Resumo: O presente trabalho tem em vista analisar a aplicação da Lei nº 13.290/2016 a partir de sua vigência e os efeitos na ordem jurídica. Sabe-se que a justificativa para a criação desta lei se deu por motivos de prevenção de acidentes nas rodovias. Contudo algumas argumentações surgem a fim de compreender o real alcance desse instrumento, como por exemplo a sua compatibilidade com a obrigatoriedade de motociclistas acenderem os faróis das suas motos durante o dia. Outra questão seria a aplicabilidade em rodovias urbanas, pois estas possuem canteiro central dividindo as vias opostas, gerando confusão quanto a obrigatoriedade imposta por lei.
Palavras-chave: Lei 13.290/2016; Trânsito; Prevenção de acidentes; Motociclistas; Rodovias urbanas.
Abstract: This study aims to analyze the application of Law No. 13,290 / 2016 from its validity and the effects on the legal system. It is known that the rationale for the creation of this law is given for reasons of preventing accidents on highways. However some arguments arise in order to understand the real scope of this instrument, such as its compatibility with the requirement for motorcyclists kindle the lights of their bikes during the day. Another issue was the applicability in urban roads, because they have a median dividing the opposite way, creating confusion about the requirement imposed by law.
Keywords: Law 13,290 / 2016; Traffic; Accidents prevention; motorcyclists; urban highways.
Sumário: Introdução. 1. Motivação da Lei n 13.290/2016. 2.Quais os efeitos jurídicos para os casos já regulamentados. 3. 2Uso do Sistema Daytime Running Light DRL. 4. Para complementar a Lei n 13.290/2016. 5. Solução a caminho.
INTRODUÇÃO
Sabe-se que a Lei 13.290/2016 está em vigor desde 08 de Julho de 2016. A lei obriga todos os motoristas manterem os faróis acesos durante o dia enquanto trafegarem nas rodovias. O fundamento de diminuir os acidentes nas rodovias de todo país é a justificativa usada, bastante acolhida por grande parte dos motoristas,diga-se de passagem. Contudo a lei é arguida juridicamente por motoristas mais desconfiados.
Nesse sentido, o presente trabalho pretende motivar uma discussão mais acalorada sobre o tema; e para tanto, apresenta algumas questões que podem servir para o embasamento de modificações legislativas futuras.
Assim o que será analisado mais adiante é a motivação para a edição da nova lei, os efeitos jurídicos da lei em relação a casos já regulamentados, os casos de equipamentos luminosos semelhantes aos faróis, mas que não teve previsão no novel dispositivo. Por fim a aplicabilidade da norma em rodovias urbanas tendo em vista a lei não fazer qualquer distinção de rodovias rurais e urbanas; sendo assim, tais implicações não são de fácil discernimento dos motoristas.
1. Motivação da Lei nº 13.290/2016
Interessante relatar, que a obrigatoriedade do uso dos faróis acesos durante o dia teve origem nos países escandinavos, onde a luminosidade natural é precária. Todavia, com o passar dos anos muitos estudos concluíram que o farol aceso de dia era um importante dispositivo de segurança, mesmo sem levar em consideração as questões climáticas. Assim outros países como Estados Unidos, Canadá, e os que compõem o Mercosul adotaram a medida. Os estudos mostraram a redução considerável no número de acidentes de trânsito. Vários relatórios publicados nesses países indicaram uma redução de 21% nas estradas rurais. Assim, a Suécia mostrou uma baixa de 11% nas colisões; a Dinamarca e a Hungria registraram reduções de até 8% em colisões frontais e transversais; e no Canadá e Estados Unidos, foram constatados respectivamente 11% e 7% menos acidentes.
No Brasil, a lei nº 13.290 de 23 de maio de 2016 alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) nos artigos 40 e 250, inciso I, alínea b, para fazer valer o uso do farol baixo durante o dia nas rodovias de todo o país pelos veículos automotores.
Antes o motorista era obrigado a manter o farol aceso durante o dia apenas em algumas exceções:
[…] nos túneis providos de iluminação pública;
[…] nas rodovias sob chuva forte, neblina ou cerração;
Certo é que a Resolução nº 18 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) já alertava quanto à necessidade de se manter os faróis acesos durante o dia:
“Art. 1º. Recomendar às autoridades de trânsito com circunscrição sobre as vias terrestres, que por meio de campanhas educativas, motivem seus usuários a manter o farol baixo aceso durante o dia, nas rodovias.”
