A Definição do Ato de Improbidade Administrativa no art. 11 da Lei n.º 8.429/92 e o Direito Positivo

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Autora: Acácia Regina Soares de Sá – Juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB, Professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal – ESMA. (e-mail: [email protected])

Resumo: O presente artigo se propõe a analisar o conceito do ato de improbidade administrativa por violação a princípio constitucional administrativo, uma das três modalidades previstas na Lei n.º 8.429/92 e analisar como se caracteriza o ato de improbidade administrativa baseada em violação de princípios constitucionais administrativos, em especial o princípio da moralidade. Dessa forma, o presente trabalho se propõe a analisar o objeto das ações civis públicas por ato de improbidade administrativa com base no art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92, após a caracterização da violação a princípio constitucional e, em especial, ao princípio da moralidade. Assim, serão analisadas posições de doutrinadores que tratam dos temas abordados, além de artigos científicos e dissertações que tratam do mesmo tema, utilizando-se do método dedutivo para se chegar a uma conclusão.

Palavras-chave: Princípios constitucionais. Improbidade administrativa. Caracterização.

 

Abstract: This article proposes to analyze the concept of the act of administrative improbity for violation of the constitutional administrative principle, one of the three modalities provided for in Law No. 8,429 / 92 and to analyze how the act of administrative improbity based on violation of constitutional principles is characterized. administrative, in particular the principle of morality. Thus, the present work proposes to analyze the object of public civil actions for act of administrative improbity based on art. 11, “caput”, of Law No. 8,429 / 92, after characterizing the violation of the constitutional principle and, in particular, the principle of morality. Thus, positions of indoctrinators who deal with the topics covered will be analyzed, in addition to scientific articles and dissertations that deal with the same topic, using the deductive method to reach a conclusion.

Keywords: Constitutional principles. Administrative dishonesty. Description.

 

Sumário: Introdução. 1. O objeto das ações civis públicas por ato de improbidade administrativa com base no art. 11, “caput” da Lei n.º 8.429/92. 2. A caracterização da violação a princípio constitucional administrativo. 3. A violação aos princípios constitucionais administrativos previstos no “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92. 3.1. A violação ao princípio da moralidade. Conclusão. Referências Bibliográficas

 

INTRODUÇÃO

A probidade administrativa tem relação direta com uma Administração Pública honesta que busca a proteção da coisa pública, tanto que a Constituição Federal previu sanções em caso de sua inobservância em diversos pontos do seu texto, desde questões relacionadas a condições de elegibilidade até crimes de responsabilidade do Presidente da República.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a improbidade administrativa se tornou um modelo vinculado ao direito constitucional e administrativo, tendo o art. 37, § 4º, da Constituição Federal elencado as sanções em caso da prática de atos ímprobos, isso no intuito de atender aos anseios da sociedade como forma de combate à corrupção, bem como aos eventuais abusos praticados pelos agentes públicos, buscando preservar a probidade administrativa.

Nesse sentido, Marcelo Bertoncini (FARIAS, OLIVEIRA, GHIGNONE, 2012, p 36), defende que a probidade administrativa é uma das formas de garantia da execução dos objetivos fundamentais previstos na Constituição Federal, uma vez que o exercício das funções públicos de modo eficiente e honesto. O mesmo autor sustenta ainda que a ideologia constitucional da probidade administrativa deve ainda ser observada em razão da força normativa da Constituição trazida por Konrad Hesse.¹

Assim, verifica-se que a força vinculante da probidade administrativa é resultado da vontade popular manifestada através das decisões dos seus representantes legitimamente eleitos que sacramentaram na Constituição Federal várias formas de combate à corrupção como meio de se garantir a observância da probidade administrativa, os quais foram reforçados pela ratificação, pelo Brasil, da Convenção das Nações Unidas – ONU² contra a Corrupção² em 14.12.2005, o que tornou o combate à corrupção não só uma obrigação constitucional, mas também um compromisso internacional.

