Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal analisar a aplicação do princípio da proporcionalidade no controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. A metodologia utilizada neste trabalho será uma análise empírica dos acórdãos selecionados no site do Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de constitucionalidade.
Palavras-chave: princípio, proporcionalidade, constitucionalidade
Abstract: This working paper aims to analyze the uses of proportionality principle by Federal Supreme Court in concentrated control of constitutionality. The methodological used in this working paper is a succinct explanation about the proportionality principle and then an empirical analysis of Federal Supreme Court decisions selected in its site.
Keywords: principle, proporcionality, constitutional
Sumário: Introdução. 1. A aplicação do Princípio da Proporcionalidade. 1.1. Erros de resultado da expressão boleana, 1.2 Princípio da proporcionalidade e sua aplicação sem fundamento, 1.3 Princípio da Proporcionalidade e Razoabilidade, 1.4 Princípio da proporcionalidade e o due process of law, 1.5 Princípio da proporcionalidade e a divergência do Ministro Eros Grau, Conclusões.
Após a segunda guerra mundial houve superação do paradigma filosófico Positivista cujo expoente foi Hans Kelsen, atualmente a Ciência do Direito encontra-se em uma nova fase, conhecida também como neoconstitucionalismo. Para Luis Roberto Barroso é a “designação provisória e genérica de um ideário difuso no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e da teoria dos direitos fundamentais”[1]
Um dos principais autores desta nova fase é Robert Alexy, cuja obra Teoria dos Direitos Fundamentais influenciou diretamente não só a jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão mas também o próprio Supremo Tribunal Federal.
Neste contexto, o princípio (ou postulado) da proporcionalidade vem como norteador da interpretação constitucional para casos em conflitos entre direitos fundamentais. Conforme expos o Ministro Gilmar Mendes no julgamento da ADI 3112:
“Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também o postulado de proteção (Schutzgebote). Utilizando da expressão de Canaris, pode se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), mas também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). […]
No primeiro caso, o principio da proporcionalidade funciona como parâmetro de aferição da constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais como proibições de intervenção. No segundo caso, a consideração dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao principio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada. O ato não será adequado quando não proteja um direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção.”
Neste sentido, é de extrema importância estudar empiricamente a forma como o Supremo Tribunal Federal vem utilizando este princípio, a fim de traçar as balizas que o tribunal constitucional impôs e imporá ao legislador em sua atuação legiferante como forma de proteção contra os excessos ou ainda de proteção insuficiente.
Para tanto analisar-se-á a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de constitucionalidade. A pesquisa no site do Supremo Tribunal Federal utilizando o termo “princípio e proporcionalidade”, com o corte temporal de 05/10/1988 (data da promulgação da Constituição Federal) a 13/11/2013, resultou em 477 Acórdãos. Após análise do resultado da pesquisa verificou-se que grande parte dos acórdãos não se referem ao objeto deste trabalho. Neste sentido, utilizou-se outra expressão boleana a fim de afastar as principais ocorrências do resultado anterior. Com o termo “princípio e proporcionalidade não recurso não agravo não embargos não habeas” a pesquisa retornou 72 acórdãos.
Destaca-se que foram excluídos da análise 15 acórdãos por não serem oriundos de julgamentos no controle concentrado de constitucionalidade bem como por serem proferidos antes da Constituição de 1988.
Portanto, serão objeto de análise desta pesquisa 57 acórdãos proferidos em julgamentos de controle concentrado de constitucionalidade entre os períodos de 05/10/1988 e 13/11/2013[2] sob os seguintes critérios:
(i) Data do Julgamento;
(ii) Questão relevante envolvida
(iii) Aplicação do princípio da proporcionalidade
1. A aplicação do Princípio da Proporcionalidade
Passa-se a agora analisar a forma como o Supremo Tribunal Federal vem aplicando no controle concentrado de constitucionalidade o princípio da proporcionalidade.
1.1. Erros de resultado da expressão boleana
O site do Supremo Tribunal Federal realiza a pesquisa de jurisprudência através de motor de busca que encontra as palavras escolhidas não apenas no acórdão, mas também na ementa e em seu indexador.
Diante deste mecanismo de busca a pesquisa retornou alguns acórdãos que ainda que mencionassem a expressão proporcionalidade não se referia ao objeto deste estudo.
Apenas exemplificando, na ADI 892 a expressão proporcionalidade remete a composição do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, ou ainda na ADI 3104 que menciona uma regra proporcional de transição entre diferentes regimes previdenciários.
Houve também resultado de necessária proporcionalidade na atribuição de multa por não pagamento de tributo (Medica Cautelar ADI 1075), considerado in casu que a penalização no valor de 300% possuiria caráter confiscatório, mas não havia qualquer referencia ao princípio da proporcionalidade.
1.2 Princípio da Proporcionalidade a sua aplicação sem fundamento
Em boa parte dos acórdãos, os Ministros votaram aplicando o princípio da proporcionalidade sem qualquer análise mais pormenorizada seja de suas sub-regras, seja sem realizar o cotejo da (dês)proporcionalidade que fundamenta a decisão, restando nestes casos apenas expressões como é proporcional tal regra ou não é proporcional (ou razoável em alguns casos) a determinação legal questionada.
