Aplicabilidade do Reequilíbrio Econômico Financeiro no Sistema de Registro de Preços

Autor: Lucas de Paula – Procurador do Município de Jales. Email: [email protected]. 

Resumo: O presente artigo busca abordar a aplicabilidade do reequilíbrio econômico financeiro previsto em Lei para o Sistema de Registro de Preços, bem como, as dificuldades que se levantam no momento de sua aplicação. Nesta esteira, o estudo demonstra o posicionamento dos órgãos fiscalizadores, e da doutrina moderna. Algumas críticas também são realizadas a estes entendimentos, por conseguinte, são apontadas razões para que a aplicabilidade do reequilíbrio econômico financeiro seja melhor difundida quando se trata de Sistema de Registro de Preços.

Palavras chave: Sistema de Registro de Preços; reequilíbrio econômico-fianceiro; Ata de registro de preços; imprevisibilidade; alteração contratual;

 

Abstract: This article intends to study the applicability of the economic and financial rebalancing provided for in the Law for the Price Registration System, as well as the difficulties that arise at the time of its application. In this context, the study demonstrates the position of Organs inspection bodies, and of modern doctrine. Some criticisms are also made to these understandings, therefore, reasons are pointed out for the applicability of the financial and economic rebalancing to be better spread when it comes to the Price Registration System.

Keywords: Price Registration System; economic-financial rebalancing; Price registration minutes; unpredictability; contractual alteration;

 

Sumário: Introdução; 1. O que é o Sistema de Registro de Preços e para que é usado; 2. O que é reequilíbrio econômico financeiro e quando é aplicado; 3. Aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro no Sistema de Registro de Preços; 4. Dificuldades que se apresentam com estes entendimentos; 4.1. A previsão constitucional; 4.2. Das obrigações advindas do Sistema de Registro de Preços; 4.3.  Situações gerais de mercado; 4.4.  Dos custos das novas contratações; 5. Ocasiões em que o reequilíbrio foi permitido no SRP; Conclusão; Referências.

 

Introdução

Na concepção de um estado democrático de direito, tal como conhecemos hoje, é necessário considerar não só as garantiras e o respeito as liberdades individuais e coletivas em obediência a princípios e fundamentos que condicionam e restringem o poder estatal, como também, o estabelecimento de deveres e regras impostas às próprias autoridades públicas e políticas.

Uma das medidas mais importantes contidas em um estado democrático de direito é a organização. A organização não só no que tange a vida em sociedade, mas da própria forma de administração do patrimônio social em si, como medida condicional a ser seguida pelo governante ou administrador que vier a ser responsável pelo patrimônio público.

A responsabilidade pelo múnus público nunca esteve tão difundida. Este ônus, ou melhor, este encargo, não deriva só da moral, mas também retira fundamento da Lei. Nas normas, encontramos mandamentos a serem seguidos por aqueles que vierem a ser investidos em funções públicas que, de certa forma, buscam direcionar a conduta dos agentes de modo que preceitos como probidade, moralidade, eficiência e economicidade, sejam medidas de observação obrigatória.

É o caso das contratações, compras e aquisições do poder público que, necessariamente, devem ter seus contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações precedidos por licitação.

A licitação, a grosso modo, é a competição realizada entre os interessados em fornecer o objeto pretendido pelo poder público. Nos termos da Lei Federal 8666/93:

 

“Art. 3º  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”

 

Uma das formas auxiliares de processamento das disputas é o Sistema de Registro de Preços. O Sistema de Registro de Preços está previsto na citada Lei de Licitações no Art. 15 e seus incisos, vejamos:

 

“Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:    

I – atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas;

II – ser processadas através de sistema de registro de preços;

III – submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;

IV – ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade;

V – balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública.

  • 1º O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
  • 2º Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.
  • 3º O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:

I – seleção feita mediante concorrência;

II – estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;

III – validade do registro não superior a um ano.

  • 4º A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.”

 

Desta feita, podemos concluir que o Sistema de Registro de Preços pode ser utilizado para compras, contudo, também se encontra na jurisprudência entendimento para ser utilizado em obras de engenharia simples, como pequenos reparos. Em outro plano, necessita de ser antecedido por uma ampla pesquisa de mercado, e não obriga a administração à contratação dos objetos com preços registrados.

De acordo com o § 3º, este Sistema deve ser regulamentado por Decreto. No âmbito da União foi editado o Decreto 7.892 de 23 de janeiro de 2.013. Este regulamento define o Sistema de Registro de Preços como o conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras. Diversos entes da federação também editaram seus regulamentos, contudo, é uníssono que não se diferenciam muito do regulamento federal.

Melhor definição encontramos nas palavras do festejado Marçal Justen Filho:

 

“O Sistema de Registro de Preços (SRP) é uma das mais úteis e interessantes alternativas de gestão de contratações colocada à disposição da Administração Pública. (…) O registro de preços é um contrato normativo, constituído como um cadastro de produtos e fornecedores, selecionados mediante licitação, para contratações sucessivas de bens e serviços, respeitados lotes mínimos e outras condições previstas no edital” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. Revistas dos Tribunais. 2016. Pag. 308)

 

Esta definição será de suma importância para o desenvolvimento do presente estudo que buscará a compreensão sobre a possibilidade de aplicação de institutos como o reequilíbrio econômico financeiro neste tipo de processamento.

