo se configura como um instrumento necessário para o exercício da função jurisdicional do Estado, não se legitimando atuações maliciosas das partes, do juiz e todos aqueles que nele atuam tendentes a frustrar o seu correto desiderato: compor de forma justa os conflitos.
Como lembra a doutrina[44], é evidente que não atua de boa-fé quem exercita anormalmente um direito com a intenção de causar dano, nem aquele que o faz com caráter anti-social, excedendo-se dos limites normais, tampouco o trata de burlar uma norma, amparando-se num preceito de cobertura para alcançar resultado proibido pelo ordenamento jurídico ou contrário a este, ou seja, atua com abuso de direito ou em fraude à lei.
Assim entendido, há de se entender que a boa-fé encontra fundamento material no Texto Supremo, sendo assim um princípio de natureza constitucional, em que pese a existência de divergência a esse respeito, pois o próprio ordenamento processual encontra fundamento e abrigo no Texto da Constituição, no qual se encontra o princípio maior do qual todos os demais derivam: o princípio do devido processo legal, que por sua vez tem como base o mega princípio do Estado Democrático de Direito constituindo um dos fundamentos estruturantes de toda a ordem jurídica como, aliás, reconheceu no Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 464.963-2-GO, da Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, assim ementado:
“O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas apara a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais.
A máxima do fair trial é uma das faces do devido processo legal positivado na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de jurisdição voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé e da lealdade dos sujeitos que dele participam, condição indispensável para a correção e legitimidade do conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos. Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que atuam diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os sujeitos, instituições e órgão, públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente, funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à justiça.
Contrárias à máxima do fair trial – como corolário do devido processo legal, e que encontra expressão positiva, por exemplo, no art. 14 e seguintes do Código de Processo Civil – são todas as condutas suspicazes praticadas por pessoas às quais a lei proíbe a participação no processo em razão de suspeição, impedimento ou incompatibilidade; ou nos casos em que esses impedimentos são forjados pelas partes com o intuito de burlar as normas processuais.”
Vale recordar, ainda, que em consonância com esse entendimento e sob a mesma fundamentação, encontra-se a decisão proferida no julgamento do RE 529.733-1/RS em que a questão centrou-se em agravo de instrumento interposto pelo INSS contra decisão que obstou o seguimento do Recurso Extraordinário.
Pode-se, então, afirmar que se pretende com o princípio da boa-fé processual, evitar comportamentos maliciosos que na maioria das vezes revelam-se pelas figuras do abuso de direito e da fraude processual. Todavia, isso não implica dizer que o advogado não possa utilizar as estratégias processuais que estime mais adequadas para a defesa dos interesses de seu constituinte, as quais são totalmente lícitas sempre que não vulnerem os interesses da parte contrária, devendo neste caso, em que se encontra em aparente colisão interesses fundamentais ligados ao direito de defesa e a eventual atuação processual que possa atentar contra a garantia de um processo justo e sem dilações indevidas, o juiz ponderar, em cada caso concreto, o que implica afirmar que nenhuma solução apriorística se mostra adequada.
O dever de atuar de boa-fé no processo pode ser sintetizado na proibição de criar situações ou posições processuais de má-fé de forma a causar prejuízo à outra parte ou ao andamento do próprio processo como se pode constatar no contido nos arts. 258 do Código de 2015, que trata de requerimento doloso de citação por edital; 80 na figura da litigância de má-fé, elencando um rol de comportamentos indevidos que são sancionados com multa e o dever de indenizar a parte inocente, além dos honorários e despesas que efetuou; 143, inciso I, que se destina a sancionar a atuação dolosa do órgão jurisdicional.
De outro lado, como decorrência do dever de boa-fé, existe ainda a proibição de venire contra fatum propium, vedando o exercício de uma situação jurídica em desconformidade com um comportamento anterior que gerou na outra parte uma legítima expectativa de manutenção da coerência, incorporando assim, o Código a doutrina dos atos próprios.
Por força dessa doutrina, o litigante é impedido de formular alegações em contradição com o sentido objetivo de sua anterior conduta.
