Antônio Alberto Grossi Portes, José Carlos Sampaio Chedeak
Resumo: O artigo busca por meio de uma abordagem dos poderes de supervisão e fiscalização das agências reguladoras discutir aspectos relacionados à criação e poder de regulamentar destas autarquias e da delegação de poderes de regulação para “melhor eficiência, eficácia e efetividade” de Políticas de Estado, a fim de racionalizar a atividade econômica sem abrir mão de sua regulação. As prerrogativas conferidas por leis, tais como independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica e estabilidade de dirigentes e o poder de polícia passam a ser peças essências na execução das atividades de modo a mitigar o risco de captura configurado quando grandes grupos de interesses ou empresas passam a influenciar as decisões e atuação do regulador.
Palavras-chave: Agências Reguladoras, Autonomia, Poder Normativo, Poder de Polícia, Regulação.
Abstract: This article has an approach about the supervisory powers of regulatory agencies and discuss aspects related to the creation and the delegation of regulatory powers of these autarchiesfor “better efficiency, effectiveness and effectiveness” of policies State in order to rationalize economic activity. The prerogatives conferred by laws, such as administrative independence, absence of hierarchical subordination and stability and supervivison power, become essential elements in the execution of activities in order to mitigate the risk of capture of the agents configured when large interest groups or companies pass to influence the decisions and actions of the regulator.
Keywords: Regulatory Agencies, Autonomy, Normative Power, Supervison Power, Regulation.
Sumário: Introdução. 1 Desestatização, privatização e intervenção estatal. 2 Modelo de agências reguladoras. 2.1 Modelo de agências reguladoras no brasil. 2.2 Agência reguladora (autarquia de natureza especial). 2.3 Agências reguladoras e poder normativo. 3 Independência, autonomia e a teoria da captura das agências reguladoras. 4 Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
A criação e o respectivo serviço prestado pelas das agências reguladoras tem sido alvo de alguns ensaios e artigos que, de certa forma, retratam a falta uniformidade de pensamento da doutrina jurídica quanto ao poder normativo dessas e de um consenso na discussão quanto ao embasamento constitucional ou legal que deu origem ao modelo adotado no Brasil.
Nesse sentido, Peci (2007)1 destaca que “a criação das agências reguladoras não resultou de uma discussão quanto ao modelo de regulação. O primeiro passo foi o encaminhamento das leis e, depois, a discussão sobre os conceitos básicos do modelo. As reformas não foram baseadas num amplo consenso na sociedade civil, conforme indicavam as experiências de outros países”. Ou seja, pode-se inferir que o modelo é na verdade fruto da internalização de um modelo adotado em outros países (principalmente o modelo americano) sem que uma discussão sobre o tema fosse realizada.
Essa nova forma de atuação estatal tem seu início pautado nas mudanças econômicas que envolveram a discussão quanto o papel do Estado seja adotando uma política mais intervencionista seja uma política mais liberal. Trata-se de uma transição no papel do Estado quanto às suas atribuições em determinados setores da economia.
No Brasil, essa transição começa a ficar mais evidente com o processo de desestatização2 de alguns setores do governo iniciado na década de 90 que redefiniu, em parte, o papel do Estado brasileiro com a necessidade de mudança no processo de regulação estatal.
O Estado inicia um novo papel, engajando-se na função de indutor e regulador do desenvolvimento econômico social, conforme se afirma no Plano Diretor da Reforma do aparelho do Estado, na gestão de Bresser-Pereira3 onde “a reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento”
Surge, então, no âmbito governamental a necessidade de ampliação dos poderes de supervisão e fiscalização de determinadas áreas sensíveis ao processo de mudanças cenário econômico, seja pelo incentivo a ser dado a novos investimentos ou pela busca de um acúmulo de poupança. Assim, o Estado precisava reformular sua estrutura de regulação para melhor atender os interesses públicos.
Carvalho Filho 2011 retrata o quadro afirmando que o instituto das agências reguladoras é produto do regime de desestatização que vem sendo paulatinamente implantado na Administração Pública pátria. […], bem como “é correto admitir que o afastamento do Estado ou de suas pessoas descentralizadas no âmbito de alguns serviços públicos, agora transferidos para o setor privado, teria mesmo que provocar a criação de mecanismos estatais de controle dos novos prestadores de serviço. É que, na verdade, os serviços continuaram a ser públicos; os prestadores é que passaram a ser do setor privado”
Esse novo foco de controle por parte da Administração Pública inspirou-se no modelo de Agências de Regulação (regulatory agencies) adotado nos Estados Unidos, cujas características principais estão ancoradas na especificidade, na discricionariedade técnica e na neutralidade, permitindo autonomia e independência de suas decisões4 e que foi adaptado (corretamente ou não) para o sistema brasileiro. Segundo Rocha (2009), “a necessidade de se buscar uma forma de atuação eficaz do setor privado, livre de intervenção política, talvez tenha sido motivo de se ter adotado, a expressão ‘agência reguladora’, baseada no modelo americano das regulatory agencies”
Várias são as críticas em relação à adoção desse modelo seja pela forma como foi realizada essa adaptação do modelo americano pela “insuficiência” de arcabouço para utilização no ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse contexto, as agências reguladoras surgem sem que exista, segundo GUERRA, (2009), “parâmetro específico para uma definição legal de agência reguladora na legislação brasileira”. Em consequência, a divergência da doutrina foi tão grande que Di Pietro (2009) revelou que “a doutrina brasileira peca pela multiplicidade de opiniões doutrinárias (…) Existe proximidade quanto à admissão ou negativa de permissão ou negativada função reguladora das agências. Mas não existe qualquer uniformidade quanto à fundamentação.”
