Manifestando Interesse Nas Parcerias Público-Privadas

Luiza Leite Cabral Loureiro – Graduada pela Faculdade de Direito de Campos – UNIFLU. Pós-graduada lato sensu pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Advogada.

 

Resumo: O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) é o instrumento pelo qual os particulares formalizam seu interesse em propor estudos, projetos e soluções para a gestão de serviços públicos pela Administração Pública, com vistas à estruturação futuro de proposta de concessão ou parceria público-privada. Trata-se de uma hipótese de interlocução transparente entre os setores público e privado, harmonizada com o ambiente legislativo e instituionalizado vivenciado no Brasil atualmente.

Palavras-Chaves: Público. Privado. Parcerias. Contratos. Riscos. Custos. Seleção.

 

Abstract: The Procedure for Expressing Interest (PEI) is the instrument by which individuals formalize their interest in proposing studies, projects and solutions for the management of public services by the Public Administration, with a view to structuring future proposal to grant or public-private partnership. It is a hypothesis of interlocution transparently between the public and private sectors, harmonized with the legislative and institutionalized environment experienced in Brazil nowadays.

Palavras-Chaves: Public. Private. Partnership. Contracts. Risks. Costs. Selection.

 

Sumário: Introdução. 1- Conceito de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). 2- Objetivo do PMI. 3- Passo-a-passo do PMI. 3.1- Estudos de Viabilidade ou Value for Money. 4- Teoria dos Contratos Incompletos. 4.1- Custos de Transação. 4.2- Seleção Adversa. 4.3- Risco Moral (moral hazard). Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho oferta a discussão de controverso tema pertinente ao Direito Administrativo Constitucional contemporâneo. Sua pesquisa tangencia o procedimento de manifestação de interesse, referido neste estudo pela sigla PMI, recorrente nas parcerias público-privadas, comumente denominadas PPPs.

As parcerias público-privadas são acordos de natureza contratual firmados entre a Administração Pública e uma pessoa da iniciativa privada, cujo objeto é a consecução de finalidades públicas ou socialmente relevantes. A opção por tais contratos ocorre, em regra, quando o Poder Público precisa de vultosos investimentos, sem a disponibilidade pecuniária para tanto, necessitando da antecipação de investimento pelo particular.

Dessa forma, a iniciativa privada será contratada para, primeiramente, executar uma obra e depois prestar ou não o serviço, mediante o financiamento desse contratado, que terá integral ou parcialmente a sua remuneração por contraprestação pecuniária do Poder Público.

O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) é bastante utilizado no Brasil. Por intermédio desse instrumento, o setor público obtém, de consultores externos ou das empresas interessadas em disputar futuros contratos de concessão, estudos de viabilidade sobre projetos de infraestrutura que estão na agenda da tomada de decisão do Estado. Tais estudos são essenciais ao setor público para estruturar e publicar os editais licitatórios de concessão.

É necessário que tal instrumento seja analisado do ponto de vista dos efeitos que pode causar no grau de competitividade da licitação e no relacionamento entre as partes do futuro contrato de concessão, quer seja no sentido de reforçar ou diminuir a assimetria de informação entre o setor público e o privado. As previsões legais, as previsões regulamentares e as regras específicas de cada PMI podem produzir efeitos que reforçam ou reduzem tal assimetria.

O Poder Público, em regra, encontra-se em situação de desvantagem em relação à iniciativa privada, que é capaz de gerar as informações sobre os projetos de infraestrutura de modo mais ágil ou já detém mais informações que o poder público. Nessa segunda situação, após a realização dos estudos de viabilidade por intermédio do PMI.

