A limitação da taxa de juros do cartão de crédito e do cheque especial e a capacidade normativa de conjuntura do Conselho Monetário Nacional

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Luiz Felipe Horowitz Lopes*

Resumo: A ordem constitucional, em situação de normalidade, não admite como política pública regular o controle prévio de preços e, por conseguinte, a limitação da taxa dos juros em qualquer modalidade de crédito. Contudo, como forma de disciplina do mercado, mister reconhecer como legítima a regulação dos preços quando excepcional, temporária, razoável e capaz de propiciar o retorno dos custos, o lucro mínimo e os reinvestimentos necessários. Desse modo, constitucional a limitação da taxa de juros no cheque especial cobrada de pessoas físicas e microempreendedores promovida pela Resolução CMN 4.765, de 2019, pois assegura a proteção à dignidade do consumidor e a função social do cheque especial. A cobrança desproporcional de juros em modalidades de crédito poderia ser melhor solucionada no âmbito da chamada capacidade normativa de conjuntura do CMN, mormente em virtude da eficiência, da menor onerosidade e da capacidade institucional, e desde que asseguradas a racionalidade das escolhas regulatórias, a abertura aos diversos interesses envolvidos e o estabelecimento de uma permanente interlocução entre eles, a transparência e a clareza na articulação com os atores regulados, com ampla publicidade e divulgação.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Estado Regulador. Sistema Financeiro Nacional. Controle de Preços. Contratos Bancários. Taxa de Juros.

 

The limitation of the interest rate on credit cards and overdrafts and the regulatory capacity of the National Monetary Council

Abstract: The constitutional order, in a normal situation, does not accept as a public policy to regulate the previous price control and, consequently, the limitation of the interest rate in any type of credit. However, as a form of market discipline, price regulation must be recognized as legitimate when exceptional, temporary, reasonable and capable of providing cost return, minimum profit and necessary reinvestments. Thus, the limitation of the interest rate on overdrafts charged to individuals and microentrepeneurs promoted by Resolution NMC 4.765, 2019, is constitucional, as it ensures the protection of consumer dignity and the social function of overdraft. The disproportionate collection of interest on credit modalities could be better resolved within the scope of the so-called normative capacity of the NMC, mainly due to efficiency, lower cost and institutional capacity, and provided that the rationality of regulatory choices is guaranteed, the opening the various interests involved and the establishment of a permanent dialogue between them, transparency and clarity in the articulation with the regulated actors, with wide publicity and dissemination.

Keywords: Administrative Law. Regulatory State. National Financial System. Price control. Banking Contracts. Interest rate.

 

Sumário: Introdução. 1. A intervenção estatal sobre a atividade econômica e o controle de preços. 2. Os aspectos constitucionais do controle de preços. 3. O controle de preços pelos tribunais superiores e na Lei da Liberdade Econômica. 4. O controle de preços e a limitação da taxa dos juros do cheque especial de pessoas físicas e de microempreendedores individuais pelo Conselho Monetário Nacional. 5. Proposições legislativas em situações de crise e a capacidade normativa de conjuntura do Conselho Monetário Nacional. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Bauman, ao analisar a cultura pós-moderna, identifica a escolha como atributo inerente ao consumidor e a natureza da comunidade como a liberdade de escolhas. A realização da escolha, porém, dará ensejo ao seu próprio aniquilamento, ao passo que a liberdade de escolhas sempre residirá na multiplicidade das possibilidades. Assim, “o ímpeto de consumo, exatamente como impulso de liberdade, torna a própria satisfação impossível” (BAUMAN, 1998, p. 175), residindo aí a perpétua insatisfação do desejo de mais ampla escolha dos consumidores.

Os “consumidores falhos”, isto é, aqueles cujos meios (limitados) não estão à altura dos desejos (ilimitados) passam a ser a “encarnação dos ‘demônios interiores’ peculiares à vida do consumidor” (BAUMAN, 1998, p. 57), sendo definidos como os estranhos merecedores de aniquilação numa sociedade de consumo. Impõe-se, assim, uma “vida a crédito” como salvação, inevitavelmente transformando o consumidor em um devedor para que tenha o acesso desmedido a bens e serviços e, por conseguinte, para a permanência funcional na sociedade (isto é, para o consumo). Tal circunstância, obviamente, acaba por agravar a fragilidade da condição financeira do consumidor.

A propósito, o Banco Central do Brasil (BCB), ao analisar os indicadores de endividamento de risco e o perfil do tomador de crédito[1], constatou que, em dezembro de 2019, cerca de 80% dos tomadores de risco se encontram nas faixas intermediárias de renda, de R$1 mil a R$10 mil, sugerindo que a propensão ao endividamento insustentável seja um fenômeno de renda média, isto é, de pessoas com alguma capacidade de consumo (ainda que em menor escala). O BCB também identificou, em junho de 2020, que o saldo do crédito livre a pessoas físicas totalizou R$1,1 trilhão, elevações de 0,6% no mês e de 8,9% em doze meses, sobressaindo o cartão de crédito e o empréstimo consignado[2], o que revela não só a ampliação do crédito, mas também a reverberação sistêmica do problema.

Nesse cenário, muito se discute sobre a limitação da taxa dos juros exigidos em modalidades populares de crédito, instrumentos responsáveis, em grande medida, pelo endividamento desproporcional da classe baixa e média. O presente trabalho, assim, busca examinar a legitimidade jurídico-constitucional da intervenção estatal na limitação da taxa de juros no cheque especial e no cartão de crédito, em especial da Resolução CMN 4.765, de 27 de novembro de 2019, e do Projeto de Lei (PL) 1.160, de 2020.

Em um primeiro momento, serão apresentados os aspectos gerais relativos ao controle estatal de preços, apontando-se a essencialidade do preço (no caso, dos juros) à racionalidade e ao funcionamento hígido do mercado (no caso, do mercado financeiro) e a necessidade de uma postura cautelosa por parte do regulador, sobretudo em face das experiências ocorridas em período de hiperinflação.

No tópico seguinte, examinar-se-á a constitucionalidade do controle estatal de preços. Pretende-se demonstrar que, além da necessidade de atender aos fundamentos, aos objetivos e aos princípios da ordem constitucional econômica (art. 170 da CRFB) e de observar o postulado da proporcionalidade, a regulação estatal dos preços deve ser excepcional, temporária, razoável e propiciar o retorno dos custos, o lucro mínimo e os reinvestimentos necessários para assegurar a manutenção do produto ou serviço.

Em seguida, passa-se ao exame do tratamento do tema dado pelos tribunais superiores em casos paradigmáticos e da exegese positivada pelo legislador na chamada Lei de Liberdade Econômica, confirmando-se o entendimento no sentido de que, adotado um mecanismo disciplinador do mercado (e não diretivo), o controle prévio de preços deve ser adotado de maneira excepcional. Constata-se, posteriormente, que a jurisprudência não trouxe qualquer tese jurídica acerca da constitucionalidade da limitação da taxa de juros sob a perspectiva material, simplesmente afastando a incidência da Lei da Usura e dos arts. 591 e 406 do Código Civil nos empréstimos oferecidos pelas instituições financeiras por força da necessidade de aprovação de lei complementar sobre o tema, nos termos do art. 192 da CRFB.

A despeito disso, aponta-se como mais acertada a postura intermediária quanto ao controle de preços, impondo-se a verificação da excepcionalidade, da temporalidade e da proporcionalidade da fixação das taxas máximas nos cartões de crédito e no cheque especial, especialmente diante da regra geral de liberdade de preços em atividades do setor financeiro. Defende-se, destarte, a legitimidade da Resolução CMN 4.765, de 2019, a qual encontraria amparo constitucional, em última instância, na dignidade da pessoa humana, na função social do contrato e na proteção ao consumidor, conforme os arts. 1°, inciso III, e 170, incisos III e V, da Carta Maior.

Ao revés, reputa-se como desaconselhável a aprovação de um diploma legal acerca do tema, por ser estático e abstrato em sua natureza, muitas vezes incapaz de trazer em seu bojo todas as peculiaridades presentes na concessão de crédito e necessárias para a limitação da taxa de juros. Propugna-se que o problema relativo à exorbitância dos juros cobrados no cheque especial e no cartão de crédito seriam melhor solucionados no âmbito da chamada capacidade normativa de conjuntura do Conselho Monetário Nacional (CMN), nos termos do 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, seja em razão da eficiência de resposta e da menor onerosidade, seja em razão da melhor posição técnica sob o ponto de vista institucional. Contudo, a tese defendida no trabalho não implicará em decréscimo da legitimidade democrática da escolha regulatória, desde que asseguradas a racionalidade das escolhas regulatórias, a abertura aos diversos interesses envolvidos e o estabelecimento de uma permanente interlocução entre eles, a transparência e a clareza na articulação com os atores regulados, com ampla publicidade e divulgação.