Estas impropriedades na aplicação foram verificados nos seguintes julgamentos:
i) ADI 2317 – Contra resolução do CMN que determina o “rodízio” de auditores independentes em instituições pertencentes ao sistema financeiro: A cautelar foi indeferida por unanimidade. Rel: Ilmar Galvão.
ii) MC na ADI 2332 – Contra Medida Provisória que limita juros a 6% em ação de desapropriação e da outras providencias: Por maioria foi deferida liminar para suspender eficácia do artigo correspondente. Rel. Moreira Alves.
iii) ADI 2458 – Contra lei estadual alagoana que confere beneficio fiscal ao setor sucroalcooleiro: Por unanimidade foi deferida liminar para suspensão da lei. Rel. Ilmar Galvão.
iv) ADIN 247 – Contra lei estadual que fixa data para pagamento de servidores: procedente por votação unanime. Rel. Ilmar Galvão.
v) ADIN 1040 – Contra lei que determina o período de 2 anos após o título de bacharel para inscrição em concurso do Ministério Público: julgada improcedente por maioria. Rel. Ellen Gracie.
vi) ADC 5 – Declaração de constitucionalidade de lei que isenta o pagamento de certidões em cartórios: julgada procedente por maioria. Rel. Nelson Jobim.
vii) ADIN 1721 – Contra medida provisória que altera a CLT extinguindo vínculo empregatício na concessão de aposentadoria espontânea: julgada procedente por maioria. Rel. Carlos Britto.
viii) ADIN 2078 – Contra lei paraibana que disciplinou taxa judiciária: julgada improcedente por unanimidade. Rel. Gilmar Mendes.
As decisões fundamentadas no princípio da proporcionalidade, porém, sem qualquer explicação ou detalhamento de sua aplicação não seguem qualquer padrão, consistindo em aleatoriedade a aplicação deste princípio de forma simples.
1.3. Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade
As primeiras decisões de acordo com o corte temporal desta pesquisa demonstraram que o Supremo Tribunal Federal frequentemente tomavam como sinônimos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Em julgamento emblemático o Ministro Marco Aurélio expõe em seu voto que a divisão entre os Estados da representação na Câmara atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sem qualquer distinção entre estes[3], assim como há expressamente “…o Supremo Tribunal Federal adotou a decisão em que o principio da razoabilidade ou da proporcionalidade esteve presente no juízo de invalidade então formulado” no julgamento da Medida Cautelar 9 contra o racionamento de energia.
No mesmo julgamento a exposição do Ministro Sepúlveda Pertence de que:
“Então, por isso se balançaram os interesses em jogo, para estabelecer, de um lado, uma sanção premio; de outro, uma sanção punitiva. A medida me parece plenamente consentânea com o principio da razoabilidade, da proporcionalidade, que, embora, por um mecanismo de tratamento diferenciado, como ocorre frequentemente, é forma de respeitar o principio da isonomia”.
Em outros julgamentos mais recentes algumas imprecisões persistem, como na ADI 2019 (julgado em 02.08.01), em que o relator à época, Ministro Ilmar Galvão, julga inconstitucional lei que conferia uma renda mensal a crianças geradas por estupro. Curioso é notar que em seu voto traz colacionado parte do parecer da Procuradoria Geral da República onde se verifica, inclusive, a análise das três sub-regras (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito), mas ao final opina pela inconstitucionalidade fundamentando seu voto na falta de razoabilidade da norma.
Em outro julgamento, o Ministro Celso de Mello (Medida Cautelar na ADI 776) adicionou:
“Cabe destacar, ainda, que a jurisprudência desta Suprema Corte, ao examinar a questão concernente à fixação legal do limite de idade para efeito da inscrição em concurso público, também passou a analisa-la em função e na perspectiva do critério da razoabilidade (RTJ 135/958), Rel. Min. Carlos Velloso), de tal modo que o ressarcimento, pelo legislador, desse critério de ordem material poderá traduzir situação configuradora de ofensa ao principio da proporcionalidade”.
Diante deste quadro, verificou-se que houve clara confusão na aplicação destes dois princípios, com exposições de que estes eram sinônimos, razoabilidade está contida na proporcionalidade ou até que a proporcionalidade decorre do principio da isonomia.
1.4. Princípio da Proporcionalidade e o due process of law
Outra recorrente posição do Supremo Tribunal Federal é a posição de que o princípio da proporcionalidade é corolário lógico do devido processo legal substantivo.
A posição posta pelo Ministro Moreira Alves na ADI 2290 (contra o Estatuto do Desarmamento) é de que toda norma desarrazoada viola o preceito do devido processo legal, in casu, a não proibição do comércio de armas, mas a imposição de regras que indiretamente inviabiliza seu comércio e assim conclui:
“Com efeito, afigura-se-me desarrazoada norma que, sem proibir a comercialização de armas de fogo, que continua, portanto, lícita, praticamente inviabiliza de modo indireto e provisório, o que não é sequer adequado a produzir o resultado almejado (as permanentes segurança individual e coletiva e proteção ao direito a vida), nem atende a proporcionalidade em sentido estrito”.