 

  1. O que é o Sistema de Registro de Preços e para que é usado

            Com a definição dada pelo Decreto Federal 7.892 de 23 de janeiro de 2.013, fica nítida a finalidade desta forma de processamento, ou seja, o processamento do Sistema de Registro de Preços tem por finalidade suprir uma necessidade administrativa, qual seja, as aquisições imprevisíveis, de difícil previsão, contratações frequentes e as contratações por vários órgãos administrativos.

Fica fácil a compreensão, quando se percebe o referido Decreto restringindo de forma taxativa a possibilidade de adoção do Sistema de Registro de Preços para estas determinadas situações, vejamos:

 

“Art. 3º O Sistema de Registro de Preços poderá ser adotado nas seguintes hipóteses:

I – quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes;

II – quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;

III – quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou

IV – quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.”

 

É evidente que uma das finalidades deste recurso auxiliar é suprir necessidades frente à imprevisibilidades e imprecisões.

Neste viés, a Corte de Contas Paulista guarda comunhão com este fim, como se pode verificar em vários julgados em que a demonstração destes requisitos são exigidos:

 

 “7421.989.16-1. SESSÃO DE 11/05/2016. RELATOR CONSELHEIRO RENATO MARTINS COSTA: “Ainda, acerca do uso do sistema de registro de preços, é possível assumir interpretação de que, mesmo com as obscuridades já enunciadas, os serviços pretendidos mostram-se como passíveis de quantificação e entrega em período certo/previsível, não restando, como asseverou ATJ na área jurídica, demonstrada a ocorrência de “pressupostos legais do sistema, a saber, eventualidade, imprevisibilidade e comprovada economia de escala”.

“5316.989.16-9. SESSÃO DE 01/06/2016. RELATOR AUDITOR SUBSTITUTO DE CONSELHEIRO SAMY WURMAN: “Tampouco deve ser tolerado o emprego do sistema de registro de preços, pois previamente conhecidas as necessidades do município na aquisição e instalação das estações compactas nas unidades escolares. Ausentes, portanto, a imprevisibilidade demandada pela sistemática do registro.”

“5447.989.16-1. SESSÃO DE 08/06/2016. RELATOR CONSELHEIRO ANTONIO ROQUE CITADINI: “De fato, se não bastassem os itens mal formulados e parcialmente procedentes, questão grave foi destacada, consistente na indevida e ilegal adoção do sistema de registro de preços ao objeto pretendido pela Prefeitura, pois se encontram ausentes a eventualidade do fornecimento e a imprevisibilidade da demanda, características essenciais para sua utilização.”

“10116.989.16-1. SESSÃO DE 08/06/2016. RELATOR AUDITOR SUBSTITUTO DE CONSELHEIRO VALDENIR ANTONIO POLIZELI: “No mérito, questão de maior relevo refere-se à utilização do SRP – Sistema de Registro de Preços – para o objeto. Vale lembrar que essa sistemática guarda, como características que justificam a sua adoção, a eventualidade e a imprevisibilidade da contratação. No caso, à míngua de quaisquer justificativas ou esclarecimentos da Origem em defesa da medida, não se vislumbra a presença de tais pressupostos, haja vista, ao menos em tese, a natureza permanente e contínua da prestação do objeto almejado”

 

            À vista disto, é possível afirmar que esta previsibilidade ou imprecisão são elementos que fundamentam o procedimento de registro de preços. A partir deste ponto, quando surge para Administração a necessidade de aquisição de determinado bem ou serviço de natureza comum, diante, por exemplo, da incerteza da quantidade a ser adquirida, é possível proceder a licitação pela modalidade de pregão ou concorrência, com vistas a registrar preços para uma contratação futura.

Deste Registro, é concebida a Ata de Registro de Preços, documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, em que se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas.

Como modo de processamento auxiliar, ao procedimento de Registro de Preços são aplicados os institutos das Leis de Licitação, tanto a 8.666/93 quanto a 10.520/02 quando se tratar de pregão.

Contudo, dentro os institutos previstos na Lei 8.666/93, mais precisamente quanto ao instituto do reequilíbrio econômico-financeiro, alguns impedimentos têm surgido.

 

  1. O que é reequilíbrio econômico financeiro e quando é aplicado

            Os contratos administrativos têm um regime jurídico de direito público, diferenciando assim dos contratos regidos pelo direito privado. Ao passo que, o interesse público permite que em determinadas situações a administração pública tenha aberturas para agir com verdadeiro poder de império, como a título de exemplo, as prerrogativas de direito público que dão azo as modificações unilaterais dos contratos administrativos,  quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica, e ou quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto.

Contudo, existem situações, que por acordo das partes, ou seja, com certa discricionariedade, o poder público pode promover alterações nos contratos administrativos. Esta possibilidade jurídica de alteração nos contratos administrativos, não é mencionada quando se fala em Atas de Registro de Preços, informação que será debatida adiante.

Não será aprofundado neste estudo a revisão econômico-financeira oriunda de ato administrativo, prevista no § 2º da Lei 8.666/93. Assim, partiremos da possibilidade expressa de alteração nos contratados por convenção das partes por fatos alheios às suas vontades, a Lei determina da seguinte forma:

 

“Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

(…)

II – por acordo das partes:

  1. a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
  2. b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;
  3. c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;
  4. d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”

 

Destas possibilidades, nos interessa primordialmente o reequilíbrio econômico-financeiro. Este por sua vez, é permitido para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento.