Em tese de doutoramento sobre os limites do poder empresarial e a boa-fe, lida em 07.06.2015 na Universidad Castilla-la Mancha, em Albacete – Espanha, afirmei que a proibição do venire contra factum propium:
“Mira a prohibir, por lo tanto, conductas de mala fe y la mentira, protegiendo la confianza legítima y, consecuentemente, la seguridad en el tráfico de las relaciones jurídicas. Incluso porque, como observa la doctrina porteña, la buena fe no es un principio dogmático, pero la creencia generadora del convencimiento del sujeto que debe fundarse en elementos exteriores que le proporcionen informaciones suficientes para creer. Por ello, se expande por todo el ordenamiento jurídico como principio concreto que lo completa y cuya función vital implica un límite a la conducta, a los derechos subjetivos y a la libertad de contratación – particularmente en la contratación de adhesión o predispuesta – en aquellas hipótesis, digo yo, en que una de las partes es hiposuficiente, como en la contratación laboral.
Se puede afirmar que el venire contra factum propium es un modelo objetivo de conducta constitutivo de un principio general del derecho – autónomo y residual – derivado directa e inmediatamente del principio general de la buena fe, siéndole aplicables las elaboraciones alrededor de éste.”
Como aplicação do aludido princípio, pode-se citar, entre outras, a conduta da parte que praticando ato de aceitação da decisão vem dela recorrer posteriormente, embora dentro do prazo para o recurso (art. 1.000 do Código); arguição de nulidade de ato a que causou ou impugnação à legitimidade da parte quando anteriormente reconheceu como legítima (art. 276) ou ainda a prática de qualquer conduta incompatível com a anterior praticada como, por exemplo, no processo do trabalho, no qual tenha convencionado em audiência determinada jornada ou intervalo e depois de proferida a sentença com base nessa convenção, vem recorrer impugnando exatamente aquilo que fora objeto da pactuação, e tantas outras abusivamente praticadas no âmbito do processo do trabalho.
Há ainda a figura da supressio, consistente na perda de poderes processuais em razão do seu não exercício por tempo suficiente para incutir na outra parte a legítima confiança de que esse poder não seria mais exercido.
É assim a supressio a perda de uma situação jurídica ativa, pelo não exercício em lapso de tempo que gere na outra parte a legítima expectativa de que a situação jurídica não seria mais exercida. Por conseguinte, o exercício tardio seria considerado como contrário à boa-fé e, portanto abusivo[45].
Por fim, vale registrar que a boa-fé se presume enquanto a conduta de má-fé deve ser objetivamente comprovada. Todavia pode ser alegada por qualquer das partes ou reconhecida de oficio pelo julgador e tem aplicação no âmbito do processo em geral – comum ou especial – e em qualquer em qualquer etapa do processo – conhecimento, cumprimento da sentença e nas tutelas de urgência e evidência aplicando-se a todos os sujeitos processuais, inclusive, com relação ao próprio julgador.
6. Princípio da cooperação
Doutrinariamente costuma-se, no sistema processual ocidental, identificar dois modelos de processo: o modelo adversarial, que assume a forma de competição ou disputa desenvolvendo-se como um conflito entre dois adversários ante o órgão jurisdicional relativamente passivo, em que a principal função é decidir a lide sendo mero destinatário das provas, e outro, o inquisitorial, organizado como uma pesquisa oficial, sendo o órgão jurisdicional o grande protagonista do processo, como aparentemente, até agora vigia no sistema brasileiro.
Lembra com absoluto acerto Vitor Salina de Moura Eça[46], que o Código de 2015 “marca o início de um novo signo processual, em que todos têm de se esforçar para que haja satisfação comunitária, ou seja, cada um desempenhando o seu papel tem de encontrar, ao fim do processo, a realização naquilo em que é sua função se ativar na construção do provimento”.
O novo Código consagra no art. 6º um novo modelo: o modelo do processo cooperativo, com a inserção do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual, e não mais como mero expectador do “duelo” entre as partes[47].