 

  1. A intervenção estatal sobre a atividade econômica e o controle de preços

O preço serve como mecanismo de transmissão de informação que permite, ainda que de forma imperfeita, a apreciação da realidade por parte dos agentes econômicos, a fim de conduzir seu comportamento racionalmente (HAYEK, 1945, p. 519-530). Nesse sentido, o sistema de preços não só tornaria possível uma divisão do trabalho, mas também uma utilização coordenada dos recursos com base em um conhecimento igualmente dividido. Assim, por ser o preço elemento essencial à racionalidade e ao funcionamento hígido do mercado, a sua regulação deve ser tomada com muita prudência e cautela, segundo critérios econômicos isentos, objetivos e claros, levando em conta os custos e os benefícios prováveis, além de seus efeitos colaterais, havendo sempre o risco de populismo regulatório, consistente em medidas que atendem ao clamor popular imediato, mas produzem consequências desastrosas em médio e longo prazos (BINENBOJM, 2017, p. 190-192).

Eros Roberto Grau (1979, p. 139-176), de maneira analítica, traça um quadro geral da utilização de instrumentos de Direito Econômico na tarefa de ordenação jurídica dos preços. Assim, tais mecanismos podem visar a tutela do consumo, a tutela do investimento ou a tutela da poupança conforme o caso, desempenhando a Administração funções de arbitragem entre valores que se colocam em oposição nos mercados e funções de integração entre setores e regiões, mediante técnicas de absorção, de participação, de direção e de indução. Para o insigne jurista, o tabelamento de preços, ao fixar preços máximos aos produtos e serviços, volta-se à tutela do consumo, atuando o Poder Público como árbitro entre o produtor/fornecedor, intermediário e consumidor, mediante técnicas de direção. Por outro lado, o sistema de acompanhamento e limitação de preços, que não se confunde com o tabelamento, nada mais é do que a mera regulação, em coerência com uma política econômica, de modo a compatibilizar as variações dos custos e a evolução dos preços, tutelando-se, assim, o consumo e/ou o investimento, também mediante técnicas de direção.

Outrossim, há a possibilidade de concessão de subsídios de preços mínimos ao produtor como forma de tutela ao investimento, a exemplo da Política de Garantia de Preços Mínimos no setor rural[3], e de subsídios de preços mínimos ao mercado como forma de proteção ao investimento e ao consumo, ao facilitar a aquisição de insumos e possibilitar a concessão de preços acessíveis à população. O controle de preços, segundo Eros Grau (1979, p. 144), também pode ocorrer por meio de incentivos setoriais, aquisição de excedentes, proibição de plantio, comercialização pública, oneração tributária, definição de condições para a aquisição de determinados bens e serviços, entre outros.

Ainda quanto às técnicas de controle de preço, a regulação de preço mínimo (price floor) revela-se pertinente quando se pretende inibir a concorrência predatória, ao passo que a fixação de preço máximo (price cap) tem por objetivo afastar lucros abusivos decorrentes de posições dominantes, administrar monopólios naturais (a exemplo das patentes de medicamentos) e permitir o acesso da população de baixa a bens e serviços essenciais. Há ainda a possibilidade de se estabelecer preço que permita uma taxa de retorno adequado (rate of return), garantindo ainda o suficiente para novos investimentos na modalidade de subsídio cruzado que assegure a universalização do serviço, tal como se verifica na fixação de valor modal de passagem em transporte urbano, que permite maior oferta em áreas deficitárias (BINENBOJM, 2017, p. 190).

Apesar das repercussões no âmbito da política monetária (a taxa de juros possui alguma relação com a oferta e a procura de moeda) e das discussões éticas acerca da sua cobrança (JANTALIA, 2011), as taxas de juros – ao menos sob o ponto de vista das partes contratantes – podem ser sintetizadas como um preço a ser pago pelo tomador do empréstimo em virtude da disponibilização atual de determinado valor. É o preço do crédito e da liquidez. Por consequência, fazendo parte do gênero “controle de preços”, a instituição de taxas de máximas de juros aos serviços de empréstimos em cartões de crédito e em cheque especial (price cap), evidentemente, não se confunde com o tabelamento de preços, já que permite a variação dos preços desde que em valor inferior ao teto estipulado. Vê-se, portanto, que a medida em questão faz parte de um sistema de acompanhamento e limitação de preços do mercado creditício, com vistas à proteção ao consumidor.

Conquanto a contemporaneidade das discussões, o controle estatal de preços não é um fenômeno recente na história[4] e no Brasil. No período de transição para a redemocratização do Brasil, um dos principais elementos do Plano Cruzado para o combate à hiperinflação foi o congelamento (tabelamento oficial) de todos os preços (ressalvados os preços a prazo) nos níveis do dia 27 de fevereiro de 1986, nos termos do art. 35 e seguintes do Decreto-Lei 2.284, de 10 de março de 1986[5], conferindo-se à Secretaria Especial de Abastecimento e Preços, ao Conselho Interministerial de Preços, à Superintendência Nacional de Abastecimento e a outras entidades dotadas de poder de polícia administrativa e polícia judiciária[6] o “dever-poder” de vigilância sobre a estabilidade de todos os preços. De forma similar, o Plano Bresser, introduzido pelo Decreto-Lei 2.335, de 12 de junho de 1987[7]; o Plano Verão, previsto na Lei 7.730, de 31 de janeiro de 1989[8]; o Plano Collor I, instituído pela MP 154, de 15 de março de 1990, convertida na Lei 8.030, de 12 de abril de 1990[9]; e o Plano Collor II, instituído pela MP 295, de 31 de janeiro de 1991, convertida na Lei 8.178, de 1º de março de 1991[10], também impuseram o congelamento de preços como ferramenta para o enfrentamento da hiperinflação. Gustavo Franco (2018, p. 506), economista e ex-presidente do BCB, sublinha o fim trágico e decepcionante dos mencionados planos econômicos, em virtude da centralidade do congelamento de preços, o que ampliou a inflação do período, tal como ocorre com a compressão temporária de uma mola que, quando liberada, devolve com sobras a pressão artificiosa a que esteve submetida.

Não obstante o abandono das práticas generalizadas de controle de preços do passado brasileiro de hiperinflação, comumente defende-se caber ao Estado a determinação de preços a setores específicos ou mesmo tabelamentos gerais, sob o argumento de se estar a proteger o consumidor e outros interesses caros à sociedade, verificando-se grande apoio popular às medidas dessa estirpe. Contudo, como adverte Gustavo Binenbojm, “arbitrar preços não é tarefa trivial, traz consequências sérias e a experiência prática mostra que a interferência estatal nos mecanismos econômicos de formação de preços não gera bons resultados, na maioria dos casos” (BINENBOJM, 2017, p. 190).

 

  1. Os aspectos constitucionais do controle de preços

Na vigência da Constituição de 1946, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, em parecer, manifestou-se de maneira favorável ao tabelamento de preços, possuindo o Direito Administrativo elementos jurídicos para tabelar e deter a alta dos preços de itens de primeira necessidade, por intermédio da ação das Comissões de Preços, “em defesa da segurança interna e da ordem social contra os abusos e as aventuras contra a ganância e da falta de escrúpulo” (SOBRINHO, 1951, p. 340). Nesse ponto, Sobrinho argumenta (1) não ser o direito de comércio ilimitado; (2) o limite e o conteúdo da liberdade de comércio já estarem disciplinados na tradição constitucional; (3) ser crime contra a economia popular a promoção da alta ou baixa de preços de itens de primeira necessidade; (4) prevalecer, face às competências exclusivas e à esfera jurisdicional, a atividade normativa de controle do movimento do comércio ilícito (SOBRINHO, 1951, p. 339-340).

Nos primeiros anos da Constituição Federal de 1988, Fábio Konder Comparato (1991, p. 19) também posicionou-se no sentido de que o controle de preços, seja pelo estabelecimento de preços mínimos, seja pela fixação de preços máximos, não evidencia, ao menos em tese, vício material de inconstitucionalidade, desde que observada a legalidade, a igualdade e a proporcionalidade. Para o jurista, o estabelecimento de valores mínimos aos preços objetiva a tutela do produtor, estimulando a atividade econômica em épocas recessivas, ao passo que a fixação de quantias máximas protege o consumidor contra surtos inflacionários.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1996, p. 135-144), em contrapartida, considerou o controle de preço como prática nefasta, ressaltando que quaisquer justificativas para referido mecanismo de intervenção estatal serão fundadas, de maneira implícita ou explícita, em critérios emocionais e arbitrários, despidos de validações empíricas satisfatórias para convencer agentes econômicos acostumados a atuar num universo altamente competitivo. O ilustre jurista, de forma cristalina, repudia o controle de preços, reconhecendo a inexistência de fundamento constitucional consciente à intervenção extrema do tabelamento de preços. Em verdade, o que a Constituição autoriza é a intervenção em caráter sancionatório no âmbito da legislação antitruste, e não regulatório, como forma de coibir o aumento arbitrário dos lucros, casuisticamente. Assim, o que se permite é o monitoramento de preços por parte do setor público, atividade distinta e indispensável para detectar quando a elevação de preços no mercado possa indicar um aumento arbitrário de lucros e problemas na concorrência.