Ressalte-se, ainda que não posta de forma clara com o nome “adequação”, verifica-se já uma primeira aplicação desta sub-regra.
No julgamento da Medida Cautelar 2298, cerca de um mês posterior, que indeferiu por maioria a suspensão da lei que estendia aos proprietários de veículos destinados à locação e adquiridos por leasing a isenção do IPVA, novamente traz-se a baila que[4]:
“O diploma legislativo ora questionado, ao veicular semelhante prescrição, parece revelar-se, a meu juízo, incompatível com o princípio da proporcionalidade, afetando, desse modo, o postulado do devido processo legal, analisado em sua dimensão substantiva.”
No mesmo sentido votou o Ministro Gilmar Mendes na ADI 551, com o detalhe de que imputa ao Supremo Tribunal Federal a interpretação do princípio da proporcionalidade como sinônimo de devido processo legal substantivo.
No julgamento da ADI (Questão de Ordem) 551 o Ministro Relator Celso de Mello traz uma nova ideia na aferição da proporcionalidade, o coeficiente de razoabilidade, mas sempre se atrelando ao devido processo legal substancial, e colaciona trecho de outro voto de sua própria relatoria:
“O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no principio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.
O princípio da proporcionalidade – que extrai sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive processo f law – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
A norma estatal, que não veícula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se a cláusula que consagra, em sua dimensão material, o principio do substantive due process of law”.
Neste ponto verifica-se de plano uma incongruência. Por um lado, até abril de 2003 as decisões do Supremo elevavam à categoria de princípio a proporcionalidade, com a decisão da ADI 2551, a proporcionalidade, ainda que decorrente do substantive due process of law, é posto como postulado.
1.5. Princípio da Proporcionalidade e a divergência do Ministro Eros grau
No julgamento da ADI 1040 (a seguir transcrita) o Ministro Eros Grau inicia no tribunal uma divergência na aplicação do princípio da proporcionalidade. Conforme a corte posicionava-se contra ou favor de algum ato normativo sistematizando a aplicação do princípio no controle concentrado o Ministro cria divergência no que posteriormente chamou de banalização deste princípio:
“Afirmei ontem e torno a insistir que as pautas da proporcionalidade e razoabilidade só podem ser atuadas no momento da norma da decisão, quando este Tribunal, por exemplo, opera o controle concreto, não o controle difuso.
Estou desprezando os argumentos sobre proporcionalidade e razoabilidade.”
No mesmo sentido, o Ministro assim votou na ADI 3453:
“Vou acompanhar o voto da Ministra Carmen Lucia. Apenas uma brevíssima referencia – uma lástima que o Ministro Lewandowski tenha se retirado – com relação ao chamado principio da “razoabilidade”. Entendo que a pauta da razoabilidade pode e deve ser utilizada no momento da norma de decisão, da tomada da decisão em relação a determinado caso, mas não no momento da interpretação do direito. Não podemos, a pretexto da razoabilidade ou proporcionalidade corrigir o legislador. O que podemos fazer é declarar constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei. Se, uma medida, na lei, inteiramente irrazoável, for constitucional, não cabe a este Tribunal corrigi-la. No exame concreto da constitucionalidade do preceito nós os aferimos somente pela Constituição. A pauta da razoabilidade não pode ser usada a pretexto de adaptarmos a lei aos nossos desejos ou anseios.”
Em todos os votos do Ministro Eros Grau objeto desta pesquisa, sua posição sempre foi a mesma, que não cabia à corte realizar controle de constitucionalidade da lei utilizando o principio da proporcionalidade uma vez que “como já afirmei mais de uma vez, não faço adesão à questão da proporcionalidade”.[5]
No mesmo julgado ainda afirma:
“Não existe constitucionalidade ou inconstitucionalidade segundo o principio da proporcionalidade. Esse é um ponto, no meu modo de ver, fundamental.
Afirmo e reafirmo que julgamos a constitucionalidade, não a proporcionalidade das leis. Tenho insistido nisso. Eu me recuso a tomar a proporcionalidade como critério de apreciação de qualquer causa que não envolva especificamente a aplicação, a um caso concreto, de determinadas consequências jurídicas. Não no controle abstrato.
Faço registrar essa observação – para todo o sempre. No futuro, quando alguém vier a escrever sobre o Tribunal, saberá que jamais concordei em participar do controle da razoabilidade ou proporcionalidade das leis.”
No mesmo sentido, em 02.05.07, no julgamento da ADI 3112, o Ministro Eros Grau expos “fico perplexo com o fato de nós […] não estarmos mais decidindo segundo a Constituição. Começamos a decidir conforme a razoabilidade e a proporcionalidade. […]Deixo bem claro que não tenho nada a ver com isso.”