Visa-se, com esse novo modelo, uma condução cooperativa entre as partes e o julgador, sem qualquer destaque para um dos sujeitos processuais, que deverão cooperar para a decisão.
Os sujeitos processuais têm deveres de conduta assumindo uma “dupla posição” que em verdade revela um processo paritário na condução de um diálogo processual, porém, “assimétrico” no momento da decisão que é da exclusiva responsabilidade do julgador.
É uma terceira espécie, que transcende os modelos adversarial e inquisitivo. É uma forma de se democratizar o processo com a ideia de participação, em que as partes envolvidas no conflito e o julgador possam dialogar visando alcançar uma decisão justa.
O juiz do processo cooperativo é um juiz isonômico na condução do processo e assimétrico quando da decisão das questões processuais e materiais da causa. Desempenha, pois, um duplo papel, à medida que ocupa dupla posição: paritário no diálogo e assimétrico na decisão.
Visa-se alcançar com esse modelo, democraticamente, um “ponto de equilíbrio” na organização do formalismo processual, conformando-o como uma verdadeira “comunidade de trabalho” entre as pessoas do juízo.
A cooperação converte-se em prioridade no processo. Por conseguinte, a decisão judicial é fruto da cooperação de todos os sujeitos processuais, no qual ao longo do processo as partes buscam expor suas razões e travam discussões antagônicas a fim de influenciar o juiz nas possíveis decisões.
É claro que esse diálogo não pode ser entendido no sentido de as partes abrirem mão de suas posições ou de seus interesses. Apenas deverão com suas posições colaborar e influir na decisão sem isso implique em qualquer renúncia, evidentemente, máxime os advogados que têm o dever de defender os interesses de seu constituinte.
O princípio da cooperação encerra os deveres de esclarecimento, lealdade e proteção. Pelo primeiro, incumbe ao órgão julgador pedir esclarecimentos das partes quanto às duvidas que possa ter sobre suas alegações e posições em juízo, a fim de evitar que tenha de tomar decisões baseadas em percepções equivocadas ou apressadas, esclarecendo, inclusive seus pronunciamentos para as partes apontando deficiências quanto às postulações que possam ser supridas, como por exemplo, quando determina que o autor emende a inicial.
Deverá, ademais, zelar pelo fiel cumprimento do contraditório.
De seu turno, as partes têm o dever de agir com boa-fé, não criando incidentes infundados de forma a evitar não apenas tumulto, mas também não causar danos à parte adversária devendo assim agir de forma leal.
É claro que esse princípio aplica-se ao processo do trabalho, à medida que este tem por objeto a resolução de conflitos marcados pela desigualdade em que o trabalhador encontra-se sempre ou quase sempre numa posição de inferioridade em relação ao empregador. Portanto, e embora o juiz nessa modalidade processual marcada por especificidades em relação ao processo comum, tenha uma posição mais inquisitorial, não significa que as partes não tenham o dever de colaborar. Aliás, a velha Consolidação das Leis do Trabalho – CLT no art. 645 prevê que o serviço da Justiça do Trabalho é relevante e obrigatório, ninguém podendo dele se eximir sem motivo justificado, o que revela o dever de colaboração de todos para decisão também no âmbito do processo do trabalho há muitos anos.
Pode-se, então, afirmar que na Justiça do Trabalho o dever de colaboração não constitui nenhuma novidade e por isso mesmo, o previsto no art. 6º do Código é plenamente aplicável ao processo do trabalho.
7. Princípio da publicidade e motivação das decisões judiciais
Em decorrência do princípio da publicidade dos atos da Administração Pública, previsto no art. 37 da Carta de 1988, há o dever de que as decisões judiciais sejam públicas (inciso LX do art. 5º).
No âmbito processual o princípio encontra-se expresso nos arts. 8º e 11 do Código de Processo Civil sendo também uma decorrência do princípio democrático e da natureza pública do processo. Portanto, como regra geral, os atos processuais deverão ser públicos, podendo, todavia, em dadas situações e para proteger certos bens ou ao interesse público, excepcionalmente, realizar-se em segredo de justiça, como nas hipóteses previstas no art. 189 que são meramente exemplificativas. Porém, a regra é publicidade.