Celso Ribeiro Bastos (2000, p. 228-229), constatando certa hesitação judicial em examinar a legitimidade do tabelamento de preços, adjetiva tal medida como drástica, tendo em vista os princípios ordenadores da economia na Constituição de 1988. Assim, o tabelamento de preços ocorre somente em tipos de economia centralizada, com planos inflexíveis, os quais não observam os elementos do livre mercado. Celso Antônio Bandeira de Mello também defendeu a não recepção do tabelamento de preços da Lei Delegada 4, de 1962 (hoje revogada pela Lei da Liberdade Econômica), e suas alterações subsequentes, pois, se o próprio planejamento econômico só pode ser indicativo para o setor privado, e se ela mesma estabelece o princípio da livre iniciativa, “não se pode admitir que antecipadamente pretenda submeter os agentes econômicos a uma camisa-de-força, tanto mais porque, para os abusos que cometam, ela mesma prevê ‘repressão’ (e não disciplina prévia de preços)” (MELLO, 2006, p. 776), conforme art. 173, § 4º, da CRFB.

No concernente ao controle de preços exercido no Plano Verão, Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1989, p. 76-89), após sublinhar a evidente exclusão da rigidez do dirigismo econômico pela Constituição de 1988, vê como inadmissível a fixação a priori de preços, presente na vigência de diplomas normativos anteriores, devendo o congelamento e o tabelamento serem vistos como instrumentos de defesa da concorrência e do consumidor. Assim, o jurista entende que o congelamento de preços consiste em excepcional medida de intervenção estatal, fundada no art. 170, IV e V, da Carta Maior, “que visa adequar o sistema da ordem econômica (cujos fundamentos estão na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano) aos princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor, quando ocorram desvios graves de funcionamento” (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 81), tal como a hiperinflação do período. Na atual ordem constitucional, a medida deve possuir caráter transitório e compulsório, de modo a “propiciar uma transparência do mercado para o próprio mercado, estimular ajustes entre seus próprios agentes, cuja participação não pode excluir, sendo acompanhada de instrumentos de fiscalização nos termos em que a Constituição entende essa função” (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 81). De acordo com Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a indeterminação temporal do congelamento de preços e as competências conferidas ao Ministro da Fazenda denotam a duvidosa constitucionalidade da Lei 7.730, de 1989, uma vez que “geram, de um lado, uma insuportável incerteza e segurança no comportamento dos agentes econômicos, de outro, criam uma discricionariedade sem parâmetros, posto que cabe ao Ministro o juízo total de oportunidade” (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 81).

Nesse sentido, Luís Roberto Barroso (2001, p. 187-212), em primoroso artigo, afirmou que, em situação de normalidade, independentemente dos fundamentos teoricamente admissíveis para a intervenção disciplinadora, o controle prévio ou a fixação de preços privados pelo Estado configura inconstitucionalidade material patente. Para ele, a Constituição de 1988 não admite como política pública regular o controle prévio de preços. Dessa forma, além da necessidade de atender aos fundamentos, aos objetivos e aos princípios da ordem econômica, previstos no art. 170 da Constituição, e de observar o postulado da proporcionalidade, a regulação dos preços deve ser excepcional, temporária, razoável e propiciar o retorno dos custos (evitando o confisco), o lucro mínimo (para tornar a atividade minimamente atrativa) e os reinvestimentos necessários (para assegurar a manutenção do produto ou serviço).

 

  1. O controle de preços pelos tribunais superiores e na Lei da Liberdade Econômica

Em relação à regulação de preços máximos, o STF, na ADI 319-DF, decidiu ser possível regular, por via legislativa, a politica de preços de bens e de serviços de reajuste de mensalidades escolares, para conciliar a livre iniciativa e a livre concorrência com a defesa do consumidor e a redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social. Nas ADIs 5956, 5959 e 5964, todas sob a relatoria do Min. Luiz Fux, buscou-se questionar judicialmente a fixação de preços mínimos para o frete do transporte rodoviário, pleiteando-se a declaração da inconstitucionalidade da MP 832, de 2018, convertida na Lei 13.703, de 2018, e, por arrastamento, a inconstitucionalidade da Resolução ANTT 5.820, de 2018. Tendo em vista diversas decisões judiciais[11] no sentido de afastar a aplicação da MP 832, de 2018, e da Resolução ANTT 5.820, de 2018, deferiu-se a suspensão do andamento de todos os processos que apresentassem relação com a discussão acerca da (in)constitucionalidade do estabelecimento de preços mínimos vinculantes para o frete, restabelecendo-se o poder punitivo da agência reguladora relativo ao controle de preços, a fim de buscar solução amigável no caso. Em sede liminar na ADI 2435-RJ, a Min. Ellen Gracie, apontando a competência concorrente para legislar sobre direito econômico, indeferiu pedido de suspensão de lei estadual que determinava a concessão de descontos em medicamentos a idosos, reconhecendo a constitucionalidade da intervenção estatal no controle de preços.

Todavia, nos últimos anos, é possível constatar uma tendência da Corte Constitucional em reconhecer a inconstitucionalidade na fixação de preços de maneira irrestrita, mormente quando estipulados em valor insuficiente para suprir os custos de produção de determinado setor, inclusive apontando a presença dos elementos para a responsabilização da Administração Pública nesses casos. No RE 422.941 (Rel. Min. Carlos Velloso, j. 5-12-2005, 2ª T, DJ de 24-3-2006) e no AI 754.769 AgR (Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 18-9-2012, 2ª T, DJE de 4-10-2012), ficou claro o entendimento de que a fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor configura empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa, o que autoriza a obrigação de indenizar as entidades do setor sucroalcooleiro na forma do art. 37, § 6º, da CRFB[12]. O STJ, inclusive, decidiu no mesmo sentido em sede de recurso repetitivo, reconhecendo a responsabilidade da União se comprovado o descompasso entre os prejuízos decorrentes da fixação de preços pelo governo federal para o setor sucroalcooleiro e os custos de produção (REsp 1.347.136/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, DJe 07-03-2014).

No RE 571.969 (Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 12-3-2014, Pleno, DJE de 17-9-2014), relativo ao congelamento de tarifas cobradas por concessionárias de serviço de transporte aéreo implementado por planos de combate à inflação (caso Varig), decidiu no sentido da responsabilidade da União. Embora não tenha definido a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das referidas medidas econômicas, o STF reiterou não ser legítimo sujeitar agentes econômicos a específicas condições com ônus insuportáveis e desigualados dos demais, decorrentes de políticas adotadas, sem atrair contrapartida indenizatória como forma de minimizar os prejuízos sofridos.

Na ADI 4862-PR, o Ministro Luís Roberto Barroso, ao analisar lei estadual que regulava a cobrança pelos serviços de guarda de veículos em estacionamentos particulares, ultrapassou as questões relativas ao vício formal orgânico (competência da União para legislar sobre direito civil), obtemperando, entretanto, ter dúvidas quanto ao aspecto material do diploma legal. Disse o Ministro que, “como regra geral, a intervenção do Estado na fixação de preços exclusivamente privados é uma categoria por si suspeita dentro de um regime de livre iniciativa”. Somente por exceção, em alguns segmentos, pode-se, com razoabilidade, admitir essa interferência, não sendo o serviço de guarda de veículos uma dessas áreas em que a intervenção do Estado na fixação de preços se legitimasse.

No RE 1.054.110-SP (Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, DJe-194 06/09/2019), o STF definiu a inconstitucionalidade da proibição ou das restrições à atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. No julgamento, pontuou-se a ineficiência do sistema de autorização a que estão submetidos os táxis, sobretudo pela existência de um controle de preço e a cobrança de um preço único por todos os agentes econômicos, o que não ocorre nos transportes por aplicativos. Logo, reconheceu como inconstitucionais iniciativas legislativas de entes federativos que, em dissonância com a legislação federal e com vistas à preservação do status quo, buscavam criar barreiras de entrada e controle de preços.

Em acréscimo, o art. 3°, III e § 3º , da Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019[13] (Lei da Liberdade Econômica), promoveu a positivação infraconstitucional da liberdade de precificação como regra, ressalvando os serviços públicos e as atividades econômicas em sentido estrito reguladas. Conforme salienta Yasser Gabriel (2020, p. 290-295), o dispositivo em tela acabou por aumentar o ônus argumentativo nas situações em que houver intervenção estatal em oposição à livre estipulação de preços, exigindo a apresentação de argumentos técnicos e jurídicos mais robustos.

Para Ruy Pereira Camilo Júnior (2019, p. 111-124), a Lei da Liberdade Econômica assegura a liberdade de preços aos tomadores (price-takers), e não àqueles que, por seu poder de mercado, são capazes de impor sua vontade. E, por ser derivado da livre iniciativa, o art. 3°, III, não se limita à fixação de um valor pecuniário, abrangendo também (1) a eleição de um critério objetivo para a determinação do valor; (2) o estabelecimento de contrapartida economicamente avaliável (permuta ou dação em pagamento); e (3) todos os elementos que tenham impacto na equação econômica (parcelamento, prazos, condições, entre outros). Da mesma forma, a ressalva relativa aos mercados regulados, isto é, aos mercados que possuem uma matriz regulatória específica, a exemplo da atividade financeira, deve ser interpretada restritivamente, impondo-se a liberdade de precificação como regra geral. Inclusive, conforme será exposto a seguir, a imperfeição concorrencial e a elasticidade-preço da demanda justificaram a aprovação da Resolução CMN 4.765, de 2019, em proteção aos consumidores (price-takers) no cheque especial.

