A Função Socio-Ambiental do Direito à Propriedade

Tatiana Firmino Damas[1]

Tatiana Vettoretti Preve Wan-Dall[2]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado; 2. A Função Socioambiental do Direito à Propriedade; 3. Importante Instrumentos de Proteção ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado; Considerações Finais; Referências das Fontes Citadas.

 

RESUMO

O contexto ambiental é cada vez mais relevantes no ordenamento jurídico brasileiro, tendo a matéria relação aos inúmeros acontecimentos históricos no mundo. No Brasil, por exemplo, podemos citar que as questões ambientais já estavam relacionadas, inclusive, antes da própria independência brasileira, quando na oportunidade postulou-se maior controle para extração do pau-brasil, demostrando assim preocupação com o futuro.

Com a evolução dos direitos e a emergência de categorias como a dos direitos coletivos, os interesses da sociedade se sobressaem aos interesses particulares. Estes, por sua vez, em adaptação às características atuais.

Por função social da propriedade tem-se como a riqueza econômica que se destina imediatamente às necessidades sociais e mediatamente aos interesses do proprietário.

A construção do conteúdo da função ambiental da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro parte dos dispositivos constitucionais contidos no Capítulo I do Título II (dos direitos e deveres individuais e coletivos), do Capítulo I do Título VII (dos princípios gerais da atividade econômica), do Capítulo III do Título VII (da política agrícola e fundiária e da reforma agrária) e do Capítulo VI do Título VIII (do meio ambiente). Portanto, a função social da propriedade e com ela, como corolário, a função ambiental, estão integradas positivamente no ordenamento jurídico do Brasil.

Nesta senda, pode-se afirmar que ao evoluir, o conceito de direito de propriedade deixou de destacar características puramente privadas para contemplar o interesse coletivo. Em sendo assim, o direito de propriedade não mais pode ser entendido como absoluto. Em verdade, nenhum direito fundamental[3] pode ser tido por absoluto porque pertencentes a um arcabouço jurídico que reconhece como tais diversos outros, os quais devem conviver harmonicamente e, por vezes, ceder espaço uns aos outros.

Assim, a propriedade só existe enquanto direito de respeitar a sua função social. Desatendida esta, inexistente direito de propriedade amparado pela Constituição Brasileira. Desta forma, o cumprimento da função social é condição sine qua non para o reconhecimento do direito em tela.

Palavras-Chave: Direito, Propriedade. Função, Socioambiental.

 

ABSTRACT

With the evolution of rights and the emergence of categories such as collective rights, the interests of society as a whole, even if their owners can not be individualized, should prevail over the interests of individuals who, thus, need to be adapted to the characteristics of the moment current.

Why has the social function of property as the economic wealth that is intended immediately to social needs and interests of the owner immediately.

The construction of the contents of the environmental function of property in the legal brasieliro part of the constitutional provisions contained in Chapter I of Title II (Rights and duties of individual and collective) of Chapter I of Title VII (of the general principles of economic activity) of Chapter III of Title VII (of agricultural policy and land and agrarian reform) and Chapter VI of Title VIII (the environment).

Therefore, the social function of propriedade and with it, as a corollary, the environmental function, are integrated positively to our land.

Were not so, inobstante attachment of some of the positivization law would also be included given the novel aspect of the right to tell us about the existence of standards suprapositivas.

So the property only exists as a right, if respected social function. Rejected this as yet no right to property under the Constitution. Thus, the fulfillment of social function is a sine qua non for the recognition of the right screen.

Keywords: Right. Property. Function. Socio-environmental.

 

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objeto a função socioambiental do direito à propriedade. Desatendida esta, inexistente direito de propriedade amparado pela Constituição Brasileira. Desta forma, o cumprimento da função social é condição sine qua non para o reconhecimento do direito em tela.

Para tanto, o artigo está dividido em três itens. No primeiro tratando do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, seguido da Função Socioambiental do Direito à Propriedade, e por último, trata dos importantes instrumentos de Proteção ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.

Assim, neste trabalho aborda-se o conceito de direito de propriedade com adição da função social e ambiental, ou seja, enfatiza-se o seu caráter coletivo. Vale dizer, que “sobre toda a propriedade privada pesa uma hipoteca social” e que deixa de ser individual e egoísta e passa a ter o fim primeiro de ser um meio de crescimento de toda a sociedade. Entretanto, a faceta privatista permanece, continua o proprietário com todos os seus direitos (usar, gozar, dispor e persegui-la de quem quer que injustamente a detenha).

A adequação do direito e seus institutos aos novos anseios sociais é importante para a sua própria existência, não fosse assim, ter-se-ia que conviver com um direito fossilizado, feito para os mortos, inservível para a sociedade.  A sociedade contemporânea, com suas necessidades e em constante mutação, anseia por um direito plástico, que regule situações passadas e presentes, não hermético.

Dentro dessas atuais necessidades sociais destaca-se a necessidade de assegurar-se de um meio ambiente equilibrado, propicio à sadia qualidade de vida a operar como princípio informador de todo o ordenamento jurídico.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a função socioambiental do direito à propriedade.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação[4] foi utilizado o Método Indutivo[5], na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano[6], e, o Relatório dos Resultados expresso no presente Artigo é composto na base lógica indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente[7], da Categoria[8], do Conceito Operacional[9] e da Pesquisa Bibliográfica[10].

