A possibilidade do controle pelo Tribunal de Contas das empresas públicas e sociedades de economia mista na perspectiva da jurisprudência do STF

Resumo: As empresas públicas e sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado que integram a Administração Pública Indireta. São ambas empresas estatais. a partir da Constituição de 1988, a instituição Tribunal de Contas consolidou-se através do importante papel de proteção do patrimônio público. As Cortes de Contas tiveram, inclusive, reconhecida pelo STF, através da súmula no 347 , a competência para apreciar a constitucionalidade de leis e atos do Poder Público. Desta forma, as atribuições dos Tribunais de Contas ultrapassaram as discussões sobre a legalidade no controle orçamentário, financeiro, contábil operacional e patrimonial, fortalecendo-se a atribuição de fiscalização baseada na legitimidade do órgão e no princípio da economicidade. Assim, este artigo tem por finalidade analisar a possibilidade do controle pelo Tribunal de Contas das empresas públicas e sociedades de economia mista na perspectiva da jurisprudência do STF.

Palavras-chave: Empresas públicas – sociedades de economia mista – Tribunal de Contas – controle – STF.

Sumário: 1.Considerações históricas e principais funções dos Tribunais de Contas – 2. Principais características e natureza jurídica das empresas públicas e sociedades de economia mista – 3.Controle pelo Tribunal de Contas das empresas públicas e sociedades de economia mista.

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1. Considerações históricas e principais funções dos Tribunais de Contas

No Brasil, no ano de 1680, foram criadas as Juntas das Fazendas das Capitanias e a Junta da Fazenda do Rio de Janeiro, ambas jurisdicionadas à Portugal, para o controle das finanças públicas. Em 1808, instalou-se, por ordem de Dom João VI, o Erário Régio. Neste ano, foi criado também o Conselho da Fazenda que tinha como função principal acompanhar a execução da despesa pública.  O Conselho da Fazenda foi transformado em Tesouro da Fazenda na Constituição de 1824.

A iniciativa para a criação de um Tribunal de Contas no Brasil ocorreu em 1826, através de um projeto de lei proposto no Senado pelo Visconde de Barbacena, Felisberto Caldeira Brandt e José Inácio Borges. Todavia, o primeiro Tribunal de Contas do país, que foi o Tribunal de Contas da União, só foi criado em 1890, através do Decreto 966-A de 07 de novembro de 1890, por iniciativa de Rui Barbosa, Ministro da Fazenda na época.  A primeira Constituição que previu o Tribunal de Contas foi a de 1891 no artigo 89, conferindo a este órgão a competência para liquidar e verificar a legalidade das contas da receita e da despesa antes de serem prestadas para o Congresso Nacional. A instalação deste Tribunal ocorreu no ano de 1893.

Já a Constituição de 1934, ampliou as competências do Tribunal de Contas da União, conferindo a este órgão a função de proceder ao acompanhamento da execução orçamentária, do registro prévio das despesas e dos contratos, proceder ao julgamento das contas dos responsáveis por bens e dinheiro público e oferecer parecer prévio sobre as contas do Presidente da República. Nas palavras de Pontes de Miranda:

“A Constituição de 1934 considerou-o órgão de cooperação nas atividades governamentais. Ao antigo Tribunal de Contas – que a Constituição manteve (art.99: é mantido) – o texto de 1934 conferiu, assim, a mais, a atribuição de julgar as contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos em toda a sua extensão. O acréscimo, em vez de o tornar órgão cooperador do Poder Executivo, acentuou o elemento judiciário que já ele tinha, inclusive pelo modo de composição e garantias de seus membros”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967: com a EC n.01, de 1969. São Paulo: RT, 1970, t.III, p.248).

Segundo Pontes de Miranda, o Tribunal de Contas era um órgão sui generis do Poder Judiciário com função auxiliar do Poder Legislativo, não se encaixando na interpretação rígida da Teoria da Tripartição dos Poderes.

Na Constituição de 1937, todas as competências trazidas pela Constituição de 1934 foram mantidas, exceto oferecer parecer prévio sobre as contas presidenciais.