Independentemente da discussão teórica envolvendo o surgimento das agências reguladoras e as autarquias de natureza especial, é certo que surgiu e afigurou-se um novo cenário em que o Estado, intervindo nas relações econômicas, passa a disciplinar a prestação de serviços públicos a cargo da iniciativa privada, com a necessidade de estabelecer regras de conduta no intuito de fiscalizar, punir e resolver conflitos primariamente.
Cabe, então, ao Estado ditar as regras para a busca da eficiência do setor regulado e delinear sua presença na ordem econômica. ARAGÃO & QUEIROZ (2013) destacam duas premissas básicas para um Estado regulador: “a importância e à eficiência do mercado” e “a confirmação da necessidade de presença do Estado na ordem econômica”, delineando-se o mercado como uma ordem jurídica.
Observa-se ainda que não somente o interesse econômico, mas também outros motivos justificam a atuação do Estado por meio das agências reguladoras, como ensina Breyer5: “Na teoria regulatória predominam referências econômicas. A regulação é importante onde o mercado não atua na sua plenitude, apresentando características próximas aos monopólios naturais. Seu principal motivo é criar condições propícias para a manutenção da concorrência, protegendo em última instância o consumidor e a empresa capitalista. No entanto, outras justificações podem ser utilizadas para legitimar a regulação, como defesa nacional, interesse público e bem-estar social. Consequentemente, a análise do marco regulatório em termos de leis e normas jurídicas, não seria suficiente para compreender a origem do fenômeno”.
Sob esse prisma, é mister entender a função reguladora bem como a relação de independência e autonomia das Agências Reguladoras no exercício de suas funções, para analisar se as atividades de supervisão e fiscalização podem sofrer algum tipo de ingerência na sua execução. Contudo, importante notar que na literatura ainda não há consenso e até que ponto existe uma real independência e autonomia das agências.
Define Marçal Justen Filho6 (2002 apud SILVA, 2006) as agências reguladoras como sendo entes independentes “[…] uma autarquia especial, sujeita a regime jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta e investida de competência regulatória setorial.”. Já Peci e Cavalcanti (2000, p. 7) entendem que “é difícil evitar a influência política do governo, uma vez que as agências são criadas pelos próprios governos”.
A autonomia e independência administrativa e financeira, pelo menos em tese, e o poder de polícia concedidos a esses órgãos permitem elaboração e execução da política regulatória de vários setores da economia. No entanto, apesar desses, a influência dos órgãos do poder executivo aos quais estão ligados (Ministérios e Secretarias) ainda podem estar presentes na formulação de suas diretrizes gerais.
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DESESTATIZAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO E INTERVENÇÃO ESTATAL
O tema privatização ou desestatização é controverso, assim como é a discussão no que se refere ao papel da atuação do Estado na economia e nas relações de mercado.
Sem adentrar em questões conceituais sobre o tema, é necessário destacar que privatizar, em seu sentido amplo, poder ser entendido como as medidas tomadas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado. Contudo, no que se refere à análise deste artigo, a conceituação é mais restrita, entendendo que privatizar seria transferir do controle público (o Estado) para a iniciativa privada atividades econômicas (transferência de ativos) anteriormente prestadas pelo Estado.
De outra banda, o processo de desestatização está definido na §1º do art. 2º da Lei nº 9.491, de 1997, a qual considera desestatização a como alienação, pela União, de direitos que lhes assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade; a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade e a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União.
Contudo, Barroso (2002) entende que, ainda que seja possível reconhecer que privatização e desestatização são processos distintos, os termos têm sido usados como sinônimos ou, como quer parecer, os processos é que têm se confundido nas práticas realizadas no país uma vez que na desestatização o serviço e o patrimônio continuam públicos, ao passo que somente a execução dos serviços é privatizada, exigindo acompanhamento e fiscalização por parte do Estado.
No que se refere à Intervenção Estatal, pode se dar tanto no aspecto econômico quanto no regulatório. Na Constituição, existem dispositivos que permitem a intervenção do Estado em termos econômicos7 e regulatórios. Assim, o Estado pode ou deve intervir nas relações com o setor privado, no sentido de garantir o que for melhor para a sociedade.
O Estado passa a ter um papel mais ativo na economia, ou seja, interfere na atividade econômica, traçando a disciplina por meio de leis, de regulamentos e pelo exercício do poder de polícia, além de participar de setores onde a atuação privada não pudesse garantir o bem-estar social. Além disso há um segundo papel importante: social que seria a atuação de assegurar ou propiciar maior igualdade entre os cidadãos, provendo todo o serviço que não seria possível realizar-se por meio do ente privado.
Assim, sem adentrar aspectos ligados efetivamente à doutrina, é fato que o modelo de privatização no Brasil passou a constituir-se num importante instrumento de política econômica e iniciando um conjunto de reformas estruturais que resultaram em processo de reformulação do papel do Estado brasileiro, em que pese a grande resistência política e de grupos contrários à privatização e também pelo modelo de viabilização desse processo. A falta ou a incapacidade do Estado em realizar investimentos mais diretos em determinados setores direcionou sua atuação, passando para a iniciativa privada a responsabilidade pelos elevados investimentos requeridos em áreas como indústria, infraestrutura e serviços.