 

  1. O controle de preços e a limitação da taxa dos juros do cheque especial de pessoas físicas e de microempreendedores individuais pelo Conselho Monetário Nacional

Ao tratarem do controle de preços, Tércio Sampaio (1989, p. 83) e Barroso (2001, p. 203) salientaram que o dirigismo econômico, característico de ordenamentos coletivistas em que se adota a planificação centralizada e cogente pelo Estado, não se confunde com a disciplina do mercado, presente em ordenamentos em que prepondera a livre iniciativa e a importância da preservação da concorrência como mecanismo eficaz para a produção de riquezas. O controle prévio de preços é um típico instrumento do dirigismo, este abandonado integralmente pela ordem constitucional vigente, de modo que a sua instituição como regra geral é inconstitucional, mesmo diante das limitações à liberdade de contratar em prol de outros valores constitucionais, a exemplo da concorrência, da valorização do trabalho humano e dos princípios da ordem econômica. Vê-se, portanto, que o controle prévio de preços será legítimo tão somente como medida excepcional em situações de anormalidade, devendo estar limitado no tempo e observar a razoabilidade, não podendo em nenhuma hipótese impor preço inferior aos custos de produção, acrescido de lucros mínimos capazes de assegurar o reinvestimento e a lucratividade (BARROSO, 2001, p. 209).

Em relação à limitação da taxa de juros, não se verifica um posicionamento claro das Cortes Superiores sobre o aspecto constitucional-material da liberdade de precificação. Antes da Emenda Constitucional (EC) 40, de 29 de maio de 2003, dispunha o art. 192, § 3°, da CRFB que “[a]s taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano”. Porém, firmou-se no STF o entendimento de que referido dispositivo consiste em norma constitucional não autoaplicável, dependendo da elaboração de lei complementar para ter eficácia (ADI 4, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 07/03/1991, DJ 25/06/1993). Posteriormente, o Pretório Excelso chegou a aprovar, no dia 11 de junho de 2008, a Súmula Vinculante 7, esclarecendo que “[a] norma do §3° do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional n. 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”.

Em razão da solução constitucional-formal, o STJ, em sede de recurso repetitivo, concluiu pelo afastamento das instituições financeiras da limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626, de 1933) e pela inaplicabilidade dos arts. 591 e 406 do Código Civil aos mútuos bancários, de sorte que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indicaria abusividade da cláusula, devendo ser analisada com base nos elementos concretos do próprio contrato estabelecido com o consumidor (REsp 1.061.530-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Em que pese as justificativas se aterem ao aspecto formal-constitucional, vislumbra-se como mais acertada a postura intermediária quanto ao controle de preços, tal como defendem Tércio Sampaio e Luís Roberto Barroso, o que impõe a verificação da excepcionalidade, da temporalidade e da proporcionalidade da fixação das taxas máximas nos cartões de crédito e no cheque especial, especialmente diante da regra geral de liberdade de preços em atividades do setor financeiro, conforme inteligência do art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964[14], e do art. 3°, III, da Lei da Liberdade Econômica. Assim, conquanto a atividade financeira seja atividade econômica em sentido estrito, não se pode negar que as contratações das instituições financeiras dar-se-ão dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, o que ressalta a existência de limitações à autonomia privada, embasadas materialmente nos arts. 1°, III e IV (dignidade da pessoa humana e valorização social do trabalho); 3°, I (construção de uma sociedade livre, justa e solidária); 170, caput e incisos III, V e VII (valorização do trabalho humano, função social da propriedade, defesa do consumidor e redução de desigualdades regionais e sociais); e 173, § 4° (repressão ao abuso do poder econômico), todos da CRFB (NOBRE JÚNIOR, 2001, p. 285-299).

Nesse contexto, o CMN, sensível à aquisição de crédito de maneira não sustentável, sobremaneira por consumidores de menor renda, aprovou a Resolução CMN 4.765, de 2019, determinando, no art. 3°, a limitação da taxa de juros a 8% ao mês na modalidade de cheque especial ofertado a pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEI), facultando a cobrança cumulativa da tarifa de 0,25% do valor disponibilizado no cheque especial que sobejar R$ 500,00 (quinhentos reais). Em seu voto, o Diretor de Regulação do BCB ressaltou que as medidas já adotadas, “balanceando a liberdade econômica vis-à-vis a publicização das relações”, não lograram êxito em reduzir as taxas de juros cobradas no cheque especial a patamares satisfatórios. Assim, foi proposta a imposição de limite para as taxas de juros cobradas no cheque especial, facultando às instituições financeiras a cobrança de tarifa pela disponibilização da linha de crédito. Afinal, enquanto a limitação da taxa de juros almeja “corrigir falhas de mercado no produto cheque especial e para a redução do endividamento das famílias”, a tarifa terá por foco a eficiência na concessão de limite e a utilização racional do cheque especial[15].

Foram constatados, nos estudos desenvolvidos pela autoridade monetária, o poder de mercado dos ofertantes e a inelasticidade da demanda (insensibilidade do consumidor à taxa de juros cobradas no cheque especial). Assim, o uso recorrente desta espécie de instrumento de crédito, aliado à concorrência imperfeita do mercado bancário, acaba por trazer graves prejuízos aos consumidores, em especial àqueles de baixa renda. No fundo, é um elemento do que se convencionou denominar “superendividamento”, isto é, o fenômeno econômico-social, típico de uma sociedade de consumo, em que o consumidor se coloca comprometido por diversas dívidas, de sorte a ser incapaz de quitar suas obrigações sem comprometer o mínimo existencial necessário ao seu sustento e ao de sua família (MARTINS et al., 2017, p. 117).

É certo que o Constituinte, ao optar por uma postura disciplinadora do mercado, e não dirigente, não aceita como política corriqueira o controle prévio de preços. Porém, a regulação dos preços é constitucional em situações de excepcional anormalidade econômica, desde que atenda aos fundamentos, aos objetivos e aos princípios da ordem econômica, previstos no art. 170 da Constituição; observe o postulado da proporcionalidade; seja temporária; e propicie o retorno dos custos de manutenção (evitando a perda indevida da propriedade), o lucro mínimo (para tornar a atividade minimamente atrativa para a oferta) e os reinvestimentos necessários (para assegurar a preservação da qualidade do serviço). Esse é o sentido a ser dado à expressão “sempre que necessário”, prevista no art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964.

Assim, deve ser enfrentado o problema existencial[16] causado pelas distorções da cobrança de juros no cheque especial e, em alguma medida, pelo próprio “superendividamento”, de tal sorte a ser imperioso o reconhecimento da legitimidade dos atos normativos do CMN, por sua excepcionalidade e por sua proporcionalidade. Aliás, conforme ensina Egon Bockmann Moreira, a intervenção estatal é funcionalizada pela dignidade da pessoa humana, não podendo o Estado intervir “instruído apenas por uma concepção pró-mercado e pró-concorrência, instruída e desenvolvida com lastro exclusivo na racionalidade de teorias e leis econômicas” (MOREIRA, 2004, p. 89).

Nesse ponto, destaca-se o fato de que o crédito representa para o consumidor uma medida de inclusão social, de investimento em pequenas atividades empresariais (microcrédito), de organização financeira familiar e de acesso a bens capazes de trazer qualidade de vida, podendo até mesmo combater a desigualdade e a pobreza e trazer autonomia e capacidade de autodeterminação a pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica (MARTINS et al., 2017, p. 118)[17]. Todavia, o crédito possui uma ambivalência, pois não somente pode servir como um meio de ampliação da capacidade de realização da liberdade (substancial) e ampliação de oportunidades[18], mas também pode trazer graves problemas se utilizado de maneira irrefletida ou se houver práticas predatórias e abusivas[19].

Nessa senda, o “superendividamento” representa a diluição da dignidade do consumidor, ao possibilitar – ainda que por meios legítimos, tais como os cadastros negativos – a sua exclusão de uma sociedade de consumo pela recusa de crédito ou pela cobrança de elevada taxa de juros, a qual inexoravelmente agravará a sua vulnerabilidade econômica. Não se quer dizer aqui que as instituições financeiras devem emprestar sem a avaliação dos riscos de inadimplência, mas sim demonstrar que o Estado, ao atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica (art. 174 da CRFB), deve observar o aspecto negativo do “superendividamento” tanto para os tomadores de empréstimo como para as instituições financeiras.

André Rodrigues Cyrino (2018, p. 129), ao valer-se da concepção de “ductibilidade” para defender a adoção de uma perspectiva neutra da Constituição econômica, ressalta a existência de princípios constitucionais contrapostos, permitindo a seleção de variados modelos ou formas de ordenar a vida econômica, e o maior ou menor protagonismo do Estado. Assim, a Resolução CMN 4.765, de 2019, e o art. art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964, encontrariam amparo constitucional em normas de densidade mais diluída, isto é, em conceitos jurídicos indeterminados e princípios. Ou seja, a estipulação de teto aos juros cobrados em cheque especial de pessoas físicas e de MEI fundar-se-ia, em última instância, na dignidade da pessoa humana, na função social do contrato e na proteção ao consumidor, conforme os ditames dispostos nos arts. 1°, inciso III, e 170, incisos III e V, da Carta Maior.