Todavia, sua aplicação está condicionada à ocorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis, porém, de consequências incalculáveis posteriores ao ajuste.

Neste viés, diante de situações como estas, desde que devidamente demonstradas pelas partes, a Lei autoriza a se reestabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente. Em outras palavras, é possível retornar ao meio da balança.

Nas palavras de Ronny Charles Lopes de Torres, o reequilíbrio diante de situações adversas, por derivar da Lei e da Constituição é medida obrigatória, vejamos:

 

“O reequilíbrio econômico financeiro do contrato deve ser percebido como um direito, tanto do contratado quanto da Administração. Ele foi expressamente estabelecido pelo Constituinte, ao resguardar a manutenção das condições efetivas da proposta (art. 37, inciso XXI). Nesta feita, identificado o fator extraordinário gerador do desequilíbrio econômico do contrato, a revisão necessária, para o reequilíbrio de sua equação econômico-financeira, independe de previsão contratual, pois tal direita deriva da Lei e da Constituição.” (LOPES DE TORRES, Ronny Charles, Leis de Licitações Públicas Comentadas. 9ª edição, revista, ampliada e atualizada, Editora Jus Podivm, 2018. Pag. 736)

 

            Assim diz o texto Constitucional:

 

“XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

 

            O Mestre Marçal Justen Filho manifesta-se da seguinte forma:

 

“O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato) existente entro o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente.

(…) Todas as circunstâncias atinentes à remuneração são relevantes tais como prazos e forma de pagamento. Não se considera apenas o valor que o contratante receberá, mas, também, as épocas previstas para sua liquidação.

É possível (à semelhança de um balanço contábil) figurar os encargos como contrabalançados pela remuneração. Por isso se alude a “equilíbrio”. Os encargos equivalem à remuneração, na acepção de que se assegura que aquela plêiade de encargos corresponderá precisamente à remuneração prevista.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. Revistas dos Tribunais. 2016. Pag. 309)

 

Diante do exposto, resta cristalina a possibilidade de utilização deste recurso em contratos administrativos que cumprem os requisitos legais. Maior resistência, reside na possibilidade de utilização do instituto do reequilíbrio econômico-financeiro nas Atas de Registro de Preços, como veremos.

 

  1. Aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro no Sistema de Registro de Preços

No que tange à aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro no Sistema de Registro de Preços, o Decreto Federal 7.892 de 23 de janeiro de 2.013 é didático, vejamos:

 

Quanto aos contratos:

“Art. 12. (…)

  • 3º Os contratos decorrentes do Sistema de Registro de Preços poderão ser alterados, observado o disposto no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.”

            Em previsão distinta e em tópico diverso, o regulamento prevê a possibilidade alteração dos preços registrados em si, através de negociação. Aqui não se trata de alteração contratual como aquela prevista no § 3º do Art. 12, mas de verdadeira negociação para alteração dos preços registrados, desta forma, podemos concluir pela possibilidade de alteração da Ata propriamente dita, uma vez que, ela é o instrumento que materializa o preço ofertado em disputa, vejamos o texto:

“Art. 17. Os preços registrados poderão ser revistos em decorrência de eventual redução dos preços praticados no mercado ou de fato que eleve o custo dos serviços ou bens registrados, cabendo ao órgão gerenciador promover as negociações junto aos fornecedores, observadas as disposições contidas na alínea “d” do inciso II do caput do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.

Art. 18. Quando o preço registrado tornar-se superior ao preço praticado no mercado por motivo superveniente, o órgão gerenciador convocará os fornecedores para negociarem a redução dos preços aos valores praticados pelo mercado.

  • 1º Os fornecedores que não aceitarem reduzir seus preços aos valores praticados pelo mercado serão liberados do compromisso assumido, sem aplicação de penalidade.
  • 2º A ordem de classificação dos fornecedores que aceitarem reduzir seus preços aos valores de mercado observará a classificação original.

Art. 19. Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador poderá:

I – liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados; e

II – convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação.

Parágrafo único. Não havendo êxito nas negociações, o órgão gerenciador deverá proceder à revogação da ata de registro de preços, adotando as medidas cabíveis para obtenção da contratação mais vantajosa.”

 

Como vimos, as disposições são simples, e não fazem referência ao contrato oriundo do SRP como no § 3º do Art. 12, mas dos próprios preços registrados. Neste diapasão, como determina o caput do Art. 17 do Decreto acima citado, diante de situações em que estejam configuradas as disposições contidas na alínea “d” do inciso II do caput do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993, os próprios preços registrados poderão ser reequilibrados.

Entretanto, encontramos robusto entendimento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo pela impossibilidade da incidência, vejamos:

 

“TC- 014157/026/0711. Além disso, muito mais comprometedor é notar que se trata de registro de preços, sistema pelo qual, conforme prevê o texto legal, o compromissado tem seu preço registrado para fornecer os materiais se e quando seus preços se mantiverem em condições favoráveis à Administração Municipal. Do contrário, ela não está obrigada a contratar, ficando-lhe facultada buscar, mediante os meios legais, outro fornecedor que ofereça preços mais atraentes. Ao promover o realinhamento dos preços, a Administração Municipal privilegiou seu registrado, em clara ofensa ao texto legal, quer quanto à demonstração da quebra da equação econômico-financeira inicial, quer quanto à sistemática que deve ser respeitada no sistema de registro de preços.”

