THE PRAGMATIC NATURE OF THE NEW INTRODUCTION OF THE BRAZILIAN NORMS LAW AND ITS IMPACT IN PUBLIC ADMINISTRATION AND IN THE SYSTEMS OF CONTROL
Marcela Gonçalves Godoi – Procuradora do Estado de São Paulo, pós graduada em Direito Administrativo pela FGV Law.
Resumo: o presente artigo trata da Lei nº 13.655/18, a qual trouxe disposições de caráter pragmatista à Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, com grande ênfase no contextualismo e consequencialismo. Neste diapasão, a realidade (obstáculos e dificuldades reais do gestor) passa a ser considerada na interpretação das normas relacionadas à gestão pública e, com isso, há uma necessidade de mudança de paradigmas dos órgãos de controle, com vistas a desengessar a atuação administrativa.
Palavras – chaves: Pragmatismo. LINDB. Gestão Pública. Órgãos de Controle
Abstract: this article studies the law 13555/18, which analyses the pragmatic nature of the Introduction to the Brazilian Norms Law, with a great emphasis on contextualism and consequentialism. In this context, the reality (obstacles and real difficulties of the public administrator) is considered in the interpretation of norms related to political administration, and with this, there is a need to change the paradigms of the systems of control, with a view to disengaging the administrative action.
Keywords: Pragmatism. INBL. Public Administration. Systems of Control
Sumário: Introdução. 1. Breves considerações sobre o pragmatismo jurídico. 2. Das novas disposições relacionadas especificamente à gestão pública 2.1. Da paralisia da Administração. 2.2. Comentários aos artigos 22 e 28 da LINDB. 2.2.1. Do artigo 22: A proteção ao gestor probo e responsável. 2.2.2. Do artigo 28: A proteção ao gestor inovador. 3. Do impacto das disposições da LINDB nas decisões do Tribunal de Contas da União. 4. Do Decreto nº 9830, de 10 de junho de 2019. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, já expressa em seu preâmbulo que sua finalidade foi a inclusão, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-lei n° 4.657/42), de disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público. Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques Neto[1], autores do Projeto de Lei, justificaram a necessidade da uma nova lei para promover a melhoria da qualidade da atividade jurídico-decisória sobre questões públicas no Brasil, ressaltando que a atividade de regulamentação e aplicação das leis deveria ser submetida a novas balizas interpretativas, processuais e de controle.
Constata-se forte influência do pragmatismo norte-americano, sendo que seu núcleo (antifundacionalismo, consequencialismo e contextualismo) permeia a totalidade das novas disposições. Entre as inovações, destacam-se dois artigos relacionados à gestão pública: o artigo 22 e o art. 28, os quais trazem uma maior segurança jurídica para o gestor público, uma vez que os obstáculos e as dificuldades reais do gestor devem ser considerados na interpretação das normas, bem como na decisão sobre regularidade de conduta. Ainda, a responsabilidade pessoal do agente se dará apenas nos casos de dolo ou erro grosseiro. Ou seja, há uma valorização do gestor honesto e possuidor de ideias inovadoras, mas que, receoso da atuação dos órgãos de controle, mantém-se inerte, apenas cumprindo mecanicamente as normas burocráticas, sem a coragem de correr riscos ou experimentar novas soluções.
O medo não é injustificado, ante a existência de uma farta legislação repressora de atos contra administração, aliado ao excesso de controle exercido pelos órgãos de controle, em especial pelos Tribunais de Contas. Ocorre que muitas das punições não consideram a gravidade do fato apurado, tampouco a intenção do agente; não sendo rara a punição pelo cometimento de mera irregularidade formal.
Neste contexto, há a necessidade de se verificar o posicionamento dos julgados do Tribunal de Contas da União, órgão de controle paradigma para os tribunais estaduais, bem como analisar o impacto das novas disposições em seus julgados.
- BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRAGMATISMO JURÍDICO
Margarida Lacombe Camargo[2] esclarece que o surgimento desta corrente de pensamento deu-se nos Estados Unidos, em meados do século XIX, com Peirce, sendo encampado e divulgado por William James no início do século XX. Somente vinte anos depois, John Dewey apresentou ideias básicas sobre o que ele denominou de “filosofia experimental”, partindo de uma forte crítica ao predomínio da teoria e do pensamento abstrato dissociado da prática.