É verdade que a questão envolve “zonas de penumbra” de conceitos jurídicos indeterminados (poder econômico, dominação de mercado) e a incidência de princípios constitucionais da ordem econômica (livre iniciativa, livre concorrência, dignidade da pessoa humana, função social do contrato). Outrossim, é indiscutível a interferência direta e imediata da medida nos contratos bancários e o conflito entre os direitos fundamentais relacionados à livre iniciativa (autonomia de vontade e pacta sunt servanda) e os direitos de proteção dos consumidores. Desse modo, não se pode olvidar a análise econômica e finalística dos institutos relacionados ao problema.

Por isso, conquanto o controle de preços possa representar indevida interferência na relação entre a oferta e a demanda como regra geral, indiscutível a higidez jurídica da limitação da taxa de juros no cheque especial cobrada de pessoas físicas e MEI promovida pela Resolução CMN 4.765, de 2019, uma vez que, ao incentivar o uso racional do cheque especial como modalidade emergencial de crédito e ao impedir a cobrança desmedida dos juros em face da inelasticidade da demanda, assegura a proteção à dignidade do consumidor e a função social do cheque especial, nos termos dos arts. 1°, inciso III, e 170, incisos III e V, todos da CRFB.

 

  1. Proposições legislativas em situações de crise e a capacidade normativa de conjuntura do Conselho Monetário Nacional

O Parlamento também está atento ao problema relativo à taxa de juros no cheque especial e no cartão de crédito. Recentemente, o Senado Federal (SF), com base no Parecer n. 101, de 2020, de autoria do Sen. Lasier Martins, aprovou o PL 1.160, de 2020, que, dentre outras medidas, estipula o limite de juros no valor de 30% ao ano para as instituições financeiras e de 35% para as instituições de pagamento, sociedades de crédito, financiamento e investimento e para as sociedades de crédito direto em todas as modalidades de crédito ofertadas por meio de cartões de crédito e cheque especial durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 20 de março de 2020, vedando, inclusive, a cobrança de tarifa pela disponibilização de limite no cheque especial[20].

Sob o ponto de vista formal, o PL 1.160, de 2020, não se ajusta ao art. 192 da CRFB, que exige a adoção do rito de aprovação relativo às leis complementares, porquanto a cobrança da taxa de juros consiste em elemento essencial da atividade bancária, fazendo parte da estrutura do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Conforme exposto alhures, o §3° do art. 192 da CRFB, revogado pela EC 40/2003, estava condicionado à edição de lei complementar, por força do caput do próprio dispositivo, de sorte a ser exigência constitucional a aprovação de lei complementar para determinar a limitação da taxa de juros no cheque especial e no cartão de crédito. Note-se que o mesmo não ocorre em relação ao art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964, na medida em que referido diploma legal foi recepcionado pela ordem constitucional como lei complementar na parte relativa à estrutura do SFN.

Sob a perspectiva material, é impossível conceber e compreender os contratos distanciados da necessidade econômica que buscam objetivamente satisfazer. Isto é, os contratos devem ser examinados com base na sua função econômica (FORGIONI, 2018, p. 119). Com efeito, a mera condenação estatal do lucro fulmina a previsibilidade do contrato e interfere de maneira indevida no comportamento produtivo dos agentes econômicos. Perspicaz a apreciação de Nobre Júnior (2001, p. 297) em que evidencia a relação entre o postulado da proporcionalidade (excesso de proteção) e a intangibilidade da lucratividade da atividade empresarial, conditio sine qua non para a manutenção do negócio e para a saúde do mercado. Portanto, inadmissível a visão da persecução ao lucro pelas instituições financeiras, por si só, como algo abominável e imoral, sobremaneira sob a ótica da ordem constitucional vigente.

Em tempo, a instituição permanente de preços máximos, antes asseguradora da existência digna dos consumidores, poderá ao longo do tempo ampliar as imperfeições concorrenciais do mercado com a saída de players e a diminuição do número de concorrentes. Assim, possivelmente restarão prejudicados a eficiência econômica e os incentivos à inovação da atividade financeira, em contraposição ao princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, previstos art. 170, caput e inciso IV, e no art. 173, § 4°, da Constituição.

Ademais, a estipulação de determinado patamar para os juros cobrados no cheque especial e no cartão de crédito pode desencadear a diminuição drástica da oferta das mencionadas modalidades de crédito (elasticidade-preço da oferta), por tornar a prestação do serviço desinteressante sob a perspectiva econômica (não-lucratividade) ou extremamente dispendiosa à instituição financeira pelo risco de crédito e pelos seus custos operacionais, administrativos e regulatórios. Naturalmente, tal circunstância, no médio e longo prazo, representará um dano ao próprio consumidor, em contrariedade ao art. 170, V, da CRFB, a exemplo das crises de abastecimento ocorridas durante o período de hiperinflação do país.

Da mesma maneira, a limitação da taxa de juros motivada por sentimentos de justiça permitirá a ilação no sentido da insensatez[21] e da desproporcionalidade da intensidade da intervenção estatal (proibição ao excesso), de maneira a simplesmente impor sanções às instituições financeiras pelos lucros auferidos. O problema posto exige do legislador um prognóstico objetivo e imparcial, livre de subjetivismos exacerbados e apaixonados, devendo sempre buscar argumentos técnicos reconhecidos em determinado paradigma ou teses jurídico-constitucionais respaldadas no mundo dos fatos, e não em meras construções abstratas e vazias aplicáveis a qualquer situação, tal como propugna o art. 20 da Lei de Introdução às Normas ao Direito Brasileiro.

Por outro lado, partindo-se da premissa da exorbitância dos juros cobrados no cheque especial e no cartão de crédito, faria algum sentido a estipulação excepcional e temporária de juros máximos em relação às mencionadas modalidades de crédito, desde que a medida possa garantir a lucratividade e a valorização devida da atividade financeira em face de uma situação de “anormalidade” causada por contingências exteriores à vontade dos agentes econômicos, a exemplo de uma situação de calamidade pública causada por uma pandemia. Ocorre que, na prática, tal limitação demanda uma análise técnica extremamente complexa, mormente pelo fato de a taxa de juros estar atrelada intrinsecamente ao risco de inadimplência nas modalidades de crédito e a outros custos da instituição financeira (spread bancário).

A propósito, calha transcrever as palavras de Leandro Sarai no tocante às dificuldades em se definir e limitar o preço do crédito:

“Reconhece-se que quando se trata de fazer comparações, não se pode ignorar que em determinado tempo e local os custos envolvidos na operação de crédito podem variam muito em relação a outros locais e momentos comparados. Como já se abordou superficialmente o aspecto do custo do crédito ao trazer algumas palavras sobre o spread, façamos uma concessão para partir da premissa de que os custos não podem ser alterados pelo agente financeiro. Assim, da parte do agente financeiro, se se espera que o preço do crédito seja menor, a única coisa que poderia ser feita seria reduzir seu lucro. É certo que em qualquer atividade empresarial é necessário que haja lucro, pois o lucro, em princípio, seria a remuneração do empresário, aquilo que seria utilizado em seu sustento. O preço do crédito será o resultado da soma dos custos e do lucro. Ainda que se considere que os custos do crédito no Brasil sejam altos e que eles não dependeriam das instituições financeiras, será que haveria alguma distorção no lucro? Pode-se dizer que há uma distorção no lucro quando ele não é suficiente para sustentar a atividade empresarial ou quando ele excede manifestamente a média do mercado (lucros extraordinários).

(…)

É com essa ideia que se deve, então, procurar medidas que produzam o resultado de redução do preço do crédito, com a cautela de dosá-las para que não impliquem o efeito reverso, isto é, restrição ao crédito. Com efeito, se seu preço for insustentável para os agentes econômicos da atividade financeira, eles simplesmente não emprestarão seus recursos.

Embora as colocações a seguir possam ter uma aplicabilidade mais ampla, é certo que o poder de atuação estatal encontra diversas limitações.

(…)

Deve-se ter em conta essas limitações, quando se cogitam medidas estatais para buscar reduzir o preço do crédito.” (SARAI, 2020, p. 269).

Dissecados por Alexandre Santos de Aragão (2002, p. 69-122) os elementos do postulado da proporcionalidade no Direito Econômico, constata-se que a restrição estatal à liberdade do mercado (1) deve ser apropriada à realização dos objetivos sociais perquiridos (elemento adequação dos meios aos fins); (2) deve ser a menor possível, em consonância com o princípio da subsidiariedade[22] (elemento necessidade); e (3) deve ser equilibradamente compatível com o benefício social visado (elemento proporcionalidade em sentido estrito). Derivados do postulado da proporcionalidade, Aragão notabiliza o princípio da razão pública, o qual pugna que, “[p]or mais respeitável que seja a minoria ou mesmo a maioria interessada, os seus interesses só podem ser atendidos, não em virtude deles em si, mas por razões públicas atinentes à coletividade como um todo” (ARAGÃO, 2002, p. 102), bem como o princípio da diferença, o qual, baseado nos ensinamentos de John Rawls[23], consiste na permissibilidade a liberdades econômicas e a desigualdades quando gerarem mais vantagens do que desvantagens aos mais desfavorecidos.

