Processo administrativo disciplinar: as possibilidades e impossibilidades da aplicação do princípio da insignificância em caso de atos ilícitos cometidos pelo agente público

Resumo: O Princípio da Insignificância é considerado na literatura como um dos mais relevantes pilares do Direito Penal moderno, e utilizado como causa de exclusão da tipicidade, muito especialmente da tipicidade material, sendo por conta disso cercado de polêmicas. Tendo em conta estas questões, o presente artigo teve como objetivo analisar as possibilidades e impossibilidades da aplicação do princípio da insignificância em situações envolvendo a prática ilícita de agentes público. Trata-se de um estudo descritivo e bibliográfico, realizado por meio de artigos de livros e da Internet, na linguagem portuguesa. Os resultados mostram que a aplicação do Princípio da Insignificância, que tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela, enfrenta grande desafio quando de sua aplicação em casos envolvendo conduta danosa praticada pelo servidor público, havendo duas correntes que se posicionam sobre a questão: de um lado a corrente que acredita ser possível a sua aplicação, estando inserido neste contexto o Supremo Tribunal Federal, e de outro lado, a corrente que alega impossibilidade, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça.

Palavras-chave: Princípio da Insignificância; Aplicação; Possibilidades e Impossibilidades.

Abstract: The Principle of Bickering is consider in the literature as one of the most relevant pillars of modern Criminal Law, and used as a cause for exclusion of typicity, more specific from the material typicity, and on that account surrounded by controversy. Having regard to those issues, this present article aimed to analyze the possibilities and the impossibilities of the application of the principle of bickering in situations, which involves the unlawful practice of public agencies. This is a descriptive and bibliographical study, carried out through articles and books from the internet, in the Portuguese language. The results show that the application of the Principle of Bickering, which is intended to assist the interpreter when analyzing the criminal type, to exclude from the incidence of the law those situations considered as trifle, faces grand challenge when it is applied into cases involving misconduct committed by public servants, there are two trends that are positioned on the issue: on one side there is the current that believes it is possible its application, being inserted in this context the Supreme Court, and on the other side, there is the current alleging impossibility, such as the Superior Court Of Justice.

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Keywords: Principle of Bickering; Application; Possibilities and Impossibilities.

Sumário: Introdução. 1. A Administração Pública e o Panorama dos atos ilícitos/corrupção. 2. O Processo Administrativo Disciplinar (PAD). 3. O Princípio de Insignificância: origem e dimensão. 4. Como se aplica o Princípio de Insignificância em casos de ilicitude do servidor público – Das possibilidades e das impossibilidades. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A Administração Pública corresponde ao conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas destinadas à execução das atividades administrativas. É submetida ao princípio da ordem, da eficiência e da eficácia de seus atos, que criam mecanismos para impor aos agentes públicos, a obrigação de cumprir fielmente os preceitos da moral administrativa que regem sua conduta.

Todavia, embora seja dever do agente público cuidar com toda retidão dos interesses da sociedade, o que se nota na atualidade é o alastramento de esquemas de corrupção manipulação de orçamentos e desvio de recursos públicos, por várias alas do setor público (CASTRO, 2010; CARMONA, 2012).

É sabido que a moralidade da Administração Pública não pode ser conspurcada, e que devem ser penalizados todos os atos que contrariam este dever, afirma Carmona (2012).

Para isso, lembra Moscon (2014), a Administração Pública dispõe de inúmeros mecanismos de punição contra atos lesivos de seus servidores, dentre os quais destaca-se o Processo Administrativo Disciplinar, por meio do qual a Administração pode averiguar o cometimento de infração pelo agente público e aplicar a devida penalidade.

Mas, ainda que seja assim, conforme comentários de Oliveira (2013, p. 5), costuma-se balizar o conceito de irregularidade no serviço público sob “as tintas da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de impedir a indevida sujeição de agentes público a drásticos e constrangedores procedimentos apuratórios”.

Nessa esteira insere-se o Princípio de Insignificância – que analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem, segundo Oliveira (2013), o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade, examinada na perspectiva de seu caráter material.

Para Ribeiro (2013), a orientação jurisprudencial e doutrinária é no sentido de considerar o Princípio da Insignificância como medida de política-criminal, na medida em que funciona como vetor interpretativo restritivo do tipo penal, objetivando a exclusão da incidência do Direito Penal perante as situações que resultem em ínfima lesão ao bem jurídico tutelado.