A Constituição de 1946 manteve todas as competências da Constituição anterior e acresceu a função de o Tribunal de Contas julgar a legalidade das concessões de aposentadorias, reformas e pensões.

Na Constituição de 1967, houve o enfraquecimento do Tribunal de Contas. Nesta Constituição, ocorreu a exclusão da atribuição de o Tribunal de Contas examinar e julgar previamente os atos e contratos geradores de despesas. Todavia, o Tribunal de Contas continuou a ter a função de apontar falhas e irregularidades que, se não sanadas, seriam objeto de representação ao Congresso Nacional. Retirou-se também a competência do Tribunal de Contas de julgar a legalidade das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, tendo o Tribunal competência apenas para a apreciação da legalidade para fins de registro.

Na Constituição de 1988, houve o fortalecimento da instituição Tribunal de Contas. Isso fica perceptível a partir da própria forma de composição desta Corte:

“O art.73, do Texto Constitucional, ao estabelecer que dois terços dos membros do TCU seriam indicados pelo Congresso Nacional, enquanto o Presidente da República indica apenas um terço, sendo que dois, alternadamente, entre membros do Ministério Público junto ao Tribunal e auditores, e apenas um membro em princípio estranho ao TCU, fortaleceu a Corte, em tese, assegurando-lhe maior autonomia em relação ao Executivo”. (CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Da necessidade de aperfeiçoamento do controle judicial sobre a atuação dos Tribunais de Contas visando a assegurar a efetividade do sistema. Revista do Tribunal de Contas da União. Brasília: TCU, 2006, p.9).

Assim, a partir da Constituição de 1988, a instituição Tribunal de Contas consolidou-se através do importante papel de proteção do patrimônio público. As Cortes de Contas tiveram, inclusive, reconhecida pelo STF, através da súmula no 347[1], a competência para apreciar a constitucionalidade de leis e atos do Poder Público. Desta forma, as atribuições dos Tribunais de Contas ultrapassaram as discussões sobre a legalidade no controle orçamentário, financeiro, contábil operacional e patrimonial, fortalecendo-se a atribuição de fiscalização baseada na legitimidade do órgão e no princípio da economicidade. Tudo isso provocou o crescimento das discussões sobre a existência ou não de eventuais vínculos dos Tribunais de Contas com os demais Poderes, especificamente, acerca da possibilidade e extensão do controle jurisdicional dos atos decisórios das Cortes de Contas.

2. Principais características e natureza jurídica das empresas públicas e sociedades de economia mista

As empresas públicas e sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado que integram a Administração Pública Indireta. São ambas empresas estatais.

A expressão “empresa estatal ou governamental” é empregada para indicar todas as sociedades (civis ou empresariais) de que o Estado tenha o controle acionário, abarcando a empresa pública e a sociedade de economia mista e outras empresas que não tenham essa natureza.

Tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista são utilizadas como instrumentos de ação do Estado para a intervenção no domínio econômico, seja através da exploração de atividade tipicamente econômica ou através da prestação de serviço público de natureza comercial ou industrial.

As empresas estatais exploradoras de atividade econômica ficam sujeitas ao regime do art. 173 da CRFB. Nestes casos, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será possível quando imprescindível para atender os imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.

Já quando as empresas públicas ou sociedades de economia mista são criadas para prestarem serviços públicos, elas ficam submetidas às regras do art. 175 e art. 37 § 6o da CRFB.

Não obstante as empresas públicas e sociedades de economia mista seguirem o regime jurídico de direito privado, elas devem respeitar os princípios constitucionais da Administração Pública. Desta forma, fala-se que tais empresas estatais estão submetidas ao regime jurídico híbrido ou misto.

Vejamos algumas diferenças entre as empresas públicas e sociedades de economia mista.

a) Empresa Pública

A empresa pública em natureza jurídica de pessoa de direito privado. A expressão “pública” não se refere ao regime seguido por esta, mas sim ao capital. O capital da empresa pública é exclusivamente público.