O PMI, portanto, deve ser encarado pelo Poder Público não só como um instrumento viabilizador de projetos, mas com a finalidade de reduzir a assimetria de informação entre o público e o privado. Para tanto, o Poder Público deve conceber regras concretas de cada PMI numa estratégia que pretenda minimizar a assimetria existente em relação ao setor privado e que, portanto, tenda a capacitar o Poder Público a compreender plenamente os contornos, riscos e implicações do projeto de infraestrutura na pauta de sua tomada de decisão. O setor público deve também conceber estratégias para, por meio do poder de compra representado pelo PMI, desenvolver a cadeia de consultores independentes para auxiliá-lo durante a gestão.

Com a priorização de áreas sociais, o Estado teve que se adaptar a uma nova forma de captar recursos e dialogar com o sistema privado para consecução de políticas públicas. E o Procedimento de Manifestação de Interesse tem por objetivo orientar a participação de particulares na estruturação de projetos de concessão e permissão no âmbito da administração pública. Por meio desse instrumento o Estado incitou e criou condições à iniciativa privada para fazer estudos e modelagens para exploração de equipamentos de infraestrutura.

 

1- CONCEITO DE PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE (PMI)

Entende-se por PMI o procedimento instituído por órgão ou entidade da administração estadual, por intermédio do qual poderão ser obtidos estudos de viabilidade, levantamentos, investigações, dados, informações técnicas, projetos ou pareceres de interessados em projetos de concessão comum e de permissão.

É um instrumento utilizado pela administração pública antes da fase de elaboração de editais e contratos de concessão. Através dele, é dada ao setor privado permissão para se executar estudos técnicos, ambientais, econômicos, jurídicos e de engenharia, a desenvolver o projeto de interesse público que se pretende implantar. O PMI objetiva orientar a participação de particulares na estruturação de projetos de parcerias público-privadas, nas modalidades patrocinada e administrativa, de concessão comum e permissão no âmbito da Administração Pública direta e indireta do Poder Executivo, nos termos do disposto em um decreto.

Esse procedimento, no Brasil, reproduz a prática usual em países como Inglaterra e Itália de solicitação, pela Administração Pública, da expressão de interesse, em livre tradução. São características da expressão de interesse: a) a iniciativa, geralmente, é da Administração Pública; b) a necessidade do projeto já está consolidada por parte da Administração Pública, tendo colhido apoio político interno para o seu desenvolvimento, aprovações regulamentares e base técnica suficiente para orientar pessoas; c) a Administração Pública está, por meio desse procedimento, realizando a divulgação de sua intenção e formalizando-a junto ao mercado.

 

2- OBJETIVO DO PMI

É o princípio da subsidiariedade que justifica a participação do particular como protagonista do exercício da ordem econômica. No Brasil, portanto, o PMI serve ao órgão da Administração Pública que tenha por objetivo:

1) Divulgar sua intenção e recolher subsídios adicionais para a consolidação de ideias acerca do projeto, antes de se iniciar o processo licitatório propriamente dito;

2) Realizar sondagens de mercado, sem assegurar direitos de participação no processo licitatório posterior e particulares que tenham contribuído com ideias ou projetos;

3) Transferir ao futuro concessionário, parcialmente, o ônus de arcar com os custos da elaboração dos documentos e estudos necessários ao processo licitatório.

O PMI pode trazer importante redução de custos para os governos, tanto na elaboração como na obra em si. Além disso, agiliza o processo de elaboração do projeto, pois antecede o processo licitatório e permite aos particulares, pelo fornecimento de informações, estudos e levantamentos para Administração Pública, apresentar propostas que poderão ser futuramente incorporadas a uma carteira de iniciativas de projetos. Proporciona agilidade na contratação e permite a aplicação da expertise de inovações tecnológicas do mercado no desenvolvimento de projetos públicos, resultando em melhores serviços para a população[1].

São aspectos da economia imprescindíveis ao exercício do PMI: (i) economicidade, com redução de gastos e maximização dos resultados; (ii) eficácia, com o alcance das metas almejadas; (iii) equidade, com a distribuição ideal dos resultados a todos os que necessitarem.