Trata-se, portanto, de tema polêmico na jurisprudência do STF e STJ, havendo segundo Silva (2014) decisões recentes nos dois sentidos (possibilidades e impossibilidades).

Estas e outras questões são temas que são analisados no transcorrer do estudo, cuja intencionalidade foi analisar as possibilidades e impossibilidades da aplicação do princípio da insignificância em situações envolvendo a prática ilícita de agentes públicos, objetivando especificamente traçar breve panorama sobre a improbidade, que sob diversas formas vem se alastrando no setor estatal; contextualizar estudos sobre o Processo Administrativo Disciplinar, focalizando suas finalidades no que se refere à apuração dos ilícitos praticados no âmbito público, e discorrer sobre o princípio da insignificância, destacando as divergências quanto à sua aplicabilidade em caso de desonestidade do agente público.

Utilizou-se para tanto um levantamento bibliográfico e documental, além da legislação acerca do tema para subsidiar a pesquisa, que teve como ponto de partida a seguinte indagação: Quais as possibilidades e impossibilidades da aplicação do princípio da insignificância em situações envolvendo a prática ilícita de agentes público contra o patrimônio público?

1 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O PANORAMA DOS ATOS ILÍCITOS/CORRUPÇÃO

Em sentido objetivo a Administração Pública abrange as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas (DI PIETRO, 2007).

Este conjunto tem a responsabilidade de atender as necessidades e interesses da população, gerindo o patrimônio. Para exercer as atividades que lhes são atribuídas, frisa Rodrigues (2012), os servidores públicos possuem alguns poderes e deveres, e devem exercer suas atribuições de modo eficiente e honesto, buscando sempre o melhor para a comunidade e prestando contas do que está sendo feito.

Corroborando com tais assertivas Moscon (2014, p. 8) afirma que a Administração Pública deve pautar sua atuação de acordo com os padrões éticos, em estrita observância a aspectos relacionados à honestidade, à lealdade e à boa-fé. “A Administração Pública deverá atentar-se não apenas ao lícito, mas as regras da boa administração, aos princípios de equidade, justiça e honestidade, bem como à moral e aos bons costumes”, assevera o autor.

Com efeito, a moralidade administrativa, como lembra Meireles (2008) é na atualidade pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública. Todavia, nos últimos anos, uma das principais preocupações nestas instituições tem sido o envolvimento cada vez maior de agentes públicos em atos fraudulentos e de corrupção.

Geralmente, as fraudes e os crimes de corrupção, que ocorrem em boa parte das organizações, sejam públicas ou privadas, acontece por falta de percepção e de ações proativas dos gestores. Normalmente as denúncias vêm de rumor de fraude na empresa, ou de um funcionário honesto que denuncia um desonesto. Em muitos casos, o crime pode estar sendo perpetrado há muito tempo, contando inclusive com a ajuda de outros colaboradores da empresa (GOMES, 1996).

Para muitos estudiosos do assunto, a raiz da corrupção estaria no desejo imoderado da fruição de bens e riquezas. E neste contexto ocorreriam os abusos, os favorecimentos, os privilégios e outras condutas incompatíveis com os interesses da sociedade. Para outros, a corrupção é um mal que está enraizado em muitas instituições e ela não se limita mais somente ao sentido figurativo de suborno, depravação e devassidão.

Esta é uma realidade que se reflete também no setor estatal, onde a corrupção e a improbidade administrativa envolvendo órgãos públicos, nos últimos tempos, vêm ganhando densidade e impactando a opinião pública. Nos comentário de Miranda (2014, p. 2):

“Um dos mais graves problemas enfrentados pela coletividade é justamente o de garantir uma administração proba, o que atualmente parece uma utopia, uma vez que diuturnamente a população brasileira testemunha, estarrecida, inúmeros escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos e políticos de diversos escalões, que agem de forma a capturar o Estado fazendo com que ele funcione a seu favor, numa total inversão de valores.”

Com efeito, nos últimos temos, a sociedade brasileira acompanha estarrecida as notícias não só sobre a má gestão de recursos públicos, mas sobre dinheiro do Estado ser desviado por meio de esquemas de fraudes e corrupção que prosperam, de forma quase impune, pelo país afora (NASCIMENTO, 2014).

