Graus de responsabilização dos servidores públicos em razão de danos e prejuízos causados ao erário

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Resumo: A proposta do presente estudo é identificar as situações jurídicas nas quais o servidor estará isento de responsabilidade por eventuais danos e prejuízos sofridos pelo ente público, bem como esclarecer as situações nas quais restará configurada a responsabilidade civil do servidor, seja de forma subsidiária, seja de forma solidária em relação aos demais envolvidos.

Palavras-chaves: Servidor Público. Responsabilidade por danos e prejuízos ao Erário.

I – Introdução

A proposta do presente estudo é identificar as situações jurídicas nas quais o servidor estará isento de responsabilidade por eventuais danos e prejuízos sofridos pelo ente público, bem como esclarecer as situações nas quais restará configurada a responsabilidade civil do servidor, seja de forma subsidiária, seja de forma solidária em relação aos demais envolvidos.

II – Desenvolvimento

Para compreendermos o espectro jurídico relacionado ao grau de responsabilidade do servidor, uma tarefa preliminar é percorrer todo o rol normativo relacionado ao tema.

Partindo do texto da Lei Maior, pode-se perceber que a Constituição Federal de 1988, exclusivamente em relação à eventual responsabilidade do servidor por prejuízos causados a terceiros, adotou para os agentes públicos, em contraponto à responsabilidade objetiva do Estado, a teoria da responsabilidade subjetiva, senão vejamos:

“Art. 37 (…)

§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Não obstante o artigo 37, § 6º tratar da responsabilidade do servidor em relação a danos causados a terceiros, é corolário lógico que, em relação aos danos causados pelo servidor ao próprio ente estatal, prevalece a mesma linha de raciocínio.

Outrossim, a Lei 8.112/91, Estatuto dos Servidores Públicos Federais, é de clareza singular quando estabelece:

“Art. 122.  A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.”

É o que se verifica, também, pela interpretação conjunta dos artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro.

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Conclui-se, portanto, com base no quanto previsto no texto constitucional e na legislação infraconstitucional, que a responsabilização de servidores por danos causados ao Erário requer, no mínimo, a caracterização da culpa desse servidor.

Assim sendo, nas hipóteses em que restem configurados danos aos cofres da Autarquia Previdenciária, não há que se falar em responsabilização do servidor quando não lhe for imputável ato comissivo ou omissivo, caracterizável como ato imperito, negligente ou imprudente.

Aqui, todavia, é importante esclarecer que além da análise do elemento subjetivo culpa, é de todo evidente que a responsabilização do servidor por danos ao erário só é cabível se, no caso concreto, estiver devidamente caracterizado o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão do servidor.  

Dentro dessa idéia de indispensabilidade do nexo causal, filiamo-nos à corrente que entende não haver responsabilidade do agente quando presentes situações caracterizáveis como caso fortuito ou força maior, visto que tais hipóteses afastam o dever de indenizar responsabilidade) por fulminarem o eventual nexo causal entre o dano e o prejuízo.

Outra causa excludente do dever de indenizar a ser considerada é aquela nominada pela doutrina de “culpa exclusiva de terceiro”. A culpa exclusiva de terceiro também fulminará a relação causal entre o dano e o prejuízo, mas, como seu próprio nome indica, exige que não haja qualquer forma de culpa concorrente entre o terceiro e o servidor correlacionado com o fato danoso.

Transplantando esse arcabouço técnico-jurídico para o dia-a-dia concreto da autarquia, pode-se dizer que não haveria responsabilidade de determinado servidor se um suposto pagamento indevido fosse realizado com base em ato ardil ou malicioso de uma terceira pessoa, ato esse capaz de, comprovadamente, ludibriar o servidor medianamente diligente e zeloso.

Em termos práticos, para o servidor ver afastada a obrigação de restituir os prejuízos ao ente estatal, o dano configurado deve ter ocorrido sem a existência de erro grave por parte do referido servidor.

O erro grave, salvo melhor juízo, afasta a alegação de culpa exclusiva de terceiros. E isso porque ainda que tenha havido conduta dolosa do terceiro buscando alcançar proveito econômico indevido, bastaria que ao servidor seguir as rotinas internas estabelecidas para salvaguardar os recursos da autarquia.

O erro grave não só atrai a tradicional conceituação de culpa strictu sensu, pela presença dos elementos negligência e imperícia, como repele a noção de exclusividade da atuação do terceiro, já que o dano só se efetivou pela conjunção desses dois fatores, a saber, dolo do terceiro e a falta grave do servidor.

Não descurando de toda a discussão doutrinária acerca da definição de erro grave, podemos, com um certo receio de ser excessivamente simplista, mas atento ao público a que se destina a Instrução Normativa ora revisada, conceituar erro grave como sendo o “erro inescusável cometido pelo servidor em decorrência da inobservância das normas e critérios internos estabelecidos para a prática de determinado ato.”

Havendo a caracterização do famigerado erro grave, surge a primeira hipótese de responsabilização do servidor. Nesse particular, tendo em vista o escopo do estudo, cabe-nos definir se a responsabilidade do servidor seria solidária ou subsidiária.