TC11987.989.16-7, Relator Conselheiro RENATO MARTINS COSTA: “Na mesma linha, reputo improcedente a crítica que recaiu sobre a vedação de reestabelecimento do equilíbrio financeiro prevista no item 3.1.2.1 do instrumento, uma vez que o entendimento jurisprudencial sobre o assunto caminha no sentido de que “cláusulas de reequilíbrio da equação econômica inicial do contrato não são admissíveis no sistema de registro de preços, por não haver como se aplicar a teoria da imprevisão quando estamos a tratar de Ata de Registro de Preços, e tampouco cabe à Administração o dever de tutelar a manutenção do exato patamar de lucratividade relacionado a preços registrados em Ata” (conf. TC-2541/003/11, relatado pelo eminente Substituto de Conselheiro Sammy Wurman; e TCs 282.989.13-6 e 414.989.13)

“TC-034537/026/06. Conselheiro RENATO MARTINS COSTA. Além disso, muito mais comprometedor é notar que se trata de registro de preços, sistema pelo qual, conforme prevê o texto legal, o compromissado tem seu preço registrado para fornecer os materiais se e quando seus preços se mantiverem em condições favoráveis à Administração Municipal. Do contrário, ela não está obrigada a contratar, ficando-lhe facultada buscar, mediante os meios legais, outro fornecedor que ofereça condições mais atraentes. Ao promover o realinhamento dos preços, a Administração Municipal privilegiou seu registrado, em clara ofensa ao texto legal, quer quanto à demonstração da quebra da equação econômico-financeira inicial, quer quanto à sistemática que deve ser respeitada no sistema de registro de preços.”

 

Em diversas decisões, seja por entender que cláusulas de reequilíbrio da equação econômica inicial do contrato não são admissíveis no sistema de registro de preços, por não haver como se aplicar a teoria da imprevisão quando se está a tratar de Ata de Registro de Preços, ou seja por entender, que ao promover o realinhamento dos preços a Administração privilegia seu registrado, a Corte de Contas Paulista tem se manifestado contrariamente à aplicação deste instituto ao SRP.

Outras frentes, também partilham de entendimento parecido, como é o caso do Parecer nº 00001/2016/CPLCA/CGU/AGU exarado pelo Ilustre Advogado da União, Ronny Charles Lopes de Torres, que conclui:

 

“a) O procedimento de negociação de valores registrado na Ata, previsto nos artigos 17 a 19 do Decreto Federal 7.892/2013, não se confunde com o reconhecimento do direito da parte contratante à alteração do valor contratual, para manutenção do equilíbrio econômico do contrato.

  1. b) O procedimento de negociação dos valores registrados na Ata, previsto nos artigos 17 a 19 do Decreto Federal 7.892/2013, afeta o preço registrado na Ata e deve ser conduzido, a priori, pelo órgão gerenciador.
  2. c) Não cabe reajuste, repactuação o reequilíbrio econômico (revisão econômica) em relação a Ata de Registro de Preços, uma vez que estes institutos estão relacionados à contratação (contrato administrativo em sentido amplo).
  3. d) Eventual ocorrência de fato gerador de algum dos institutos de manutenção do equilíbrio econômico (reajuste, repactuação o reequilíbrio econômico) deve ser reconhecida no âmbito da contratação firmada, pela autoridade competente, sem necessária interferência na Ata de Registro de Preços.”

Em sua obra, Ronny Charles Lopes de Torres discorre sobre o mesmo tema, da seguinte forma:

 

“Pontuada tal diferenciação, convém explicar que o novo regulamento federal do Sistema de Registro de Preços, Decreto Federal nº 7.892/2013, admite certa “negociação” entre órgão gerenciador e fornecedores registrados na ata, quando identificadas supervenientes discrepâncias entre os preços registrados e os valores de mercado. Não convém confundir os institutos de revisão econômica/manutenção do equilíbrio econômico (reajuste, repactuação o reequilíbrio econômico) com o procedimento prescrito pelo Decreto Federal nº 7.892/2013.

A negociação pode se dar em decorrência de eventual redução dos preços praticados pelo mercado ou nas situações em que algum fato ele o custo dos serviços ou bens registrados, de forma que o preço de mercado se torne maior do que os valores registrados. Importante frisar que a negociação não é um direito, mas uma possibilidade de alteração consensual, pelo órgão gerenciador, não do contrato, mas dos preços firmados na Ata de Registro de Preços.” (LOPES DE TORRES, Ronny Charles, Leis de Licitações Públicas comentadas. 9ª edição, revista, ampliada e atualizada, Editora Jus Podivm, 2018. Pag. 218)

 

Assim sendo, fica nítido que o renomado doutrinador não rechaça a possibilidade de alteração dos preços registrados, entretanto, faz diferenciação entre Ata de Registro de Preços e contratos. Afirmando, assim, que o reequilíbrio econômico financeiro se aplica aos contratos, obrigatoriamente, por mandamento legal e Constitucional, o que não sucede com a Ata de Registro de Preços, sendo, neste caso, mera faculdade da Administração em promover não um reajuste, mas sim, uma verdadeira negociação com os fornecedores.

Em outras palavras, o reequilíbrio do contrato pode ser buscado inclusive judicialmente, por ser direito subjetivo da parte contratada, o que não ocorreria com a negociação para adequação dos preços registrados em Ata, uma vez que, quanto a estes, haveria discricionariedade da Administração para proceder a negociação que, inclusive, está aberta à possibilidade de contratação por outras formas, podendo buscar fornecedores com preços menores.