Dessa forma, ao se imputar sanções pela prática de atos de improbidade administrativa a Constituição Federal buscou punir o administrador público, bem como o particular em colaboração, que agisse de modo a prejudicar a Administração Pública, de modo a se criar uma cultura de probidade

administrativa. Nesse sentido, Wallace Paiva Martins Júnior³ sustenta que o direito à moralidade administrativa é um direito público subjetivo de titularidade da coletividade, razão pela qual pode ser exigido dos detentores de funções e cargos públicos.

Dentro desse contexto, aproximadamente quatro anos após a promulgação da Constituição Federal foi sancionada a Lei n.º 8.429/92 que dispôs sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

No entanto, mesmo após mais de 15 (quinze) anos de sua vigência, a condenação pela prática de atos de improbidade administrativa baseados exclusivamente no art. 11, “caput” da Lei n.º 8.429/92 ainda apresenta um grau de vagueza muito grande, uma vez que a análise dos princípios constitucionais administrativos elencados no referido dispositivo constitucional depende da análise subjetiva do responsável pela propositura da ação civil por ato de improbidade administrativa.

Para a caracterização da violação de um princípio constitucional hábil a justificar a aplicação de sanção em razão da prática de um ato de improbidade administrativa não se mostra suficiente a menção à sua violação, mas sim a demonstração de modo objetiva da referida violação. Nesse sentido, uma das hipóteses que traz maior discussão diz respeito à violação do princípio da moralidade em razão da sua alta carga de subjetividade, o qual, no direito administrativo, retoma a Hauriou (1910) quando buscou introduzi-lo no Conselho de Estado da França, a fim de possibilitar o controle dos atos administrativos discricionários, tendo em vista que somente era permitido o controle dos atos vinculados, proporcionando, dessa forma, uma maior atuação do referido Conselho.

No Brasil, apesar da previsão em normas anteriores, foi a Constituição Federal de 1988 que elevou o princípio da moralidade ao patamar constitucional, segundo o qual o administrador público deve observar, no exercício de sua função, bem como o particular quanto trata com a coisa pública, uma conduta ética e honesta, exigindo-se a obediência a padrões de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem a boa administração e transparência na Administração Pública.

Dessa forma, nosso texto constitucional ao consagrar o princípio da moralidade administrativa como vetor da atuação do administrador público, consagrou também a necessidade de proteção à probidade e a responsabilização do administrador público amoral ou imoral como bem apontou Manoel de Oliveira Franco Sobrinho.4

No entanto, ainda que a Constituição Federal tenha dado uma posição de destaque ao princípio da moralidade, observamos que este possui um conteúdo vago e não se confunde com situações de irregularidade ou ilegalidade, ante a ausência do elemento subjetivo do dolo, classificando-se comumente a ilegalidade qualificada pela má-fé.

Nesse sentido, Fábio Medina Osório sustenta que uma das características marcantes do direito sancionador é a grande utilização de princípios, conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais, o que cria um ambiente jurídico vago e indeterminado, concedendo aos intérpretes grandes poderes, o que ocasiona situações de insegurança jurídica e à unicidade das decisões. Por outro lado, o autor mostra as vantagens desse tipo de interpretação, dentre elas, maior flexibilidade das normas em razão das mutações decorrentes das transformações da sociedade, desde que haja o controle democrático desta atividade.5

Diante das considerações acima, faz-se necessário aprofundar a investigação acerca do conceito do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92 a fim de conceituar a caracterização da violação ao princípio constitucional da moralidade apresentam uniformidade, necessária à concretização do princípio da segurança jurídica.

 

  1. O objeto das ações civis públicas por ato de improbidade administrativa com base no art. 11, “caput” da Lei n.º 8.429/92

O ato de improbidade administrativa por violação a princípio é também chamado de ato de improbidade administrativa “strito sensu” tendo em vista que para sua caracterização não é necessária a existência de prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito do agente, basta que reste caracterizada a violação a um princípio administrativo constitucional.

Assim, é possível então verificar que sua caracterização é mais complexa do que as demais hipóteses previstas na Lei n.º 8.429/92, isso porque não uma delimitação objetiva para tanto, ou seja, não há uma descrição do que vem a ser um ato de improbidade administrativa por violação a princípio constitucional.