De outro lado, vale lembrar que mesmo tramitando em sigilo ou segredo de justiça, os advogados terão, em qualquer circunstância, acesso ao processo, à medida que esse direito, além de previsto no art. 7º da Lei 8.906/94, decorre dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, constitucionalmente garantidos. Portanto, o segredo de justiça não se aplica à pessoa do advogado.
De fato, o segredo tem por objetivo manter sob sigilo processos judiciais ou investigações, que em regra são públicos, por força de lei ou de decisão judicial. Leva-se em consideração, em última análise, a preservação da dignidade das partes envolvidas, pois não é recomendável que questões pessoais sejam desnudadas ao público e com isso podendo causar danos às próprias partes especialmente no dias atuais em que se vive uma verdadeira revolução nos meios de comunicação e que a internet passou um território universal no tudo pode ser divulgado sem praticamente nenhum controle.
Desse modo, a ordem jurídica processual, visando preservar certos valores e dignidade humana, autoriza ao juiz decretar, fundamentadamente, o sigilo em certos processos. Todavia, a regra, vale repetir, é da publicidade.
Esse princípio se aplica no campo do Direito Processual do Trabalho sem nenhum problema, pois pode acontecer de em reclamatórias nas quais às vezes se discutem fatos ligados a intimidade e a vida privada do trabalhador ou até mesmo à sua honra, bens que compõe a dignidade humana, ser recomendável o sigilo como forma de evitar constrangimentos, discriminações e até mesmo dificuldade de reinserção no mercado de trabalho.
8. Princípio da motivação ou fundamentação das decisões judiciais
Esse princípio encontra assento no Texto Maior (art. 93, inciso IX) e no Código de Processo Civil (art. 489 e 832 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT).
É claro que a exigência de fundamentação aplica-se não apenas aos atos com carga decisória – sentença, acórdão e decisão interlocutória – mas a todas as decisões proferidas no processo, sendo essa uma exigência que decorre da garantia do devido processo legal e regime democrático de direito no qual está estruturada a Republica Federativa do Brasil (art. 1º da Constituição).
De acordo com § 1º, inciso IV do novo Código o juiz deverá enfrentar todas as questões e argumentos capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada, donde se concluir que deve analisar toda a matéria posta na inicial e na defesa dizendo de forma expressa porque a acolhe ou rejeita, sob pena de nulidade por ausência ou deficiência de fundamentação.
A respeito dessa questão, houve muita polêmica quanto a sua incidência no processo do trabalho.
Os que argumentavam a favor da não aplicação defendiam que o art. 832 da CLT estabelecendo os requisitos da sentença trabalhista não daria margem a invocação da regra prevista no art. 489 do Código. Todavia, essa questão encontra-se superada por força do contido na Instrução normativa 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho, cujo art. 3º, inciso IX expressamente prevê a aplicação da norma processual.
Ademais, a fundamentação da decisão que na verdade é uma dimensão da garantia do devido processo legal, permite a parte saber os motivos que levaram o juiz a decidir desta ou daquela maneira e com isso podendo aceitar ou recorrer da decisão quando cabível algum recurso.
Não basta, pois, o juiz analisar a causa de pedir e os fundamentos da defesa, necessita apreciar todos os argumentos que os embasam.
Até mesmo quando eventualmente venha aplicar ou superar o precedente, deverá fundamentar o acolhimento ou a rejeição, sob pena de considerar-se não fundamentada a decisão e por isso, sendo passível de anulação (incisos V e VI do Parágrafo único do art. 489 do Código).
Desse modo, a parte tem o direito fundamental à motivação ou fundamentação das decisões judiciais em qualquer processo e todos os níveis de jurisdição.
Essa garantia decorre do princípio democrático e do devido processo legal sob a perspectiva substancial, constituindo assim, um direito fundamental do jurisdicionado[48].
Lembra a doutrina[49] que a motivação das decisões judiciais além de constituir um direito fundamental do jurisdicionado, tem dupla função.