Esta separação entre Ata e contrato é comum, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem admitido, até mesmo, a prorrogação do contrato oriundo da Ata de Registro de Preços por período superior aos 12 meses de validade da Ata, vejamos:

 

“TC-001169/013/08. A recente jurisprudência desta Corte tem admitido a prorrogação de contrato decorrente de ata de registro de preços nos termos do artigo 57 da Lei nº 8.666/93, desde que os valores registrados e as condições de fornecimento continuem sendo os mais vantajosos para a Administração.”

            Neste sentido, o Tribunal de Contas da União se manifestou contrário à confecção da Ata de Registro de Preços e contrato administrativo no mesmo instrumento, vejamos:

“ACÓRDÃO 3273/2010 – SEGUNDA CÂMARA. Relator AUGUSTO SHERMAN. Processo 018.717/2007-3. “Representação formulada por Senador da República. Irregularidades cadastrais em empresa que venceu Pregão sob o sistema de registro de preços. Diligências e inspeção. Constatação de que as incorreções cadastrais estavam saneadas ao tempo da licitação, O QUE TORNAM IMPROCEDENTES OS ARGUMENTOS CONTIDOS NA REPRESENTAÇÃO. VERIFICAÇÃO DE OUTRAS IMPROPRIEDADES. ATA DE REGISTRO DE PREÇOS E CONTRATO FORMALIZADOS EM UM ÚNICO DOCUMENTO. CONTRATAÇÃO PELO VALOR TOTAL DO OBJETO LICITADO, COM INFRINGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 2º DO DECRETO 3.931/2001. Constatação de que a ata de registro de preços foi prorrogada por período superior a um ano, contrariando orientação CONTIDA no Acórdão 991/2009-Plenário. Conhecimento. Improcedência. DETERMINAÇÕES DE NATUREZA PREVENTIVA. Comunicação. Arquivamento.”

 

À vista disto, podemos então concluir que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem se mostrado contrário ao reequilíbrio no Sistema de Registro de Preços, fazendo pouca diferenciação se será aplicado à Ata ou ao contrato, vejamos outro precedente:

 

“Conselheiro RENATO MARTINS COSTA. TC-000041/014/10. Também não se pode aceitar que, passados apenas 45 (quarenta e cinco) dias da assinatura da Ata de Registro de Preços, a origem conceda reequilíbrio econômico financeiro em favor de sua detentora.

Ademais, o reequilíbrio econômico financeiro pressupõe a existência de contrato, no qual as partes estabelecem obrigações recíprocas, cujo cumprimento acaba se tornando inviável, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual, nos termos do artigo 65, inciso “d”, da Lei 8.666/93.

Em se tratando de Registro de Preços, no entanto, como o próprio legislador cuidou de prever expressamente no artigo 15, §4º, da Lei nº 8.666/93: “§4º – A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.”

Neste caso concreto, restou evidente que a detentora da Ata de Registro de Preços reduziu o valor de sua proposta com a intenção de vencer o certame, sem o cuidado de observar os valores correntes de mercado, de forma a garantir o cumprimento da obrigação assumida.

Nota-se que o preço da cesta básica, reajustado em 22,80% (R$41,90), suplantou até mesmo o valor de R$42,61 ofertado inicialmente pela vencedora, ficando muito próximo daquele apresentado pela segunda colocada (R$42,66), fazendo crer que esses seriam os preços de mercado já à época da apresentação das propostas.

Ausente, portanto, prova de que a situação se enquadraria na hipótese do artigo 65, inciso II, alínea “d”, da Lei Federal nº 8.666/93, não há como sustentar o reequilíbrio econômico financeiro concedido, nem mesmo que a hipótese tratasse de contrato.”

 

Quanto à Doutrina, tem sido feita diferenciação entre a Ata e o contrato. No que concerne à Ata, existe o entendimento que pode ser procedida a negociação nos termos do Decreto Federal, aplicando-se o instituto do reequilíbrio econômico apenas quanto aos contratos já firmados.

 

  1. Dificuldades que se apresentam com estes entendimentos

Os posicionamentos outrora descritos, tornam difícil o atendimento das novas exigências do ordenamento jurídico, como os fins sociais da norma, às exigências do bem comum, a proporcionalidade, a razoabilidade, e a eficiência.

Parecem não coadunar com a teleologia da norma. Uma vez que, o Sistema de Registro de Preços existe para atender as necessidades do poder público, como compras em quantidades incertas ou entregas parceladas. Neste diapasão, é muito lógico pensar, que no lapso de tempo que normalmente ocorre entre o registro e o pedido ou convocação para contratação no SRP, podem acontecer diversos fatores capazes de alterar os preços dos produtos ou serviços registrados. Diante destes possíveis, porém, incertos acontecimentos, dificultar o reequilíbrio parece distanciar a norma de seu fim.

Até mesmo porque, na contratação pelo processamento em Sistema de Registro de Preços, muitos órgãos e entidades públicas sequer utilizam do instrumento de contrato para formalizar suas compras e aquisições. Tal procedimento é autorizado pela Lei de Licitações, vejamos:

 

“Art. 62.  O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.”

 

Considerando que, na grande maioria das vezes, o Sistema de Registro de Preços é adotado quando, pela natureza do objeto, não é possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração, como por exemplo, materiais de uso médico como seringas, agulhas, luvas e máscaras, a Administração realiza compras conforme surgem as suas necessidades, utilizando de outros instrumentos hábeis para tanto, que não os contratos, diante, muitas vezes, do preço das solicitações permitirem.