Conforme relatado por Tamy Pogrebinschi[3], a totalidade do núcleo teórico do pensamento pragmatista encontra-se nos três autores supracitados, ressalvando que se em Peirce parecia ser filosoficamente apenas uma teoria da significação, a partir de James e Dewey, o pragmatismo passa a assumir a forma de uma teoria da verdade. Ainda, ressalta que apesar das peculiaridades do pensamento de cada um, o pragmatismo apresenta um núcleo comum, subsumido em três ideias principais: o antifundacionalismo, o consequencialismo e o contextualismo. Diego Werneck e Fernando Leal[4] enfatizam que, muito embora o juiz norte-americano Richard Posner, um dos mais conhecidos nomes contemporâneos do pragmatismo jurídico, discorde que sua concepção de pragmatismo jurídico seja apenas uma aplicação do pragmatismo filosófico do Direito, o mesmo concorda com o mencionado núcleo comum.
Assim, o antifundacionalismo seria a rejeição de qualquer critério ou fundação última, estática e definitiva para qualquer teoria ou argumento. Há uma recusa à ideia de certeza e aos tradicionais conceitos de verdade e realidade. O contextualismo enfatiza o papel da experiência humana, com suas crenças e tradições. Por ser um método essencialmente experimental, o pragmatismo trabalha com ênfase nos fatos. Por fim, o consequencialismo, em que as consequências práticas são consideradas antes da tomada de decisões. No dizer de Tamy Pogrebinschi[5], trata-se da insistência de olhar para o futuro e não para o passado.
Neste sentido, constata-se que as disposições incluídas na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro incorporaram no direito positivo o pragmatismo, na medida em que criaram balizas de aplicação e interpretação voltadas ao contextualismo e ao consequencialismo, por exemplo. Ainda, cumpre ressaltar que, como norma de sobredireito, a LINDB orienta e disciplina a aplicação e interpretação de outras leis.
Não significa dizer que se trata de uma novidade na interpretação das normas. Não é de hoje que há fortes críticas à dissociação entre a norma e o contexto dos fatos, bem como aos argumentos eivados de abstração ou ao uso indiscriminado dos princípios. Como já falado por Carlos Ari Sundfeld[6], “vive-se hoje um ambiente de “geléia geral” no direito público brasileiro, em que princípios vagos podem justificar qualquer decisão”.
Ao discorrer, em artigo datado de 2011, sobre a conciliação necessária entre a interpretação jurídica e o pragmatismo, Rafael Carvalho Rezende Oliveira[7] dispõe:
“O direito não pode ser desconectado dos fatos. As disposições genéricas e abstratas devem ser conformadas à realidade com o objetivo de assegurar a justiça e a equidade. A interpretação deve ser apoiada no contexto dos fatos. Com isso, o texto legal é ponto inicial da interpretação e da aplicação das normas jurídicas que deve ser complementado com a realidade. O real significado das palavras contidas nos textos normativos depende de seu uso pela sociedade em determinado momento histórico, o que impede abstrações definitivas, imutáveis.
Isso significa dizer que a interpretação jurídica é contextualizada, isto é, o sentido da norma depende do respectivo contexto histórico, social, econômico e político em que se encontra inserida. Vislumbra-se, aqui, a íntima ligação entre a atividade interpretativa e o pragmatismo, notadamente pela necessidade de criação da norma a partir do texto da lei, com a consequente valorização do contexto e das consequências da interpretação”.
Importante mencionar que o pragmatismo vem sendo utilizado, ainda que de forma não intencional, pelo Judiciário, principalmente. Não são poucas as decisões do Supremo Tribunal Federal que avaliaram as consequências práticas da decisão. Como exemplo, pode-se citar, entre outros, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.240 tinha por objeto a Lei nº 7.619 do Estado da Bahia, por meio da qual foi criado o Município de Luís Eduardo Magalhães.
A lei em questão foi promulgada no ano de 2000, depois, portanto, da alteração introduzida no artigo 18, § 4º da Constituição da República pela Emenda nº 15, de 12 de setembro de 1996:
- 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.
O julgamento do caso em questão ocorreu entre 18/05/2006 e 09/05/2007, ou seja, somente foi concluído sete anos depois da criação do município. Destacou o Ministro relator que as situações de fato decorrentes da criação do município, ainda que esta tenha se dado por lei inconstitucional, não poderiam ser ignoradas, de modo que somente restou ao Supremo Tribunal Federal reconhecer e acolher a força normativa dos fatos[8].
Decidiu a Corte, então, pela procedência do pedido, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei, mas sem pronúncia de nulidade pelo prazo de vinte e quatro meses, dentro do qual o legislador estadual poderia reapreciar o tema, tendo como base os parâmetros que deverão ser fixados na lei complementar federal, conforme decisão desta Corte na ADI 3.682 (trechos destacados extraídos do voto do Ministro GILMAR MENDES, que prevaleceu ao final, neste aspecto).