Na ADI 4923-DF, o Min. Luiz Fux, ao deliberar acerca dos poderes concedidos à Ancine pela Lei 12.485, de 2011, destacou a adequação da técnica legislativa utilizada, em que foram definidas “as metas principais e os contornos da atividade do órgão regulador, cometendo-lhe (nestes limites e sob o controle do Judiciário e do próprio Legislativo) margem relativamente ampla de atuação”. Asseverou ser impraticável e desaconselhável a elaboração de exaustiva lei formal para conceder os poderes à Ancine, pois “a matéria, de um lado, se reveste de significativo dinamismo, como denotam as tendências de convergência tecnológica que tornaram obsoleta a legislação nacional anterior”, assim como “a disciplina do setor audiovisual, em diferentes aspectos, suscita questões de elevada complexidade técnica, a exigir conhecimento especializado”, naturalmente titularizado pela Ancine.

Na mesma linha, ao apreciar a Medida Cautelar na ADI 5.501-DF, o Min. Barroso decidiu que a Lei 13.269, de 13 de abril de 2016, ao excluir a fosfoetanolamina sintética, denominada “pílula do câncer”, do registro técnico da Anvisa, impedindo a realização dos testes científicos necessários à aferição da eficácia do medicamento e da sua repercussão no mercado, aparentava possuir vício de inconstitucionalidade. A exigência de registro sanitário não consiste em mera exigência burocrática, mas sim “relevante ferramenta regulatória que garante a proteção da saúde pública, estabelecendo-se uma ponderação entre interesses por vezes conflitantes das empresas farmacêuticas, dos pesquisadores, dos médicos e dos pacientes”, devendo ser exercida com grande seriedade e rigor. O Ministro, nessa linha, apontou a violação ao princípio da separação de poderes, na medida em que o legislador ingressou em domínio legítimo de atuação administrativa da Anvisa, balizado pela lei, que Canotilho chamou de “reserva da administração”, cabendo aos poderes instituídos uma certa deferência às escolhas regulatórias da Anvisa. Isso porque “[a] Anvisa recebeu da ordem jurídica a atribuição de realizar o controle sanitário dos medicamentos, porque detém as melhores condições institucionais para tomar tais decisões”, de modo que, diante das capacidades institucionais, “não seria legítimo transferir do Poder Executivo para o Legislativo a decisão sobre a autorização de uso de substância que não passou pelo crivo da autarquia responsável”.

Aliás, gize-se as ponderações de Cass R. Sunstein e Adrian Vermeule (2002) acerca da necessidade de uma análise das capacidades institucionais, em especial da capacidade do legislador ao dinamismo do mercado, de sorte a reconhecer o melhor posicionamento das “agências” para saber se um determinado resultado, extraído da exegese do texto legal, realmente não faz sentido, bem como para saber se um desvio dessa exegese desestabilizará o esquema regulador de maneira prejudicial.

Vale dizer, o legislador, incapaz de prever todas as contingências fáticas, conferirá competências discricionárias aos entes públicos reguladores, com vistas a conferir maior densidade normativa a normas legais por ele editadas. Eis a capacidade normativa de conjuntura identificada por Eros Grau[24] e reconhecida pelo STF (ADI 2591, Rel. p/ Acórdão Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/2006, DJ 29-09-2006), que permite ao CMN regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro, submetidas à constante mutação e dotadas de elevada complexidade. Não se vislumbra como aconselhável, destarte, a aprovação de um diploma legal acerca do tema, por ser estático e abstrato em sua natureza, muitas vezes incapaz de trazer em seu bojo todas as peculiaridades técnicas presentes na concessão de crédito, tal como ressaltado alhures.

Independentemente de sua inconstitucionalidade formal, o PL 1.160, de 2020, implementa a limitação dos juros no cheque especial e no cartão de crédito de maneira temporária e em razão de uma circunstância anormal de calamidade pública causada por uma pandemia, buscando a proteção ao consumidor. Em princípio, a mens do projeto no sentido de limitar excepcionalmente os juros no cheque especial e no cartão de crédito não parece manifestar uma inconstitucionalidade material patente, embora o fato de o BCB não ter constatado a mesma inelasticidade da demanda do cheque especial no cartão de crédito[25] possa justificar eventual veto por contrariedade ao interesse público.

Cabe advertir que as escolhas do legislador podem não ser adequadas e necessárias ao fim almejado, sobretudo em face do melhor posicionamento institucional do CMN e do BCB em relação ao tema, ao menos sob o ponto de vista técnico pelo acesso às informações e pelo tratamento cotidiano da matéria. Nesse ponto, apesar de claramente ainda não ter atingido um patamar satisfatório para o consumidor, impende mencionar a redução não invasiva dos juros no cartão de crédito, desencadeada pela Resolução CMN 4.549, de 26 de janeiro de 2017, que obrigou o financiamento do saldo devedor de fatura pretérita por meio de outras modalidades de crédito menos onerosas, e pela Resolução CMN 4.655, de 26 de abril de 2018, que delimitou os encargos legais a serem cobrados no caso de inadimplência.

Sendo a democracia uma forma de participação (direta ou indireta) dos sujeitos com base na regra da maioria e delimitada por disposições constitucionais (JUSTEN FILHO, 2011, p. 231-232), surgem diversos questionamentos de como conciliar tal concepção ao processo decisório das escolhas regulatórias num cenário de concentração do poder normativo em uma rede descentralizada (administração policêntrica) de entidades independentes conduzidas apenas por uma política geral. Paul Tucker (2019, p. 538-539), no tocante à notável expansão dos poderes e responsabilidades dos bancos centrais no Estado Regulador (regulatory state), sugere a definição estrita de atribuições de maneira suficiente para atingir o objetivo da estabilidade do sistema monetário, pautando-se por resultados. E os riscos permanecem mesmo diante da delimitação estrita de suas competências, o que reforça a importância de uma efetiva accountability política. Propõe, dessa maneira, que os governos e os legisladores articulem, antecipadamente e preferencialmente por meio de lei (preferably in law), como serão exercidos os poderes de intervenção em uma situação de emergência, sem comprometer a integridade e o isolamento político do cumprimento da missão institucional (TUCKER, 2019, p. 559).

Para Cyrino (2018, p. 74), a visão de que as delegações de funções normativas a entidades administrativas prejudicam a reponsividade (accountability) eleitoral e a representatividade ignora o fato que o mandato dos agentes eleitos é, em princípio, livre e não vinculado à vontade dos mandantes, encontrando limitação na própria Constituição, bem como o fato de que a representatividade se volta hoje a um discurso de legitimação por meio do controle. Segundo o jurista, devem também ser lembrados os mecanismos de legitimidade democrática da Administração Pública, desde a eleição do Presidente da República, que ocupa posição central na gestão da máquina administrativa brasileira (art. 84, II, CRFB), “até os meios de participação popular direta nas decisões administrativas, com procedimentalização e incremento de canais de comunicação entre burocratas e a população interessada” (CYRINO, 2018, p. 75). Para Veiga da Rocha (2004), o controle judicial também pode constituir uma forma de controle democrático, definindo os limites para o exercício da capacidade normativa de conjuntura da burocracia que regula o mercado financeiro e corrigindo violações a direitos e interesses legítimos.

Em suma, se asseguradas a racionalidade das escolhas no processo decisório (nesse ponto, cabe lembrar da Análise de Impacto Regulatório, prevista na Lei de Liberdade Econômica e na Lei Geral das Agências Reguladores e regulamentada pelo Decreto 10.411, de 30 de junho de 2020), se houver a abertura aos diversos interesses envolvidos na regulação do mercado financeiro e o estabelecimento de uma permanente interlocução entre eles, se presentes a transparência e a clareza na articulação com os atores regulados, com ampla publicidade e divulgação, não há que se cogitar em violação ao princípio democrático (MARQUES NETO, 2002, p. 96). Isso não significa que o legislador deve ser obliterado do processo das escolhas regulatórias, podendo apresentar o arcabouço de normas aptas a justificar a legitimidade da decisão e efetuar o próprio controle legislativo das deliberações técnicas do CMN e do BCB, em especial diante do envolvimento de direitos fundamentais relativos à ordem econômica no assunto.

 

Conclusão

A ordem constitucional vigente, em situação de normalidade, não admite como política pública regular o controle prévio de preços e, por conseguinte, a limitação da taxa dos juros em qualquer modalidade de crédito. Contudo, como forma de disciplina do mercado, mister reconhecer como legítima a regulação dos preços quando excepcional, temporária, razoável e capaz de propiciar o retorno dos custos, o lucro mínimo e os reinvestimentos necessários.

Por isso, a despeito da manifestação acerca da limitação da taxa de juros apenas sob o ponto de vista formal, exigindo-se a aprovação de lei complementar para tratar do assunto, constatou-se uma tendência do STF em reconhecer a inconstitucionalidade na fixação de preços de maneira irrestrita, mormente quando estipulados em valor insuficiente para suprir os custos de produção de determinado setor, inclusive apontando a presença dos elementos para a responsabilização da Administração Pública nesses casos. No mesmo sentido, o art. 3°, III e § 3º , da Lei da Liberdade Econômica positivou, no plano infraconstitucional, a regra da liberdade de precificação, excetuando os serviços públicos e as atividades econômicas em sentido estrito reguladas. Porém, a Lei da Liberdade Econômica assegura a liberdade de preços aos tomadores, e não àqueles que, por seu poder de mercado, são capazes de impor sua vontade.