Ao passo que, permitir o reequilíbrio econômico apenas para os contratos que se originam da Ata, ou como tem se manifestado o Tribunal, contrário a aplicação no SRP, parece frustrar a previsão constitucional contida no Inciso XXI do Art. 37 da Carta Magna. Sem olvidar a dita “possibilidade de negociação” de difícil compreensão, e de pouca diferenciação com o reequilíbrio econômico, haja vista, estar fundamentada na mesma alínea “d” inciso II do Art. 65 da Lei de Licitações, e ter exatamente o mesmo efeito prático.

Se tanto o reequilíbrio econômico financeiro, quanto esta “negociação” prevista no Art. 17 do Decreto Federal, retiram sua fundamentação e validade da alínea “d” inciso II do Art. 65 da Lei de Licitações, e possuem na prática o mesmo efeito, é de difícil assimilação o entendimento de que se tratam de institutos completamente diferentes.

Em outra esteira, a quem sequer faça diferenciação entre Ata de Registro de Preços e contrato. Alhures, o celebre Marçal Justen Filho, entende que o Registro de Preços em si é um contrato normativo, o Mestre leciona:

 

“O registro de preços é um contrato normativo, constituído como um cadastro de produtos e fornecedores, selecionados mediante licitação, para contratações sucessivas de bens e serviços, respeitados lotes mínimos e outras condições previstas no edital.

(…)

Em primeiro lugar, é relevante afastar um preconceito, no sentido de que o registro de preços não se constituiria em uma relação jurídica entre a Administração Pública e um particular. Alguns reputam que o registro de preços é um “entendimento” ou uma “avença”, tal como se não apresentasse natureza jurídico-contratual. Outros afirmam que o registro de preços é uma “ata” – confundindo a relação jurídica com o instrumento de sua formalização. Outros, enfim, definem o registro de preços como um “sistema”, o que não fornece a determinação da natureza jurídica do instituto.

O registro de preços é um contrato normativo, expressão que indica uma relação jurídica de cunho preliminar e abrangente.”

 

E continua o celebre autor com brilhantismo:

 

“Insista-se que a denominação adotada é irrelevante. Chamar-se um documento de “documento”, “contrato” ou “ata” é algo juridicamente secundário. O fundamental é o conteúdo jurídico do documento e dos efeitos produzidos.

A “ata de registro de preços” está para o SRP assim como o instrumento de contrato está para os contratos administrativos específicos.

(…)

A “ata de registro de preços” não produz diretamente um contrato de fornecimento ou de serviço. Ela formaliza um contrato preliminar, que envolve a disciplina de futuras contratações entre as partes.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. Revistas dos Tribunais. 2016. Pag. 316)

 

Absorvendo o exposto até aqui, cumpre realizar outras constatações que enaltecem a necessidade de aceitação da aplicação do reequilíbrio econômico ao Sistema de Registro de Preços em geral.

 

4.1. A já citada previsão constitucional

O inciso XXI do Art. 37 da Constituição Federal, já transcrito em momento anterior, garante o direito de serem mantidas as condições efetivas da proposta. Neste viés, para o Sistema de Registro de Preços, a proposta é realizada no seu processamento e formalizado/registrado em Ata.

Neste condão, a Constituição não fala em condições contratadas, mas sim, condições da proposta, no SRP a proposta consta da Ata. Negar o reequilíbrio do preço registrado e ou dizer que se trata apenas de uma negociação discricionária, é negar o preceito constitucional, e consequentemente deixar o portador da Ata em desigualdade frente aqueles que tem o condão de impor, ainda que judicialmente em seus contratos, o reequilíbrio.

 

4.2. Das obrigações advindas do Sistema de Registro de Preços

Nos dizeres de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

 

“ É importante ressaltar que a ata obriga os fornecedores, mas não a administração. Com efeito, o art. 16 do Decreto 7.892/2013, cuja base legal é o §4º do Art. 15 da Lei 8.666/1993, textualmente assevera que a existência de preços registrados não obriga a administração a contratar, facultando-se a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, assegurada a preferência ao fornecedor registrado em igualdade de condições.” (ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 24ª edição revista e atualizada. Gen. Editora Método. Pag. 700).

 

Por conseguinte, em que pese para a Administração não haja obrigação alguma em se contratar, adquirir ou solicitar os produtos ou serviços com preços registrados em Ata, para o fornecedor, que tem seu preço registrado, reside a obrigação de fornecimento enquanto perdurar a validade da Ata.

Em outras palavras, cria-se uma expectativa de que, a qualquer tempo, diante da solicitação, o produto será entregue nos prazos estipulados pelo edital e nos preços registrados, não importando o lapso de tempo que decorra entre o registro e a solicitação.

Se a validade da Ata é de até 12 meses, o fornecedor deve sustentar o preço registrado por todo este período. Esta concepção é de difícil aplicação, levando-se em consideração as áleas extraordinárias que podem suceder sobre o fornecedor a qualquer tempo.

A validade da proposta é tão importante, que o legislador se preocupou em determinar prazo para que a Administração convoque os vencedores dos certames a assinar o contrato, nos moldes da Lei 8.666/1993:

 

“Art. 64.  A Administração convocará regularmente o interessado para assinar o termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e condições estabelecidos, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 desta Lei.