Ao decidir desta forma, isto é, ao reconhecer a força normativa dos fatos e sopesar as consequências da pronúncia de nulidade da lei, o Supremo Tribunal Federal levou em consideração não apenas questões de segurança jurídica (que orientam todo o espírito de alteração da LINDB), mas também, e principalmente, as consequências práticas da decisão, exigência contida no novo artigo 20, introduzido pela Lei nº 13.655/2018:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
Por fim, conforme bem elucidado pela Profª Clarice von Oertzen de Araújo[9], “trabalhar na perspectiva do Pragmatismo Jurídico como ciência viva do Direito é partir sempre de uma instância dinâmica de observação; olhar para o direito em movimento, em evolução”.
- DAS NOVAS DISPOSIÇÕES RELACIONADAS ESPECIFICAMENTE À GESTÃO PÚBLICA
2.1 DA PARALISIA DA ADMINISTRAÇÃO
Partindo da premissa de que o espírito da nova lei contempla o pragmatismo, dois de seus artigos – artigos 22 e 28, comentados mais adiante – são diretamente relacionados à gestão pública, tanto com relação aos obstáculos e dificuldades (contextualismo) enfrentadas pelo gestor quanto com relação ao controle das decisões do agente (consequencialismo). As justificativas para a inclusão de referidos dispositivos na lei baseiam-se no fato de que o excesso de controle da Administração acaba por engessá-la, uma vez que os gestores, receosos de que sua conduta não seja aprovada pelos órgãos de fiscalização, optam em seguir uma rotina ausente de riscos; isto é, cumprem fielmente e mecanicamente as regras burocráticas, sem a preocupação de qual o resultado atendido. Trata-se do denominado apagão das canetas.
No dizer de Fernando Vernalha Guimarães[10]:
“O administrador público vem, aos poucos, desistindo de decidir. Ele não quer mais correr riscos. Desde a edição da Constituição de 88, que inspirou um modelo de controle fortemente inibidor da liberdade e da autonomia do gestor público, assistimos a uma crescente ampliação e sofisticação do controle sobre as suas ações. Decidir sobre o dia a dia da Administração passou a atrair riscos jurídicos de toda a ordem, que podem chegar ao ponto da criminalização da conduta. Sob as garras de todo esse controle, o administrador desistiu de decidir. Viu seus riscos ampliados e, por um instinto de autoproteção, demarcou suas ações à sua “zona de conforto”. Com isso, instalou-se o que se poderia denominar de crise da ineficiência pelo controle: acuados, os gestores não mais atuam apenas na busca da melhor solução ao interesse administrativo, mas também para se proteger. Tomar decisões heterodoxas ou praticar ações controvertidas nas instâncias de controle é se expor a riscos indigestos. E é compreensível a inibição do administrador frente a esse cenário de ampliação dos riscos jurídicos sobre suas ações. Afinal, tomar decisões sensíveis pode significar ao administrador o risco de ser processado criminalmente. Como consequência inevitável da retração do administrador instala-se a ineficiência administrativa, com prejuízos evidentes ao funcionamento da atividade pública”.
Não se trata de uma burla à legalidade a que a Administração está vinculada. Ocorre que, conforme bem apontado por Juliana Bonacorsi de Palma[11], “administrar é interpretar normas públicas para aplicação em casos concretos”. Isto é, administrar não é aplicar a lei de ofício, ainda mais quando eivadas de indeterminações jurídicas. Assim, a interpretação seria uma tarefa indissociável da implementação.
Num contexto em que a população clama pelo fim da corrupção e imoralidades e em que o arcabouço jurídico para a aplicação de sanções e combate à corrupção se mostra cada vez mais consistente, parece estranho uma legislação protecionista do agente público. No entanto, cumpre esclarecer que é exatamente este o ponto: não se trata de uma legislação protecionista de todo e qualquer agente público, mas do agente honesto e responsável que, como dito, mantém-se inerte ou, quando menos, deixa de adotar soluções criativas para os problemas reais cotidianos.
Ao comentarem sobre o “sistema legal de defesa da moralidade administrativa”, sistema este que inclui, entre outras Leis, a parte penal da Lei de Licitações e Contratos – Lei nº 8.666/93; a Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/92 e a Lei Anticorrupção – Lei nº 12.846/2013, Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas[12], enfatizam:
“Uma das principais falhas desse sistema normativo é que ele não considera o administrador probo, honesto e responsável. O desamparo normativo desse agente público produz externalidades negativas para além dos atos praticados pelos agentes corruptos. Causa a paralisia da administração pública. Ninguém decide mais nada. A lógica de autodefesa é a seguinte: se a inércia, quando muito, pode lhe importar uma sanção funcional, enquanto a ação pode lhe importar na sua responsabilização patrimonial, o melhor é não fazer nada. O problema é que a legítima defesa do gestor público leva, no final do processo, à inação do Estado, com violação reflexa aos demais fundamentos.”