 

1. Meio ambiente Ecologicamente Equilibrado

O contexto ambiental é cada vez mais relevantes no ordenamento jurídico brasileiro, tendo a matéria relação aos inúmeros acontecimentos históricos no mundo. No Brasil, por exemplo, podemos citar que as questões ambientais já estavam relacionadas, inclusive, antes da própria independência brasileira, quando na oportunidade postulou-se maior controle para extração do pau-brasil, demostrando assim preocupação com o futuro.

A classificação dos direitos fundamentais em três gerações (dimensões) obedece ao critério histórico dos direitos, ou seja, à ordem cronológica que eles foram sendo conquistados.

Tem-se por direito de 1ª geração[11] (liberté), ou direitos negativos por conterem uma proibição ao Estado. Simplificadamente, trata-se de impor ao Estado obrigações de não-fazer. Exemplos deles são os direitos à liberdade, igualdade e propriedade.

Daniel  Sarmento,  nesse   particular,   assere:

Dentro deste paradigma, os direitos fundamentais acabaram concebidos como limites para a atuação dos governantes, em prol da liberdade dos governados. Eles demarcavam um campo no qual era vedada a interferência estatal, estabelecendo, dessa forma, uma rígida fronteira entre o espaço da sociedade civil e do Estado, entre a esfera privada e a pública, entre o ‘jardim e a praça’.  Nesta dicotomia público/privado, a supremacia recaía sobre o segundo elemento do par, o que decorria da afirmação da superioridade do indivíduo sobre o grupo e sobre o Estado. Conforme afirmou Canotilho, no liberalismo clássico, o ‘homem civil’ precederia o ‘homem político’ e o ‘burguês’ estaria antes do ‘cidadão’.  (…) No âmbito do Direito Público, vigoravam os direitos fundamentais, erigindo rígidos limites à atuação estatal, com o fito de proteção do indivíduo, enquanto no plano do Direito Privado, que disciplinava relações entre sujeitos formalmente iguais, o princípio fundamental era o da autonomia da vontade”.[12]

Os direitos de 2ª geração[13] (egalité), positivos por importarem em uma obrigação de fazer pelo Estado. Tais direitos podem ser listados como os de saúde, educação e segurança.

Por sua vez, os direitos de 3ª geração (fraternité) e também chamados de transindividuais são aqueles que pertencem a todos, mas nunca a uma só pessoa, são eles o direito   ao   meio   ambiente ecologicamente   equilibrado, direito   à   paz, ao   desenvolvimento, direitos   dos consumidores, etc.

Alguns autores referem a existência de direitos fundamentais de 4ª geração. Segundo João Trindade Cavalcante Filho ainda não há consenso na doutrina sobre qual o conteúdo desse tipo de direitos.  Há quem diga tratarem-se dos direitos de engenharia genética (é a posição de Norberto Bobbio), enquanto outros referem à luta pela participação democrática (corrente defendida  por  Paulo Bonavides).

Outros ainda falam em direito de 5ª e 6ª gerações, assunto que não abordaremos por não consistir em objetivo do presente trabalho.

Dentro desta classificação, trabalha-se com o direito de 3ª geração.

A construção do conteúdo da função ambiental da propriedade está inserida no macro conceito “função social da propriedade” que parte da própria Constituição Federal, especificamente nos dispositivos contidos no Capítulo I do Título II (dos direitos e deveres individuais e coletivos), do Capítulo I do Título VII (dos princípios gerais da atividade econômica), do Capítulo III do Título VII (da política agrícola e fundiária e da reforma agrária) e do Capítulo VI do Título VIII (do meio ambiente).

O Código Civil Brasileiro o artigo 1.228, § 1o, traz o seguinte:

 (…) § 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.[14]

Ainda assim, como visto alhures, a Constituição Federal Brasileira não conceituou o que chamou de função social da propriedade, de modo que se intui ter o legislador constituinte, no afã de construir uma constituição forte, deixado de engessar institutos a par de promulgar um documento histórico e ao mesmo tempo, propiciando à sociedade o preenchimento dos conceitos de acordo com o seu tempo.

Environmental principles also offer a different kind of legal hope for environmental law scholars, adding another dimension to their popularity as legal concepts. Rather than offering legal solutions to environmental problems, environmental principles offer legal solutions to legal problems in environmental law. In this alternative sense, environmental principles can perform an important function in representing new norms that are emerging within and across legal systems.[15]

Para João Trindade Cavalcante Filho[16], o movimento constitucionalista atual busca, dentre outros objetivos, o desenvolvimento econômico e ambiental.

Desta forma, impossível se apresenta a concretização de um direito dissociado da necessária preservação ambiental, ao passo de chegar-se à conclusão que é da essência do sistema brasileiro que o direito de propriedade só seja reconhecido pela ordem jurídica do Estado se for cumprida a função social, dentro dela a função ambiental.