A manifestação de interesse traz vantagens tanto para o governo como para a iniciativa privada. O governo passa a ter uma ideia mais apurada do nível de interesse de um projeto junto a quem poderia executá-lo, além de reduzir seus custos para a elaboração do projeto. Já para as empresas conhece-se detalhes do projeto antes de irem a público. Com isso, faz-se um orçamento mais exato e com maiores chances de ganhar, e os participantes agregam valor a empresas que queiram se associar para realizar obras. O risco para a empresa, no caso, é se o governo resolver não utilizar as informações fornecidas ou não realizar o respectivo projeto.

O PMI poderá também reduzir em muito o risco de aditamento de contratos – cujo uso encarece a obra. Com um contrato mais bem elaborado, o erro de custo é muito menor. E se não há erro, também se veem reduzidas as chances da empresa pedir aditamentos. Sem aditamentos, o governo que licitou a obra tem maiores condições de planejar seu orçamento, pois o risco de gastar mais dinheiro com uma obra que já pagou cai.

Com o PMI, o Estado quer saber qual o modelo economicamente viável e de maior interesse do mercado, de forma a garantir à população beneficiada um serviço eficiente e bem estruturado. Ademais, possibilita a economia de recursos dos cofres públicos, já que caberá à iniciativa privada promover estudos de tráfego e projetos de engenharia. Os custos financeiros e demais ônus decorrentes do PMI serão de responsabilidade dos particulares interessados, não cabendo qualquer ressarcimento, indenizações e reembolsos por despesas realizadas, nem remuneração por órgão ou entidade solicitante, com exceção de disposição contrária.

Diferentemente das contratações regidas pela Lei 8.666/93, os particulares que tiverem suas contribuições inseridas no instrumento de convocação não ficam impedidos de participar do processo que selecionará o parceiro privado, executor do projeto.

O intercâmbio estabelecido entre o setor público e o privado terá o papel de ajustar os interesses de potenciais investidores e empreendedores ao da Administração Pública, além de reduzir os custos finais de elaboração da modelagem e de documentos necessários à licitação.

 

3- PASSO-A-PASSO DO PMI

O Procedimento de Manifestação de Interesse inicia-se com a publicação do aviso no órgão oficial dos poderes do Estado. Nesta publicação estão contidos a indicação do objeto, o prazo de duração do procedimento, o endereço e, se for o caso, a respectiva página da internet em que estarão disponíveis as normas e condições definidas, consolidadas no instrumento de solicitação. O órgão ou entidade solicitante, a seu critério, poderá realizar sessões públicas destinadas a apresentar informações ou características do projeto.

A pedido de particular, o governo também pode divulgar a concessão de autorização para que ele realize estudos técnicos relativos ao projeto em questão. Nesse caso, é necessário que o órgão público abra prazo para que outros particulares manifestem interesse.

Os direitos autorais sobre informações técnicas, estudos de viabilidade, levantamentos, investigações, dados, estudos, projetos, pareceres e demais documentos solicitados no PMI, salvo disposição em contrário, prevista no instrumento de solicitação de manifestação de interesse, serão cedidos pelo participante, podendo ser utilizados incondicionalmente, total ou parcialmente, de acordo com oportunidade e conveniência, pelo órgão ou entidade solicitante. O órgão ou entidade solicitante deverá consolidar as informações obtidas pelo PMI, podendo combiná-las com informações técnicas disponíveis em órgãos e entidades públicas, sem prejuízo de outras informações obtidas junto a consultores externos contratados para tal fim.

 

3.1- ESTUDOS DE VIABILIDADE OU VALUE FOR MONEY

Os estudos apresentados pelo particular através do PMI podem não ser aproveitados em futura licitação para a contratação. Se esses estudos, não forem aproveitados, o particular não terá qualquer direito ao ressarcimento pelos custos com a sua elaboração[2].