Desse modo, irretocável a limitação da taxa de juros no cheque especial cobrada de pessoas físicas e MEI promovida pela Resolução CMN 4.765, de 2019, no exercício da competência prevista no art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964, uma vez que, ao incentivar o uso racional do cheque especial como modalidade emergencial de crédito e ao impedir a cobrança desmedida dos juros em face da inelasticidade da demanda, assegura a proteção à dignidade do consumidor e a função social do cheque especial, nos termos dos arts. 1°, inciso III, e 170, incisos III e V, todos da CRFB.

O PL 1.160, de 2020, por outro lado, apresenta-se maculado por grave vício formal, na medida em que a limitação da taxa de juros, por referir-se à estrutura do SFN, demanda a aprovação de diploma legal segundo o rito das leis complementares, nos termos do art. 192 do CRFB. Sob o ponto de vista material, não  parece haver um vício patente, mormente por estar delimitado a uma situação de calamidade pública, causada por uma pandemia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. Contudo, desaconselhável a aprovação de um diploma legal acerca do tema, uma vez que a cobrança desproporcional de juros em modalidades de crédito poderia ser melhor solucionada no âmbito da chamada capacidade normativa de conjuntura do CMN, mormente em virtude da eficiência, da menor onerosidade e da melhor posição institucional do órgão.

Contudo, isso não significa que o legislador deve permanecer inerte. Em verdade, deve buscar parâmetros claros para a accountability das decisões dos entes reguladores do mercado financeiro. Muito menos há decréscimo da legitimidade democrática, desde que asseguradas a racionalidade das escolhas regulatórias, a abertura aos diversos interesses envolvidos e o estabelecimento de uma permanente interlocução entre eles, a transparência e a clareza na articulação com os atores regulados, com ampla publicidade e divulgação. Naturalmente, o problema do “superendividamento” relacionado ao uso não sustentável de modalidades populares de empréstimos não apenas depende de maior observação do mercado financeiro, mas também de amadurecimento institucional para ser solucionado.

 

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* Procurador do Banco Central do Brasil. Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal no Rio Grande do Sul (ESMAFE-RS). Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O artigo não possui relação com a entidade da qual o autor faz parte.

 

[1] Informações obtidas no seguinte sítio eletrônico: https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE080_Indicadores_de_endividamento_de_risco_e_perfil_do_tomador_de_credito.pdf. Acesso em: 12 ago 2020.

[2] Informações obtidas no seguinte sítio eletrônico: https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticasmonetariascredito. Acesso em: 12 ago 2020.

[3] Nesse caso, calha lembrar o Decreto-Lei 79, de 19 de dezembro de 1966, que instituiu normas para a fixação de preços mínimos e execução das operações de financiamento e aquisição de produtos agropecuários.

[4] Na Babilônia, há 4 mil anos, o Código de Hamurabi apresentava um rígido sistema de controle de preços, impondo o pagamento de determinadas quantias de grãos e cereais pela prestação de serviços entre as pessoas (SCHUETTINGER; BUTLER, 1979).

[5] Art 35. Ficam congelados todos os preços nos níveis do dia 27 de fevereiro de 1986.

  • 1º A conversão em cruzados dos preços a que se refere este artigo far-se-á de conformidade com o disposto no § 1º do artigo 1º, observando-se estritamente os preços à vista praticados naquela data, não se permitindo, em hipótese alguma, os preços a prazo como base de cálculo.
  • 2º O congelamento previsto neste artigo, que se equipara, para todos os efeitos, a tabelamento oficial de preços, poderá ser suspenso ou revisto, total ou parcialmente, por ato do Poder Executivo, em função da estabilidade da nova moeda ou de fenômeno conjuntural.

[6] Conforme o art. 2º, inciso VI, da Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951, é crime contra a economia popular “transgredir tabelas oficiais de gêneros e mercadorias, ou de serviços essenciais, bem como expor à venda ou oferecer ao público ou vender tais gêneros, mercadorias ou serviços, por preço superior ao tabelado, assim como não manter afixadas, em lugar visível e de fácil leitura, as tabelas de preços aprovadas pelos órgãos competentes”.

[7] Art. 1º Ficam congelados, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, todos os preços, inclusive os referentes a mercadorias, prestações de serviços e tarifas, nos níveis dos preços já autorizados ou dos preços à vista efetivamente praticados no dia 12 de junho de 1987.

[8] Art. 8º Ficam congelados, por prazo indeterminados, todos os preços, inclusive os referentes a mercadorias, prestação de serviços e tarifas, nos níveis dos preços já autorizados pelos órgãos oficiais competentes ou dos preços efetivamente praticados no dia 14 de janeiro de 1989.

  • 1º O congelamento de preços equipara-se, para todos os efeitos, ao tabelamento oficial.
  • 2º No caso de produtos sujeitos a controle oficial, os níveis de preços congelados são os autorizados pelos órgãos competentes, constantes das listas de preços oficiais homologadas pelos referidos órgãos.
  • 3º Os preços efetivamente praticados em 14 de janeiro de 1989, para venda a prazo, deverão ser ajustados de forma a eliminar a expectativa inflacionária neles contida, conforme dispuser o regulamento.

[9] Art. 1° Ficam vedados, por tempo indeterminado, a partir da data de publicação da Medida Provisória n° 154, de 15 de março de 1990, quaisquer reajustes de preços de mercadorias e serviços em geral, sem a prévia autorização em portaria do Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento.

[10] Art. 1° Os preços de bens e serviços efetivamente praticados em 30 de janeiro de 1991 somente poderão ser majorados mediante prévia e expressa autorização do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento.

[11] A Advocacia-Geral da União (AGU) apontou a existência dos processos n. 0805841-51.2018.4.05.8401, 0805820- 75.2018.4.05.8401, 0805817-23.2018.4.05.8401, e 0805808- 61.2018.4.05.8401, na seção judiciária do Rio Grande do Norte; do processo 0074044-88.2018.4.02.5101, na seção judiciária do Rio de Janeiro; bem como citou a ação ordinária n. 5014017-37.2018.4.03.6100, na Seção Judiciária de São Paulo, e a ação ordinária n. 0805790- 40.2018.4.05.8401, na Subseção Judiciária de Mossoró.

[12] Atualmente, a questão relativa à responsabilidade objetiva da União e à qualificação jurídica do dano causado ao setor sucroalcooleiro, em virtude da fixação dos preços dos produtos do setor em valores inferiores aos custos encontra-se submetida a julgamento em regime de repercussão geral no STF (submetido ao plenário virtual em 07.08.2020, não tendo sido julgado no momento de elaboração do presente artigo) (ARE 884.325, Rel. p/ Acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 26/06/2015, DJe-172 02-09-2015 )

[13] Art. 3º  São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

(…)

III – definir livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda;

(…)

  • 3º  O disposto no inciso III do caput deste artigo não se aplica:

I – às situações em que o preço de produtos e de serviços seja utilizado com a finalidade de reduzir o valor do tributo, de postergar a sua arrecadação ou de remeter lucros em forma de custos ao exterior; e

II – à legislação de defesa da concorrência, aos direitos do consumidor e às demais disposições protegidas por lei federal.

[14] Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:

(…)

IX – Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, (…)

[15] No momento de elaboração do presente artigo, o Min. Gilmar Mendes, no âmbito da ADPF 645-DF, convertida na ADI 6407-DF, deferiu medida cautelar, de sorte a suspender a eficácia da integralidade do art. 2° Resolução CMN 4.765, de 2019, que facultava às instituições financeiras a cobrança de tarifa pela disponibilização de limite de cheque especial, até decisão ulterior e ad referendum do plenário.

Segundo o Min. Gilmar Mendes, “quem utiliza o limite do cheque especial como extensão de seu saldo bancário ou complemento de renda vai continuar assim procedendo, independentemente dessa atuação benéfica da autoridade monetária nacional”, porquanto “não se muda cultura arraigada na população com medidas intervencionistas estatais, sem qualquer conscientização em massa”. Embora louvável a medida de limitação dos juros na modalidade de empréstimo, a autorização para a cobrança de tarifa não encontraria respaldo no ordenamento jurídico.

Para o julgador, foi criada “uma ‘tarifa’ com características de taxa tributária, pela simples manutenção mensal da modalidade de contratação de ‘cheque especial’, vinculada a contrato de conta-corrente. Além disso, após digressão acerca das dimensões subjetiva e objetiva e da proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais, o Min. Gilmar Mendes apontou ser a tarifa forma transversa de cobrança antecipada de juros, atingindo todos aqueles que possuem a disponibilização de limite de cheque especial. Por fim, não considerou “adequada, necessária e proporcional, em sentido estrito, a instituição de juros ou taxa, travestida de ‘tarifa’, sobre a simples manutenção mensal de limite de cheque especial”, reputando desproporcional a medida e prejudicial ao consumidor.

Com a devida vênia, a autorização para a cobrança de tarifa parece ser legítima, na medida em que (1) representa contraprestação pecuniária pela disponibilização do limite do cheque especial autorizada pelo CMN com base no art. 4°, VI e IX, da Lei 4.595, de 1964, constituindo uma prestação de serviço, e não a cobrança antecipada de juros ou de um tributo; (2) consiste em incentivo regulatório à utilização racional do cheque especial, isto é, ao uso do cheque especial como modalidade de empréstimo em situação emergencial, desencorajando a sua utilização como extensão do saldo bancário ou como complemento de renda ou a manutenção de elevado limite de maneira desnecessária; e (3) revela-se adequada e necessária à proteção do consumidor, porquanto remunera a disponibilização do limite com vistas aos custos decorrentes da reserva de capital para fazer frente às normas da regulação prudencial.