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MODELO DE AGÊNCIAS REGULADORAS
Importante notar que o conceito de agência reguladora não é novo. De fato, as primeiras Agências Reguladoras, (agências executivas) tiveram como berço o Reino Unido e, logo após, por influência deste, os Estados Unidos da América, conforme disserta MORAES (2008): “a origem remota das Agências Reguladoras é inglesa, a partir da criação pelo Parlamento em 1834, de diversos órgãos autônomos com o finalidade de aplicação e concretização dos textos legais.”8 em pensamento análogo ao de Grotti (2006): “a partir de 1834, floresceram entes autônomos, criados pelo Parlamento para concretizar medidas previstas em lei e para decidir controvérsias resultantes desses textos; a cada lei que disciplinasse um assunto de relevo, criava-se um ente para aplicar a lei. Os Estados Unidos sofreram influência inglesa e, a partir de 1887, tem início a proliferação de agencies para regulação de atividades, imposição de deveres na matéria e aplicação de sanções. Na França, as Autoridades Administrativas Independentes, embora sem personalidade jurídica e sujeitas á fiscalização do Conselho do Estado, marcam também um propósito de neutralidade política”.
A principal característica desses entes refere-se ao seu poder de intervir na atividade econômica por meio de sua função legislativa e executiva.
Nesse contexto, o surgimento das agências reguladoras nos Estados Unidos da América (EUA)9 está relacionado ao fortalecimento da posição do Estado na contenção de agentes econômicos e em defesa dos interesses da comunidade (ARAÚJO, 2014).
Oliveira (2009) destaca a utilização das agências reguladoras americanas na regulação econômica no qual “o Estado utilizou-se do modelo das agências reguladoras para promover uma forte intervenção enérgica na ordem econômica e social, corrigindo as falhas do mercado. Buscava-se, com este modelo, especializar a atuação estatal (reconhecia-se ampla discricionariedade técnica e o controle judicial sobre os atos das agências era restrito) e neutralizar (ou amenizar) a influência política na regulação de setores sensíveis (através, v.g., da previsão de estabilidade aos dirigentes)”.
De certa forma, a evolução do modelo norte americano (notadamente uma economia pautada numa ótica mais liberal), consubstancia, em síntese, na ideia de proteção dos usuários dos serviços e para conter de alguma forma uma exacerbação do poder econômico privado.
2.1 MODELO DE AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL
Alguns fatores podem levar à regulação econômica de um setor ou serviço. Nesse ponto, a título de exemplo, pode-se citar a incapacidade do mercado se autorregular (em contraponto à teoria do liberalismo) ou a falta de interesse do particular para atuar em determinados mercados (muitas vezes pelo alto investimento e retorno incerto). Assim, quando o mercado por si não alcança seu ponto de equilíbrio ou não existe uma demanda para aquele serviço, cabe ao Estado intervir nas relações econômicas.
Importante lembrar que o setor público, como qualquer outro agente econômico, tem restrição orçamentária, não podendo efetuar gastos sem sua devida contrapartida de receita, sendo por muitas vezes necessário reduzir seus gastos e a dívida pública. A privatização, nesse sentido, foi (e ainda é) uma fonte importante de captação de recursos em curto prazo.
Independentemente do motivo pelo qual se possa verificar essa presença estatal, está claro que existe um reconhecimento, mesmo que implícito, da existência de falhas de mercado, que é acentuado na área de serviços públicos, principalmente, nas atividades que podem ser consideradas como monopólios naturais ou em setores que a regulação da liberdade que os agentes econômicos possuem no seu processo de tomada de decisões.
Nesse sentido, surge a necessidade de o governo ampliar os poderes de supervisão e fiscalização, diante de um novo cenário econômico que se afigurou com o processo de desestatização/privatização10 de atividades econômicas ou de serviços que anteriormente eram prestados pelo Estado.
A criação das agências reguladoras ocorreu na década de 9011, após a implantação do Programa Nacional de Desestatização. As primeiras agências reguladoras criadas no Brasil em âmbito federal, a partir da nova perspectiva do Estado foram: a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) – 1996, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) ambas em 1997, sendo as únicas que detêm diretrizes expressas na Constituição Federal (CF).
Peci e Cavalcanti (2000) destacam as mudanças ocorridas em função desse novo modelo: “As recentes transformações decorrentes dos processos de desregulamentação, redefiniram fortemente o papel do Estado brasileiro. (…) As principais instituições representantes do Estado regulador são as próprias agências reguladoras, instituídas não apenas no âmbito federal, mas recentemente proliferando no âmbito estadual e até municipal. A elas cabe regular importantes setores de serviços públicos e áreas econômicas consideradas estratégicas para o país como energia, telecomunicações, petróleo e gás etc.”
Assim, o Estado, em função da necessidade de investimentos vultosos e da falta de recursos para investimentos em setores regulados e de monopólio público como o de energia elétrica e telecomunicações, e também de infraestrutura, reduziu sua participação nesses setores transferindo ao setor privado, por meio de concessões e autorizações, a possibilidade de explorar esses serviços. Contudo, para não deixar de ter um controle sobre esses mercados a criação das agências reguladoras veio a suprir essa ausência direta do Estado e segundo GROTTI (2006): “O regime de exploração dos serviços públicos admite a exploração em regime privado, por meio de autorizações, não mais apenas pelas clássicas concessões; introduzindo-se a gradativa competição entre prestadores, por diversos mecanismos, sujeitando-se tanto a regimes de regulação como às regras nacionais de defesa da concorrência”.
Assim, a criação das agências reguladoras, a partir de 1996, seguiu uma lógica de regulação de mercado que, apesar de influenciada pelas iniciativas de EUA, França e Inglaterra, tomou contornos próprios no Brasil em função de suas particularidades.