Como é de conhecimento geral da comunidade jurídica nacional, a ocorrência de solidariedade ativa ou passiva, há muito tempo, jamais há ser presumida. Sempre decorre de texto expresso de lei ou da vontade das partes postas em contrato. É exatamente o que preceitua o artigo 265 do Código Civil Brasileiro de 2002, reproduzindo ipsis litteris idêntica previsão contida no Diploma Civil de Bevilacqua.

“Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”

O próprio Código Civil, todavia, no capitulo específico da Responsabilidade Civil, determina o seguinte:

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“Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.” (ênfase suprida)

Portanto, a título de responsabilização civil, restando configurada co-autoria em casos de ofensa ao patrimônio da autarquia, deverá ser, em regra, decretada a solidariedade entre aqueles que agem em concurso.

Vale esclarecer, todavia, que não basta para a imposição da solidariedade a existência de mais de um agente contribuindo para o dano. É imprescindível verificar, também, a ocorrência do liame subjetivo entre os responsáveis pelo dano. Ou seja, somente há solidariedade entre o servidor e terceiros, ou entre dois ou mais servidores envolvidos em fato danoso, quando entre eles houver conluio ou adesão pelo servidor à prática do ilícito, tal como acontece no campo penal.

É de se registrar, por oportuno, que para a verificação do liame subjetivo, não é necessária a ocorrência de ajuste prévio. Basta que o servidor, dolosamente, tenha aderido de forma comissiva ou omissiva à conduta ilegal do terceiro.

Por esse enfoque, não havendo entre os co-autores o liame subjetivo, isto é, a deliberada intenção conjunta de causar determinado dano, cada qual deve responder na medida de sua participação no referido evento danoso, razão pela qual entendemos ser desproporcional a imposição de solidariedade.

Assim sendo, sempre que houver dano aos cofres públicos em razão de conluio entre servidor e pessoas estranhas à administração, ou mesmo entre servidores, ou simplesmente adesão ao ilicito por parte do servidor, haverá de ser reconhecida a solidariedade entre aqueles que cometeram o ilícito, respondendo cada um por toda a dívida, sem qualquer benefício de ordem.

É vital destacar ainda que, independente dos requisitos acima discriminados, poderá haver o reconhecimento da solidariedade em casos em que já há previsão legal para tanto.

Trata-se das situações descritas no artigo 25, § 2º da Lei 8.666/93 (superfaturamento em casos de dispensa e inexigibilidade de licitação) e no artigo 16, § 2º da Lei 8.443/92 (dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico – desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos pelos gestores).

Resta ainda esclarecer qual seria o nível se responsabilização daquele servidor que incorreu em falta grave devidamente atestada e comprovada pela autoridade competente.

Como já demonstrado acima, no caso de falta grave não há que se falar em solidariedade, tanto pela falta de previsão legal expressa, quanto pelo fato de não haver, em tese, comunhão de intento ilícito entre o servidor e aquela outra pessoa causadora do dano.

Não havendo que se falar em solidariedade, a responsabilização do servidor seguiria a linha diretriz traçada pela própria Constituição, vale dizer, responsabilidade subjetiva subsidiária.

Conforme se nota pela leitura do artigo 37, § 6º da CF/88, a responsabilidade do servidor quando causa danos a terceiros é sempre subsidiária em relação ao Estado. Isonomicamente, não é nenhum contra-senso afirmar que havendo dano ao Estado pelo particular, o Estado tem o poder-dever de exigir do particular a reparação, mas pode, também, de forma subsidiária, buscar o ressarcimento dos prejuízos junto ao servidor que errou.

A preferência pelo particular como primeira fonte da restituição se dá em apreço ao princípio que veda o enriquecimento sem causa do particular. E isso porque nos casos de erro grave do servidor não pode haver qualquer indício de recebimento de vantagem pecuniária pelo servidor, sob pena de estarmos diante dos casos de solidariedade em razão de co-autoria de ilícito.

Nas hipóteses de erro grave, finalizado o procedimento administrativo de cobrança e verificada a não quitação do débito, há de ser redireciona ao servidor a referida cobrança, nos termos da legislação de regência.

III – Conclusão

Portanto, alinhavando o quanto exposto acima, concluímos que:

O servidor somente responderá por eventual dano causado ao Erário quando estiver comprovado o nexo causal entre o dano e sua conduta culposa, decorrente de adoção de ato imperito, negligente ou imprudente, não elidida por causas excludentes (caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da terceiro).

O servidor que comete erro grave responde de forma subsidiária pelo ressarcimento ao erário. A subsidiariedade deverá ser aferida ainda no âmbito do órgão público, no fim da cobrança administrativa infrutífera movida contra o particular beneficiado com o erro.

Havendo ato doloso do servidor, esse responderá pelos prejuízos causados de forma solidária com o particular ou com demais servidores eventualmente envolvidos.


Informações Sobre o Autor

Adler Anaximandro de Cruz e Alves

Procurador Federal em Santos/SP


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