Nesse diapasão, o “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92 diz que é ato de improbidade administrativa conduta que viole os princípios constitucionais administrativos pontuando algumas condutas de forma exemplificativa.

Assim, podemos dizer que o ato de improbidade administrativa previsto no “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.492/92 é a conduta do agente público e do particular que atua conjuntamente que ofenda um dos princípios constitucionais administrativos, não se limitando aos princípios explícitos, mas alcançando também os princípios implícitos, acrescentando o elemento volitivo da má-fé. Dessa forma, é de se observar que não há elementos concretos que tipifiquem o ato de improbidade administrativa em razão da violação a deveres como a honestidade e imparcialidade e princípios constitucionais.

Para que haja a caracterização de um ato de improbidade administrativa estrito senso, basta que um princípio constitucional explícito seja violado. Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld (SUNDFELD, 2017, p. 214) afirma que a previsão legal em comento trazida pela lei de improbidade administrativa era tida, na época de sua sanção, como inócua, uma vez que era muito vaga acerca do que seria considerado ilícito, já que trazia apenas a possibilidade de violação a deveres e princípios, razão pela qual não haveria como ser operacionalizada.6

Nesse diapasão, para a caracterização de um ato de improbidade administrativa por violação a princípio constitucional deve ser conceituado o que venha a ser considerado um princípio, bem como seu conteúdo para, a partir de então ser realizada sua caracterização, isso porque não basta simplesmente se fazer menção à violação ao princípio constitucional, devendo ser descrito o motivo e fundamento pelo qual o referido princípio foi violado.

Dessa forma, para se entender o conceito de ato administrativo estrito sensu se faz necessário, primeiramente, entender qual o conteúdo jurídico do princípio para, em um segundo momento, então se verificar como ocorreu sua violação.

No direito administrativo há a clássica diferenciação trazida por Celso Antônio Bandeira de Mello entre princípios e normas e mais recentemente, na teoria geral do direito, Robert Alexy também tratou do assunto. No entanto, tais ensinamentos não se mostram suficientes para definir o conteúdo de um princípio e, em consequência, o que pode ser entendido como sua violação, razão pela qual a caracterização do ato de improbidade administrativa estrito sensu é uma tarefa difícil.

Nesse diapasão, podemos verificar que o ato de improbidade administrativa estrito sensu é aquele onde o agente público deixa de observar um princípio constitucional administrativo, a exemplo da publicidade, legalidade ou moralidade, sem movido pelo elemento volitivo da má-fé. No entanto, é possível perceber que em relação a determinados princípios, como o da legalidade, não há maiores dificuldades em se caracterizar sua violação, já que decorrerá da inobservância de um diploma legal posto, no entanto em relação outros princípios como o da moralidade ou o da razoabilidade não há clareza quanto à sua violação, isso porque têm cunho subjetivo o que permite interpretações diversas e impedem uma definição mais objetiva da tipificação da sua violação.

Dessa forma, podemos então observar que o objeto das ações civis públicas pela prática de ato de improbidade administrativa estrito sensu se limita a violação dos princípios constitucionais administrativos genericamente considerados, uma vez que a lei em comento não traz nenhuma delimitação para sua aplicação, nem elementos objetivos para sua aplicação no sentido de especificar o que vem a configurar a violação trazida no dispositivo legal ora tratado.

 

  1. A caracterização da violação a princípio constitucional administrativo

Conforme já exposto acima, o ato de improbidade administrativa estrito senso é caracterizado pela violação a princípio administrativo, razão pela qual é necessário se aprofundar no tema no intuito de entender o que pode ser considerado como violação a princípio e, partir de então verificar a efetiva prática do ato de improbidade administrativa.

Nesse sentido, Humberto Ávila (ÁVILA, 2019, p. 182) buscou criar uma metodologia para definir o âmbito de aplicação mais objetivo de um princípio no intuito de evitar que sua aplicação ocorra de forma subjetiva e demasiadamente ampliada a fim de evitar exageros, razão pela qual defende que a atividade do intérprete é complexa e deve ser minuciosa, consistindo em construir significados.