2.2 COMENTÁRIOS AOS ARTIGOS 22 E 28 DA LINDB
2.2.1 DO ARTIGO 22: A PROTEÇÃO AO GESTOR PROBO E RESPONSÁVEL
O artigo 22 assim dispõe:
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
- 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
- 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
- 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
Da redação do artigo verifica-se sua matriz pragmática, consagrando principalmente o contextualismo. Exige-se a consideração da realidade na interpretação das normas sobre gestão pública, assim como na decisão sobre regularidade de conduta ou na anulação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa. De acordo com Eduardo Jordão[13], o “primado da realidade” é consagrado e a contextualização exigida produz uma espécie de empatia com o gestor público e suas dificuldades.
Importante mencionar que o artigo em referência (e a nova lei, no geral) não trouxe segurança jurídica apenas aos gestores, mas também aos investidores privados, na medida em que os contratos firmados com o ente público não poderão ser anulados com fundamento em valores jurídicos abstratos que desconsidere as consequências práticas dela decorrentes. Neste ponto, inclusive, necessário repisar que não se trata de dificultar a atuação dos órgãos fiscalizatórios no controle da legalidade, tal como foi objeto de críticas. O que se pretende evitar é tão somente a anulação sem motivação suficiente, utilizando-se de valores jurídicos abstratos.
De igual forma, os obstáculos e dificuldades enfrentadas pelo gestor devem ser devidamente motivados; isto é, não consistem em um cheque em branco do gestor, eximindo-o de suas responsabilidades.
Conforme bem exposto pelo autor supracitado[14]:
“O gestor público deverá apresentar à sociedade e aos controladores o contexto em que tomou a sua decisão, inclusive no que concerne a apresentação das alternativas que estavam à sua disposição e as razões das opções realizadas, na forma, também, do parágrafo único do art. 20. Seria benéfico para a maturidade do nosso direito público, inclusive, que o gestor deixasse claro as dúvidas que teve, para fins de contextualizar as sociedades e os controladores nos dilemas reais que circundam a sua atuação e as suas escolhas.”
Por fim, ao se determinar que as normas sobre gestão pública devam ser interpretadas levando-se em consideração os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências de políticas públicas a seu cargo, o dispositivo estabelece o ônus argumentativo ao controlador, o qual é colocado na posição do gestor exatamente para compreender a decisão tomada e, caso decida no lugar do gestor, também terá que assumir a responsabilidade pelas consequências práticas da decisão. Quanto às alegações e críticas de que não cabe a transferência da atividade de gestão aos controladores, em razão da ausência de expertise técnica, Juliana Bonacorsi de Palma[15] defende que se trata apenas da previsão de uma dinâmica de diálogo institucional, sendo que, na impossibilidade de se avaliar as consequências e alternativas existentes, o controlador deve deferência às escolhas da administração pública.
2.2.2 DO ARTIGO 28: A PROTEÇÃO AO GESTOR INOVADOR
A redação do artigo, após os vetos presidenciais dos parágrafos 1º, 2º e 3º, restou assim definida:
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Para este estudo, a análise do artigo 28 será limitada aos motivos que levaram à sua criação (assunto debatido no tópico 3.1 – Da Paralisia da Administração) bem como à consideração do que seria erro grosseiro na visão do Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo e que tende a ser paradigma para os Tribunais de Contas estaduais.
Cumpre aqui apenas complementar que o artigo 28 admite o falibilismo do gestor público. Ora, numa administração inovadora, em que o experimentalismo é presente, não há como se exigir uma atuação isenta de erros. O que o artigo considera é o grau do erro cometido. José Vicente Santos de Mendonça[16], ao tratar sobre a responsabilidade pessoal de parecerista público, exemplifica o que denomina de erro evidente e inescusável: elaboração de parecer sobre matéria atual de trânsito com base em Código Nacional de Trânsito revogado, enquadrar caso de dispensa de licitação em artigo inteiramente inaplicável da Lei de Licitações.
Como conclui Gustavo Binenbojm e André Cyrino[17], admitir o erro, salvo quando grosseiro, faz sentido num regime jurídico que pretenda viabilizar soluções inovadoras.
