Brasil é o segundo país do mundo em número de casos da doença ocupacional reconhecida pela Organização Mundial da Saúde(OMS). Se não tratado, o burnout pode ter consequências graves, como o suicídio
As campanhas de prevenção que associam o mês a uma cor específica, a exemplo do Outubro Rosa, têm um alcance cada vez mais expressivo, mobilizando instituições, empresas e grande parcela da população. Com o Setembro Amarelo não é diferente. Criada em 2014, para conscientizar sobre a prevenção do suicídio, a iniciativa não se detém no número de casos no Brasil. Neste mês, tão importante quanto dar visibilidade às ações antiestigma e de prevenção é atentar para o burnout, que desde o dia 1º de janeiro de 2022 passou a ser reconhecido como doença ocupacional. “A síndrome de burnout, segundo especialistas, pode evoluir para um quadro de depressão profunda e, se não tratada, levar ao suicídio”, alerta Veridiana Moreira Police, diretora jurídica da Associação Brasileira de Recursos Humanos Seccional São Paulo (ABRH-SP).
Levantamento realizado pela International Stress Management Association (Isma-BR) destaca que o Brasil é a segunda nação com mais casos de burnout no mundo. O índice supera países como Estados Unidos e Alemanha e coloca o Brasil atrás apenas do Japão, que tem 70% da população atingida pela doença.
A síndromede burnout, que acomete 30% entre mais de 100 milhões de trabalhadores, segundo pesquisa da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), passou a ser reconhecida como doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 1º de janeiro de 2022, com o início da vigência da 11ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, ou CID-11.
“De forma resumida, a síndrome de burnout pode ser entendida como distúrbio emocional gerado por um esgotamento físico e mental intenso, provocado por situações desgastantes, altamente estressantes, geradas no ambiente laboral ou pelas más condições em que o trabalho é exercido”, afirma Veridiana Police.
Como causa, “ou mesmo concausa”, a diretora jurídica da ABRH-SP observa que é impossível não associar a doença à realidade do mundo do trabalho contemporâneo. “Sem dúvida são novos tempos, com tecnologias avançando em um ritmo frenético, em que tudo é instantâneo e traz consigo um aumento exponencial de microdecisões que temos que tomar por minuto”, diz. “Tudo isso gera cansaço e desgaste, um esgotamento mental e físico que pode gerar efeitos deletérios na vida do trabalhador. Como dizem, podemos disputar uma maratona, mas não podemos viver em uma. Pausar é preciso”, completa.
Direitos trabalhistas
O reconhecimento da síndrome de burnout pela OMS, segundo Veridiana Police, reforça na prática que, a partir do diagnóstico da doença, o empregado tem os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários de quem sofreu um acidente de trabalho típico ou esteve acometido de uma doença profissional.
Membro do Comitê RH de Apoio Legislativo (Corhale), o advogado Wolnei Ferreira observa que as suscetibilidades individuais e crenças do trabalho também podem contribuir para o desencadeamento da síndrome de burnout. “É importante que o diagnóstico seja realizado de forma acurada por profissionais especializados, a fim de estabelecer ou refutar o nexo de causalidade entre a doença e o meio ambiente laboral”, afirma. “Para tanto, é necessário que se faça uma avaliação clínica minuciosa, incluindo-se uma anamnese psiquiátrica que contemple a análise do histórico de vida do trabalhador, atividades profissionais desenvolvidas e grau de incapacidade laborativa apresentada.”
Uma vez diagnosticada a doença e o nexo causal com o trabalho e o afastamento do funcionário for recomendado pelo profissional da área de saúde, o empregador responde pelo pagamento dos salários dos primeiros 15 dias. “Caso haja necessidade de afastamento, devidamente atestado, por período superior a 15 dias, o empregado deverá ser encaminhado ao INSS”, diz Veridiana. “Uma vez constatada pela Perícia Médica Federal a incapacidade laborativa em razão da síndrome de burnout, o empregado receberá o benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), de índole acidentária (B91), em razão da natureza ocupacional da doença”, destaca.
No período de afastamento, o empregador deve manter o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “Os demais benefícios deverão observar as regras previstas em instrumentos coletivos de trabalho ou políticas internas da empresa”, diz a diretora jurídica da ABRH-SP.
Após alta médica conferida pelo perito do INSS, o empregado terá direito à estabilidade acidentária, com a manutenção do contrato de trabalho pelo prazo mínimo de 12 meses a contar da cessação do benefício por incapacidade temporária, independentemente de percepção de auxílio-acidente. “A empresa deverá verificar se há em instrumento coletivo uma disposição mais favorável a ser aplicada”, indica.
Boa gestão
Como prática de boa gestão, o advogado Wolnei Ferreira, membro do Corhale, enfatiza que a empresa deve estar sempre atenta à saúde de seus colaboradores. “Neste ponto, é importante observar se as jornadas de trabalho não estão se estendendo exageradamente, se as folgas e pausas vêm sendo regularmente concedidas, assim como os períodos de férias”, destaca.
Na avaliação de Veridiana Police, há um clamor mundial para que as organizações revisitem e intensifiquem os programas de proteção à saúde mental do trabalhador. Neste sentido, a diretora jurídica da ABRH-SP elenca a necessidade de ambientes laborais mais saudáveis, respeitosos e livres de qualquer forma de discriminação, violência, abuso e assédio.
“Este mês de setembro é especialmente importante para que as organizações promovam momentos de descompressão, de escuta, de acolhida, de rodas de conversa, de práticas que possam colocar luz sobre a promoção da saúde mental no ambiente de trabalho, incluindo na pauta a síndrome de burnout”, destaca Veridiana. “O acesso ao bem-estar é um direito humano, tanto que faz parte do ‘Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 3’, Saúde e Bem-Estar, proposto para a Agenda 2030 pela Organização das Nações Unidas (ONU)”, conclui.