Para o referido autor, observados padrões de conduta através da análise de dispositivos constitucionais é possível então delimitar mais objetivamente as hipóteses de sua violação.

No entanto, a utilização dos critérios de sistematização trazidos por Humberto Ávila não se mostra suficiente para esclarecer o conceito e a delimitação da violação de um princípio, tendo em vista que o princípio não possui conteúdo jurídico específico, ficando a cargo do julgador sua interpretação.

Dessa forma, a configuração do que vem a ser a violação a um princípio constitucional hábil a configurar ato de improbidade administrativa estrito senso dependerá, em um primeiro momento, da interpretação dada pelo responsável pela propositura da ação e, no seu desfecho, da interpretação dada pelo julgador, isso porque a conceituação dependerá da sua formação e seu background, o que gera como consequência a inexistência de um conceito único acerca do que será configurado como violação a um princípio.

A violação de um princípio, diferentemente do que ocorre com a violação de uma norma deixa margem para diversas interpretações, isso porque a norma traz uma tipificação descritiva, a qual permite que se sabia, antecipadamente, o que caracteriza sua violação, os termos trazidos pela Constituição Federal. No entanto, quando se trata da violação de um princípio, não há parâmetros descritivos para se verificar a hipótese de uma violação, dada sua vagueza, o que possibilita mais de uma resposta, razão pela qual a escolha recairá no que o intérprete entender mais justa.

Dessa forma, podemos verificar que não há como se delimitar o que vem a ser a violação de um princípio de forma antecipada, uma vez que tal significação dependerá da valoração dada pelo intérprete “a posteriori”, afrontando, por conseguinte, o postulado do direito penal “nullum crimen sine lege”.

Nesse sentido, ainda que se afirme que se trata de um postulado utilizado no direito penal, razão pela qual não teria aplicação no âmbito da ação civil por ato de improbidade administrativa, o referido argumento pode ser refutado pelo fato de que ainda que estejamos na seara cível, estamos tratando do direito administrativo sancionador, razão pela qual se comporta tal interpretação, isso porque função de aplicação de sanções pessoais, ainda que cíveis.

Superado esse primeiro ponto quanto à ausência de definição e delimitação do que venha a ser a violação de um princípio, faz-se necessário verificar a referida situação no que diz respeito aos princípios constitucionais administrativos.

 

  1. A violação aos princípios constitucionais administrativos previstos no “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92

Estabelecida a ideia acerca da violação de princípios, passamos então a tratar mais especificamente da violação dos princípios constitucionais previstos no “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92.

Nesse sentido, como já vimos acima não há um conceito jurídico único acerca do que seja a violação de um princípio em razão da ausência de conteúdo jurídico, assim o conceito de sua violação estará atrelado à ideia de correto e justo do julgador, dentro das suas opções de escolha, baseando-se no princípio da juridicidade.

Quando tratamos de princípios entramos no campo da subjetividade, tendo em vista a ausência de limites definidores e conceitos objetivos, razão pela qual, as decisões baseiam-se, na maioria da das vezes, nos ideais de moral e justiça do que em conceitos jurídicos propriamente ditos.

No caso do dispositivo em discussão, o legislador, além dos princípios constitucionais, explicitou ainda a necessidade da observância dos deveres de honestidade e lealdade, já que o dever de imparcialidade representa, na verdade, o princípio da impessoalidade. Assim, ofender princípio constitucional que viole tais deveres é considerado ato de improbidade administrativa estrito sensu, o que aumenta o nível de subjetividade do referido dispositivo legal.

Há de se observar, no entanto, que os princípios elencados no “caput” do art. 37 da Constituição Federal apresentam graus diversos de abstração, ou seja, há princípios que possibilitam uma interpretação mais objetiva, a exemplo do princípio da legalidade e outros que dão grande margem a diversas possibilidades de escolha, dada sua subjetividade, como ocorre no caso do princípio da moralidade, ante seu auto conteúdo valorativo, o que abre margem para um grande leque de interpretações e escolhas pelo julgador.