Por outro lado, situação curiosa ocorre no julgamento das ADI 2240 em 09.05.07 (contra a lei 7619/00-BA que criou a cidade de Luis Eduardo Magalhães), ADI 3489 julgada no mesmo dia (contra lei 12.294/02-SC que anexou a localidade de Vila Arlete ao município de Monte Carlo) e ADI 3689 julgada no dia seguinte (contra lei 6066/97-PA) que desmembrou faixa de terra do município de Água Azul do Norte integrou-a ao município de Ourilândia do Norte), todos de relatoria do Ministro Eros Grau.
Nos três julgados, diante da situação fática já consolidada dos municípios, o Ministro Eros Grau votou pela improcedência das três ações, sem fazer qualquer menção ao princípio da proporcionalidade.
Em todas as ações, o Ministro Gilmar Mendes expos seu voto pela declaração de inconstitucionalidade das leis sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada, mantendo sua vigência pelo prazo de 24 meses.
Em seus votos, o Ministro Gilmar Mendes assim expos:
“A despeito do caráter de cláusula geral ou conceito jurídico indeterminado que marca o art. 282 (4), da Constituição portuguesa, a doutrina e a jurisprudência entendem que a margem de escolha conferida ao Tribunal para a fixação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade não legitima a adoção de decisões arbitrárias, estando condicionada pelo princípio da proporcionalidade.
A propósito, Rui Medeiros assinala que as três vertentes do principio da proporcionalidade tem aplicação na espécie (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).
Peculiar relevo assume a proporcionalidade em sentido estrito na visão de Rui Medeiros:
“A proporcionalidade nesta terceira vertente tanto pode ser perspectiva pelo lado da limitação de efeitos como pelo lado da declaração de inconstitucionalidade. Tudo se reconduz, neste segundo caso, a saber se à luz do principio da proporcionalidade as consequências gerais da declaração de inconstitucionalidade são ou não excessivas. Impõe-se, para o efeito, ponderação dos diferentes interesses em jogo, e, concretamente, o confronto entre interesses afectado pela lei inconstitucional e aqueles que hipoteticamente seriam sacrificados em consequência da declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroactiva e repristinatória.”
Em todas as três Ações Diretas de Inconstitucionalidade o Ministro Eros Grau alterou seu voto e acompanhou o Ministro Gilmar Mendes, “Assim, sou arrastado a evoluir e acompanhar o voto do Ministro Gilmar Mendes”.
O posicionamento do Ministro Eros Grau em relação a proporcionalidade evoluiu conforme mostra seu voto no julgamento da Medida Cautelar na ADI 2356, posicionamento este que o Ministro Dias Toffoli também adota (Medida Cautelar na ADI 4467).
“Também não encontra base sólida o argumento de mácula ao “principio” – e eu eu digo princípio entre aspas – da proporcionalidade, que não é princípio,mas sim uma pauta, um critério de aplicação do direito. O chamado “princípio” da proporcionalidade consubstancia postulado normativo aplicativo. E como tal impõe – cito Humberto D’Avila – “uma condição formal ou estrutural de conhecimento concreto de outras normas”. Mais do que de conhecimento, eu diria de aplicação das normas jurídicas. Ainda que se admita, por amor a argumentação, pertinência desse “princípio”, cumpre lembrar que a Emenda 30 afigura-se adequada à produção do resultado desejado, insubstituível por outro meio menos gravoso e mais eficaz.”
A divergência criada pelo Ministro Eros Grau quanto ao princípio da proporcionalidade, de maneira geral, acarretou na continuidade da utilização do princípio da proporcionalidade pelos demais Ministros, porém, verificou-se um maior cuidado em sua aplicação, seja com a análise de suas sub-regras no caso, seja pela maior utilização deste princípio como postulado.
1.6. Princípio da Proporcionalidade e sua aplicação
A utilização do princípio da proporcionalidade de maneira mais detalhada, com a análise de suas sub-regras, começou no julgamento da ADI 1805 em 26.03.98. Neste acórdão, o relator Ministro Neri Silveira cita passagem do livro de Gilmar Mendes onde é desenvolvido o princípio da proporcionalidade e suas sub-regras: necessidade e adequação, no entanto, sem realizar o cotejo com a lei objeto da ADI.
Tímido avanço houve em 2002 com o julgamento da Medida Cautelar na ADI 2667, onde o relator Ministro Celso de Mello expõe que as normas devem se adequar ao princípio da proporcionalidade:
“Não se pode desconhecer que as normas legais devem observar, quanto ao seu conteúdo, critérios de razoabilidade, em estrita consonância com os padrões fundados no principio da proporcionalidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público, devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do “substantive process of law”(CF, 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais […].”
No julgamento da ADI 3324 em 16.12.04, no voto do Ministro Gilmar Mendes, tem-se um marco na aplicação do princípio da proporcionalidade. Nesta oportunidade, o Ministro realiza uma detalhada exposição a respeito do princípio bem como sua aplicação no caso em concreto:
“Esse é o típico caso que se faz necessária uma avaliação de proporcionalidade, no sentido de se investigar se houve ou não um excesso do legislativo.