Contudo, é possível concluir que a disciplina do direito de propriedade é uma simbiose de normas de direito privado e público, em que este último implica em uma limitação daquele[17].

Assim, repita-se, a propriedade só existe enquanto direito se respeitada a sua função social ambiental. Desatendida esta não existe direito de propriedade amparado.

O cumprimento da função social é condição sine qua non para o reconhecimento do direito de propriedade.

Nesta senda, quando se diz que a propriedade privada tem uma função social ambiental, na verdade está se afirmando que ao proprietário se impõe o dever de exercer o seu direito de propriedade, não mais unicamente em seu próprio e exclusivo interesse, mas em benefício da coletividade, sendo precisamente o cumprimento da função ambiental que legitima o exercício do direito de propriedade pelo seu titular. Nesses termos, ao estabelecer no art. 186, II, que a propriedade rural cumpre a sua função social quando ela atende, entre outros requisitos, à preservação do meio ambiente, na realidade, a Constituição Brasileira está impondo ao proprietário rural o dever de exercer o seu direito de propriedade em conformidade com a preservação da qualidade ambiental. E isto no sentido de que, se ele não o fizer, o exercício do seu direito de propriedade será ilegítimo.

Tal interpretação decorre diretamente do texto constitucional de 1988, vindo – mais tarde- ser previsto no direito privado através de previsão constante do Código Civil Brasileiro de 2002.

Com a evolução dos direitos e a emergência de categorias como os direitos coletivos, os interesses da sociedade como um todo, mesmo que seus titulares não possam ser individualizados, devem prevalecer sobre os interesses dos particulares que, desta maneira, precisam ser adaptados às características do momento atual.

In the other hand, also is understood that the State dominate environmental law because of the need for a comprehensive exercise of authority in response to a collective action problem within any jurisdiction. [18]

Assim, na tentativa de conceituar a função social da propriedade, em sentido amplo, pode-se tê-la como a riqueza econômica que se destina imediatamente às necessidades sociais e mediatamente aos interesses do proprietário.

No entanto, muitos doutrinadores e principalmente a jurisprudência ainda não têm clara quais são as características do direito de propriedade incompatíveis com a proteção do meio ambiente. Talvez pela formação eminentemente civilista que se recebe[19]. Outros não são sensíveis às necessidades da sociedade contemporânea e insistem em seguir atribuindo aos proprietários as faculdades que eles tinham nos dois últimos séculos (XVII e XIX). Ou têm consciência sobre a inadequação do exercício do direito de propriedade como está disposto no Código Civil Brasileiro, mas não se sentem seguros sobre o que e como redefinir para atender ao interesse difuso de proteção ambiental.

Não obstante, a propriedade só poderá existir enquanto direito se for respeitada a sua função social na sua faceta ambiental. Desatendida esta não existe direito de propriedade amparável, seja pela Constituição, seja pela lei civil.

Portanto, com o intuito de esclarecer a coexistência entre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, corolário do direito à vida, juntamente com o direito real à propriedade privada, objetivou-se analisar duas frentes do direito, quais sejam, a de direito público e de direito privado para extração da posição prevalente sob a luz dos mecanismos de interpretação das leis.

Sob a ótica do direito eminentemente privado o instituto propriedade não mais é o mesmo. O Código Civil Brasileiro de 2002, em seu artigo 1.228, parágrafo primeiro, assevera que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

Por seu turno, o direito público brasileiro, capitaneado pela Constituição de 1988 é categórico em afirmar que “a propriedade atenderá a sua função social”, ex vi legis do art. 5º, XXIII, da CF e que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, art. 225, caput, da CF.

Dentro do arcabouço de direito público, tem-se, ainda, as normativas de direito ambiental que densificam a proteção ambiental, tais preceitos legais podem ser visitados no Código Florestal, Lei dos Recursos Hídricos, Lei dos Crimes Ambientais e instruções normativas do CONAMA, dentre outros.

 

2. A Função Socioambiental do Direito à Propriedade

A sociedade contemporânea, com suas necessidades de manutenção de um meio ambiente equilibrado, propício à sadia qualidade de vida, vem transformando, aos poucos, a concepção privatista do direito de propriedade em direção à propriedade como sendo um direito-dever e enxergando o meio ambiente como bem jurídico autônomo e direito fundamental do homem.

O meio ambiente foi reconhecido como bem jurídico autônomo pelo art. 3º, I, da lei 6.938/81, que o definiu como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, obriga e rege a vida em todas as suas formas,” posteriormente vindo a ser alçado ao patamar constitucional (art. 225 da CF).

A partir do reconhecimento do direito ambiental como bem jurídico autônomo, não fragmentário, passou-se a exigir o cotejamento com os demais institutos jurídicos, não de maneira a suprimir ou ser suprimido, mas para que se alcance o desenvolvimento sustentável, isto é, o direito dos povos de se desenvolverem materialmente sem olvidar da preservação ambiental. Por desenvolvimento sustentável, conforme definição dada pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, se entende aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades, podendo também ser empregado com o significado de melhorar a qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas.

Dessume-se, portanto, que a função social da propriedade não tem outro fim senão o de dar sentido mais amplo ao conceito econômico de propriedade encarando-o como uma riqueza que se destina à produção de bens que satisfaçam as necessidades sociais, maiores que as necessidades individuais.