Corrobora essa tendência não inovadora as palavras de Castro12 (2002 apud ARAGÃO, 2011) quando diz que “é oportuno assinalar que a experiência institucional de agências regulatórias independentes não constitui invenção pioneira do direito público brasileiro. Seguimos, neste campo de questões, guardadas as peculiaridades próprias de nossa formação publicista, a trilha dos dois modelos essenciais em nossa formação constitucional e administrativista: o modelo norte-americano e o modelo francês”.
Apesar dessa adaptação, é inequívoca a influência do modelo americano como fonte de inspiração ao modelo brasileiro. Contudo, como destaca Di Pietro (2009), existem profundas diferenças entre o direito norte americano e o brasileiro: “adotou o modelo das agências norte-americanas, mas não se adotou o procedimento de participação, que é o da legitimidade das normas baixadas. É preciso para suprir tal deficiência, que os poucos instrumentos de participação previstos na lei instituidoras das agências sejam postos em prática”.
Além disso, é possível verificar dificuldades tais como: oposições à autonomia normativa (‘deslegalização’), administrativa e financeira-orçamentária.
Alguns fatores podem levar à regulação econômica de um setor ou serviço. Nesse ponto, a título de exemplo, pode-se citar a incapacidade do mercado se autorregular (em contraponto à teoria do liberalismo) ou a falta de interesse do particular para atuar em determinados mercados (muitas vezes pelo alto investimento e retorno incerto). Assim, quando o mercado por si não alcança seu ponto de equilíbrio ou não existe uma demanda para aquele serviço, cabe ao Estado intervir nas relações econômicas.
Importante lembrar que o setor público, como qualquer outro agente econômico, tem restrição orçamentária, não podendo efetuar gastos sem sua devida contrapartida de receita, sendo por muitas vezes necessário reduzir seus gastos e a dívida pública. A privatização, nesse sentido, foi (e ainda é) uma fonte importante de captação de recursos em curto prazo.
Independentemente do motivo pelo qual se possa verificar essa presença estatal, está claro que existe um reconhecimento, mesmo que implícito, da existência de falhas de mercado, que é acentuado na área de serviços públicos, principalmente, nas atividades que podem ser consideradas como monopólios naturais ou em setores que a regulação da liberdade que os agentes econômicos possuem no seu processo de tomada de decisões.
Nesse sentido, surge a necessidade de o governo ampliar os poderes de supervisão e fiscalização, diante de um novo cenário econômico que se afigurou com o processo de desestatização/privatização de atividades econômicas ou de serviços que anteriormente eram prestados pelo Estado.
2.2 AGÊNCIA REGULADORA (AUTARQUIA DE NATUREZA ESPECIAL)
As agências reguladoras em seu conceito jurídico são autarquias de regime especial, dotadas de autonomia administrativa, financeira e técnica, em que pese, a Doutrina não ter uma definição especifica sobre o tema.
o processo de desestatização econômica e a transferência de inúmeras atividades ao mercado, o Estado passou, em atuação indireta, a exercer o seu papel regulador através das agências ou de autarquias. Ou seja, as Agências Reguladoras, que são espécies do gênero autarquias, possuem as mesmas características, estando sujeitas ao mandamento do inciso XIX do art. 37 da Constituição, bem como sua criação somente poderá se dar mediante lei específica.
O conceito jurídico Autarquia de Natureza Especial aplicável está previsto no Decreto-lei nº 200 de 1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal: “serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.
As agências reguladoras estão sendo criadas como autarquias em regime especial e se sujeitam às normas constitucionais que disciplinam esse tipo de atividade, como corrobora AZEVEDO apud MEIRELLES, 1998: “A autarquia não age por delegação, age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus imperis que lhe foi outorgado pela lei que a criou. Como pessoa jurídica de direito público interno, autarquia traz ínsita, para a consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que ele deu vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia seu caráter autárquico. Há mera vinculação à entidade matriz de que, por isso, passa a exercer, um controle legal, expresso no poder de correção finalístico do serviço autárquico”.
Detalhando um pouco mais o pensamento a respeito das peculiaridades de uma agência Condesey (2014) destaca que essas agências possuem: “(a) ter quase que total autonomia técnica, administrativa e financeira, a fim de que fique alheia às matérias e decisões político-partidárias e aos entraves da falta de orçamento; (b) expedir normas reguladoras de forma célere, a fim de acompanhar a dinâmica da evolução econômica e tecnológica que hoje se perfaz com extrema rapidez, ficando alheio ao engessado procedimento legislativo; (c) aplicar sanções, igualmente de forma veloz; (d) por fim, associar a participação dos usuários no controle desses serviços prestados”. Enfim, como dito, uma das características fundamentais dessas agências reguladoras repousa em sua independência em relação ao Poder Executivo, de forma a garantir que suas decisões sejam fundamentalmente técnicas e não políticas.
Todavia devido a sua natureza jurídica de direito público, estes entes autárquicos foram criados com o objetivo de executar atividade típicas da Administração Pública, sendo que o regime especial confere privilégios específicos, aumentando sua autonomia comparativamente as autarquias comuns. Contudo, essa “maior autonomia” deve ser entendida é delimitada, conforme os ditames fixados no ordenamento jurídico.
No entanto, no ordenamento jurídico, ainda existe a figura da Agência Executiva, as quais são autarquias e fundações públicas responsáveis por atividades e serviços exclusivos do Estado, sendo que sua qualificação se dá por meio de requerimento dos órgãos e das entidades que prestam atividades de Estado.