Conceitualmente e sob o prisma léxico, a corrupção, segundo Garcia (2014) tem muitos significados. Tanto pode indicar a idéia de destruição como a de mera degradação, ocasião em que, segundo o autor, assumirá uma perspectiva natural, como acontecimento efetivamente verificado na realidade fenomênica ou meramente valorativa.

No entendimento de Silva (2014), corrupção denota decomposição, depravação, desmoralização e suborno, sendo associada também a um ato ilegal, no qual dois agentes (um corrupto e outro corruptor) travam relação ‘fora-da-lei’, envolvendo a obtenção de propinas.

“O senso comum identifica a corrupção como um fenômeno associado ao poder, aos políticos e às elites econômicas. Mas, igualmente, considera a corrupção algo freqüente entre servidores públicos […] que usam o “pequeno poder” que possuem para extorqui renda daqueles que teoricamente corromperam a lei – ultrapassando o sinal vermelho ou não pagando impostos (SILVA, 2014, p. 4).”

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A corrupção vista como abuso praticado pelo agente para benefício privado está relacionado, segundo Pereira e Campos (2013, p. 3) aos incentivos e aos problemas de agente-principal, especialmente onde há problema de assimetria de informação, que repercutem negativamente na eficiência burocrática e institucional e na geração de incentivos para o comportamento corrupto. “Dada a preferência ao risco do agente, a fragilidade institucional, inclusive a estrutura legal, gera oportunidade para adoção de atitudes que rendam benefícios diante de práticas ilícitas” salientam os autores.

E deste modo, a corrupção, considerada como um dos grandes males que afetam a sociedade espalha-se pelo setor estatal. Como cita Silva (2014), a notícia de servidores envolvidos em corrupção para obtenção de ganhos próprios, ferindo as leis e os regulamentos em vigor e fugindo das normas aceitáveis para atingir fins privados, tem sido uma prática freqüente.

Na concepção de Brei (1996), existem razões para a proliferação da corrupção no setor estatal, dentre as quais a ausência de uma ética do trabalho no serviço público, envolvendo falta de comprometimento e responsabilidade, além de desrespeito a regras e regulamentos; a pobreza e desigualdade, que levam indivíduos a tolerarem e até mesmo a se envolverem com ações corruptas; a expansão do papel do Estado e da burocracia, com crescimento do poder discricionário do funcionário, que acaba possibilitando abuso, e existência de uma opinião pública fraca e apática, que não consegue funcionar como uma contraforça.

Frente a esta realidade, o governo bate recordes de expulsões de servidores públicos por envolvimento em atos de corrupção dentro da administração, produzindo, anualmente, uma quantidade considerável de demissões, revelando a intensidade de atos de corrupção a que a máquina estatal está exposta (MORAES, 2009).

Diante dessa situação, frisa Moscon (2014), o Estado vem fazendo uso de mecanismos legais que visem coibir a corrupção e quaisquer outros meios fraudulentos utilizados pelos servidores contra a entidade pública, impedindo que estes permaneçam impunes, porque a impunidade, além do dano irreparável ao erário público, transforma-se em incentivo à repetição da prática criminosa.

Neste contexto insere-se o Processo Administrativo Disciplinar, um instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições (MARTINS, 2002).

2 O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD)

A literatura pertinente mostra que o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é um instrumento pelo qual a Administração Pública exerce seu poder-dever para apurar as infrações funcionais e aplicar penalidades aos seus agentes públicos e àqueles que possuem uma relação jurídica com a administração.

Conforme proposições de Moscon (2014, p. 10), a Administração Pública, responsável pelo funcionamento do Estado, deve exercer controle sobre suas atividades, bem como de seus servidores, poder este denominado “poder disciplinar”, que consiste em apurar as infrações administrativas cometidas por seus agentes públicos impondo-lhes as respectivas
penalidades. “Diante do cometimento, pelo servidor público, de falta funcional, cabe à Administração Pública proceder às devidas apurações do ato ilícito, aplicando, se necessária, a punição cabível”, frisa o autor

Nas premissas de Martins (2002, p. 3):

“O processo administrativo disciplinar é o instrumento eficaz que objetiva a supremacia do Estado diante daqueles que o servem, submetidos ao poder disciplinar, que vem a ser a faculdade de punir inteiramente as infrações funcionais […] a sanção administrativa tem como fundamentos a regularidade do serviço público, a conservação de seu prestígio para com os seus administrados, a reeducação dos servidores públicos, difusão dos princípios éticos e a exemplificação.”