(…)

  • 3º Decorridos 60 (sessenta) dias da data da entrega das propostas, sem convocação para a contratação, ficam os licitantes liberados dos compromissos assumidos.”

Com estas considerações, cogitar que seja impossível realizar reequilíbrios na proposta oferecida, durante toda a vigência da Ata, ou até mesmo, deixar a possibilidade de reequilíbrio como apenas faculdade da Administração, é demasiadamente prejudicial aos fornecedores que, consequentemente, evitarão participar deste tipo de disputa.

 

4.3.  Situações gerais de mercado

Outra situação, é aquela que condiciona todo um nicho de produção ou fornecimento, como a que a pandemia causada pela COVID-19 impôs em todo o mundo. Com a pandemia causada pelo COVID-19, diversos produtos têm tido seus preços afetados, fazendo com que disparassem no mercado.

Diversos itens como, medicamentos, equipamentos de proteção individual, produtos de necessidades básicas, têm sido afetados, fator imprevisível que causou grande impacto nas contratações públicas.

Acontecimentos como este, via de regra, acontecem com frequência, não com esta proporção e com tons de catástrofe mundial, mas, é corriqueiro que determinados setores sofram com situações adversas.

Quando um setor ou ramo de mercado sofre com uma situação adversa imprevisível, normalmente, todos os fornecedores daquele nicho são atingidos. Assim, ainda que se realize nova licitação ou que se busque de alguma forma a compra direta, ainda assim, os preços estariam em geral elevados no mercado. Não se falando assim em privilegiar os registrados.

Portanto, o reequilíbrio em situações como esta foge apenas do discricionário para saltar ao patamar da eficiência.

 

4.4.  Dos custos das novas contratações

O Decreto Federal 7.892/2013 estabeleceu, diante de uma negociação frustrada, quando o preço de mercado se tornar superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, a permissão para o órgão gerenciador liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade, se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados.

Em sendo o caso da não aplicação do reequilíbrio tanto à Ata, quanto para o contrato, o fornecedor por fim, acabará sendo liberado de seu compromisso, desde que cumpra os requisitos estabelecidos.

Portanto, diante da imperiosidade de realização de disputa, em consequência da necessidade de nova aquisição do produto ou serviço, a Administração deverá se socorrer em nova licitação.

Neste viés, segundo matéria publicada em 10 de janeiro de 2018 no sitio Plataforma+Brasil.org denominada “Você sabe quanto custa uma licitação? Custos das licitações e os efeitos para a Administração Pública”, um processo licitatório gera em média um custo de R$ 14.351,50 (catorze mil trezentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos) isso em 2015, vejamos um trecho da matéria:

 

“A identificação da necessidade de bens ou serviços tem um custo de R$ 1.051,51; a análise e aprovação de aquisição somam um custo de R$ 726,99; o custo da realização de pesquisa de mercado de valores e quantidade é de R$ 2.561,07; a determinação da modalidade e projeto básico ou termo de referência custam R$ 2.095,44; a elaboração de minuta do edital, contrato e publicação custam R$ 3.954,17; o custo da abertura de propostas e habilitação dos interessados em ato público é de R$ 1.475,27 e por fim a verificação nas conformidades do edital, adjudicação e homologação, e publicação do resultado custam R$ 2.487,35. E todo esse processo licitatório gera um custo médio de R$ 14.351,50. Isso em 2015.” (Plataforma+Brasil.org. Você sabe quanto custa uma licitação? Custos das licitações e os efeitos para a Administração Pública. 10 de janeiro de 2018 – https://siconv.com.br/voce-sabe-quanto-custa-uma-licitacao/#:~:text=A%20identifica%C3%A7%C3%A3o%20da%20necessidade%20de,custam%20R%24%202.095%2C44%3B)

 

Diante do exposto, além do quesito eficiência e admissão do reequilíbrio econômico no Sistema de Registro de Preços é questão de economicidade.

 

  1. Ocasiões em que o reequilíbrio foi permitido no SRP

            Em raras exceções, na verdade, apenas quanto ao Sistema de Registro de Preços para aquisição de combustíveis, houve manifestação tanto do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, quanto do Tribunal de Contas da União ratificando o reequilíbrio realizado nas Atas de Registro de Preços, vejamos respectivamente:

 

“Auditor VALDENIR ANTONIO POLIZELI. Processo TC-000263/005/14. OBJETO: Registro de preços de combustíveis e óleos lubrificantes.  Conforme decisão da Segunda Câmara nos autos do TC-001506/026/11, que analisou as contas do Município de Nantes, no exercício de 2011, foi determinada a formação de autos específicos para análise da matéria “aquisição de combustível”, bem como do Termo Aditivo que objetivou o reequilíbrio econômico-financeiro de dois itens da Ata de Registro de Preço (fls. 52/58).

(…)

Assim, deixo de acolher a manifestação de irregularidade, haja vista que foi concedido o reequilíbrio econômico-financeiro da contratação por meio de termo aditivo, além de ter ocorrido fato não previsto em contrato como o aumento de preços por parte da distribuidora. Tal medida, a meu ver, buscou assegurar a execução contratual sem que a empresa arcasse com ônus insuportável eis que, mesmo com o reajuste, o valor mostrou-se consonante com os preços de mercado, numa verificação mais percuciente da própria tabela constante dos autos. (Neste sentido TC-001443/009/10).