Ademais, o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) cita estudos que apontam como causa da maioria das colisões frontais a não percepção do outro veículo por parte do motorista, a tempo de reagir para evitar o acidente ou, ainda, pelo julgamento errado da distância e velocidade do veículo que trafega na direção contrária, em casos de ultrapassagem. Desse modo, a presença de luzes acesas reduz significativamente o número de colisões durante o dia, especialmente aquelas frontais, em que a visibilidade do veículo é um fator crítico.
Em 2007, o Deputado Otavio Leite propõe o PROJETO DE LEI N.º 561 de 2007, com a ideia inicial de que os motoristas devem trafegar de dia com os faróis baixos, ou uma luz para funcionamento diurno. Observa que a ação visa ampliar a segurança e os custos para tal equipamento obrigatório nos novos veículos que saírem da fábrica a partir da promulgação da lei.
Mais adiante, em 2009 surge um projeto de lei de autoria do Deputado Federal Capitão Assunção cuja justificativa seria:
“[…]com o uso de faróis baixos também durante o dia será possível dar mais segurança aos motoristas e pedestres e reduzir o número de acidentes de trânsito, uma vez que será possível aumentar o campo de visão com mais nitidez, favorecendo com isso, a noção de distância a que se está desse veículo.
Essa prática, inclusive, já foi adotada em diversos países e que têm dado muito certo, como é o caso da Suécia, cujo país apresentava elevadíssimos números de acidentes de trânsito e que depois da implementação de diversas medidas preventivas, como a do uso de farol baixo durante o dia, reduziu consideravelmente o índice de acidentes.”.
Noutro momento, já em 2013, o Deputado Federal Rubens Bueno implementa a ideia com o PL 5.070/2013, e justifica:
“São constantes os abalroamentos de veículos em rodovias. Um dos fatores que contribui para estes acidentes é a pouca visibilidade. Os designs modernos dos veículos e as novas cores utilizadas veem contribuindo para ofuscá-los no meio ambiente mesmo durante o dia.”
Verifica-se, então, que desde a resolução nº 18/1998 do CONTRAN vários projetos de lei tramitaram na tentativa de mudança no Código de Trânsito Brasileiro, no que dispõe sobre o uso do farol baixo durante o dia nas rodovias. Todo esforço sempre com a justificativa de diminuir acidentes nas estradas.
A partir da vigência da Lei nº 13.290/2016, algumas questões surgem para pôr à prova a eficiência da medida. Para tanto, passa-se agora a análise dos argumentos.
2. Quais os efeitos jurídicos para os casos já regulamentados?
Ora, o Capítulo III – Das Normas Gerais de Circulação e Conduta, no artigo 40, parágrafo único, dispõe:
“Os veículos de transporte coletivo regular de passageiros, quando circularem em faixas próprias a eles destinadas, e os ciclos motorizados deverão utilizar-se de farol de luz baixa durante o dia e a noite.”
Uma das justificativas para os ciclomotores serem obrigados a andar com faróis acesos era dar maior visibilidade em relação aos outros veículos. Ou seja, assumir uma posição de destaque nas pistas para facilitar a visualização. Com o advento da Lei nº 13.290/2016 mostrou-se suspeita a intenção do legislador em dar maior visibilidade a todos os veículos que trafegam nas estradas, pois o motociclista não assume distinção alguma em relação aos demais veículos.
Outra questão, e talvez a mais intrigante, é a sanção aplicada aos condutores de ciclomotores, a saber:
“Art. 244 – Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor: […]
– IV – com os faróis apagados.
– Infração – gravíssima.
– Penalidade – multa de R$ 191,54 e suspensão do direito de dirigir.
– Medida administrativa – Recolhimento da carteira de habilitação.”
Em contrapartida, para o disposto no artigo 250, inciso I, alínea b, a sanção é menos pesada:
“Quando o veículo estiver em movimento:
I – deixar de manter acesa a luz baixa: […]
b) de dia, nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias (Redação da alínea 'b' dada pela Lei n. 13.290/16);
Infração – média;
Penalidade – multa.”
Qual medida a ser adotada pelo aplicador da lei quando verificar a infração de farol apagado nas motocicletas, motonetas e ciclomotores?