O cheque especial consiste em espécie de contrato de abertura de crédito que mescla a prestação de um serviço de disponibilização de determinada quantia pelo banco ao cliente, que admite a cobrança de tarifa, e, eventualmente, uma operação de crédito, conforme os atos subsequentes do cliente, autorizando a cobrança cumulativa de juros (cf. AGUIAR JÚNIOR, 2003, p. 1-148; MIRAGEM, 2019, p. 430; COELHO, 2013, p. 154). Assim, a decisão proferida pelo Min. Gilmar Mendes supostamente diverge do entendimento doutrinário dominante quanto às características do contrato de abertura de crédito, em específico do chamado “cheque especial”, bem como ignora, além das repercussões na regulação prudencial aplicáveis às instituições financeiras, a própria função social da referida modalidade de crédito (conceder liquidez em caso de emergências e de maneira temporária).

[16] Ultrapassando uma visão utilitarista, Daniel Sarmento defende o maior peso de questões existenciais em relação a questões puramente econômicas ou patrimoniais, caso entrem em conflito (SARMENTO, 2004, p. 376).

[17] Em tempo, vale lembrar que o Grameen Bank, idealizado pelo Professor Muhammad Yunus, não apenas elevou a riqueza da aldeia de Jobra em Bangladesh por meio de um mecanismo de crédito assegurado pelo aval solidário, mas também resgatou a dignidade de seus moradores, em especial de mulheres em situação de pobreza extrema (ORTOLANI, 2004, p. 179-214).

Apesar dos resultados satisfatórios, o microcrédito não parece ter apresentado grandes transformações, conforme apontaram Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo:

“(…) there was no sign of a radical transformation. We found no evidence that women were feeling more empowered, at least along measurable dimensions. They were not, for example, exercising greater control over how the household spent it is money. Nor did we see any differences in spending on education or health, or in the probability that kids would be enrolled in private schools. And even when there was detectable impact, such as in the case of new businesses, the effect was not dramatic. The fraction of families that started a new business over fifteen-month period went up from about 5 percent to just over 7 percent – not nothing, but hardly a revolution” (BANERJEE; DUFLO, 2011, p. 171)

[18] “Uma das questões centrais nesse contexto é o critério de pobreza. A identificação da pobreza com baixa renda está bem estabelecida, mas já existe uma literatura bastante substancial sobre suas insuficiências. O foco rawlsiano sobre os bens primaries é mais abrangente do que a renda (de fato, a renda é apenas um de seus constituintes), mas a identificação de bens primaries ainda é guiada, na análise de Rawls, por sua busca por meios úteis para múltiplos fins, entre os quais a renda e a riqueza são exemplos específicos, e particularmente importantes. No entanto, pessoas diferentes podem ter oportunidades completamente diferentes para converter a renda e outros bens primaries em características da boa vida e no tipo de liberdade valorizada na vida humana. Assim, a relação entre os recursos e a pobreza é variável e profundamente dependente das características das respectivas pessoas e do ambiente em que vivem – tanto natural como social.” (SEN, 2011, p. 289).

[19] “(…) Em geral, existem duas visões opostas a respeito dos empréstimos subprime. Algumas pessoas, sobretudo aquelas mais de esquerda ou que trabalham nos meios de comunicação, chamam essas práticas de “predatórias”. Essa generalização ignora o fato evidente de que empréstimos de maior risco precisam ter taxas de juros mais altas para compensar as pessoas que emprestam dinheiro. O fato de pessoas pobres ou de alto risco pagarem juros mais altos não significa que o empréstimo seja “predatório”. (…) Como sempre, a verdade se encontra entre os dois extremos. Os empréstimos subprime não são nem o céu nem o inferno.

(…)

Os cartões de crédito são uma benção. Pagar com cartão de crédito é, muitas vezes, mais rápido que pagar em espécie e nos salva de ter que ficar contando moedas; ter um cartão de crédito nos livra dos aborrecimentos de ter que revirar os bolsos atrás da quantia exata e de manter uma caixa de moedas em casa. Isso sem contar que, com ele, acumulamos milhas! Mas, se não tomarmos cuidado, o cartão de crédito pode acabar se transformando num vício. (…)” (THALER; SUNSTEIN, 2019, p. 146-156)

[20] Apesar da argumentação apresentada na decisão cautelar proferida na ADPF 645-DF, entende-se ser materialmente possível ao legislador ordinário impedir a cobrança de tarifa pela disponibilização de limite no cheque especial, de modo a superar o disposto no art. 3° da Resolução CMN 4.765, de 2019.

[21] Em um regime que celebra constitucionalmente a livre iniciativa e a livre concorrência, a intervenção estatal na economia há de ser necessária, ponderada, excepcional e pontual – com finalidade pública e específica. Assim, a intervenção sensata “importa celebrar não uma desproporção ou uma invasão desmedida, nem tampouco uma abstenção estatal, mas um equilíbrio de forças no próprio mercado em questão – seja de forma a corrigir os desvios constatados na conduta dos agentes, seja instalando uma nova realidade econômica inédita até então.” (MOREIRA, 2004, p. 80-84)

[22] Embora Aragão figure o princípio da subsidiariedade como elemento do postulado da proporcionalidade, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto distingue o princípio da subsidiariedade e o princípio da proporcionalidade, uma vez que aquele se refere à abrangência horizontal da intervenção estatal por participação e por absorção e este, aos limites verticais relativos à intensidade e à profundidade da regulação em si (MARQUES NETO, 2003).

[23] Para John Rawls (apud MORRISON, 2006, p. 471), o primeiro princípio de justiça (princípio de igual liberdade) é no sentido de que cada pessoa terá um direito igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas iguais compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos. O segundo princípio de justiça (princípio da diferença) propugna que as desigualdades sociais e econômicas devem (1) resultar no máximo de benefícios aos menos favorecidos e sejam compatíveis com o justo princípio de proteção, e (2) estejam ligadas a cargos e posições abertos a todos, como uma justa igualdade de oportunidades.

[24] “A atuação interventiva por direção é em parte exercida mediante dinamização, por órgãos e entidades da Administração, de atividade normativa cujo exercício lhes tenha sido autorizado pela lei. Cumpre aos titulares da função normativa, no caso, observar os critérios e parâmetros estabelecidos na lei que lhes autorizou esse mesmo exercício. Observe-se que não há, na hipótese, atribuição de função legislativa, mas sim de função normativa (regulamentar) a esses órgãos e entidades; adiante retornarei a esse ponto. Resultam enriquecidas, destarte, as funções atribuídas à Administração, que já não se bastam no mero exercício do poder de polícia, consubstanciado na fiscalização do exercício de atividades pelos particulares, mas agora compreendem também o poder de estatuir normas destinadas à regulação desse mesmo exercício. Ao exercerem a função normativa que lhes incumbe – efetivo dever-poder, em verdade, no qual são investidos –, órgãos e entidades da Administração dinamizam o que tenho denominado capacidade normativa de conjuntura. (…) Descortina-se, assim, a evidência de que o direito – tal como o divisou von Ihering, em sua teoria organicista – necessita, como todo organismo vivo, estar em constante mutação, impondo-se a superação do descompasso existente entre o ritmo de evolução das realidades sociais e a velocidade de transformação da ordem jurídica. Nesse clima, a instabilidade de determinadas situações e estados econômicos, sujeitos a permanentes flutuações – flutuações que definem o seu caráter conjuntural –, impõe sejam extremamente flexíveis e inâmicos os instrumentos normativos de que deve lançar mão o Estado para dar concreção a desvios ocorridos no desenrolar do processo econômico e no curso das políticas públicas que esteja a implementar. Aí, precisamente, o emergir da capacidade normativa de conjuntura, via da qual se pretende conferir resposta à exigência de produção imediata de textos normativos, que as flutuações da conjuntura econômica estão, a todo o tempo, a impor. (…)” (GRAU, 2014, p. 228)

[25] “(…) As modalidades mais sensíveis à taxa de juros – demanda elástica, ou seja, elasticidade-juro maior do que 1 (em módulo) – são as de crédito rotativo no cartão de crédito e consignado em folha, com, respectivamente, -4,24 e -4,18, seguidos do crédito pessoal não-consignado, com -1,08. Por exemplo, no caso do crédito consignado em folha, um aumento de 10% na taxa de juros – equivalente a um aumento de 3 pontos percentuais (p.p.) ao ano – leva a uma queda de mais de 40% na demanda por essa modalidade. Por outro lado, a modalidade menos sensível à taxa de juros é o cheque especial – demanda inelástica; ou seja, elasticidade-juro menor do que 1 (em módulo), -0,56. Um aumento de 10% na taxa de juros do cheque especial – correspondente a aproximadamente 25 p.p. ao ano em relação à taxa média do painel – leva a uma queda pequena, de aproximadamente 6%, na demanda.” (Informação obtida em https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE090_Sensibilidade_da_demanda_a_taxa_de_juros_e_poder_de_mercado_em_modalidades_de_credito_pessoal_com_recursos_livres.pdf. Acesso em: 10 ago 2020)

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