Por todo o exposto, à vista dos elementos que instruem os autos e nos termos do que dispõe a Resolução n° 03/2012 deste Tribunal, JULGO REGULARES a licitação, o contrato e o subsequente Termo Aditivo de fls. 171/175 e 179/180.”

 

            Assim se manifestou o Tribunal de Contas da União no precedente:

 

“Representação apresentada ao TCU apontou possível irregularidade no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Acre (SESACRE), consistente no ‘reajuste’ irregular da Ata do Pregão Presencial para Registro de Preços n.º 163/2008, que tinha por objeto a aquisição de materiais de consumo para atender às unidades hospitalares da capital e demais unidades administrativas daquela secretaria. Após destacar que este Tribunal já decidiu, conforme Acórdão n.º 1.595/2006-Plenário, no sentido de que ‘é aplicável a teoria da imprevisão e a possibilidade de recomposição do equilíbrio contratual em razão de valorização cambial’, não constatou o relator, na situação concreta, eventual desequilíbrio contratual em razão de valorização cambial que justificasse o realinhamento efetuado de 25% para os produtos constantes do Lote IV. Frisou tratar-se o presente caso de ‘revisão’ ou ‘realinhamento’ de preços, em que a modificação decorre de alteração extraordinária nos preços, desvinculada de circunstâncias meramente inflacionárias. Considerando, no entanto, a baixa materialidade do débito apurado em contraposição aos custos que envolveriam a adoção de procedimentos adicionais para buscar o ressarcimento do dano, e considerando, ainda, o princípio da economicidade, deliberou o Plenário, acolhendo proposição do relator, no sentido do arquivamento dos autos, sem prejuízo de determinação à SESACRE para que na análise de pedidos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos custeados com recursos públicos federais, fundamentados na ocorrência de fatos econômicos imprevisíveis (álea extraordinária), observe se estão presentes os pressupostos da concessão do direito previsto no art. 65, II, ‘d’, da Lei n.º 8.666/93, quais sejam: a) elevação dos encargos do particular; b) ocorrência de evento posterior à assinatura da ata de registro de preços; c) vínculo de causalidade entre o evento ocorrido e a majoração dos encargos da empresa; e d) imprevisibilidade da ocorrência do evento. Acórdão n.º 25/2010-Plenário, TC-026.754/2009-8, rel. Min. Benjamin Zymler, 20.01.2010.””

 

Conforme o agora colacionado, nestas situações as Cortes de Contas decidiram pela possibilidade de realização do reequilíbrio econômico financeiro para o Sistema de Registro de Preços.

Com base em todo o exposto, parece ser de bom tom, que este entendimento seja aplicado indistintamente tanto aos preços registrados em Ata quanto às obrigações assumidas em contratos originados destas Atas.

 

CONCLUSÃO

            O Sistema de Registro de Preços é um importante instrumento à disposição da Administração Pública, que viabiliza de forma efetiva a redução da burocracia através de uma licitação única, permite contratações imediatas com preços obtidos através de disputa, tem um prazo de validade maior do que a licitação comum, bem como, não onera, de início, o orçamento administrativo diante da desnecessidade de reserva, e oferece discricionariedade na aquisição.

Contudo, em situações adversas, que fazem nascer a necessidade de reequilíbrio dos preços registrados, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem se mostrado contrário à aplicação deste instituto ao SRP. Apesar, de já o ter permitido em Registro de Preços para aquisição de combustíveis.

Entretanto, a doutrina, no entender maior de Ronny Charles Lopes de Torres, defende a distinção entre Ata e contrato, aplicando quanto à primeira a facultatividade de uma negociação na apresentação de situações de desequilíbrio econômico e, apenas quando ao segundo, originado da Ata, a possibilidade ampla de reequilíbrio em situações análogas. Ainda nesta perspectiva, não se pode apagar o fato de ambas situações retirarem fundamentação e validade da alínea “d” do Inciso II do Art. 65 da Lei 8.666/93 e possuírem o mesmo efeito prático.

Ambos os entendimentos parecem não atender à finalidade do instituto do Sistema de Registro de Preços. No entender de Marçal Justen Filho, a Ata de Registro de Preços tem natureza de contrato preliminar normativo. Em outro viés, o entendimento que veda tal aplicação não considera a determinação constitucional de manutenção das condições da oferta; das obrigações assumidas pelos fornecedores com pouca contraprestação administrativa; que situações imprevisíveis que afetam uma licitação afetam, em regra, todo o setor de fornecimento; bem como, os custos de eventual novo processo licitatório.

Por derradeiro, o instituto do reequilíbrio econômico financeiro não parece incompatível com o Sistema de Registro de Preços, seja quanto à Ata que formaliza a proposta, seja quanto ao contrato que pode se originar da Ata, ao menos, quando demonstrada efetivamente a legitimidade e a necessidade de realização deste instituto.

 

Referências

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. Revistas dos Tribunais. 2016;

 

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 24ª edição revista e atualizada. Gen. Editora Método;

 

LOPES DE TORRES, Ronny Charles, Leis de Licitações Públicas comentadas. 9ª edição, revista, ampliada e atualizada, Editora Jus Podivm;

 

Plataforma+Brasil.org. Você sabe quanto custa uma licitação? Custos das licitações e os efeitos para a Administração Pública. 10 de janeiro de 2018 – https://siconv.com.br/voce-sabe-quanto-custa-uma-licitacao/#:~: text=A% 20identifica%C3%A7%C3%A3o%20da%20necessidade%20de,custam%20R%24%202.095%2C44%3B.

 

 

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