Se, diversamente, tais projetos, estudos, levantamentos ou investigações forem utilizados para a realização de licitação, o vencedor deverá ressarcir a seu autor os custos com que incorreu. Assim, o Poder Público pode ter acesso a estudos e projetos dos mais diversos setores de infraestrutura, sem que isso represente qualquer custo direto aos cofres públicos.

Por tal motivo, é de bom alvitre assinalar que, embora o PMI, regulamentado pelo Decreto nº. 5.977, de 2006, esteja voltado às parcerias público-privadas, não se pode deixar de considerar que seria um importante mecanismo a ser também aplicado às concessões comuns, cabendo ao legislador promover a alteração do artigo 21 da Lei nº 8.987/1995.

O PMI não se confunde com o diálogo competitivo, não conhecido no ordenamento jurídico pátrio. É instituto previsto pela legislação da União Europeia e baseado em duas premissas: um diálogo envolvendo os licitantes e a Administração e a competição a que aqueles serão submetidos no curso do procedimento, visando a obtenção de uma ou mais soluções satisfatórias ao Poder Público.

O PMI é instrumento destinado a divulgar o interesse da Administração em colher informações adicionais para a consolidação de ideias em torno do projeto que se deseja implantar. É uma sondagem prévia no mercado, com o objetivo de ajustar interesses públicos e privados. Assim, nos PMI, a entidade adjudicante já parte de um objeto contratual e de um modelo contratual determinado, enquanto, no diálogo, a Administração só pode, inicialmente, definir seus objetivos, e não os meios[3]. Volta-se ao mercado para, por meio do debate, chegar ao objeto a ser contratado. Assemelham-se no fato de que, em ambos, há a possibilidade de a Administração indenizar os particulares interessados por custos ao participarem no processo.

Finalmente, o artigo 14 da Lei 11.079/2004 determinou ao Poder Executivo a criação de um órgão gestor no âmbito federal, o que foi efetivado por meio do Decreto nº. 5.385, de 4 de março de 2005, o qual instituiu o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal – CGP, cujas competências estão traçadas pelo artigo 3º do referido regulamento, expedido pelo Presidente da República, com fulcro no inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal.

Observa-se apenas que, para sua efetiva implementação no âmbito do Poder Executivo Federal, a previsão legal precisa de regulamentação por decreto expedido pelo Presidente da República, com fulcro no inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal, para que não se extrapolem os limites previstos pelo princípio constitucional da separação dos Poderes[4].

 

4- TEORIA DOS CONTRATOS INCOMPLETOS

Com a modernização e aumento da complexidade dos vínculos sociais, as relações econômicas superam as formas bilaterais, sujeitas ou não à interveniência de terceiros. Estendem-se por prazos mais longos e são dirigidas por um sistema de incentivos e coerções, realizadas por agentes detentores de diferentes poderes de barganha, que cambiam direitos e deveres, mediante contratos baseados em salvaguardas, para lidar com riscos e incertezas.

A eficiência contratual ocorre quando a situação beneficia um sujeito sem prejudicar outro. Pressupõe a necessidade de ganho agregado, sem piorar a situação individual de cada agente. É alcançada sempre que o benefício for superior ao prejuízo experimentado por outro indivíduo, leva em conta a soma dos efeitos líquidos em todos os agentes, e não em cada um deles de forma individual.

Em razão do contrato ser um acordo de vontades, a eficiência contratual irá depender de como as partes melhor se entenderão para cobrar e cumprir o compromisso assumido, ou mesmo resolvê-lo, sem mais ter que haver a incessante busca pelo necessário cumprimento de antes, mas tão somente a busca do equilíbrio econômico-financeiro contratual.

Excepcionalmente encontrar-se-á um contrato completo por longo prazo, uma vez que nem sempre é possível fazer um levantamento de todas as circunstâncias que irão ocorrer ainda no início, ou seja, antes de se firmar o pacto. Assim, diante de tal realidade, passou-se a observar os contratos incompletos, suas flexibilidades e implicações.