- DO IMPACTO DAS DISPOSIÇÕES DA LINDB NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ao analisar diversos acórdãos referentes à responsabilização de agentes públicos, Juliana Bonacorsi[18] constatou que um dos parâmetros utilizados pelo Tribunal de Contas refere-se à figura do “administrador médio”. Ao expor o resultado de sua pesquisa, informa:
“Mas quem é o administrador médio do TCU? Para o Tribunal, o administrador médio é, antes de tudo, um sujeito leal, cauteloso e diligente (Ac. 1781/2017; Ac. 243/2010; Ac. 3288/2011). Sua conduta é sempre razoável e irrepreensível, orientada por um senso comum que extrai das normas seu verdadeiro sentido teleológico (Ac. 3493/2010; Ac. 117/2010). Quanto ao grau de conhecimento técnico exigido, o TCU titubeia. Por um lado, precisa ser sabedor de práticas habituais e consolidadas, dominando com mestria os instrumentos jurídicos (Ac. 2151/2013; Ac. 1659/2017). Por outro, requer do administrador médio o básico fundamental, não lhe exigindo exame de detalhes de minutas de ajustes ou acordos administrativos que lhe sejam submetidos à aprovação, por exemplo (Ac. 4424/2018; Ac. 3241/2013; Ac. 3170/2013; 740/2013). Sua atuação é preventiva: ele devolve os valores acrescidos da remuneração por aplicação financeira aos cofres federais com prestação de contas, e não se apressa para aplicar esses recursos (Ac. 8658/2011; Ac. 3170/2013). Não deixa de verificar a regularidade dos pagamentos sob sua responsabilidade (Ac. 4636/2012), não descumpre determinação do TCU e não se envolve pessoalmente em irregularidades administrativas (Ac. 2139/2010).”
Ou seja, há uma imprevisibilidade no que pode ou não pode ser enquadrado no conceito de “administrador médio” e, logo, o que pode ou não pode ensejar uma responsabilização. E neste cenário é que a nova LINDB foi implantada, gerando a necessidade de que a falta cometida tenha sido efetuada com dolo ou erro grosseiro, nos termos de seu artigo 28, além de que sejam considerados os obstáculos e dificuldades reais do gestor, nos termos de seu artigo 22. Ainda, em observância ao artigo 20, a decisão não poderá ser embasada em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Verifica-se, então, uma premente necessidade de se alterar as balizas definidoras de responsabilização, pelo Tribunal de Contas a União, sendo contrário à Lei 13.655/18 considerar erro grosseiro como erro que não seria praticado pelo “administrador médio”.
Após a vigência da Lei, destacou-se o Acórdão 1628/2018 – Relator Min. Benjamin Zymler, em que utilizado o conceito de “erro grosseiro” previsto no artigo 28, para deixar de responsabilizar uma servidora. No caso, o TCU examinou legalidade da gestão dos recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) utilizados pelo município na contratação de serviço terceirizado. Grande parte das contratações eram por dispensa de licitação e descobriu-se que servidores municipais eram sócios das empresas contratadas. Ocorre que as empresas prestavam serviço ao hospital desde 2012, o que foi determinante para que o Ministro concluísse que a servidora teria sido induzida em erro:
Entendo, pois, que a pregoeira foi induzida em erro, ao adotar a presunção de que as empresas estariam em situação regular pelo fato de já estarem prestando serviços ao hospital. Outro fato que obra em favor da responsável é a ausência de parecer jurídico ou manifestação do tribunal de contas estadual acerca do procedimento correto que deveria ser adotado. Ou seja, o que se verifica é que a gestora agiu de acordo com a prática comumente adotada na municipalidade, sendo que caberia às autoridades superiores a revisão de tal metodologia para adequá-la ao entendimento desta Corte de Contas.
- Em sendo assim, embora configurada a falha, não vislumbro na conduta da pregoeira reprovabilidade suficiente para justificar a aplicação de sanção.
- Situação diversa é a do então Secretário de Gestão Administrativa, na condição de autoridade homologadora.
- Primeiro, porque o plexo de atribuições do cargo exigiria que fossem adotados procedimentos para que as falhas não ocorressem. Era esperado desse gestor, por exemplo, que acionasse a procuradoria municipal para que se manifestasse sobre a matéria.
- Segundo, porque esse autorizou, ao menos em parte, a contratação por dispensas de licitação de empresas cujos sócios eram funcionários da municipalidade e, com esse procedimento, induziu as pessoas a ele subordinadas, inclusive a mencionada pregoeira, a supor que a prática era lícita.
- Entendo, pois, que a conduta desse responsável foge do referencial do “administrador médio” utilizado pelo TCU para avaliar a razoabilidade dos atos submetidos a sua apreciação. Tratou-se, a meu ver, de erro grosseiro, que permite que os agentes respondam pessoalmente por seus atos, nos termos do art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (com redação dada pela Lei 13.655/2018):
“Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.” (Ac 1628/2018 – Plenário do Tribunal de Contas da União – Relator Min. Benjamin Zymler).