O principio da proporcionalidade, também denominado principio do devido processo legal substantivo, em sentido substantivo, ou ainda, principio da proibição de excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um “limite do limite” ou uma proibição do excesso na restrição de tais direitos.
A máxima da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo – tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o principio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.
A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o principio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do principio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar as decisões em sentidos opostos.[…]
Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade sem sentido estrito.
Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal […], há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto a produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).”
No mesmo sentido, ao julgar a ADI 3112 (Estatuto do desarmamento), o voto do Ministro Gilmar Mendes é no sentido de aplicação do princípio da proporcionalidade na aferição da razoabilidade da lei restritiva:
“Na medida em que a pena constitui a forma de intervenção estatal mais severa no âmbito da liberdade individual, e que, portanto, o Direito Penal e Processual Penal devem revestir-se de maiores garantias materiais e processuais, o controle de constitucionalidade em matéria penal deve ser realizado de forma mais ainda rigorosa do que aquele destinado a averiguar a legitimidade constitucional de outros tipos de intervenção legislativa em direitos fundamentais dotadas de menor potencial ofensivo.
Em outros termos, se a atividade legislativa de definição de tipos e cominação de penas constitui, prima facie, uma intervenção de alta densidade em direitos fundamentais, a fiscalização jurisdicional da adequação constitucional dessa atividade deve ser tanto mais exigente e rigorosa por parte do órgão que tem em seu encargo o controle da constitucionalidade das leis.
Esse entendimento pode ser traduzido segundo o postulado do principio da proporcionalidade em sentido estrito, o qual, como ensina Alexy “pode ser formulado como uma lei de ponderação cuja fórmula mais simples voltada para os direitos fundamentais diz: quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção”. […]
Assim, um controle de evidência em matéria penal será exercido pelo Tribunal com observância de ampla margem de avaliação, valoração e conformação conferida constitucionalmente ao legislador quanto à adoção das medidas mais adequadas para a proteção do bem jurídico penal. Uma eventual declaração de inconstitucionalidade deve basear-se na patente idoneidade das medidas escolhidas pelo legislador para os objetivos perseguidos pela política penal. […]
Nesse segundo nível, portanto, o controle de constitucionalidade estende-se à questão de se o legislador levantou e considerou diligente e suficientemente todas as informações disponíveis e se realizou prognósticos sobre as consequências da aplicação da norma, enfim, se o legislador valeu-se de sua margem de ação de “maneira sustentável”. […]
Dessa forma, não se pode deixar de considerar que, no âmbito desse denominado controle de sustentabilidade ou de justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle) assumem especial relevo as técnicas procedimentais postas à disposição do Terminal e destinadas à verificação dos fatos e prognoses legislativos, como admissão de amicus curiae e a realização de audiências públicas previstos em nosso ordenamento jurídico pela lei 9.868/99.
Em verdade, como venho afirmando em estudos doutrinários sobre o tema, no controle abstrato de normas não se procede apenas a um simples contraste entre a disposição do direito ordinário e os princípios constitucionais. Ao revés também aqui fica evidente que se aprecia a relação entre a lei e o problema que se lhe apresenta em face do parâmetro constitucional. Em outros termos, a aferição dos chamados fatos legislativos constitui parte essencial do chamado controle de constitucionalidade, de modo que a verificação desses fatos relaciona-se íntima e indissociavelmente com a própria competência do Tribunal. […]
No terceiro nível, o controle material intensivo (intensevierten inhaltlichen Kontrolle) se aplica às intervenções legislativas que, por afetarem intensamente bens jurídicos de extraordinária importância, como a vida e a liberdade individual, devem ser submetidas a um controle mais rígido por parte do Tribunal, com base no princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Assim, quanto esteja evidente a grave afetação de bens jurídicos fundamentais de suma relevância, poderá o Tribunal desconsiderar as avaliações e valorações fáticas realizadas pelo legislador para então fiscalizar se a intervenção no direito fundamental em causa está devidamente justificada por razões de extraordinária importância. […]
Nesse terceiro nível, portanto, o Tribunal examina se a medida legislativa interventiva em dado bem jurídico é necessariamente obrigatória, do ponto de vista da Constituição, para a proteção de outros bens jurídicos igualmente relevantes. O controle é mais rígido, pois o Tribunal adentra o próprio exame da ponderação de bens e valores realizada pelo legislador.”
Com menor intensidade de análise ao princípio da proporcionalidade, posicionou-se o Ministro Gilmar Mendes na Medida Cautelar na ADI 3090:
“Há, em tal dispositivo, uma aparente inconsistência entre meios e fins. Busca-se, com a disposição, o combate a inadimplência. Mas é duvidoso que a ampla proibição ali contida para a revisão e o reajuste tarifários, seja evidentemente um meio apto para combater a inadimplência. Isto porque tal restrição ampla e irrestrita, ao desconsiderar, por exemplo, uma inadimplência pontual e conjuntural em relação a apenas um tipo de custo do concessionário, pode em verdade agravar e fomentar uma situação de desequilíbrio econômico-financeiro que somente perpetua a inadimplência.