Define-se a Teoria dos Contratos Incompletos como sendo o instrumento utilizado para completar as lacunas decorrentes de contingências futuras, em razão da assimetria de informação e da racionalidade limitada, quando a obrigação contratual estiver incompleta, até mesmo pela vontade das partes. O objetivo é a maximização de utilidades e alocação eficiente de recursos, para possibilitar o total cumprimento do contrato, ou ainda o seu rompimento.

A incompletude contratual pode advir de várias causas. Dificilmente prepara-se um contrato que preveja todos os casos que poderão acontecer, porque as prováveis causas são de variadas ordens, o que demandaria um estudo especializado de diversas áreas profissionais, aumentando, por consequente, os custos. E quanto aos custos, o que fazer para minimizá-los? Este é um ponto que merece atenção, bem como a definição dos direitos das partes envolvidas após o surgimento das lacunas, já que seu preenchimento deve perseguir critérios eficientes.

A incompletude contratual gerada é, em boa parte, resultado de imperfeições humanas, o que não pode ser analisado somente sob aspectos negativos, pois, dependendo dos riscos, que podem ser reduzidos quando há norma jurídica aplicável ao caso, a quantidade de lacunas pode, também, atingir um nível ótimo, tornando o contrato mais completo. O investimento feito pelo particular na parceria público-privada possui uma curva de pagamento, que permite alterações, como nos contratos que trazem prazos mais alongados, chegando a 25 anos, a fim de amortizar os gastos e investimentos realizados.

É indiscutível que o direito positivo não é capaz de regular todas as condutas humanas, uma vez que a legislação não é exaustiva e completa o bastante para disciplinar todos os fatos, sendo imprescindível socorrer-se de outras ciências, tal como a economia. A morosidade de órgãos judiciais em proferirem decisões implica numa série de consequências: diminuição de investimentos e restrição ao crédito, dentre outras. Assim, o estreitamento da relação entre Direito e Economia permitiria alcançar melhores decisões judiciais acerca de relações contratuais, propiciando maior bem-estar coletivo.

 

4.1- CUSTOS DE TRANSAÇÃO

A análise de transações visa a obter a maior eficiência na sua gestão, minimizando os custos. As transações e os custos, em se recorrer ao mercado, são os principais determinantes da forma de organização das empresas produtoras de bens e serviços. Os custos de transação são os custos totais associados à transação, executando o mínimo preço possível do produto.

O ponto de partida da teoria do custo de transação é a consideração de que a empresa não possui apenas os custos de produção, mas também os de transação. Esses custos podem servem para negociar, redigir e garantir o cumprimento de um contrato. Quando os agentes recorrem ao mercado para conseguir equipamentos, serviços ou insumos, são esses os custos enfrentados, que mudam conforme as características da transação e do ambiente competitivo.

A realização de transações entre as partes envolvidas enfrenta dificuldades originárias de dois elementos essenciais, levando à necessidade dessa teoria. Um está relacionado ao comportamento dos indivíduos: a teoria tem como pressuposto o fato dos homens possuírem uma racionalidade limitada, estando sempre propensos ao oportunismo. O homem não tem conhecimento integral sobre o ambiente, por isso não logra solução que maximize eficiência.

São o dispêndio de recursos econômicos para planejar, adaptar e monitorar interações entre os agentes, garantindo que o cumprimento dos termos contratuais se faça de maneira satisfatória para as partes envolvidas e compatível com a sua funcionalidade econômica. Esses custos podem ser agrupados como: elaboração e negociação dos contratos; mensuração e fiscalização dos direitos de propriedade e do desempenho; organização de atividades.

A expansão das empresas tende a aumentar os custos burocráticos (de coordenação administrativa), chegando ao ponto em que os custos da transação não compensam realizar determinadas atividades internamente, pois pode recorrer ao mercado e obter um custo muito menor, terceirizando a atividade. Existem diversas razões para usar o sistema de preço como mecanismo de governança (recorrendo ao mercado): benefícios tangíveis do uso do mercado; a economia de escala e a de aprendizagem; reduzir os custos de agência e os de influência.