Portanto, deve ser ínsito ao instituto do direito de propriedade que o seu reconhecimento pela ordem jurídica do Estado só se dará se for cumprida a função socioambiental paralelamente ao proveito pessoal.

O cumprimento da função social, repita-se, é condição sine qua non para o reconhecimento do direito de propriedade.

Tal reconhecimento decorre diretamente da Constituição da República do Brasil, in verbis:

Art. 5º, XXII. É garantido o direito de propriedade.

Art. 5º,XXIII. A propriedade atenderá à sua função social.

Art. 170, II, III, VI. A ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: propriedade privada, função social da propriedade e defesa do meio ambiente.

Art. 186, I, II. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

Art. 225, caput. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Art. 225, § 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

III. definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

VII. proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Art. 225, § 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais ou administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A doutrina, por sua vez, não destoa. Toma-se, preliminarmente, a lição do Prof. José Afonso da Silva:

A função social da propriedade não se confunde com os sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do direito, ao proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade [ ] Com essa concepção é que o intérprete tem que compreender as normas constitucionais, que fundamentam o regime jurídico da propriedade: sua garantia enquanto atende sua função social, implicando uma transformação destinada a incidir, seja sobre o fundamento mesmo da atribuição dos poderes ao proprietário, seja, mais concretamente, sobre o modo em que o conteúdo do direito vem positivamente determinado; assim é que a função social mesma acaba por posicionar-se como elemento qualificante da situação jurídica considerada, manifestando-se, conforme as hipóteses, seja como condição de exercício de faculdades atribuídas, seja como obrigação de exercitar determinadas faculdades de acordo com modalidades preestabelecidas. Enfim, a função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens.

Ainda:

O certo, e ninguém hoje nega isso, é que a propriedade privada (e a pública também) sujeita-se a limites que são impostos como pressupostos para seu integral reconhecimento pela ordem jurídica e outros que lhe são agregados casuisticamente, diante de fatos que só se manifestam no instante em que o direito, consolidado e plenamente ajustado ao ordenamento, é exercitado… De uma maneira simplificada, o direito de propriedade dá ao seu titular o poder de exclusão (reivindicação), uso, gozo, disposição e transmissão. Esses aspectos derivam, genérica e abstratamente, da previsão constitucional da propriedade, mas têm seu conteúdo final definido pela legislação infraconstitucional, fundamentalmente pelo Código Civil e normas extravagantes. Ou seja, a lei é que determina o conteúdo normal do direito de propriedade, excluindo, assim, certas faculdades que teriam fundamento no conceito de propriedade, encarado sob um critério abstrato.

Da lição do saudoso Hely Lopes Meirelles[20], em comentários sobre o poder de polícia dos municípios frente ao direito do proprietário de construir pode-se extrair que:

[…] As limitações urbanísticas, como as administrativas, se embasam no art. 170, III, da CF, que condiciona a utilização da propriedade à sua função social. São, portanto, limitações de uso da propriedade, e da propriedade em sua substância; são limitações ao exercício de direitos individuais, e não aos direitos em si mesmos. E, exatamente por não atingirem a substância da propriedade, nem afetarem o direito individual em sua essência constitucional, é que as limitações urbanísticas podem ser expressas por lei ou regulamento de qualquer das entidades estatais, desde que observem e respeitem as competências institucionais de cada uma delas

No Código Civil vigente também há referência à função social da propriedade, indo além, estabelecendo uma definição seguro do que seria a festejada função, tem-se o seguinte:

Art. 1.228. §1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Paulo Affonso Leme Machado[21] arremata: “a propriedade não poderá ser utilizada da maneira desejada unicamente pelo proprietário”

Nesta toada, quando se diz que a propriedade privada tem uma função social, na verdade está se afirmando que ao proprietário se impõe o dever de exercer o seu direito de propriedade, não mais unicamente em seu próprio e exclusivo interesse, mas em benefício da coletividade, sendo precisamente o cumprimento da função social que legitima o exercício do direito de propriedade pelo seu titular. Nesses termos, por exemplo, ao estabelecer no art. 186, II, que a propriedade rural cumpre a sua função social quando ela atende, entre outros requisitos, à preservação do meio ambiente, na realidade, a Constituição está impondo ao proprietário rural o dever de exercer o seu direito de propriedade em conformidade com a preservação da qualidade ambiental. E isto no sentido de que, se ele não o fizer, o exercício do seu direito de propriedade será ilegítimo.

No plano jurídico o então Ministro da Suprema Corte, Eros Grau, concluiu que:

a admissão do princípio da função social (e ambiental) da propriedade tem como consequência básica fazer com que a propriedade seja efetivamente exercida para beneficiar a coletividade e o meio ambiente (aspecto positivo), não bastando apenas que não seja exercida em prejuízo de terceiros ou da qualidade ambiental (aspecto negativo). Por outras palavras, a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício do direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício do seu direito, fazer tudo o que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício do seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adeque à preservação do meio ambiente.