Assim, quanto tratamos do princípio da legalidade podemos observar que há um limite objetivo para que seja delimitada sua violação e, em consequência, a prática de ato de improbidade administrativa estrito sensu, já que basta que o responsável pela propositura da ação civil pública por ato de improbidade administrativa demonstre que o agente público violar a norma regente da matéria de forma dolosa violando um dos deveres previstos no “caput” do art. 11, da Lei n.º 8.249/92, isso porque não basta somente a violação à norma, mas a demonstração do elemento volitivo, através da individualização das condutas, hábeis a demonstrar a intencionalidade do agente em praticar a conduta improba.

Da mesma forma ocorre com o princípio da eficiência, já que há formas de se verificar objetivamente se ocorreu sua violação de forma intencional, uma vez que há instrumentos de políticas públicas qualitativos e quantitativos hábeis a mensurar seu cumprimento ou não e, através de tais dados ser possível observar se ocorreu a violação do referido princípio.

No entanto, os princípios da publicidade e impessoalidade já apresentam um maior grau de abstração, isso porque não possuem delimitações específica e quantificáveis quanto à sua violação, necessitando se uma interpretação do julgador mais subjetiva, já que se abre um leque de opções para tanto, o qual poderá optar pela decisão que esteja de acordo com o que entende como correto e justo, razão pela qual enveredamos em um campo de subjetividade e insegurança jurídica.

Em maior intensidade pode ser verificado o grau de abstração que permeia o princípio da moralidade, isso porque além dos critérios legais, soma-se a este os valores morais que variam de indivíduo para indivíduo por estar vinculado a valores filosóficos que extrapolam o campo do direito, razão pela qual margem de interpretação do julgador alcança graus muito mais elevados e, em consequência, uma maior insegurança jurídica. Assim, tendo em vista que o princípio da moralidade possui contornos mais específicos será tratado em um título em separado.

 

3.1. A violação ao princípio da moralidade

O princípio da moralidade, no direito administrativo, retoma a Maurice Hauriou (1910) quando buscou introduzi-lo no Conselho de Estado da França, órgão responsável pela jurisdição administrativa na França, desenvolvendo as bases do referido princípio através da sanção do desvio de poder, a fim de possibilitar o controle dos atos administrativos discricionários, tendo em vista que, à época, somente era permitido o controle dos atos administrativos vinculados, buscando-se, com a referida inovação, uma maior atuação e controle das ações governamentais pelo referido Conselho.

Nesse sentido, segundo Antônio José Brandão a teoria do enfrentamento do desvio de poder de Hauriou representou a introdução do elemento moral no cenário jurídico.7

No Brasil, o princípio da moralidade administrativa foi incorporado legalmente como forma de combate ao desvio de poder nos moldes acima mencionados em 1965 com a sanção da Lei n. 4.7617/65 – Ação Popular.

Nesse diapasão, têm-se que a moralidade administrativa é o precedente lógico de toda conduta administrativa, vinculada ou discricionária, possuindo, segundo José Guilherme Giacomazzi (GIACOMAZZI, 2013, p. 198), dois aspectos: o aspecto objetivo, representado pela boa-fé e o aspecto subjetivo, traduzido através do dever de probidade.

Assim, apesar de alguns poucos autores ainda não reconhecerem a autonomia do princípio da moralidade em relação a outros princípios administrativos, em especial em relação ao princípio da legalidade, a controvérsia acerca do tema foi dirimida com a promulgação da Constituição Federal de 1998 que concedeu ao princípio da moralidade patamar idêntico ao do princípio da legalidade nos termos do “caput” do seu art. 37, razão pela qual não mais se sustenta o argumento de que o princípio da moralidade estaria incluído no princípio da legalidade.

Em face da referida posição alcançada pelo princípio da moralidade, a Constituição Federal de 1988 previu ainda em seu art. 5º, LXXIII a possibilidade de sua apreciação judicial, o que possibilitou a sanção pela prática de atos de improbidade administrativa.