 

4.2- SELEÇÃO ADVERSA

Para alguns autores, há impossibilidade absoluta de completude contratual[5] para a realização de parcerias público-privadas, pela incapacidade de limitar todas as contingências relevantes, por conta da dificuldade em se traduzir em linguagem escrita todas as hipóteses possíveis no mercado. A linguagem seria a idealização da realidade e, portanto, extremamente falha em descrever todos os casos concretos relevantes que possam surgir. Seria um tipo de algarismo hábil a determinar todas as contingências, em que pese fazâ-lo de modo imperfeito.

Os contratos relacionais, que admitem a renegociação permanente, bem como aqueles sujeitos à integração vertical, tendem a ser menos completos, levando à solução sub-ótima.

Os contratos de transação ex post, por outro lado, se referem a não adaptações do contrato ao que as partes acordaram, ou seja, os custos para repactuar contratos com menores gastos com o Judiciário ou com arbitragem. Em termos de contratos de infraestrutura, além dos custos de transação, um fator de extrema importância seria a especificidade dos ativos, na ideia de custos irrecuperáveis, sendo possível reempregá-los em outras atividades.

Os custos de transação e a dificuldade de se desenhar contratos acabam por estabelecer comportamentos oportunistas ou sub-ótimos que comprometem a boa execução do contrato. Uma série de problemas pode surgir na execução contratual que demonstram comportamentos oportunistas, como o moral hazard e a seleção adversa, de extrema relevância na análise dos contratos incompletos.

A seleção adversa, nesse contexto, é um fenômeno de informação assimétrica que ocorre quando os compradores “selecionam” de maneira incorreta determinados bens e serviços no mercado[6]. Um dos exemplos mais abordados nos manuais de introdução à microeconomia é do mercado de carros usados. Suponha que nesse mercado existem dois tipos de bens: carros usados de alta qualidade (uvas) e os de baixa qualidade (limões).

Os compradores estão dispostos a comprar uma “uva” por $2500 e um “limão” por R$1500, pelo lado dos vendedores uma “uva” só é vendida por R$2200 e um “limão” por R$1200. Os compradores, que não possuem as informações completas sobre a qualidade dos carros, estimam que nesse mercado metade deles são “uvas” e a outra metade, “limões”. Dessa forma o preço que eles estão dispostos a oferecer em um carro nesse mercado é de R$2000 em um carro usado. Os vendedores, que possuem as informações completas sobre seus carros, não venderão carros de alta qualidade por esse preço, mas os “limões”.

A consequência é que o mercado será inundado por carros usados de baixa qualidade, já que a esse preço é vantajoso aos donos de “limões” vendê-los e extremamente desvantajoso aos donos de “uva”, pois os compradores selecionaram incorretamente o produto por falta de informação. Assim, a seleção adversa se manifesta antes que a transação efetiva ocorra.

Outro exemplo, no sistema bancário brasileiro, é a taxa de empréstimo ao consumidor muito maior que a taxa básica de juros (spread). Alegando a taxa de inadimplência, os bancos elevam a taxa de empréstimo bancário. Uma consequência da elevada taxa de juros é que os bons pagadores não tomarão empréstimo, por considerarem impossível cumprir o acordo. Já os maus pagadores se aventurarão a tomar empréstimos, independentemente da taxa de juros cobrada, uma vez que não dispõem de intenção imaculada de honrar seus compromissos.

Da mesma forma, em um plano de saúde ou em um seguro qualquer, a seguradora não sabe o risco que o cliente carrega consigo. Só ele é capaz de precisar seus problemas de saúde. Muitos mentem sobre hobbies e hábitos com o intuito de baixar a franquia ou mensalidade. Por outro lado, a mensalidade do cidadão de baixo risco ficará acima do ideal, pois paga pelo risco de informações prestadas por indivíduos que não assumem pertencer às classes de risco.