O Processo Administrativo Disciplinar, portanto, é o instrumento legal utilizado para apuração de responsabilidade de servidores públicos por infração praticada ou relacionada ao exercício do cargo/função.

Apontando aspectos históricos da questão, Moscon (2014) relata que desde o período imperial, o Processo Administrativo Disciplinar está presente no ordenamento jurídico brasileiro. Por conta da predominância, na sociedade da época, de arbitrariedades praticadas pelos governantes e seus servidores, o PAD, explica o autor, teve suas primeiras menções jurídicas realizadas por volta de 1822.

“O referido instituto foi ganhando espaço no mundo jurídico no decorrer dos anos […] teve maior evolução com o advento da Constituição Republicana de 1891, de modo que atualmente a Administração Pública o considera essencial no controle de infrações, arbitrariedades e ilicitudes praticadas pelos seus servidores (MOSCON, 2014, p. 8).”

Desse modo, o Processo Administrativo Disciplinar foi como relata Pontenza (2010 apud MOSCON, 2014), evoluindo no tempo, conforme a evolução do próprio Estado e de seu aparelho burocrático.

Nos comentários do autor:

“Esse proceder visou corrigir os erros que influenciavam diretamente a ineficiência da prestação de serviço estatal. No decorrer dos anos, foram criadas as estruturas mais sólidas do processo administrativo disciplinar; como consequência, gerou-se o controle mais efetivo e clarividente de todo o seu conteúdo, possibilitando, finalmente, que resultassem garantidos o direito à ampla defesa e o direito contraditório, bem como aos demais princípios informadores do sistema jurídico brasileiro (PONTENZA, 2010 apud MOSCON, 2014, p. 8).”

Em tempos mais atuais, o Processo Administrativo Disciplinar passou a ser o meio democrático de averiguação da responsabilidade de quem supostamente tenha cometido falta funcional de qualquer natureza contra a Administração Pública (MOSCON, 2014).

Segundo Cardozo et. al. (2013), o processo administrativo disciplinar é informado pelos princípios gerais que regem a Administração Pública e tem seu pressuposto de validade na observância do devido processo legal que assegure o acesso ao contraditório e a ampla defesa.

“O processo administrativo deverá ser conduzido com balizamentos nos princípios constitucionais que tratam dos direitos e garantias individuais e também naqueles que regem a Administração Pública, a fim de que desde a sua instauração até o julgamento final sejam assegurados direitos fundamentais do acusado (CARDOZO et. al. 2013, p. 5).”

Destaca ainda o mesmo auto que a instauração do Processo Administrativo Disciplinar é ato vinculado, pois toda autoridade que tiver conhecimento de irregularidades no âmbito do serviço público tem o dever de promover a sua apuração ou representar à autoridade competente.

Uma vez comprovada a infração disciplinar pela própria Administração Pública, por meio de sindicância punitiva ou de processo administrativo disciplinar poderá resultar ao servidor público faltoso, a aplicação das sanções previstas no artigo 127 da Lei nº 8.112,  quais sejam: a) advertência; b) suspensão; c) demissão; d) cassação de aposentadoria; e) destituição de cargo em comissão; f) destituição de função comissionada.

O Processo Administrativo Disciplinar compreende as seguintes fases, conforme Controladoria-Geral da União (2013) e Pepeu (1999):

a) Instauração: é um ato exclusivo da autoridade com competência regimental ou legal para tanto, e realiza mediante a publicação de Portaria que designa a Comissão Disciplinar que atuará no apuratório. A referida Portaria deve conter os dados funcionais dos membros da Comissão (três servidores efetivos estáveis), a indicação de qual deles exercerá a função de presidente, o processo que será objeto de análise e menção à possibilidade de a Comissão apurar fatos conexos aos já contidos no processo principal.

b) Inquérito: é aquela em que o Trio Processante ora designado realmente irá apurar os fatos utilizando-se de todos os meios de provas admitidos pelo direito, ou seja, é nesse momento que a Comissão, obedecendo aos princípios do contraditório e da ampla defesa, produzirá ou colherá todos os elementos que lhe permitam formar e exprimir a convicção definitiva acerca da materialidade e autoria dos fatos irregulares ou mesmo da inexistência de tais fatos.