A primeira seria uma função endoprocessual, que permite às partes, uma vez conhecendo as razões que formaram o convencimento do juiz, avaliar a decisão para verificar se de fato o julgador analisou de forma correta a causa, a fim de controlar pela via do recurso o acerto ou não do que decidido, enquanto a segunda, exoprocessual ou extraprocessual, pela qual é viabilizado o controle da decisão pela via difusa da democracia participativa, exercida pelo povo em cujo nome o juiz exerce a jurisdição. Afinal, como lembra Luís Roberto Barroso[50]:
“Em uma democracia todo poder é representativo, o que significa que deve ser transparente e prestar contas à sociedade. Nenhum poder pode estar fora do controle social, sob pena de se tornar um fim em si mesmo, prestando-se ao abuso e a distorções. E o Poder Judiciário ainda quando desempenha uma função criativa do direito para o caso concreto, deve fazê-lo à luz dos valores compartilhados pela comunidade a cada tempo. Porém, sem deixar de tomar em conta, sempre, o que estabelecido pelo ordenamento jurídico.”
O Judiciário como Poder que interpreta e aplica as normas e os princípios jurídicos ao caso concreto, tem também a missão de “densificar e realizar as mensagens normativas da Constituição”[51] e o faz por meio de decisões que, por isso mesmo, devem ser, sempre, qualquer que seja a natureza, devidamente fundamentadas para que as partes e a sociedade em geral as possa controlar por meios de mecanismos que próprio ordenamento jurídico coloca a sua disposição.
Por último, vale lembrar com Durval Salge Jr[52], citando Nagib Slaibi Filho “que a questão da fundamentação de qualquer decisão jurisdicional não é meramente processual, mas política, como fator de legitimação do exercício do poder. Aliás, o próprio governo republicano definiu a responsabilidade como elemento essencial do controle do poder, alcançando inclusive as decisões judiciais e seu controle externo”.
E citando Geraldo Ataliba, lembra:
“A simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos, intimamente interrelacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial. Regime republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respondem por seus atos. Todos são, assim, responsáveis”.
Portanto, o dever e a responsabilidade de motivar as decisões judiciais é uma decorrência natural do princípio democrático e da garantia do devido processo legal, aplicando-se a todas as decisões proferidas no processo, qualquer que seja o grau de jurisdição e a natureza do processo.
Não há, assim, espaço para discussão de que a norma do art. 489 do Código de Processo Civil também se aplica no âmbito do processo trabalhista, máxime porque com o regime do procedente esse dever não pode ser questionado como, aliás, expresso na Instrução Normativa 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho que, apesar de não ter força de lei, constitui um importante parâmetro para aplicação das normas do novo Código no âmbito do processo do trabalho.
9. Principio da razoável duração do processo
Por força do contido no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição de 1988, na redação advinda da Emenda 45/2004, foi alçada a dignidade de direito fundamental a garantia da razoável duração do processo.
Esse direito a bem da verdade fazia parte do ordenamento jurídico pátrio em virtude da incorporação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Pacto de San José – pelo Decreto 678/92[53] e agora é inserido na norma do art. 4º, primeira parte, do Código prevendo:
As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, inclua a atividade satisfativa.
Essa incorporação do princípio na lei processual significa que a garantia se estende também à fase de cumprimento da sentença.
Na verdade, tanto a Emenda 45/2004 como o novo Código apenas inseriram em seus textos a garantia que se encontrava incorporada ao ordenamento jurídico nacional desde 1992, pois integrante do bloco de constitucionalidade, à medida que trata de um dos principais direitos fundamentais em uma sociedade democrática, qual seja, o direito de acesso à justiça.
Desse modo, a garantia da razoável duração do processo não constitui uma novidade inaugurada pela Emenda 45/2005 ou pela Lei 13.105/2015.