Fácil é perceber que os cidadãos que oferecem maior risco à seguradora têm incentivo maior a contratar o seguro que o cidadão que, em tese, consegue poupar, sozinho, recursos suficientes para consultar-se esporadicamente, em sinistros verdadeiramente inesperados. Isso porque a seguradora passa a ter maiores riscos de retorno financeiro na sua atividade e o indivíduo verdadeiramente fora do grupo de risco passa a pagar mais pelo seguro, ou deixa de contratá-lo, não usufruindo de maior segurança. Como a assimetria da informação da seleção adversa precede a contratação, é denominada ex ante.

Portanto, a seleção adversa consiste no efeito que a assimetria de informação tem na escolha do agente. Dada a incapacidade de o contratante separar o joio do trigo, por falta de conhecimento, bons fornecedores, contratados ou segurados tendem a afastar-se do mercado em que a assimetria de informação é crítica, com o objetivo de não serem contaminados pelos problemas de má qualidade e reputação, baixos salários e altas mensalidades, que o afetam.

 

4.3- RISCO MORAL (MORAL HAZARD)

Estudado na teoria microeconômica, o risco moral é o comportamento de um agente econômico que, ao receber determinado tipo de cobertura ou seguro para suas ações, diminui os cuidados correspondentes. Visualize o seguinte exemplo: o dono de um veículo automotor, após contratar seguro contra furto, passa a se descuidar de sua guarda e aumentar o risco.

O problema do risco moral, assumido pelas seguradoras, leva-as a majorar os preços das apólices. Como as pessoas vão se descuidar da guarda de seus bens, a frequência de furtos aumenta, o que obrigará as seguradoras a majorar o valor dos seguros. Nesse caso, ocorre a seleção adversa, ou seja, os mais prudentes e cuidadosos serão prejudicados pelo aumento do seguro, o que vai afastá-los e resultar em prejuízos maiores para as seguradoras.

Decorre de um comportamento ex post, assumido por um indivíduo segurado que toma atitude de risco por saber-se coberto. A assimetria é ex post, pois, no momento em que assume o risco, já é segurado. Decorre, também, do fato de que, independentemente de o agente estar fora do grupo de risco anteriormente à contratação, a condição de segurado costuma elevar a sua propensão ao risco, que, por sua vez, será diluído entre todos os segurados.

O comportamento de risco[7] surge também como consequência indesejada da condição de segurado. Exemplo disso está no comportamento esperado dos grandes bancos. Em razão da comoção pública que ocorreria no caso da falência de um grande banco , com a perda das economias de uma vida de milhares de famílias, os too big to fail são administrados na certeza de que podem assumir determinados riscos que, no limite, seriam cobertos pelo Estado. Esse comportamento oportunista dos bancos tem sido refreado pela regulação internacional das Convenções da Basiléia. A regulação parece ser, nos casos em que a assimetria de informação e de conhecimentos técnicos diversos é tão relevante, a escolha mais acertada.

 

CONCLUSÃO

Em 2011, os Estados de São Paulo (decreto 57.289), Rio de Janeiro (decreto 43.277), Bahia (decreto 12.653) e Espírito Santo (decreto 2.889-R) editaram normas que regulamentam a apresentação dos estudos de viabilidade de parcerias público-privadas.

Tais recentes normas estaduais consagram a aceitação do PMI como mecanismo eficaz de incrementar a implantação de concessões de serviços públicos, a exemplo do que já foi feito, de modo pioneiro, pelo Estado de Minas Gerais (decreto 44.465/07), e até pela União Federal (decreto 5.977/06), ainda que esta tenha aproveitado quase nada em termos de PMI.

No entanto, muito ainda há de ser feito para que o PMI alcance todo o seu potencial. As normas citadas são um exemplo disso, pois restringiram a aplicação do instituto apenas às parcerias público-privadas, quando é certo que o PMI é perfeitamente aplicável às concessões comuns. Aliás, é na legislação regente das concessões comuns que o instituto tem origem.