A impossibilidade do uso intolerável do meio encarta-se no macro e generoso conceito da “dignidade da pessoa humana”. Neste passo, o não uso do bem em decorrência de motivos ambientais não o transforma em propriedade improdutiva e por consequência, suscetível de desapropriação para fins de reforma agrária, uma vez que atenda à função social de proteção ao meio ambiente.

Destarte, o meio ambiente conceituado como res nullius privilegia apenas o aspecto econômico, concepção não mais aceita nos países democráticos e respeitosos de princípios supra positivos, ou seja, de direito internacional, ligado ao direito universal do homem.

No entanto, no ordenamento jurídico brasileiro ainda não está  maduro o conceito de direito à propriedade que traz em seu âmago a função social, neste pormenor e em especial a função socioambiental.

Não obstante, a instituição da função ambiental avançou e provocou alterações nas funções do Estado, passando este a repartir as responsabilidades pela proteção do meio ambiente com toda sociedade, excluindo a função ambiental do âmbito essencialmente público. Chega-se ao ponto de ter que fazer rearranjos jurídicos para abarcar os novos direitos, notadamente os transindividuais ou metaindividuais, com os direitos preexistentes, principalmente com direito de propriedade, tem-se:

[…]O meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é direito de todos, protegido pela própria Constituição Federal, cujo art. 225 o considera “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. [[…] Além das medidas protetivas e preservativas previstas no § 1º, incs. I-VII do art. 225 da Constituição Federal, em seu § 3º ela trata da responsabilidade penal, administrativa e civil dos causadores de dano ao meio ambiente, ao dispor: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Neste ponto a Constituição recepcionou o já citado art. 14, § 1º da Lei n. 6.938/81, que estabeleceu responsabilidade objetiva para os causadores de dano ao meio ambiente, nos seguintes termos: “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.” ” [grifos nossos] (Sergio Cavalieri Filho, in “Programa de Responsabilidade Civil”) 2. As penalidades da Lei n.° 6.938/81 incidem sem prejuízo de outras previstas na legislação federal, estadual ou municipal (art. 14, caput) e somente podem ser aplicadas por órgão federal de proteção ao meio ambiente quando omissa a autoridade estadual ou municipal (art. 14, § 2°). A ratio do dispositivo está em que a ofensa ao meio ambiente pode ser bifronte atingindo as diversas unidades da federação[22].

Sob a regência dos princípios da “prevenção” e da “precaução”, o Judiciário deve, como regra e com larga margem de discricionariedade, atuar sempre na defesa antecipada dos valores a que o Direito Ambiental visa proteger, orientando-se pela premissa in dubio pro meio ambiente.” [23] [24]

Assim, o patrimônio ambiental é concebido como um bem de interesse público, pertencente a todos e a ninguém individualmente, nem mesmo ao Estado. O meio ambiente não constitui patrimônio público, enquanto compreendido como de propriedade estatal. Patrimônio ambiental e Patrimônio público não se confundem. O meio ambiente não é propriedade estatal, é bem de todos.

Para Hely Lopes Meirelles[25], o meio ambiente pode ser considerado bem de domínio público se este for entendido como: “o poder de dominação ou de regulamentação que o Estado exerce sobre os bens do seu patrimônio (bens públicos) ou sobre os bens do patrimônio privado (bens particulares de interesse público), ou sobre as coisas inapropriáveis individualmente, mas de fruição geral da coletividade (res nullius)”.

Ao lado de outras normas brasileiras que tratam, também, da função ambiental da propriedade, o Código Florestal (Lei nº. 12.651/2012), a Lei nº. 6.902/81, o Decreto nº. 99.274/90, a Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, para mencionar apenas alguns dos principais, legam-se importante conceitos de densificação da função socioambiental da propriedade, como o das áreas de reserva legal, áreas de preservação permanente, parques, reservas biológicas, estações ecológicas, áreas de proteção ambiental, florestas públicas e particulares, patrimônio nacional e outros.

Ademais, apenas para citar um dos temas mais conflituoso para aqueles que ainda pensam o direito de propriedade como supremo e absoluto, convém lembrar da lei nº. 12.651/2012 (Código Florestal) que trata da proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos.

No seu art. 3º, da supramencionada legislação, há clara afirmação acerca da limitação do direito à propriedade em prol da necessária proteção ambiental:

I – Amazônia Legal: os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13° S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44° W, do Estado do Maranhão;

II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

III – Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa;

IV – área rural consolidada: área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio;

V – pequena propriedade ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3 º da Lei n º 11.326, de 24 de julho de 2006;

VI – uso alternativo do solo: substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana;

VII – manejo sustentável: administração da vegetação natural para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras ou não, de múltiplos produtos e subprodutos da flora, bem como a utilização de outros bens e serviços;

A matéria é controversa, tanto que produziu e produz acaloradas discussões sociais em tono da aprovação do Código Florestal Brasileiro de 2012. De um lado os chamados “ambientalistas” de outro os “ruralistas”; os primeiros alegam que a proteção ambiental diminuirá, os segundos que a produção rural recrudescerá e pesará sobre os ombros do pequeno proprietário rural.