No entanto, como representação de avanço na observância da LINDB em sua jurisprudência, cabe mencionar o Acórdão 2391, de 17.10.18, – Relator Min. Benjamin Zymler. Conforme se verá, o julgamento trouxe parâmetros para a configuração do erro grosseiro, bem como explorou o tema da responsabilidade dos agentes públicos:
Quanto à alegação de que não existem indícios de que o defendente tenha agido dolosamente, destaco que a responsabilidade dos jurisdicionados perante o TCU é de natureza subjetiva, caracterizada mediante a presença de simples culpa stricto sensu, sendo desnecessária a caracterização de conduta dolosa ou má-fé do gestor para que este seja instado a ressarcir os prejuízos que tenha causado ao erário (Acórdãos 9004/2018-1ª Câmara, 635/2017-Plenário, 2781/2016-Plenário, dentre outros).
- Neste ponto, cabe ressaltar que a Lei 13.655/2018 introduziu vários dispositivos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINB, que diretamente alcançam a atividade jurisdicional desta Corte de Contas, em especial a atividade de aplicação de sanções administrativas e de correção de atos irregulares.
- Segundo os arts. 22 e 28 da LINB, recém introduzidos pela referida norma:
“Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
- 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
- 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
- 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
(…)
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.” (grifos acrescidos).
- Dito isso, é preciso conceituar o que vem a ser erro grosseiro para o exercício do poder sancionatório desta Corte de Contas. Segundo o art. 138 do Código Civil, o erro, sem nenhum tipo de qualificação quanto à sua gravidade, é aquele “que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio” (grifos acrescidos). Se ele for substancial, nos termos do art. 139, torna anulável o negócio jurídico. Se não, pode ser convalidado.
- Tomando como base esse parâmetro, o erro leve é o que somente seria percebido e, portanto, evitado por pessoa de diligência extraordinária, isto é, com grau de atenção acima do normal, consideradas as circunstâncias do negócio. O erro grosseiro, por sua vez, é o que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio. Dito de outra forma, o erro grosseiro é o que decorreu de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave.
A tabela abaixo também consta do acórdão citado:
Gradação do Erro | Pessoa que seria capaz de perceber o erro | Efeito sobre a validade do negócio jurídico (se substancial) |
Erro grosseiro | Com diligência abaixo do normal | Anulável |
Erro (sem qualificação) | Com diligência normal | Anulável |
Erro leve | Com diligência extraordinária – acima do normal | Não anulável |
Não há como negar que se trata de um avanço na jurisprudência do Tribunal. No entanto, cumpre observar que o §1º do artigo (vetado) traria muito mais segurança jurídica aos agentes públicos, uma vez que excluía determinadas ações da definição de erro grosseiro: decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgãos de controle ou judiciais.
No dizer de Leonardo Coelho Ribeiro[19]:
“Ausentes os parâmetros positivos ou negativos legalmente dispostos para delimitar o erro grosseiro, manteve-se espaço para que o Tribunal de Contas siga determinando o próprio parâmetro de controle que empregará. Definindo parâmetros para si, nada melhor do que fazê-lo elasticamente, de preferência com categorias inexistentes, e assim vazias de substância. Assim, dê-se as boas-vindas ao “administrador médio”, aquele que nem o TCU sabe quem é, mas avoca para si a competência para dizê-lo, no caso concreto, ao “avaliar a razoabilidade” da conduta sob exame. Por vezes, acrescenta: administrador médio, cauteloso e diligente.
O veto pela segurança jurídica nos traz ao controle pautado em categoria inexistente. Possivelmente, também em nome da segurança jurídica. Do controlador, e não dos controlados, claro. Nesse contexto, espera-se mesmo é pelo surgimento de um “administrador médium”, dotado da presciência capaz de antecipar as visões futuras do controlador.”
Outros acórdãos sucederam ao supracitado, reforçando o posicionamento do TCU nos parâmetros utilizados para a aplicação de sanção:
Por fim, registro que o entendimento jurisprudencial desta Corte de Contas, conforme evidencia os seguintes enunciados da Jurisprudência Selecionada do TCU, reforça o encaminhamento supra:
A conduta culposa do responsável que foge ao referencial do “administrador médio” utilizado pelo TCU para avaliar a razoabilidade dos atos submetidos a sua apreciação caracteriza o “erro grosseiro” a que alude o art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) , incluído pela Lei 13.655/2018. (Acórdão 1.628/2018-Plenário, Relator: BENJAMIN ZYMLER) ;
O erro grosseiro a que alude o art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) , incluído pela Lei 13.655/2018, fica configurado quando a conduta do agente público se distancia daquela que seria esperada do administrador médio, avaliada no caso concreto. (Acórdão 2.860/2018-Plenário, Relator: AUGUSTO SHERMAN) ;
Para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, erro grosseiro é o que decorreu de grave inobservância do dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave. (Acórdão 2.391/2018-Plenário, Relator: BENJAMIN ZYMLER e Acórdão 2.924/2018-Plenário, Relator: JOSÉ MUCIO MONTEIRO) ;
Para fins de responsabilização perante o TCU, considera-se erro grosseiro aquele que pode ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal ou que pode ser evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, decorrente de grave inobservância de dever de cuidado. (Acórdão 3.327/2019-Primeira Câmara, Relator: VITAL DO RÊGO);
Para fins de responsabilização perante o TCU, pode ser tipificado como erro grosseiro o descumprimento de regra expressa em instrumento de convênio. Tal conduta revela nível de atenção aquém ao de uma pessoa com diligência abaixo do patamar médio, o que configura culpa grave, passível de multa. (Acórdão 2.681/2019-Primeira Câmara, Relator: BENJAMIN ZYMLER). (Ac 1264/2019 – Plenário do Tribunal de Contas da União – Relator Min. Augusto Nardes, julgado. em 05.06.19).