Também é plausível que a disposição não atenda à proporcionalidade em sentido estrito. Isto porque ante a ampla proibição ali contida, pode se imaginar que um pequeno adiamento de pagamento ali contida, pode representar o desequilíbrio global da concessão sem o reajuste e revisão.”
Já no julgamento da ADI 855 houve intenso debate a respeito da adequação e necessidade da imposição de medição de botijões de gás por balanças a serem instaladas em todos os caminhões de entrega. Inclusive, a análise destas sub-regras deu-se também considerando laudo do Inmetro a respeito da impossibilidade técnica destas balanças funcionarem corretamente. Ao final, a lei paranaense 10.248/93 foi julgada inconstitucional por maioria por desatender ao princípio da proporcionalidade.
Verifica-se uma evolução da aplicação do princípio da proporcionalidade por todo o Tribunal, no sentido de não só analisar as sub-regras da proporcionalidade, mas no sentido de tomar este princípio como postulado.
No julgamento da Medida Cautelar na ADI 4467, expos o Ministro Gilmar Mendes:
“O principal argumento levantado pelo Partido Político requerente é o de que a exigência contida no art. 91-A da Lei 9.504/97 constituiria uma limitação desproporcional ao exercício da cidadania.
O princípio da proporcionalidade constitui um critério de aferição da constitucionalidade das restrições a direitos fundamentais. Trata-se de um parâmetro de identificação dos denominados limites dos limites (Schranken-Schranken) aos direitos fundamentais; um postulado de proteção de um núcleo essencial do direito, cujo conteúdo o legislador não pode atingir. Assegura-se uma margem de ação ao legislador, cujos limites, porém, não podem ser ultrapassados. O princípio da proporcionalidade permite aferir se tais limites foram transgredidos pelo legislador.
No caso, o direito fundamental em questão diz respeito, especificamente, ao direito de votar, como exercício da cidadania ativa.
A questão, portanto, está em saber se, de acordo com um critério de proporcionalidade, a exigência do porte obrigatório do título de eleitor restringe de forma excessiva o direito fundamental de voto.
O princípio da proporcionalidade funciona, aqui, como proibição de excesso do legislador (Übermassverbot).
Para a aferição da proporcionalidade da medida legislativa, deve-se averiguar se tal medida é adequada e necessária para atingir os objetivos perseguidos pelo legislador, e se ela é proporcional (em sentido estrito) ao grau de afetação do direito fundamental restringido.
No caso, o fim almejado pelo legislador é bastante claro: evitar fraudes e dar segurança ao processo de votação.
Assim, é preciso questionar se, com o intuito de evitar fraudes e dar segurança ao processo de votação, o legislador pode exigir do eleitor o porte obrigatório de dois documentos: o título de eleitor e o documento de identificação civil. Estaria o legislador atuando dentro de suas margens de ação, ou restringindo de forma indevida o direito fundamental do voto?”
No mesmo sentido se posiciou o Ministro Cezar Peluso a respeito da natureza jurídica do princípio da proporcionalidade:
“Em segundo lugar, a proporcionalidade, a razoabilidade e outros critérios e postulados de que se valha a doutrina, na verdade não são normas, porque não são regra nem princípio constitucional. São apenas critério de interpretação de normas constitucionais, em caso de colisão, sobre o qual não vou me perder, porque tanto o voto do eminente Ministro Gilmar Mendes, como o do Ministro Celso de Mello já exauriram esta questão. Não há norma constitucional de razoabilidade, nem norma constitucional de proporcionalidade que pudesse estar sendo ofendida no caso!”
Por fim, o Ministro Gilmar Mendes expõe a respeito da banalização da proporcionalidade, preocupação já presente nos votos do Ministro Eros Grau:
“Vossa Excelência tocou bem nesse ponto, quando invoca diretamente a lesão ao princípio da proporcionalidade. Na verdade, e esse é o aprendizado comum, o que se tem que apontar é uma lesão a um dado direito fundamental, que teria sido violado pelo legislador ao dar uma dada disciplina, no caso, a exigência do título de eleitor, e não a lesão ao próprio princípio da proporcionalidade, até porque estamos a falar de um direito fundamental que foi disciplinado por uma lei e cuja reserva legal há de cumprir o princípio da proporcionalidade. Então, parece-me que aqui já se começa a tomar a nuvem por Juno. Por isso, inclusive, o princípio da proporcionalidade, muitas vezes o seu uso, ou o seu mal uso, é muito criticado, inclusive na jurisprudência americana, na forma do substantivo due process of law, exatamente porque se presta, muitas vezes a, vamos dizer assim, contrabandear conveniências da perspectiva estrita do eventual intérprete. Aqui, pode-se discutir a conveniência ou não de se ter o título, agora, diante da exigência, dizer que ela é desproporcional, parece-me realmente muito difícil, e, por isso, eu chamava a atenção, e nós estávamos em juízo de cautelar. Eu chamava a atenção para essa observação. Veja, houve lesão. O Ministro Toffoli, inclusive, tentava salvar essa interpretação, dizendo: houve lesão, sim, ao direito político de votar ao se exigir o título.”