De todo modo, a celeridade que sempre constituiu um princípio processual conquista o patamar de um dever estatal e ao mesmo tempo um direito fundamental do jurisdicionado enquanto utende do serviço da Justiça. Todavia, esse direito não pode ser confundido com o mero acesso a um processo rápido, mas despido de preocupações com os valores da justiça como equivocadamente se tem entendido, inclusive perante o Conselho Nacional de Justiça com a expedição anual das famosas metas, o que termina trazendo para a sociedade a falsa ideia de que o Judiciário não cumpre o seu papel constitucional.
Tem, pois, esse princípio-garantia direta relação com o direito de acesso à justiça, a uma tutela efetiva pressupondo um processo justo e equitativo constituindo uma dimensão da garantia ao devido processo legal na perspectiva substancial, enquanto instrumento de concretização dos direitos humanos. Por conseguinte, para sua concretização, não se mostra adequada a mera celeridade ou rapidez como pensam alguns menos avisados. Ao contrário, há necessidade de se levar em conta as circunstâncias do caso concreto e as condições em que juiz presta a jurisdição.
Agora mais do nunca, quando no caso específico da Justiça do Trabalho, que sofreu um dos mais violentos cortes orçamentários, tendo inclusive, que reduzir o horário de atendimento ao jurisdicionado com adiamento de atos como audiências, a garantia de julgamentos em prazo razoável efetivamente não passará, se não houver recomposição do orçamento, de uma mera vazia promessa.
Mas como não existem parâmetros objetivos para que se possa implementar na prática a garantia da razoável duração do processo, com base na doutrina espanhola poder-se-ia defender que devem ser levados em consideração para verificação do cumprimento do dever de prestar a jurisdição em prazo razoável, entre outros, os seguintes fatores:
a) a complexidade de tema posto em julgamento;
b) a atividade processual do interessado; especialmente considerando o dever de colaboração que é imposto pelo Código a todos os sujeitos processuais;
c) a conduta das autoridades judiciárias e das partes e seus procuradores;
d) a estrutura dos órgãos encarregados da prestação jurisdicional, especialmente porque não se pode desconhecer que com a Carta de 1988 houve uma verdadeira explosão de ações perante o Poder Judiciário sem que este Poder tenha sido estruturado para o recebimento desse novo volume de trabalho. Esse é um fator que pensamos deve ser tomado em consideração para avaliação pelos Tribunais do cumprimento por seus Magistrados ao princípio-garantia da razoável duração do processo.
É claro que esses fatores não são absolutos, pois sua aplicação deve ser levada a efeito em cada caso concreto tomando-se em consideração, inclusive, a lesão que a eventual demora possa causar ao jurisdicionado.
Conclusão
Como dito no início deste trabalho, se não teve a pretensão de analisar todos os princípios processuais incorporados pelo novo Código de Processo Civil. Limitaram-se nossas considerações a alguns deles que reputamos estruturantes da nova ordem processual e que são aplicáveis no âmbito do Processo do Trabalho.
Visou-se apenas contribuir para discussão da nova ordem processual que ainda comporta muitas dúvidas, como sói acontecer em toda mudança de paradigma, mas nem longe almejamos esgotar o assunto que reconhecemos demanda profundos estudos. Mas enquanto aplicador desses princípios no âmbito da Justiça do Trabalho, que lida com um tipo de conflito marcado pela assimetria entre aquele que presta e o que se apropria do trabalho humano, achamos por bem dá nossa modesta contribuição.
Nesse contexto, a aplicação ponderada de alguns dos princípios estruturantes do Código de Processo Civil no âmbito do Processo do Trabalho, pode constituir um importante instrumento para assegurar no plano da realidade da vida de milhões de trabalhadores que perderam e ainda continuam perdendo o emprego em razão de uma das mais graves crises econômica, política e moral por que passa o país e que se reflete de forma dramática no volume de processos na Justiça do Trabalho.
A correta aplicação dos princípios processuais objeto deste trabalho constitui, sem dúvida alguma, uma baliza para se prestar em tempo razoável e com justiça a jurisdição trabalhista.
Informações Sobre o Autor
Francisco das C. Lima Filho
Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Mestre em Direito pela UNB. Mestre e doutorando em Direito Social pela UCLM (Espanha)