A Lei 13.655/2018 introduziu vários dispositivos no Decreto-lei 4.657/1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que diretamente alcançam a atividade jurisdicional desta Corte de Contas, em especial a atividade de aplicação de sanções administrativas e de correção de atos irregulares.
- Os arts. 22 e 28 da LINDB, recém introduzidos pelo citado normativo legal, estabelecem que:
“Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
- 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
- 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
- 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
(…)
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”
- Assim, nesta Corte de Contas, para finalidade de aplicação de sanções administrativas, entre as quais as multas, há que se verificar a ocorrência de dolo ou erro grosseiro por parte do administrador público.
- O entendimento jurisprudencial do TCU vem se inclinando no sentido de considerar que, para o exercício do poder sancionatório desta Corte de Contas, considera-se erro grosseiro o que decorreu de grave inobservância do dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave (Acórdãos 2.391/2018-TCU-Plenário, Relator: Min. Benjamin Zymler, 2.924/2018-TCU-Plenário, Relator Min. José Mucio Monteiro, 11.762/2018-TCU-2ª Câmara, Relator: Min. Marcos Bemquerer, e 957, 1.264/2019 e 1.689/2019, todos do Plenário desta Corte e de minha relatoria). (Ac 1941/2019 – Plenário do Tribunal de Contas da União – Relator Min. Augusto Nardes, julgado. em 21.08.19).
- DO DECRETO Nº 9830, DE 10 DE JUNHO DE 2019
Em junho de 2019 foi publicado o Decreto nº 9830, regulamentando as novas disposições incluídas na LINDB. Assim, no tema da responsabilização, o Decreto dispõe:
Art. 12. O agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções.
- 1º Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
- 2º Não será configurado dolo ou erro grosseiro do agente público se não restar comprovada, nos autos do processo de responsabilização, situação ou circunstância fática capaz de caracterizar o dolo ou o erro grosseiro.
- 3º O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização, exceto se comprovado o dolo ou o erro grosseiro do agente público.
- 4º A complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público serão consideradas em eventual responsabilização do agente público.
- 5º O montante do dano ao erário, ainda que expressivo, não poderá, por si só, ser elemento para caracterizar o erro grosseiro ou o dolo.
- 6º A responsabilização pela opinião técnica não se estende de forma automática ao decisor que a adotou como fundamento de decidir e somente se configurará se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica ou se houver conluio entre os agentes.
- 7º No exercício do poder hierárquico, só responderá por culpa in vigilando aquele cuja omissão caracterizar erro grosseiro ou dolo.
- 8º O disposto neste artigo não exime o agente público de atuar de forma diligente e eficiente no cumprimento dos seus deveres constitucionais e legais trazendo disposições de caráter pragmatista sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação
Verifica-se que a regulamentação trouxe a definição do que vem a ser “erro grosseiro”, mitigando a incerteza do que poderia ou não ser englobado em tal definição, ensejando a responsabilização. Ademais, constata-se que o Decreto considerou insuficiente o nexo de causalidade entre a conduta do gestor e o resultado danoso, independentemente do valor do dano ao erário.
Importante disposição consta do § 4º, o qual determina que a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público serão consideradas em eventual responsabilização do agente púbico.
Conforme conclui Vera Monteiro[20]:
“Portanto, o fracasso faz parte do processo de inovação. Não o fracasso derivado de descuido, de má gestão, de desonestidade ou de fraude, esse sim capaz de gerar responsabilidade pessoal. O que faz parte do processo de inovação e, por isso, deve ser absorvido pela organização pública, é o fracasso que não tem origem em dolo ou erro grosseiro do agente público, bem como o prejuízo indesejado ao erário causado por processo inventivo conduzido por gestor de boa-fé.”
CONCLUSÃO
O objetivo deste artigo foi tratar sobre a Lei nº 13.655/2018, a qual alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-lei n° 4.657/42), trazendo disposições de caráter pragmatista sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público, especialmente relacionadas à gestão pública.