Nesse diapasão, a probidade administrativa, nos moldes trazidos pela Constituição Federal, tem o princípio da moralidade em sua centralidade, podendo ser considerada como um dos efeitos da aplicação da boa-fé, isso porque pune o agente público que age com desonestidade. Porém, apesar da referida lei ter sido sancionada em 1992, somente em 1999, edição da Lei n.º 9.784/99, foi trazida um conceito legal do referido princípio da moralidade no art. 2º, IV, deste diploma legal, porém ainda vago.

No entanto, ainda que o princípio da moralidade não esteja subordinado ao princípio da legalidade, deve observância ao princípio da juridicidade, o qual tem como base os limites jurídicos da razoabilidade, finalidade e boa-fé, ou seja, para que reste caracterizada a violação ao princípio da moralidade se faz necessário que ocorra também uma lesão àquele princípio.

Dessa forma, a prática de qualquer ato administrativo pode vir a ofender o princípio da moralidade, no entanto, sua maior incidência ocorre em relação aos atos administrativos discricionários, tendo em vista a existência de mais de uma possibilidade disponível ao administrador no momento da tomada de decisão, diferentemente do que ocorre com os atos administrativos vinculados.

Por fim, sendo a moralidade administrativa, não apenas um princípio, mas também um valor socialmente definido, pertencente à coletividade de forma indivisível e indeterminada, Wallace Paiva Martins Júnior (MARTINS, 2009, p. 91) defende que sendo um patrimônio social, é passível de recomposição em caso de lesão por meio de condenação do ofensor à compensação financeira a título de dano moral coletivo.

Nesse sentido, Márcio Cammarosano em artigo intitulado “Moralidade Administrativa” (DALARRI, 2013, p. 268), publicado em uma coletânea de direito administrativo, além da sua previsão no “caput” do art. 37, da Constituição Federal, o princípio da moralidade também foi reforçado no art. 5º, LXXIII, o qual prevê a possibilidade de qualquer cidadão ingressar com ação popular em caso da prática de ato administrativo que ofensa à moralidade administrativa Em contrapartida, alguns autores, a exemplo de Carlos Ari Sundfeld (SUNDFELD, 2017, p. 214) , sustentem  a existência de um alto grau de subjetividade e indeterminação do conceito de moralidade administrativa na atualidade e, em consequência, a dificuldade de sancionar as condutas tidas como imorais, pois se trata de um conceito jurídico indeterminado.

Dessa forma, observa-se a inexistência de um conceito jurídico acerca do princípio da moralidade, tendo em vista que a construção existente é totalmente teórica, baseada em estudos que não refletem as situações práticas cotidianas e abrem margem para um alto índice de subjetividade nas imputações de atos de improbidade administrativa por violação ao princípio da moralidade.

É importante ressaltar que ainda persiste uma certa confusão entre moral e moralidade, já que em alguns casos se procura imputar a agente público um ato como improbo por entender não ser moral, quando, na verdade, a imputação deve recair na suposta violação ao princípio da moralidade entendido como princípio constitucional e não por violação à moral, uma vez que se trata de um conceito filosófico que extrapola a ceara de atuação do direito positivo.

Assim, a caracterização da violação ao princípio da moralidade como ato de improbidade administrativa estrito senso traz muitas incertezas em razão de sua vagueza, conforme já demonstrado em passagens anteriores, inviabilizando a delimitação exata e precisa da efetiva existência da violação do princípio, logo da definição do ato de improbidade administrativa estrito senso.

 

CONCLUSÃO

Pela explanação realizada, podemos chegar a uma primeira conclusão de que uma das finalidades constitucionais da lei de improbidade administrativa é a proteção dos princípios administrativos constitucionais, evitando que os agentes públicos ou particulares que praticaram os atos tidos como de improbidade administrativa continuem a manter relações jurídicas com a Administração Pública antes de transcorrido um lapso temporal hábil a sanar os efeitos extrapatrimoniais dos referidos atos.