Pode-se recorrer ao princípio da pena menos gravosa e para tanto aplica-se penalidade menor, conforme entendimento do Tribunal Regional Federal:
“ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. RESOLUÇÃO CONTRAN Nº 202/06. LEI nº 11.334/06 QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 218 DA LEI Nº 9.503/97. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO GERAL DE DIREITO DE RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. 1. Trata-se de apelação da sentença que denegou a segurança por não vislumbrar o direito líquido e certo alegado pelo impetrante, ao argumento de incidência da regra geral da irretroatividade da norma posterior (Lei nº 11.334/06), que deverá respeitar o ato jurídico da imposição da multa de trânsito, perfeito sob a égide da lei anterior (Lei nº 9.503/97). 2. À época dos fatos (31.05.2006) a Lei nº 11.334/06, que deu nova redação ao art. 218 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito), ainda não existia. Porém quando do lançamento ocorrido em 10.08.2006 já se encontrava em vigor a referida Lei nº 11.334/2006. 3. O CONTRAN expediu a Resolução de nº 202 de 25.08.2006 no sentido de que as alterações do art. 218 do Código de Trânsito se aplicam, apenas, aos Autos de Infrações lavrados a partir de 26.07.2006. 4. Como todo e qualquer princípio, o da irretroatividade da lei, previsto tanto no art. 5º, XXXVI da CF/88, quanto no art. 6º da LICC não tem caráter absoluto. 5. A própria CF/88, expressa em seu art. 5º, XL a retroatividade da lei benigna. 6. A legislação infraconstitucional igualmente prevê a possibilidade de retroação para beneficiar. É o caso do art. 106 do CTN que elenca as possibilidades de aplicação da lei ao fato pretérito. 7. A despeito da Resolução do CONTRAN, a necessária ponderação sobre a aplicação dos princípios em comento, infere-se que o melhor direito está na aplicação retroativa da lei mais benéfica, privilegiando-se, assim, o princípio geral de direito de retroatividade da lei mais benéfica. 8. Reforma da sentença para conceder a segurança no sentido de determinar a aplicação retroativa da Lei nº 11.334/06, às Notificações de Atuação de nºs 6142278 e 6142279 aplicadas ao impetrante. 9. Apelação provida”. (AC 200881000113950, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data: 22/07/2010 – Página 378).
A contrário senso, a lei mais apropriada é a nova legislação. Todavia ela seria mais adequada a subsunção no julgamento do fato, aplicando a sanção mais branda em consentâneo com o que dispõe o princípio geral da lei mais benéfica.
3. Uso do Sistema Daytime Running Light (DRL)
Outro questionamento que surgiu quando a lei foi sancionada é quanto ao uso do farol de rodagem diurna, dispositivo já existente em alguns carros de fabricação europeia. O legislador falou em faróis baixos e nada complementou quanto a dispositivos assemelhados. Houve, contudo, discussão quanto à possibilidade de se manterem acesos somente os LED’s/DRL ou os faróis de milhas.
Mas a resolução 227/2009 estabelece requisitos referentes aos sistemas de iluminação e sinalização de veículos, sendo que no artigo 1º elenca dentre os dispositivos de iluminação o farol de rodagem diurna, que seria o DRL.
Com efeito, o Ofício-Circular nº 7/2016/SEI/CGIJF/DENATRAN/SE de 06 de julho de 2016, trouxe o entendimento de que o DRL é voltado para a dianteira do veículo a fim de torná-lo mais facilmente visível quando em circulação durante o período do dia. Assim, "seu objetivo é exatamente a intenção da Lei nº 13.290/16", conforme o despacho nº 476/2016 exarado pela Coordenação Geral de Infraestrutura de Trânsito (CGIT).
4 Para complementar a Lei nº 13.290/2016
Devido essas perspectivas no trânsito, várias montadoras já introduziram sistemas de luminosidade de acendimento automático, como é o caso dos DRL’s.
Para tanto, o que se sugere a partir desse entendimento é que o CONTRAN publique resolução que obrigue automóveis novos a saírem de fábrica com sistema de iluminação compatível com as exigências da nova lei, fazendo valer a justificativa e o alcance de maior resultado na diminuição de acidentes nas estradas. Para que não seja simples meio de arrecadação do Estado como tem ocorrido com algumas inovações no Código de Trânsito Brasileiro.
Primeiro se discute a aplicação nas rodovias que passam em áreas urbanas?
5. Quais os resultados alcançados em rodovias urbanas já estas muitas possuem canteiros centrais dividindo as pistas?
De acordo com o CTB rodovia é via rural pavimentada, contudo de forma genérica rodovia situa-se tanto em vias urbanas quanto rurais.