Por último, há intenso debate também a respeito do princípio da proporcionalidade na ADPF 54, onde discutia-se o aborto de feto anencéfalo.
No voto do Ministro Cezar Peluso, há intensa exposição do conflito entre a proteção do feto anencéfalo a possibilidade da gestante em realizar o aborto terapêutico, aplicando-se o princípio da proporcionalidade para resolvê-lo:
“O princípio da proporcionalidade e a ponderação de valores que lhe é inerente comportam reflexão.
Os sistemas ocidentais não admitem valores absolutos. Não há como estabelecer, a priori, qual o que se reveste de maior peso, diante do reconhecimento de que são relativos e de que a sociedade é plural [41] [41] .
Se os valores são relativos, não há como fundamentar um como superior ao outro. Isso implica que todos devem respeitar as percepções valorativas de mundo dos demais, inadmissíveis visões de mundo que, sob o argumento de superioridade, pretendam eliminar outras possíveis [42] [42] . É necessária a proibição de posturas que preguem a eliminação de outras formas de ver a realidade (inclusive ética), restringindo-se a liberdade que se põe contra a liberdade, acabando-se com o que ficou conhecido como paradoxo da liberdade [43] [43].[…]
Vistos dessa forma, os valores, que pertencem à ética, adentram no mundo do Direito como princípios, ou seja, normas de caráter generalíssimo que orientam a realização do bem comum, não o bem como valor transcendente que todos devem respeitar porque vale em si mesmo (o Bem metafísico dos modelos clássicos do direito natural), mas o bem que permite uma razoável estabilidade da vida em sociedade. Esses valores, então, passam a fazer parte do ordenamento jurídico como condição da justiça (que se refere ao igual tratamento de todos) e direcionam as ações individuais e coletivas para a realização da vida boa, a vida que se deseja ter em sociedade [45] [45] . Assim, os valores entram no Direito como garantia do bom e do justo como formas de convivência harmônica de todos os modos de vida, não mais como o Bom e o Justo transcendentes que pretendem determinar como tudo deve ser e como todos devem agir.
Transformados em princípios, os valores precisam conviver com as demais normas do ordenamento jurídico. Normas essas que determinam de maneira direta regras de conduta. Quer dizer, são comandos objetivos que pretendem regular em abstrato condutas que podem vir a ser concretas. São cogentes, portanto. Esse tipo de norma é aquele que a atual teoria da norma jurídica tem chamado de regra, exatamente para diferenciá-lo do outro tipo, os aludidos princípios. Pode-se dizer, então, que regras são normas de aplicação cogente e imediata, na medida em que procuram regular uma conduta específica. Assim, não podem sobreviver no ordenamento regras que determinem condutas contraditórias, pois as ações ou são proibidas ou são permitidas ou são livres. Já os princípios, para uma parte da teoria do direito contemporâneo, são normas de otimização de condutas, que procuram realizar os valores da justiça e da vida boa (no sentido já descrito) em sociedade. São preceitos, portanto, que só ganham concretude diante de casos concretos, pois são incapazes de determinar quais condutas exatamente estão sendo reguladas em abstrato [46] [46] .[…]
Todavia, nessas situações, como escolher qual o princípio a aplicar e qual será afastado? Como já referido, princípios são valores que realizam as ideias de justiça e vida boa. Não podem se sobrepor uns aos outros, pois tal levaria à exclusão das formas de vida de parcela da sociedade.
Portanto, não há uma ordem concreta de valores que eliminem ou se sobreponham a outros, de modo que não há hierarquia entre eles. Todos têm o mesmo status e, por isso, a mesma pretensão de aplicabilidade.
Destarte, se a questão não se resolve no plano ontológico ou axiológico, há que encontrar um critério racional de argumentação para que o convencimento leve à aplicação de um princípio e ao afastamento do outro no caso em análise. É bom frisar: a busca é de um critério argumentativo, e não de peso de valores, pois, como já foi mais que repetido, um valor não pesa mais que outro em ordenamentos jurídicos democráticos.
Tal critério precisa colocar os valores em disputa não em uma balança, para ver para qual lado a haste pende, mas em uma equação, para que, do ponto de igualdade entre eles, se possa transitar para uma sentença do tipo “se… então deve ser…”, em que apenas uma regra aparece. Como os princípios são normas que pretendem ter aplicabilidade em um caso concreto, a eventual aplicação precisa ser viável fática e normativamente [47] [47] . As condições fáticas devem ser cumpridas pelos critérios da necessidade e da adequação.
Assim, um princípio será aplicado se for adequado para atingir o fim perseguido (o meio utilizado deve necessariamente levar ao fim que se busca) e necessário às exigências e expectativas do resultado diante de outros possíveis (os meios empregados para a realização do princípio devem ser os menos gravosos – se houver outros meios menos gravosos, a regra escolhida para realizar o princípio em tela é tida por desproporcional).