Esta fase é dividida em três subfases:

Instrução: aquela em que, sob o manto do contraditório e da ampla defesa, são produzidas pela Comissão Disciplinar as provas necessárias ao esclarecimento dos fatos;

Defesa: Garantida de forma expressa na Constituição como princípio que deve reger todos os processos, quer em área federal, quer em área administrativa (CF/88, art. 5º, LV), nesta fase o servidor ora indiciado tem o prazo legal de dez (10) dias para apresentar sua Defesa Escrita, nos termos do § 1º do art. 161 da Lei nº 8.112/90. Na hipótese de haver dois ou mais indiciados, esse prazo será comum e de 20 dias. Nessa peça o indiciado apresentará sua versão, sua defesa em relação aos fatos que lhe foram imputados no Termo de Indiciação.

Relatório: a mencionada defesa, após devidamente apreciada pela Comissão Disciplinar, será objeto de um Relatório Final, mediante o qual a Comissão irá se pronunciar pela última vez no feito apresentando sua convicção pela eventual transgressão legal ou regulamentar que entenda ter ocorrido ou pela inocência do servidor indiciado. Tal documento (que deve ser sempre conclusivo pela culpa ou inocência do servidor então indiciado ou pela inocência do servidor que não tenha sido indiciado) é enviado à autoridade instauradora dos trabalhos disciplinares, dando início à fase do julgamento.

c) Julgamento: sendo a autoridade instauradora competente para infligir a penalidade por ventura aplicável e havendo ainda prazo legal para tanto, deverá fazê-lo, a não ser que a proposta do relatório esteja contrária às provas presentes nos autos.

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Em síntese, como comenta Mattos (2014), o princípio da impessoalidade no Processo Administrativo Disciplinar (PAD) exige uma apuração séria e efetiva, para que assim possa absorver os inocentes e condenar os que realmente são culpados.

Nas palavras do autor:

“Esse é o plasmado da verdade real, ancorada no ideal do ius puniendi do Estado, que somente será acionado quando houver fatos ou indícios suficientes a serem investigados, sem excessos ou abusos do direito de punir. O julgamento acatará o relatório da Comissão de Inquérito, salvo quando contrário às provas dos autos, pois não se julga por presunção e sim por certeza. É o princípio da livre persuasão racional conjugado com o indelegável dever de fundamentar a decisão proveniente da competente autoridade administrativa (MATTOS, 2014, p. 2)”

Assim, diz o autor citado, como deve prevalecer no direito administrativo disciplinar, o compromisso de se buscar a verdade real, demonstrada por completo pela provas dos autos, incluindo-se nesse rol, o processo administrativo disciplinar, que visa apurar os atos de improbidade administrativa.

“A apuração disciplinar, por ser mais célere do que a tramitação judicial da ação de improbidade administrativa, somente poderá punir o servidor com a demissão se presentes os elementos autorizadores dessa penalidade, sob pena de reforma do ato de demissão pela via do Poder Judiciário. Há que se ter critérios no apenamento administrativo, não podendo este ser utilizado como instrumento de perseguição, pois o direito sancionatório possui prerrogativas e princípios que deverão ser observados (MATTOS, 2014, p. 3).”

Essa também é a opinião de Silva (2013), quando afirma que atos funcionais cometidos por servidores que podem ser considerados crimes não serão administrativamente apurados como tal, em função da independência das instâncias, da harmonia entre os Poderes e das competências exclusivas de cada Poder.

Concordando com tais premissas Oliveira (2013, P. 2) se expressa afirmando que procedimentos investigativos da Sindicância e do Processo Administrativo Disciplinar “não podem ser inaugurados açodadamente. Eles reclamam a presença de indícios suficientes de autoria e materialidade”.

Assim sendo, conforme observações de Pinho (2011), diante de um caso concreto, cabe a Administração Pública, na apuração do ato ilícito, observar alguns requisitos, bem como respeitar os princípios constitucionais orientadores do processo administrativo disciplinar. Não se trata, segundo a autora, de processo de cunho inquisitório, tendo definidos por lei os princípios e fases a serem seguidos para que tenha validade e eficácia.