Essas são compulsoriamente criadas por meio de decreto expedido pelo Presidente da República sendo necessário possuir plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento além da celebração de Contrato de Gestão com o respectivo Ministério supervisor (MAFRA, 2005).
No entanto, é importante afirmar que as Agências Reguladoras não se confundem com as chamada Agências Executivas, pois enquanto as Agências Reguladoras exercem o poder de polícia, com a imposição de limitações administrativas ou e regulam e controlam as atividades que constituem objeto de concessão, permissão ou autorização de serviços públicos, as Agências Executivas, não têm por objetivo a regulação, controle e fiscalização, mas a sim execução de atividades administrativas com o objetivo de otimizar recursos, reduzir custos e aperfeiçoar a prestação de serviços públicos (VALERA, 2015).
2.3 AGÊNCIAS REGULADORAS E PODER NORMATIVO
A transferência à iniciativa privada da administração de bens e a prestação de serviços públicos, traz a necessidade de o Estado agir de forma indireta estabelecendo regras e normas de conduta O Estado atuando ‘apenas e tão somente’ em suas funções precípuas: regulatória e fiscalizatória. Deixando a parte operacional, sob supervisão, à inciativa privada.
Marques Neto (2003 apud PECI, 2007)13 destaca que “regulação é intervenção, é restrição pelo poder público da escolha baseada em interesses particulares. No stricto sensu, regulação tem a ver com o estabelecimento de regras de jogo, sendo assim uma função do Estado.”
Faz-se então necessário entender questões referente a poder normativo e poder regulamentar para a discussão ora posta, pois na doutrina existe uma grande controvérsia a respeito da natureza dos atos normativos expedidos pelas agências reguladoras, havendo diversos posicionamentos sem uma corrente única.
De uma forma simplificada, poder-se ia entender a diferença entre poder normativo e poder regulamentar sob o conceito de que o Poder Normativo está ligado à produção de normas, e o Poder regulamentar, voltado à aplicação e execução de leis destinadas à Administração Pública. Nesse sentido, o Poder Normativo é a possibilidade de se expedir normas para regular matérias referentes a diversos tópicos da Administração Pública, no intuito de organizar, controlar e disciplinar condutas externas.
Para entender tal diferença, faz-se menção ao vocábulo “Regulação”. Estudiosos ao tema divergem quanto ao conceito geral de “Regulação”, sendo alguns com fundamentação mais restrita à ordem econômica ou à atuação do Estado. No entanto, a definição mais abrangente é dada por Di Pietro (2009) que relata que “a regulação constitui-se como conjunto de regras de conduta e de controle da atividade econômica pública e privada e das atividades sociais não exclusivas do Estado, com a finalidade de proteger o interesse público” e conclui que a atividade regulatória abrange 3 atividades administrativas a cargo do Estado:polícia, fomento e intervenção no domínio econômico.
O poder regulamentar é uma das formas de expressão da função de regrar do Poder Executivo, cabendo a este editar normas complementares à lei para a sua fiel execução, não sendo possível confundi-lo com o exercício do Poder Legislativo. No âmbito federal, compete ao Presidente da República. Nesse sentido, o exercício do poder normativo encontra-se subordinado ao princípio da legalidade e da reserva legal e, logicamente, aos preceitos constitucionais, sujeitando-se aos limites estabelecidos hierarquicamente superiores. Contudo, a doutrina não é uniforme quanto a esses preceitos, principalmente, quando o assunto se refere às Agências Reguladoras.
Assim, é notório observar que o tema poder normativo nas Agências Reguladoras é controverso e suscita inúmeras discussões, considerando o ordenamento jurídico brasileiro, sendo a discussão sobre o papel e o poder normativo das Agência Reguladoras tema, por vezes, recorrente. Essa discussão acentua-se toda vez que algum mercado ou serviço objeto de regulação por parte deste ente autárquico é exposto por irregularidades e por procedimentos que vem afetar a economia e a opinião pública.
Faz-se necessária a discussão acerca dos limites das agências reguladoras. Há que se destacar que, no mundo jurídico, não existe consenso no que concerne aos limites de poderes outorgados às Agências Reguladoras, bem como sobre a extensão dos poderes para regular os setores aos quais seu poder foi outorgado, em função de mudanças no modelo regulatório brasileiro.
Na doutrina jurídica brasileira, existem correntes diferenciadas para explicar o “poder normativo” das agências reguladoras. Parte da doutrina combate o poder normativo das agências por entender que essas instituições não se enquadram no arcabouço constitucional. Nesse sentido, Di Pietro (2009) aborda pontos controversos sobre a capacidade normativa e reguladora dessas instituições, sendo a principal discussão referente “à competência para baixar atos normativo” em que “existem incertezas sérias quantos aos limites da função reguladora das agências, no que diz respeito ao estabelecimento de regras. E essa dificuldade decorre do fato de que essa função vem sendo atribuída a órgãos e entidades que não tem função regulamentar outorgada pela Constituição”. Enfim reitera o entendimento de que tais fundamentos devem estar lastreados na Constituição, se não haveria uma afronta ao princípio da legalidade, à Separação de Poderes, ao Estado de Direito e à segurança jurídica. Esse pensamento é compartilhado por Stuchi (2009)14, Melo (2013)15 e Loss (2011)16.