Não obstante os dois critérios de realização fática, pode ocorrer que os dois princípios se mantenham aplicáveis ao caso, o que leva à situação de um deles vir a limitar o âmbito de atuação do outro. Esse é o limite jurídico, que, de acordo com o modelo teórico da ponderação, deve ser resolvido pelo chamado princípio da proporcionalidade em sentido estrito. É a técnica de aplicação deste terceiro subprincípio que demanda a ponderação de valores. Apesar da denominação, diante de tudo o que foi dito acima sobre regras e princípios, estes devem ser concebidos com regras de otimização de condutas para a máxima realização dos valores que os sustentam. Assim, diante de uma concorrência de princípios, o esforço hermenêutico deve se voltar para a realização máxima de um para justificar que o outro não seja aplicado. Ou seja, o peso das razões para a aplicação de um princípio deve ser maior do que o do outro no caso concreto. Mas esse peso precisa de um padrão intersubjetivamente compartilhado, caso contrário a escolha não passa de uma preferência pessoal do responsável pela solução do caso concreto.[…]
O processo argumentativo passa, desse modo, a depender da aplicação do princípio da proporcionalidade com base nos seus subprincípios. A adequação está presente para os dois pontos de vista.
Entender que a interrupção da gravidez em caso de feto anencefálico configura aborto é um meio adequado para proteger a vida do feto. Por outro lado, a garantia da saúde, da integridade física e psíquica e da liberdade da mulher pode ser feita por meio da interrupção da gestação.
Em relação à necessidade, só é possível proteger plenamente a vida do feto caso ele esteja protegido também contra a gestante. Por outro lado, não há meio menos gravoso para proteger a saúde, a integridade e a liberdade da gestante do que permitir a interrupção da gestação.[…]
A proporcionalidade em sentido estrito diz basicamente que, como algum princípio será afastado em benefício da realização de outro, quanto maior o grau de não realização de um princípio ou de dano a ele, maior deve ser o grau de satisfação do outro [49] [49] . A fórmula é a seguinte:
Wi,j = Ii. Wi. Ri
————–
Ij. Wj. Rj
Em linguagem natural, Wi,j é o quociente da relação do primeiro princípio (Pi) com o segundo (Pj). Ii é o grau de interferência do primeiro princípio no segundo quando realizado partir de um meio (M) qualquer.
Wi e Wj são os pesos (no sentido de importância atribuída) abstratos de cada princípio. Ij é o grau de interferência que a proibição, para fins de proteção do segundo princípio, do meio utilizado para a realização do primeiro princípio causa neste. E Ri e Rj se referem à confiança das pressuposições empíricas concernentes a como a utilização do meio escolhido para a realização da ação propicia ou não a efetivação do primeiro princípio em detrimento da proteção ou não do segundo. A argumentação deve levar a um quociente (e a referência matemática é apenas exemplificativa, pois não há como estabelecer esses valores, o que quer dizer que equivalem ao grau de importância estabelecido para o caso concreto no processo argumentativo) maior ou menor que um. Se maior que um, é proporcional a realização do primeiro princípio. Se menor que um, é proporcional a intervenção para a defesa do segundo.”
Da análise de todos os acórdãos acima citados, verificou-se que o princípio da proporcionalidade há muito era utilizado no controle concentrado de constitucionalidade, seja para declarar inconstitucional ou para declarar a constitucionalidade da lei.
Os primeiros acórdãos resultados da pesquisa mostraram que havia disparidade de conceitos e fundamentos do princípio da proporcionalidade, ora confundia-se com a razoabilidade, ora a razoabilidade estava contida na ideia de proporcionalidade.
Verificou-se também que o Supremo Tribunal Federal incialmente adotava o princípio da proporcionalidade como decorrência do devido processo legal substantivo.
Após anos de sua intensa aplicação, mesmo sem que fosse analisado de forma cuidadosa suas sub-regras, o Ministro Eros Grau crava posição de impossibilidade de se controlar a constitucionalidade de uma lei pelo cotejo com este princípio. Além de razões dogmáticas, invocava-se que a utilização deste princípio conferia ampla margem aos julgadores, tendendo a uma banalização na utilização deste princípio.
Como resultado prático desta divergência, paulatinamente, os Ministros ao aplicarem o princípio da proporcionalidade, realizam uma longa exposição a respeito do mesmo, inclusive, cotejando a norma impugnada com as sub-regras de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, conferindo a estes acórdãos uma densa argumentação nos julgamentos, ressaltando que em algumas passagens persistia-se posições antigas.
Por fim, com a evolução da aplicação deste princípio, já adotado como postulado pelo Supremo Tribunal Federal, há grande melhora na qualidade dos votos que o utilizam para fundamentar suas posições, consequentemente, o controle concentrado de constitucionalidade utiliza com frequência este postulado bem como vem sendo utilizado com melhor qualidade e fundamentação.
Informações Sobre o Autor
Daniel Gabrilli de Godoy
Pós-graduado em D. Administrativo pela FGV/SP. Master em D. Europeu pela Universidade de Roma – La Sapienza. Mestrando em D. Administrativo pela PUC/SP