De tudo quanto se discorreu, podemos concluir que mais que uma necessidade de quebra de paradigmas dos gestores e controladores, há uma necessidade de mudança cultural de toda a população. A consideração do agente público como bode expiatório de todas as mazelas da sociedade contribui para o excesso do aparato relativo ao controle administrativo. A cultura do punir apenas para acalmar a calorosa opinião pública precisa ser combatida, para que o gestor honesto e inovador não se acanhe em adotar medidas, tomar decisões, “pense fora da caixa”.
Daí a importância da análise decisões dos órgãos de controle, a fim de se verificar a real observância da lei e, assim, garantir a eficiência e a segurança jurídica, objetivos declarados no preâmbulo da Lei nº 13.655/18. E, como dito, a segurança tanto para os gestores quanto para os investidores privados, o que significa eficiência, otimização de resultados, desenvolvimento e implantação de políticas públicas.
Coadunar-se a atividade administrativa com a atuação dos órgãos de controle somente poderá ser de fato efetuada através do diálogo institucional, o que, com as novas disposições, tornou-se regra. O primeiro passo foi dado.
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[1] SUNDFELD, Carlos Ari; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Uma nova lei para aumentar a qualidade jurídica das decisões públicas e de seu controle. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org). Contratações Públicas e seu Controle. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 277.
[2] CAMARGO, Margarida Lacombe. Fundamentos filosóficos do pragmatismo jurídico. In: SARMENTO, Daniel (Org). Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 366-367.
[3] POGREBINSCHI, Tamy. Pragmatismo: teoria social e política – Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005.
[4] ARGUELES, Diego Werneck; LEAL, Fernando. Pragmatismo como [meta] teoria normativa da decisão judicial: caracterização, estratégias e implicações. In: SARMENTO, Daniel (Org). Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.p.176-177.
[5] POGREBINSCHI, Tamy, op. cit., p. 38.
[6] SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio é Preguiça? in Direito Administrativo para Céticos, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
[7] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A releitura do direito administrativo à luz do pragmatismo jurídico. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 256, p. 129-63, jan./abr.2011. Disponível em: <http//bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/8496/7245> Acesso em: 09.01.2019.
[8] No item 04 do voto (fls. 288/289 dos autos), o Ministro relator EROS GRAU elenca todas as situações de fato e de direito ocorridas no âmbito do Município de Luís Eduardo Magalhães (eleições, promulgação de leis, arrecadação de tributos, nascimentos, casamentos, prestação de serviços públicos etc.), para dimensionar, mais adiante, qual seria a consequência de declaração de inconstitucionalidade com pronúncia de nulidade da lei que criou o município.
[9] ARAUJO. Clarice von Oertzen . Contribuições do Pragmatismo ao desenvolvimento das instituições. DUC IN ALTUM CADERNOS DE DIREITO , v. 9, p. 5-22, 2017.
[10] GUIMARAES, Fernando Vernalha. O Direito Administrativo do Medo: a crise da ineficiência pelo controle. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/fernando-vernalha-guimaraes/o-direito-adminsitrativo-do-medo-a-crise-da-ineficiencia-pelo-controle>. Acesso em 15.01.2019.
[11] PALMA, Juliana Bonacorsi de. A proposta de lei da segurança jurídica na gestão e do controle públicos e as pesquisas acadêmicas. SBDP. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br>. Acesso em 15.01.2019.
[12] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. FREITAS, Rafael Véras. O artigo 28 da nova LINDB: um regime jurídico para o administrador. Consultor Jurídico – CONJUR. 25 maio 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-mai-25/opiniao-lindb-regime-juridico-administrador-honesto>. Acesso em: 23.01.2019.
[13] JORDÃO, Eduardo. Art. 22 da LINDB – Acabou o romance: reforço do pragmatismo no direito público brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 70, nov.2018. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77650/74313>. Acesso em: 23.01.2019.
[14] IBIDEM, p. 72-73.
[15] Id. Como argumentar pelas consequências no controle da gestão pública? Lei 13.655/18 garante o diálogo institucional. – JOTA. 15 maio 2018. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/argumentar-controle-gestao-publica-15052018>.Acesso em: 23.01.2019.
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[18] Id. Quem é o administrador médio do TCU? LINDB exige que condutas sejam avaliadas a partir da realidade – JOTA. 22 ago 2018. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/quem-e-o-administrador-medio-do-tcu-22082018>.Acesso em: 23.01.2019.
[19] RIBEIRO, Leonardo Coelho. Vetos à LINDB, o TCU e o erro grosseiro dão boas vindas ao “administrador médium”. Consultor Jurídico – CONJUR. 08 ago 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-agoi-08/leonardo-coelho-vetos-lindb-tcu-erro-grosseiro>. Acesso em: 30.01.2019.
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