Porém, em contrapartida, há um segmento da doutrina entende que tal função não extrapola os aspectos constitucionais e tão pouco legais. Castro (2011) entende como: “natural e jurídico que a competência normativa atribuída às agências regulatórias pelas respectivas leis orgânicas traduz um poder regulamentar de 2º grau, que há de ser compatibilizado com o sistema hierárquico de normas legais e infralegais presidido pela constituição rígida”. Ferraz Junior (2011) esclarece que “é importante entender a mutação constitucional do princípio da legalidade dos atos administrativos, de tal forma que possa estar justificada, ou juridicamente fundamentada, a atuação normativa das agências reguladoras. Caso contrário, isto é, caso se assuma a concepção tradicional do princípio da legalidade estrita, sequer poderia ser admitida a imposição de normas de conduta por qualquer órgão do Poder Executivo, a não ser por delegação prevista expressamente na Constituição” e Souto (2011) reconhece o caráter normativo de todas as agências reguladoras:
Contudo, é nos ensinamentos de Carvalho (2011) que essa situação – defesa do poder normativos das agências reguladoras – encontra maior respaldo, entendendo que esses órgãos exercem mesmo função regulamentadora, estabelecendo disciplina, desde que observados os parâmetros existentes na lei de sua criação ou de estabelecimento de suas funções.
Resta claro que, independentemente da discussão técnico ou política da discussão que se aventura em situações de crise, as Agências Reguladoras e as Autarquias de Natureza Especial exercem funções de regulação e devem agir com autoridade pública, conforme o poder outorgado pela lei que a criou. De certa forma, tal iniciativa, em que pesem argumentos contrários, permite que o Estado seja mais ágil e possa agir mais tempestivamente, inclusive formando um corpo técnico mais especializado.
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INDEPENDÊNCIA, Autonomia e a TEORIA da CAPTURA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
As Agências Reguladoras foram ou deveriam ser constituídas com a finalidade de se criar um órgão técnico e especializado no intuito de “blindar” possíveis ingerências político-partidárias ou flutuações advindas de processo de mudanças de governo, políticas econômicas e demais aspectos que possam vir a sobrepujar as decisões técnicas, em que pese, a concepção desta autarquia mantenha um vínculo com a Administração Direta (Poder Executivo) por meio do Ministério, ao qual é vinculado.
Dessa maneira, a nova forma de atuação estatal retrata a necessidade da delegação de poderes de regulação para “melhor eficiência, eficácia e efetividade” de Políticas de Estado, a fim de racionalizar a atividade econômica sem abrir mão de sua regulação.
Nesse aspecto, as prerrogativas conferidas por leis, tais como independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica e estabilidade de dirigentes e o poder de polícia passam a ser peças essências na discussão em voga. Contudo, como já explorado anteriormente, as discussões, inclusive sobre a constitucionalidade da criação das Agências Reguladoras, ainda é tema não pacificado.
Nessa esteira, é de se notar que modelo brasileiro de desestatização partiu da premissa de transferência de atividades ou serviços de domínio estatal para atividades privadas flexibilizando regras e reduzindo barreiras as entradas de capital nacional e estrangeiro.
Com o arcabouço das Agências Reguladoras configuradas como autarquias de regime especial, estes órgãos detêm margem de independência em relação aos poderes de supervisão, fiscalização e normatização das empresas às quais foram delegados os serviços públicos em que pese o controle de seus atos estarem sujeitos ao controle externo do Poder Judiciário, quanto a sua legalidade ou abuso, devido ao mencionado controle jurisdicional da administração pública (MELO, 2013).
ARAÚJO (apud MOREIRA NETO, 2003) aponta fatores necessários para uma agência reguladora no exercício de suas funções (a) a independência política dos gestores, que “decorre da nomeação de agentes administrativos para o exercício de mandatos a termo, o que lhes garante estabilidade nos cargos necessários para que executem, sem ingerência política do Executivo, a política estabelecida pelo Legislativo para o setor”; (b) a independência técnica decisória, que assegura a atuação apolítica da agência, “em que deve predominar o emprego da discricionariedade técnica e da negociação, sobre a discricionariedade político-administrativa”; (c) a independência normativa, “um instituto renovador, que já se impõe como instrumento necessário para que a regulação dos serviços públicos se desloque dos debates político-partidários gerais para concentrarem-se na agência”; e (d) a independência gerencial, financeira e orçamentária, que completa o quadro que se precisa para garantir as condições internas de atuação da entidade com autonomia na gestão de seus próprios meios.
Todos os fatores reunidos ainda não garantem que a estrutura de Agência Reguladora seja ideal e imune às inferências externas (externalidades e risco de captura) e seus agentes, mas são essenciais para a fixação da autonomia das agências. Castro (2011) reforça que a aspiração maior desses entes é a independência técnica setorial em face dos órgãos centrais da Administração Pública.
Nesse sentido, a estabilidade do órgão colegiado é fundamental para mitigar riscos de decisões que não estejam pautadas por critério técnico. Por óbvio, esse fator por si só não determina o tom de independência de agência reguladora.
Alexandrino e Paulo (2010) destacam que: “para conferir maior ’independência’ às agências reguladoras, característica essencial do modelo que se pretendeu adotar no Brasil, o legislador tem atribuído a elas o status de ’autarquia em regime especial’, o que se traduz, nos termos de cada lei instituidora, em prerrogativas, especiais, normalmente relacionadas à ampliação de sua autonomia administrativa, gerencial e técnica”.
Aragão (2005) contribui registrando que: “é importante desde já frisar que a qualificação de “independente’ comumente atribuída às agências reguladoras, deve ser entendida em termos. Em nenhum país onde foram instituídas possuem independência em sentido próprio, mas apenas uma maior ou menor autonomia, dentro dos parâmetros fixados pelo ordenamento jurídico”.