De um lado, o artigo 21 da Lei 8.987/95 permitiu que os custos dos estudos e demais documentos que embasaram a licitação da concessão fossem ressarcidos pelo vencedor do certame. Por outro lado, o artigo 31 da lei 9.074/95 permitiu, em oposição à vedação expressa da Lei 8.666/93, que os autores ou os responsáveis economicamente pelos projetos básico e executivo participassem da respectiva licitação. Tais artigos têm aplicação também nas PPPs por força do artigo 3º da Lei 11.079/2004. Não por acaso, o decreto federal, pioneiro na regulamentação do PMI foi ementado como ato regulamentador do aludido artigo 3º.

Muito embora a regulamentação do PMI esteja voltada às PPPs, é necessário que o instituto também seja aplicado a concessões comuns. Não só por haver autorização legislativa nesse sentido, mas também porque a limitação apenas ao universo das PPPs restringe os benefícios do PMI. Afinal um determinado projeto concebido inicialmente como PPP acaba se mostrando viável e mais oportuno como uma concessão comum, a partir da evolução dos estudos de viabilidade. De modo que seria absurdo abdicar dos estudos já elaborados apenas porque o projeto não será contratado como concessão especial, e sim como concessão comum.

Portanto, o PMI não é um mecanismo de burla à isonomia na licitação. Pelo contrário, atua em prol da maior transparência na fase interna da licitação, ao tornar públicas condições em que se elaboraram as premissas da concessão. Ademais, no PMI, a Administração passa a contar com valoroso auxílio na tarefa de definição dos elementos da concessão, complexa e custosa, o que contribui para o atraso ou para a não contratação de um número grande de concessões que seriam muito úteis ao aprimoramento do serviço e da atividade pública.

É preciso prover os meios necessários à boa aplicação do instituto, permitindo-lhe não só escolher aquele mais adequado, como também conferindo-lhe a possibilidade de identificar distorções nos estudos que conduzam a um benefício demasiado de um ou outro particular.

A recente regulamentação do PMI em Estados importantes da nação desempenha um papel importantíssimo, não obstante eventual aprimoramento. Essas correções de rotas virão com o amadurecimento do PMI. Cabe aos que se envolvem no processo de contratação de concessões proverem os meios necessários ao amadurecimento, restando atentos a equívocos e exemplos experimentais positivos, promovendo, em tempo hábil, as alterações devidas. Espera-se que o PMI alcance seu objetivo na interação entre público e privado, permitindo à Administração aproveitar a contribuição particular em prol da melhora dos serviços públicos.

 

REFERÊNCIA

ÁVILA, Humberto Bergmann. Neoconstitucionalismo: entre a ciência do direito e o direito da ciência. In.: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. SARMENTO, Daniel. BINENBOJM, Gustavo (coord.). Vinte anos da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 163 a 165.

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FREITAS, Juarez de. O novo modelo de parcerias público-privadas no Brasil: características e regulação. Disponível em: http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD-9-21.pdf. Acesso em 19/03/2014.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2012, p. 427.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 385.

SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 403.

 

[1] SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 403.

[2] FREITAS, Juarez de. O novo modelo de parcerias público-privadas no Brasil: características e regulação. Disponível em: http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD-9-21.pdf. Acesso em 19/03/2014.

[3] BOGOSSIAN, André. O diálogo concorrencial. In: Âmbito Jurídico. Disponível em: https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7425#_ftnref1. Acesso em 19/03/2014.

[4] ÁVILA, Humberto Bergmann. Neoconstitucionalismo: entre a ciência do direito e o direito da ciência. In.: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. SARMENTO, Daniel. BINENBOJM, Gustavo (coord.). Vinte anos da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 163 a 165.

[5] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2012, p. 427.

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 524.

[7] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 385.

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