Numa classificação estabelecida pelo Glossário de Termos Técnicos Rodoviários/DNER – edição de 1997, Rodovias urbanas são os trechos de rodovias localizados dentro do perímetro urbano das cidades ou municípios. Enquanto rodovias rurais são os trechos de rodovias que conectam áreas urbana e industrial, pontos de geração e atração de tráfego e pontos significativos dos segmentos modais, atravessando área rural. Contudo, tais implicações não são de fácil conhecimento pelos motoristas, para tanto são necessárias sinalizações que supram essas deficiências conceituais.
Muitas rodovias brasileiras possuem faixa de divisão de pistas opostas, criando certo risco de colisões frontais em ultrapassagens. Nesse caso, a intenção da lei é plausível quando determina os faróis acesos durante o dia. Isso ocorre, principalmente, nas estradas rurais. Contudo, a maioria das rodovias urbanas possuem canteiros centrais que dividem as pistas impedindo que veículos em posições opostas se cruzem nas rodovias. É o caso da DF-003 EPIA- Estrada Parque de Indústria e Abastecimento no Distrito Federal, como melhor exemplo. Mesmo caso ocorre na DF-004 EPNA – Estrada Parque das Nações e muitas outras.
Nesse caso fica a dúvida quanto a eficiência da aplicabilidade da lei, pois a falta de uma sinalização precisa e exata a alertar o condutor causa confusão aos motoristas brasileiros quanto a obrigatoriedade do uso dos faróis acesos,
5.1 Solução a caminho
Hoje já existe projeto que visa a mudanças do CTB, alteradas mais uma vez nos dispositivos da Lei nº 13.290/2016. O Projeto de Lei nº 5.608, de 2016, de autoria do Deputado Federal Laerte Bessa, prevê a seguinte redação:
“Art. 1º O inciso I do artigo 40, da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, passa a viger com a seguinte redação: “Art. 40….
I – o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa, durante a noite e durante o dia nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias não localizadas em área urbana ou de expansão urbana” (NR)
Art. 2º A alínea “b” do inciso I do artigo 250, da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 250…
I – .. b) de dia, nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias não localizadas em área urbana ou de expansão urbana” (NR)
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
O autor do projeto salienta que muitos Estados e o Distrito Federal possuem rodovias federais, estaduais e municipais nos centros urbanos que exigiriam não só o uso de farol baixo como também necessitariam de outras indicações que orientassem com exatidão os condutores de veículos a dirigir Brasil afora com tranquilidade e segurança.
Afirma que o foco principal da lei está em acender a luz do carro em viagens interestaduais ou entre cidades ligadas por rodovias e não dentro de centros urbanos. Por conseguinte, justifica-se a alteração da lei para melhor atender à sociedade brasileira.
CONCLUSÃO
O presente trabalho, sem exaurir a discussão sobre o tema, buscou analisar as questões jurídicas levantadas a partir da edição da lei nº 13.290/2016, que altera o Código de Trânsito Brasileiro nos artigos 40 e 250, inciso I, b. Muitas argumentações surgem diante da obrigatoriedade de se manter os faróis dos carros acesos durante o dia nas rodovias. Desse modo, a primeira questão levantada foi quanto à motivação, justificativa da lei, e nesse ponto a prevenção de acidentes nas estradas. É salutar a preocupação do legislador; porém, o que gera dúvidas é aplicar tal norma em rodovias urbanas não sinalizadas devidamente, porém separadas por canteiros centrais e, neste caso, talvez a justificativa não seria plausível.
Outra situação é a obrigatoriedade de motocicletas transitarem com faróis ligados durante o dia, o que torna sem efeito o destaque desses veículos entre os outros. Na questão da penalidade fica a dúvida quanto à sanção a ser aplicada ao motociclista quando não acende os faróis: a do artigo 244 ou a do artigo 250, I, b. Como melhor juízo deve prevalecer o princípio geral da lei mais benéfica, conforme entendimento de alguns tribunais.
Por fim, a lei que obriga o uso de faróis acesos durante o dia é silente quanto ao uso de outros dispositivos luminosos. No caso, por exemplo, do DRL/LED’s, o DENATRAN entendeu que o dispositivo.
Conforme sugerido no Projeto de Lei n.º 561, em 2007, de autoria do Deputado Federal Otavio Leite, o CONTRAN deve se manifestar por meio de Resolução regulamentando a obrigatoriedade de todos os veículos saírem de fábrica com sistema de iluminação de acendimento automático, como já ocorre com outros veículos, e assim efetivar a justificativa primordial da lei que é a prevenção de acidentes.
Informações Sobre o Autor
Tony de Sousa Marçal
Pós-graduado em Direito Público. Bacharel em Ciências Policiais