Nessa independência, o ponto que se destaca é o pressuposto de mandatos fixos17 dos dirigentes da agência, no intuito de mitigar os riscos de ingerência política ou o risco de captura pelos agentes do setor regulamentado.
Contudo, em que pese não ser enfaticamente discutida ao longo do trabalho a questão da autonomia administrativa, a autonomia financeira e orçamentária é fundamental para uma Agência Reguladora, é essencial para que um órgão da administração pública seja de fato autônomo.
A autonomia das agências surge, assim, com a própria lei instituidora que garante às agências autonomia administrativa para gerir seus próprios recursos com autonomia financeira, pois detêm orçamento próprio desvinculado do órgão do executivo central e autonomia técnica no sentido de regular o setor econômico ou de serviço.
Cabe aqui introduzir a discussão da teoria da captura18 a qual se baseia na ideia de que, quando grandes grupos de interesses ou empresas passam a influenciar as decisões e atuação do regulador, poderá haver um benefício do agente em favor do interesse de um agente privado.
Essa influência pode ser dada por meio, por exemplo, de pressão do poder econômico das empresas reguladas, por representantes de privados que estejam exercendo cargos no setor público ou por outros fatores de ordem econômica ou política. Diante desse cenário, esses fatores vêm afetar a imparcialidade nas decisões das agências reguladoras. Ou seja, as agências reguladoras no exercício regular de suas funções estão sujeitas a esse processo de captura.
Guerra (2007) entende que a teoria da captura volta-se ao tema que envolve a independência que representa a instância decisória de uma agência reguladora, haja vista a sua vinculação administrativa (e não subordinação hierárquica) ao respectivo Ministério e ilustra essa questão sobre a decisão do poder judiciário que reformou ato da Anatel de nomeação de Conselheiro. Guerra destaca que o juiz acolheu pedido do Ministério Público para obstar que a União designasse membros de entidades representativas dos usuários e sociedade para o referido Conselho Consultivo, entendendo que, com base na Teoria da Captura, “o membro do Conselho Consultivo pode influenciar as decisões do Conselho Diretor”. Ou seja, na decisão, o juiz entendeu que a nomeação de membros do Conselho Consultivo da ANATEL (nas vagas destinadas à representação de entidades) estava eivada de vício e que deveria ser impugnada, pois os indicados teriam ocupado cargos diretivos nas empresas concessionárias e, desse modo, poderiam representar interesses destas.
Contudo, o risco de captura não está unicamente associado aos agentes da iniciativa privada, a captura pode acontecer no próprio setor público, quando há uma vinculação da atividade da agência reguladora com interesses políticos de agentes públicos, principalmente, se houver um alinhamento ou influência no âmbito do Poder Executivo (ALVES, 2015).
Assim, o argumento a favor da independência/autonomia das agências reguladores e autarquias especiais vincula-se ao fato de que os agentes dessas instituições estariam menos expostos a grupos de interesse (privado ou público), que viessem oferecer vantagens políticas ou econômicas via regulação em função de um momento político, por outro lado críticos argumentam que um poder discricionário exacerbado poderia atrapalhar a política de governo.
Justen Filho (2002) ressalta que “a necessidade de autonomia no desempenho de funções regulatórias não pode imunizar a agência reguladora de submeter-se à sistemática constitucional. A fiscalização não elimina a autonomia, mas assegura à sociedade que os órgãos titulares de poder político não atuaram sem limites, perdendo de vista a razão de sua instituição, consistente na realização do bem comum. Esse controle deverá recair não apenas sobre a nomeação e demissão dos administradores das agências, mas também sobre o desempenho de suas atribuições. Deverá submeter-se à fiscalização a atuação das agências relativamente à adoção de políticas públicas, de edição de normas tantos gerais e abstratas como individuais e concretas”.
Por fim, o que se vê é a necessidade de criar mecanismos para mitigação de risco é fundamental para as agências reguladoras no exercício de suas funções. Autonomia, independência (na medida da legalidade) e mandato de seus dirigentes são medidas podem vir a reduzir tanto os efeitos do risco de captura quanto os de independência e autonomia.
CONCLUSÃO
O artigo apresentou discussão quanto ao poder normativo e da autonomia e independência das Agências Reguladoras no ornamento jurídico brasileiro. Para tanto, elaborou-se uma breve apresentação quanto ao processo de Desestatização e Privatização brasileiro iniciado na década de 90. Como consequências (sem adentrar em outros aspectos da reestruturação do setor público e a necessidade de diminuir a dívida pública) deu-se um processo gradativo de redução (na forma direta) da intervenção do Estado em alguns setores econômicos e de serviços (retirar o Estado da exploração direta da atividade econômica), por meio de descentralização de atividades, alienação societária, concessões, permissões, autorizações e etc. ao setor privado incentivando a iniciativa privada a participar da economia.
Em contrapartida, o Estado promoveu um aumento de medidas regulatórias (ação indireta) e de controle, desenvolvendo funções de fiscalização, supervisão, regulação e planejamento.
Esse processo de mudança de concepção de atuação estatal teve seu início pautado nas mudanças econômicas que envolveram a discussão quanto ao papel do Estado, seja adotando uma política mais intervencionista seja uma política mais liberal. Ou seja, trata-se de uma transição na função estatal quanto às suas atribuições em determinados setores da economia, ocupando, assim, um novo direcionamento, passando a exercer uma função de indutor e regulador do desenvolvimento econômico social, em vez de Estado Intervencionista.
Por isso posto, este, assume um viés regulador no lugar de produtor de bens e serviços. Nessa transposição, a criação dos principais agentes regulatórios se dá por meio das autarquias de natureza especial vinculadas ao poder Executivo e das Agências Reguladoras.