No mesmo sentido, podemos também concluir que ainda que a intenção do legislador constituinte tenha sido garantir a aplicação de sanções nos casos da prática de atos de improbidade administrativa que não causem danos patrimoniais ao erário ou o enriquecimento ilícito, mas que atinjam o patrimônio moral do ente público, uma vez que a violação dos princípios constitucionais fere os preceitos constitucionais, a referida previsão legal foi realizada de forma vaga, uma vez que pode ser constatada a inexistência de conteúdo jurídico dos princípios, os quais necessitam de uma valoração subjetiva para sua aplicação.

Dessa forma, podemos então chegar a uma conclusão final no sentido de que em razão da ausência de conteúdo jurídico dos princípios, em especial do princípio da moralidade, o que possui uma grande carga subjetiva, uma vez que se recorre a valores filosóficos para se chegar a sua delimitação e aplicação, a utilização isolada dos princípios constitucionais como fundamentos de imputação de atos de improbidade administrativa cria uma situação de insegurança jurídica ante a ausência de parâmetros objetivos para sua utilização, além de ferir as garantias constitucionais da ampla defesa e do contrário, base de nosso Estado Democrático de Direito, tendo em vista que subtrai do réu o direito de defender de modo efetivo, ante a subjetividade da imputação baseada unicamente nos princípios constitucionais.

 

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OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 5ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2015.

 

OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência. 3ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013.

 

SIMÃO, Calil. Improbidade Administrativa. Teoria e Prática. 3º Edição. Editora JH Mizuno. São Paulo. 2017.

 

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. 2º ed. 2º tiragem. Ed. Malheiros. São Paulo, 2017.

 

VHOSS, Moser. A Improbidade Administrativa e a Possibilidade de Reparação do Dano à Legitimidade da Administração Pública. Universidade do Vale di Tajaí – UNIVALI. 2010.

 

 

1.FARIAS, Cristiano Chaves de Farias, OLIVEIRA, Alexandre Albagli e GHIGNONE, Lucianos Taques. Estudos sobre improbidade administrativa, em homenagem ao Professor J.J. Calmon de Passos. “A ideologia constitucional de probidade administrativa na Administração Pública deve ser compromisso finalístico e pragmático do Estado, em todas suas dimensões, e da sociedade contra a cultura de improbidade, em respeito à força normativa da Constituição, à sua “força ativa”, no dizer de Konrad HESSE,. ”

2. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, fonte: www.unodc.org/lpo-brazil/pt/corrupcao/convencao.html

3. MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. “(…) o direito à moralidade administrativa é um direito público subjetivo, cujo titular é a coletividade indivisivelmente considerada, que pode exigir seu cumprimento da Administração Pública. Para efeito da disciplina interna desta, a moralidade administrativa impõe aos seus agentes a sua observância, aparecendo como um dever inerente ao desempenho de qualquer função ou atividade pública. ”

4. SOBRINHO, Manoel de Oliveira Franco. O Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa. “Difícil de saber por que o princípio da moralidade no direito encontra tantos adversários. A teoria moral não é nenhum problema especial para a teoria legal. As concepções na base natural são analógicas.”

5. OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência.“(i) permite-se ao intérprete grande mobilidade, atualizando os textos legais diante dos fatos e dos velozes acontecimentos e mutações sociais, dentro das exigências técnicas de fundamentação e aplicação das normas aos casos concretos; (ii) outorga-se flexibilidade normativa aos mecanismos punitivos, de tal modo a coibir manobras formalistas conducentes à impunidade, com o que se reduz o campo da impunidade e das decisões absolutórios injustas, um dos grandes obstáculos ao combate à corrupção; (iii) acompanha-se a dinâmica da corrupção e dos fenômenos de má gestão pública.”

6. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. p. 214. “Quando se discutia a substituição de uma antiga lei, membros da corporação influíram para que a nova redação passasse a punir, como “ato de improbidade administrativa”, a violação dos “deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”. Esse texto, aparentemente inócuo para inibir comportamentos, por conta da extrema vagueza do que se estava considerando ilícito, acabou servindo, no decorrer dos anos, como fundamento da maior parte das ações de improbidade propostas pela corporação contra agentes públicos,(…)”

7. BRANDÃO, Antônio José. Moralidade administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 25, p. 454-467, jul. 1951. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/12140>. Acesso em: 28 Jul. 2019.

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