Especificamente no estado Brasileiro de Santa Catarina, primeiro estado da federação a fazê-lo, foi aprovado o Código Florestal Estadual, Lei 14.675 de abril de 2009. A legislação nasceu sob os aplausos dos pequenos proprietários rurais que viram nele a solução para a legalização de suas propriedades e sob as críticas dos “ambientalistas”, tendo sido, ainda, inquinada de inconstitucional por não cumprir a lei federal (Código Florestal Brasileiro de 1965) que recomendava a preservação de uma faixa de mata maior que a estabelecida pelo código catarinense. Sobre o ponto, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-geral da República.

 

  1. Importante Instrumentos de Proteção ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado

O Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, instituído pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto nº 99.274, de 06 de junho de 1990, sendo constituído por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e pelas Fundações/Institutos organizadas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental. Cabendo aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a regionalização de medidas para elaborar normas supletivas e complementares.

Dentro deste aspecto, pode-se destacar os mecanismos de tutela preventiva, tais como os elencados pela Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6.938/81) e manejados pelo CONAMA, IBAMA, ICMBIO e os órgão seccionais e locais.

O controle repressivo administrativo do IBAMA/ICMBIO e órgãos Seccionais e locais, a responsabilidade criminal, com a sua inovadora responsabilização da pessoa jurídica e a responsabilidade civil, da qual tecer-se alguns comentários.

A responsabilidade civil pelo dano ambiental fundamenta-se no art. 225, 3º, da Constituição Federal, o qual recepcionou o art. 14, 1º, da lei 6.938/81, segundo o qual: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”

Para o regime de responsabilização objetiva, todo aquele que desenvolve uma atividade passível de gerar riscos para a saúde, para o meio ambiente ou para a incolumidade de terceiros, deverá responder pelo risco, não havendo necessidade de ser provada a culpa ou dolo do agente.

No entanto, a responsabilidade objetiva não é ilimitada, é informada pela teoria do risco criado e não do risco integral.

Para a teoria do risco criado, há responsabilização objetiva apenas em relação às atividades perigosas, sendo o perigo inerente à atividade e fator de risco a ser prevenido, admitindo, ainda, as excludentes de responsabilidade do fato externo, imprevisível e irresistível.

É com base nisso que os doutrinadores têm sustentado a possibilidade de imposição ao proprietário o dever de recomposição de áreas de preservação permanente e reserva legal, mesmo não tenha sido ele o responsável pelo desmatamento. Na certeza que tal obrigação possuí caráter – propter rem -, isto é, ligada ao bem, portanto, do titular do direito real, seja ele quem for, bastando para tanto sua simples condição de proprietário ou possuidor.

Seguem posicionamentos jurisprudenciais acerca da responsabilidade ambiental objetiva das pessoas submetidas ao regime do direito e privado e a subjetiva dos entes públicos em fiscalizar:

A alegação de que já havia no local uma construção (fls. 121 e 127) não afasta a responsabilidade do adquirente, que é objetiva e corresponde a obrigação propter rem. Como se vê, ficou provado que o ora apelante ocupou área de preservação permanente e ali fez várias edificações irregularmente; o fato de já não haver ali vegetação nativa, quando da ocupação, não o libera da responsabilidade objetiva e correspondente a obrigação propter rem de reconstituir essa vegetação. Terceiros eventualmente prejudicados poderão defender seus interesses pelas vias próprias.[26]

Cuida-se de agravo regimental interposto pelo Estado de Minas Gerais contra decisão que entendeu: a) inexistir ofensa ao artigo 535 do CPC; b) não ter sido a divergência jurisprudencial demonstrada conforme os ditames do CPC e do RISTJ; c) harmonizar-se o entendimento do acórdão recorrido com a jurisprudência deste STJ. Sustenta a agravante, em síntese, que: a) embora tenham sido apresentados embargos declaratórios, o Tribunal a quo não analisou questão relevante pertinente à responsabilidade objetiva do poluidor (art. 14, § 1º, da Lei n. 6.930/81) e subjetiva da Administração Pública; b) a doutrina e a jurisprudência são favoráveis à sua tese; c) a responsabilidade do Estado, em se tratando de fiscalização, é subjetiva, dependendo da verificação de culpa; d) o dissídio pretoriano foi devidamente comprovado. 2. A matéria central sobre a responsabilidade objetiva do poluidor, presente no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.930/81, e subjetiva da Administração Pública, foi analisada no acórdão vergastado. Não há de se falar em violação do art. 535, II, do CPC. 3. A conclusão do acórdão exarado pelo Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça que se orienta no sentido de reconhecer a legitimidade passiva de pessoa jurídica de direito público para responder por danos causados ao meio ambiente em decorrência da sua conduta omissiva quanto ao dever de fiscalizar. Aplicável, portanto, a Súmula 83/STJ.[27]

Por fim, conclui-se que a propriedade privada reconhecida na Constituição Federal veio vinculada à função social, que dentre suas múltiplas facetas encontra-se o direito fundamental do homem em ter o meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225).

Fazendo coro a este direito constitucional e, como verifica-se, supra positivo, a propriedade no Código Civil de 2002 plastificou-se para atender aos anseios da sociedade.