Contudo, para fomentar o debate, existem questionamentos, que dentre os principais estão a falta uniformidade de pensamento da doutrina jurídica quanto ao poder normativo das agências reguladoras e de consenso na discussão quanto ao embasamento constitucional ou legal que deu origem ao modelo de agências adotado no Brasil.
Em relação aos aspectos de autonomia e independência, inerentes à situação de entes públicos, o próprio ato constitutivo já demonstra necessidade de diferenciação, para que não ocorra o risco de captura de seus agentes por grupos de interesses privados ou de seus regulados e até mesmo com interesses políticos de agentes públicos, principalmente, se houver um alinhamento ou influência no âmbito do Poder Executivo.
Assim, o artigo em comento vem contribuir na discussão do poder normativo de autarquias especiais ou Agências Reguladoras, em função de um novo cenário em que o Estado, intervindo nas relações econômicas e poupança interna, passa a disciplinar a prestação de serviços públicos a cargo da iniciativa privada entendida como uma via alternativa para, no efetivo exercício de seu poder de polícia, atuar na regulação econômica e social.
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1 (FACHIN, 1998; FADUL, 1998; FISCHER, TEIXEIRA & HEBER, 1998 apud PECI, 2007).
2 Para efeito deste trabalho, não serão consideradas as diferenças de vocábulo desestatização e privatização. De fato, o vocábulo desestatização pode ser compreendido como a “transferência das atividades privadas exercidas pelo Estado para o setor privado, onde o Estado deixa de intervir diretamente nas relações econômicas que não estão em sua guarda”. Privatização pode ser entendida como uma das formas de desse processo de desestatização.
3 (PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO, 1995)
4 De acordo com Carvalho (2009,), “agências reguladoras terem seus objetivos de atuação relacionados a setores específicos a atividade econômica. (…) deverem basear suas posições em critérios técnicos, embasando, dessa maneira, o entendimento de que as denominadas matérias de fato estariam fora do alcance do controle judicial. Já a neutralidade representa a postura não-política que deve permear sua atuação(…)”.
5 BREYER, Stephen G. Regulation and its reform. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1982. s
6 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. 639 p.
7 CF 1988 – art. 174: o Estado deve atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica.
8 MORAES, Alexandre de. Agências reguladoras. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 90, v. 791, p. 739-756, set. 2001.
9 O sistema da common law sempre constituiu um obstáculo ao desenvolvimento do Direito Administrativo como ramo jurídico autônomo. Dentre outros fatores, a ideia da judicial supremacy, que atribui ao Judiciário o poder de controle sobre qualquer ato do Poder Público, inexistindo uma jurisdição administrativa especializada nos moldes franceses, consubstanciava o principal responsável pelo reconhecimento tardio da autonomia do Direito Administrativo […] Em verdade, o Direito Administrativo norte-americano não pode ser considerado, ao contrário do francês, como um Direito Administrativo revolucionário. O surgimento deste ramo do direito nos Estados Unidos ocorre em virtude da necessidade de atuação crescente do Estado na área social e econômica, notadamente através das agências. Costuma-se dizer, por isso, que o direito administrativo norte-americano é basicamente o “direito das agências” (OLIVEIRA, 2009, p. 159-160).
10 Em tese, o processo de a privatização ser visto como um elemento no processo de ajuste fiscal ou para financiar gastos correntes.
11 Período em que as agências foram criadas sob a inspiração norte-americana e apresentava as condições sociais, políticas e jurídicas adequadas para o começo de uma nova era na regulação estatal (OLIVEIRA, 2009).
12 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Função normativa regulatória e o novo princípio da legalidade. In: CUÉLLAR, Leila. Poder normativo das agências reguladoras norte-americanas. Revista de Direito Administrativo, n. 229, p. 153-176, jul-set, Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
13 MARQUES NETO, F. A. Agências reguladoras: instrumentos de fortalecimento do Estado. São Paulo: Abar, 2003.
14 não é possível aceitar as justificativas que deixem de respeitar a divisão de competência dispostas na Constituição Federal entre os poderes estatais, nem, ao menos, de considerar a vinculação positiva da Administração Pública ao Princípio da Legalidade
15 a função normativa que exercem não pode, sob pena de inconstitucionalidade, ser maior do que a exercida por qualquer outro órgão administrativo ou entidade da Administração Indireta
16 Os atos regulatórios criados pelas agências devem ter natureza de regulamentos administrativos, visto que são considerados manifestações da função administrativa do Estado. Nesse diapasão, é inquestionável a necessidade de previsão legal ou regulamentar de todos e quais quer atos administrativos de autoria das agências
17 A não coincidência dos mandatos dos dirigentes das agências com os mandatos dos Chefes do Executivo geram polêmicas na doutrina. Celso Antônio Bandeira de Mello, entende que essa previsão contraria o princípio republicano que estabelece a temporariedade dos mandatos políticos, pois permite que os governantes derrotados nas urnas continuem a exercer influência sobre o governo sucessor. Marcos Juruena Villela Souto entende não haver qualquer inconstitucionalidade nessa previsão legal, já que os dirigentes são independentes e responsáveis por decisões técnicas (e não políticas), além dos órgãos colegiados das agências serem formados por “várias correntes de pensamento da sociedade”, o que garantiria legitimidade. (OLIVEIRA, 2009).
18 Serve para indicar a situação em que a agência se transforma em via de proteção e benefício para os setores empresariais regulados. A captura se configura quando a agência perde sua condição de autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou de todos os segmentos regulados (JUSTEN FILHO)