A empresa pública pode ser constituída por qualquer modalidade empresarial. Por exemplo, poderá haver empresas públicas que serão LTDA; S.A (desde que na qualidade de capital fechado); ou qualquer outra modalidade autorizada pelo direito empresarial.

São exemplos de empresas públicas a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Caixa Econômica Federal e Casa da Moeda.

b) Sociedade de Economia Mista

A sociedade de economia mista possui o capital misto e é constituída obrigatoriamente na modalidade empresarial de S/A.

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O fato de a sociedade de economia mista ter o capital misto significa que tem-se uma parcela de capital público e uma parcela de capital privado.

Na sociedade de economia mista, a maioria do capital votante deve estar nas mãos do Poder Público.

São exemplos de sociedade de economia mista o Banco do Brasil e Petrobrás.

3. Controle pelo Tribunal de Contas das empresas públicas e sociedades de economia mista

Hoje temos uma orientação no mandado de segurança 25.181 – DF (STF) reconhecendo a competência do Tribunal de Contas para fiscalizar as atividades das empresas públicas e sociedades de economia mista com fundamento na necessidade de se preservar o controle externo.

O patrimônio destas entidades é constituído pelo patrimônio público. As empresas públicas tem o capital integralmente público. Sociedades de economia mista o capital na sua maioria é público.

Precisamos preservar o erário, evitar fraudes. A gestão das empresas públicas e sociedades de economia mista não podem se dar com base em negócios temerários, por mais que se trate de exploração econômica o objeto desta identidade. A idéia é a fiscalização das Cortes de Contas como consequencia do texto constitucional, objetivando tornar efetivo o bom trato da coisa pública, eficiência administrativa. Para isso, o Tribunal de Contas pode realizar auditoria, fiscalizações, vistoria, pode instaurar tomada de contas especiais, se satisfeitos os pressupostos para que isso aconteça.

Mas nem sempre foi assim. Tivemos decisões anteriores como, por exemplo, mandado de segurança 23.267 – DF recusando competência ao Tribunal de Contas.

 

Referências
CASTRO, José Nilo de. Julgamento das Contas Municipais. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.
CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Da necessidade de aperfeiçoamento do controle judicial sobre a atuação dos Tribunais de Contas visando a assegurar a efetividade do sistema. Revista do Tribunal de Contas da União. Brasília: TCU, 2006.
CITADINI, Antônio Roque. O Controle Externo da Administração Pública. São Paulo: Max Limonad, 1995.
FERNANDES, Bruno Lacerda Bezerra. Tribunal de Contas: julgamento e execução. Campinas: Edicamp, 2002.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de Contas Especial. Brasília: Brasília Jurídica, 1998.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: Jurisdição e Competência. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.
GALLOTTI, Luis Octávio. Tribunal de Contas da União: alguns aspectos de sua competência nas três últimas Constituições. Revista do Tribunal de Contas da União, v.21, no46, out/dez, 1990.
GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribunais de Contas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
GUERRA, Evandro Martins. Os Controles Externo e Interno da Administração Pública. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005.
LIMA, Flávia Danielle Santiago. O controle das finanças públicas: sentido, conteúdo e alcance do art. 70 da Constituição Federal. http://www.jus.com.br/doutrina/contas.html.
PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito Financeiro e Controle Externo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
RODRIGUES, Luis Henrique Vieira.  Controle Externo da Administração Pública pelos Tribunais de Contas: abrangência, limites e reversibilidade das decisões pelo Poder Judiciário. BDM – Boletim de Direito Municipal – Janeiro/2010.
TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Fundamentais e o Tribunal de Contas. Revista do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, no23, 1992, p.54-63.
 
Notas:
 
[1]  Súmula 347 do STF: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público.”


Informações Sobre o Autor

Verônica Vaz de Melo

Mestre em Direito Internacional pela PUC Minas. Analista internacional graduada em Relações Internacionais pela PUC Minas. Especialista lato sensu em Direito Público pela PUC Minas. Advogada.


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