Assim, os dispositivos do Código Civil (sobretudo o art. 1.228) não configuram óbices para que se cumpra a função socioambiental da propriedade, nem constituem garantia da manutenção da propriedade que não atente para a sua função social.

Ao contrário, o legislador civil trouxe para o direito eminentemente privado um conteúdo ético ambiental, ao exigir que o proprietário preserve, não ofenda, não espolie a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico, o patrimônio histórico e artístico e evite poluir a água e o ar.

Com isso, até mesmo o conceito de propriedade improdutiva veio a ser mitigado para que o não uso do bem em decorrência de motivos ambientais, não o transforme em propriedade improdutiva e por consequente suscetível de desapropriação.

Contudo, a natureza passou a se comportar como um bem jurídico autônomo e corolário do próprio direito à vida e, por isso, não se pode falar qualquer direito à exploração ambiental.

Outrossim, a função socioambiental da propriedade é cumprida quando a propriedade atende ao requisito de preservação do meio ambiente. Se a função social significa o exercício do direito em benefício de outrem, se visa comprometer a propriedade com as complexas relações sociais e com o progresso humano, isto se efetiva com muito mais razão quando o exercício da propriedade atende à preservação do meio ambiente, que é bem de uso comum do povo, garantido às presentes e futuras gerações.

Contudo, embora ainda não seja este o entendimento da maioria, o direito de propriedade, após o advento da Constituição Federal de 1988, que, além de trazer dispositivos expressos sobre a função ambiental da propriedade, fundamenta a legislação ambiental infraconstitucional, passa prever um direito-dever ou uma propriedade-função, cujo regime jurídico extrapola a disposição civilista sobre o tema.

Para aplacar os inconformismos com a proteção ambiental, a legislação atual traz instrumentos suficientes para a política de proteção ao meio ambiente. Com a sua implementação, a propriedade não apenas cumpriria sua função ambiental, mas ela mesma, sendo desta forma utilizada, configurar-se-ia como mais um instrumento voltado para a necessária manutenção do equilíbrio ecológico e do desenvolvimento sustentável.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A propriedade privada reconhecida na Constituição Federal veio vinculada à função social, que dentre suas múltiplas facetas encontra-se o direito fundamental do homem em ter o meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225).

Fazendo coro a este direito constitucional e, como viu-se, supra positivo, a propriedade no Código Civil de 2002 plastificou-se para atender aos anseios da sociedade.

Assim, os dispositivos do Código Civil (sobretudo o art. 1.228) não configuram óbices para que se cumpra a função socioambiental da propriedade, nem constituem garantia da manutenção da propriedade que não atente para a sua função social.

Ao contrário, o legislador civil trouxe para o direito eminentemente privado um conteúdo ético ambiental, ao exigir que o proprietário preserve, não ofenda, não espolie a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico, o patrimônio histórico e artístico e evite poluir a água e o ar.

Com isso, até mesmo o conceito de propriedade improdutiva veio a ser mitigado para que o não uso do bem em decorrência de motivos ambientais, não o transforme em propriedade improdutiva e por consequente suscetível de desapropriação.

Contudo, a natureza passou a se comportar como um bem jurídico autônomo e corolário do próprio direito à vida e, por isso, não se pode falar qualquer direito à exploração ambiental.

Outrossim, a função socioambiental da propriedade é cumprida quando a propriedade atende ao requisito de preservação do meio ambiente. Se a função social significa o exercício do direito em benefício de outrem, se visa comprometer a propriedade com as complexas relações sociais e com o progresso humano, isto se efetiva com muito mais razão quando o exercício da propriedade atende à preservação do meio ambiente, que é bem de uso comum do povo, garantido às presentes e futuras gerações.

Contudo, embora ainda não seja este o entendimento da maioria, o direito de propriedade, após o advento da Constituição Federal de 1988, que, além de trazer dispositivos expressos sobre a função ambiental da propriedade, fundamenta a legislação ambiental infraconstitucional, passa prever um direito-dever ou uma propriedade-função, cujo regime jurídico extrapola a disposição civilista sobre o tema.

Para aplacar os inconformismos com a proteção ambiental, a legislação atual traz instrumentos suficientes para a política de proteção ao meio ambiente. Com a sua implementação, a propriedade não apenas cumpriria sua função ambiental, mas ela mesma, sendo desta forma utilizada, configurar-se-ia como mais um instrumento voltado para a necessária manutenção do equilíbrio ecológico e do desenvolvimento sustentável.

 

REFERENCIAS DAS FONTES CITADAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988.

_______. Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990. Diário Oficial da União. 7 jun. 1990.

_______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Diário Oficial da União. 2 set. 1981.

_______. Lei nº 12.651, de 25 de meio de 2012. Diário Oficial da União. 28 mai. 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso 20 out. 2018.

______. Superior Tribunal de Justiça, RMS nº 23.452/RJ, RJ, DJ de 12.05.2000, p. 20, Rel. Min. Ceso de Mello.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007.

CALMON, Eliana,  Aspectos Constitucionais do Direito da Propriedade Urbana, disponívelem:http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001114/Aspectos%20Constitucionais%20do%20Direito%20da%20Propriedade%20Urbana.doc. Acesso 20 out. 2018.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra: Almedina, 2003.