Embora inúmeros autores entendam que a improbidade administrativa não está contida na modalidade responsabilidade civil, segundo Gomes (2014), não se pode olvidar que a improbidade tem aspectos civis, administrativos. Assim, diz o autor, o servidor, além de ter de ressarcir o dano à luz do Código Civil, poderá sofrer as sanções do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992.

A improbidade é um mal, sem dúvida, de repercussões graves, pois gera efeitos nocivos para toda a estrutura social, e a improbidade administrativa configura-se como a conduta do servidor que ao atuar de forma indevida, promove o desvirtuamento da Administração Pública (BARBACENA FILHO, 2011; PIMENTEL, 2011).

A legislação pune severamente esta prática. Mas, segundo Vico (apud PINHO, 2011), ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social sem, contudo, dispor de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves.

Todavia, como o servidor público, é pessoa legalmente investida em cargo de provimento efetivo ou em comissão, com denominação, função e vencimento próprios, número certo e remunerado pelos cofres públicos (Lei nº 10.460/88, artigo 3º), para que a punição aconteça em caso de conduta incompatível com a moralidade da Administração Pública, devem ser empregados dispositivos legais que proporcionem os meios regulares de defesa (MOSCON, 2014: PIMENTEL, 2012).

Neste sentido, o Princípio da Insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, ou para afastar a tipicidade das condutas pela existência de uma efetiva lesão ao bem jurídico tutelado (CARMONA, 2012; PINHO, 2011).

De acordo com Greco (apud PINHO, 2011), o Princípio da Insignificância tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela

3 O PRINCÍPIO DE INSIGNIFICÂNCIA: ORIGEM E DIMENSÃO

Princípio, diz Mello (2006) é o mandamento nuclear de um sistema; dele irradiam valores que vão guiar o ordenamento jurídico.

“Deve ser analisado como uma espécie de norma jurídica, com natureza política e ética. Pode ser considerado como um valor fundante do ordenamento jurídico. É uma disposição essencial que se propaga sobre as normas, servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere tônica e lhe dá sentido harmônico (MELLO, 2006, p. 629).”

No caso do Princípio da Insignificância, este tem suporte na premissa de que o Direito Penal não deve se ater à conduta de pequena monta, que causam maiores danos sociais ou materiais, em detrimento de conduta efetivamente danosas e que provocam desequilíbrios efetivos nas relações jurídicas em sociedade (GALVÃO et. al. 2014).

Destacando aspectos históricos da questão, Carmona (2012) e Ribeiro (2014) relatam que o Princípio da Insignificância originou-se do Direito Romano e que a sua formulação teórica com possibilidade de restringir o alcance da tipicidade se deve a Claus Roxim, que em 1964, na Alemanha, o reintroduziu na doutrina penal.

De caráter civilista, afirmam Carmona (2012) e Ribeiro (2014), o Princípio da Insignificância tem como fundamento o brocardo de minimis non curat praetor, que significa que um magistrado deve desprezar os casos insignificantes antes de cuidar das questões realmente inadiáveis. Em outros termos, sendo a lesão insignificante não há necessidade da intervenção do Direito Penal e, consequentemente, da incidência de suas graves reprimendas.

“O princípio da insignificância é um princípio geral e ordenador do Direito Penal incidindo sobre todas as normas de cunho penal, e não somente sobre aquelas com características patrimoniais. Cunhá-lo, com base na patrimonialidade, é amputar uma grande parcela de sua aplicabilidade esvaziando-o quase que por completo (RIBEIRO, 2014, p. 4).”

Apesar de sua origem alemã, o Princípio da Insignificância, revela a autora citada, ganhou espaço no ordenamento jurídico brasileiro, sendo atualmente aceito de forma majoritária, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência.

Desse modo, diz Toledo (2012, p. 133):

“Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.”

Sendo assim, exemplificando, o mesmo autor salienta que no sistema penal brasileiro:

a) o dano do artigo 163 do Código Penal não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa;

b) o descaminho do artigo 334, parágrafo 1°, d, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco;

c) o peculato do artigo 312 não pode ser dirigido para ninharias como a que se tem visto em processos envolvendo servidores públicos, acusado de peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas;

d) a injúria, a difamação e a calúnia dos artigos 140, 139 e 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas tartamudeadas e sem consequências palpáveis.