CAVALCANTE FILHO, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, disponível em: http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso 20 out. 2018.

FERREIRA, Simone Nunes, Direito de propriedade: nas Constituições brasileiras e do Mercosul. disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2000.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1998 – Interpretação e Crítica, São Paulo: RT, 1990.

LEITE, Eduardo de  Oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

LIMA, Máriton Silva. Direito de propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1278, 31 dez. 2006. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/9342. Acesso em: 15 fev. 2012.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007.

MARANHÃO, Ney Stany Morais. A afirmação histórica dos direitos fundamentais: a questão das dimensões ou gerações de direitos. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/31715-36510-1-PB.pdf. Acesso  21 out.  2018.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 11 ed. atual. por Célia Marisa Prendes e Márcio Schneider Reis. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 438 e 439

MENIKOFF, Jerry. Law and bioethics: an introduction. Georgetown Univeristy Press, Washington, D.C.2001.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, São Paulo: RT, 2000.

SCOTFORD, Eloise. Environmental Principles and the Evolution of Environmental Law, Hart Publishing, 2017, position 2011

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1998.

SIRVINKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental, 2ª ed., São Paulo: saraiva, 2003.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007.

 

[1] Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Funcionário do governo no tribunal de justiça de Santa Catarina e professor da Universidade do Sul de Santa Catarina. Lattes: CV http://lattes.cnpq.br/4973183965342868, E-mail: [email protected]

[2] Mestranda em Ciências Jurídicas na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Advogada na empresa Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN em Florianópolis – SC. E-mail: [email protected]

[3] “são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed Malheiros, São Paulo, 15ª Ed., 1998).

[4] “[…] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido […].” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 13 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015. p. 87.

[5] “[…] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral […]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 91.

[6] Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

[7] “[…] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 58.

[8] “[…] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma ideia.”  PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 27.

[9] “[…] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos […]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 39.

[10] “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 215.

[11] BONAVIDES,  Paulo.  Curso de Direito Constitucional.  19ª Edição, São Paulo :  Editora Malheiros,   2006,   p.   563-564.

[12] SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro  Editora Lumen Juris, 2006, p. 12-13)[14] BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 11 jan. 2002

[15] SCOTFORD, Eloise, Environmental Principles and the Evolution of Environmental Law, Hart Publishing, 2017, position 2011.

[16] CAVALCANTE FILHO, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, disponível em: http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso 20 out. 2018.

[17] “Há uma hipoteca social na propriedade privada” autor desconhecido.

[18] FISHER, Elisabeth, Environmental law a Very Short Introduction, Oxford University Press, 2017, pg.81.

[19]“ Desde o Direito Romano, já se identificava a ideia de limite ao exercício deste direito. Afirmam os historiadores que a Lei das XII Tábuas já previa limitações ao uso da propriedade, muito embora com  uma visão eminentemente individualista. Após muitas décadas, voltou a  florescer a supremacia do direito de propriedade, assim contemplado pela Revolução Francesa de 1789 e que inspirou o Código Civil Francês de 1804, significativamente chamado de Código da Propriedade. A influência dessa visão é tão profunda que, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26/08/1789, ficou consagrada a propriedade como um direito sagrado e inviolável.” CALMON, Eliana,  Aspectos Constitucionais do Direito da Propriedade Urbana, disponívelem:http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001114/Aspectos%20Constitucionais%20do%20Direito%20da%20Propriedade%20Urbana.doc. Acesso 20 out. 2018.

[20] Meirelles, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 11 ed. atual. por Célia Marisa Prendes e Márcio Schneider Reis. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 438 e 439.

[21] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 202

[22] (REsp 467212 / RJ,RECURSO ESPECIAL 2002/0106671-6, Relator(a) Ministro LUIZ FUX, Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA,  Data do Julgamento 28/10/2003,  Data da Publicação/Fonte DJ 15/12/2003 p. 193)

[23] AI n. 2008.080772-1, de Palhoça, Rel. Des. Newton Janke, Segunda Câmara de Direito Público, julgado em 12.02.2010

[24] AI n. 2009.010516-3, de Palhoça, Rel. Des. Ricardo Roesler, Segunda Câmara de Direito Público, julgado em 16.04.2010; AI n. 2007.029246-0, de Palhoça, Rel. Des. Jânio Machado, Quarta Câmara de Direito Público, julgado em 30.04.2008; e AI n. 2005.039305-8, da Capital, Rel. Des. Cid Goulart, Segunda Câmara de Direito Público, julgado em 11.07.2009.

[25] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 11 ed. atual. por Célia Marisa Prendes e Márcio Schneider Reis. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 438 e 439.

[26] REsp 1107219 / SP,RECURSO ESPECIAL 2008/0283147-0, Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122), Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA,  Data do Julgamento 02/09/2010, Data da Publicação/Fonte DJe 23/09/2010

[27] AgRg no Ag 822764 / MG, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2006/0203800-2, Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO, Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento 05/06/2007, Data da Publicação/Fonte DJ 02/08/2007 p. 364

logo Âmbito Jurídico