Estas, portanto, são as proposições de Toledo (2012) com relação ao Princípio de Insignificância, que como tantos outros autores que se dedicam ao estudo deste princípio, entendem que este tem conseguido fixar critérios para a conceituação e o reconhecimento das condutas típicas afetas ao referido princípio, com base na natureza fragmentária e subsidiária do Direito Penal, apesar dos entraves ainda existentes.

Para Mendes (2013), o grande problema da jurisprudência para aplicar o Princípio da Insignificância diz respeito à segurança jurídica uma vez que condutas semelhantes podem receber valorações distintas de diferentes juízos, acarretando, desta maneira, soluções diversas para uma mesma situação.

4 COMO SE APLICA O PRINCÍPIO DE INSIGNIFICÂNCIA EM CASOS DE ILICITUDE DO SERVIDOR PÚBLICO – DAS POSSIBILIDADES E DAS IMPOSSIBILIDADES

A aplicação do Princípio da Insignificância tem sido considerada tema polêmico, na doutrina e na jurisprudência do direito penal, havendo teses em sua defesa e rejeição por outro lado. Para os opositores, não há como aferir o que venha a ser insignificante, quais, verdadeiramente, são os delitos de bagatela. Outros sustentam que há a inaplicabilidade do princípio, quando o legislador incrimina expressamente condutas de pouca relevância (PINHO, 2011).

No caso da tipicidade do ilícito praticado pelo servidor público, a aplicação do Princípio da Insignificância tem sido cercada de controvérsias. De acordo com Azevedo (2011), a posição do Superior Tribunal de Justiça é absolutamente contrária ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (que mantém posição favorável), posicionando-se no sentido da inaplicabilidade do Princípio da Insignificância aos crimes contra a Administração Pública, pois compreende que não se deve levar em conta tão somente o montante do prejuízo eventualmente sofrido pela Administração Pública, mas, sobretudo, a violação dos postulados éticos e morais do servidor e/ou gestor ímprobo, que deveria portar-se de acordo com a moralidade e estrita legalidade.

Discorrendo sobre o assunto Dupret (2014, p. 8) tece o seguinte comentário:

“Nossos Tribunais Superiores – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, por ambas as turmas, vêm exigindo o preenchimento de requisitos cumulativos para a aplicação do princípio da insignificância. Desta forma, par que possa reconhecer a atipicidade material, o que atestaria uma ofensa pouca relevante ao bem jurídico tutelado, se exige a mínima ofensividade da conduta, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, ausência de risco social e inexpressividade da lesão jurídica causada.”

Destacando as duas posições antagônicas, Azevedo (2011) mostra as seguintes situações:

a) Posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

“Para que seja razoável concluir, em um caso concreto, no sentido da tipicidade, mister se faz a conjugação da tipicidade formal com a tipicidade material, sob pena de abandonar-se, assim, o desiderato do próprio ordenamento jurídico criminal. Evidenciando o aplicador do direito a presença da tipicidade formal, mas a ausência da tipicidade material, encontrar-se-á diante de caso manifestamente atípico. Não é razoável que o direito penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e do Estado-Juiz movimentem-se no sentido de atribuir relevância típica a subtração de objetos da Administração Pública, avaliados no montante de R$ 130,00 (cento e trinta reais), e quando as condições que circundam o delito dão conta da sua singeleza, miudeza e não habitualidade.” (STF. HC 107.370/SP).

b) Posicionamento Superior Tribunal de Justiça:

“PENAL. PREFEITO. UTILIZAÇÃO DE MAQUINÁRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não é possível a aplicação do princípio da insignificância a prefeito, em razão mesmo da própria condição que ostenta, devendo pautar sua conduta, à frente da municipalidade, pela ética e pela moral, não havendo espaço para quaisquer desvios de conduta. 2. O uso da coisa pública, ainda que por bons propósitos ou motivado pela “praxe” local não legitima a ação, tampouco lhe retira a tipicidade, por menor que seja o eventual prejuízo causado. Precedentes das duas Turmas que compõem a Terceira Seção. 3. Ordem denegada.”

As divergências quanto à aplicabilidade do Princípio da Insignificância, portanto, são grandes. Na perspectiva de Azevedo (2011), o problema reside na falta de uma análise mais aprofundada do princípio e de seus requisitos, geralmente relegado à fragilidade da abordagem casuística da sua aplicabilidade ou não.

“Para nós, o princípio da insignificância não possui uma limitação casuística, inexistindo infração penal que não possa ser submetida à sua aplicabilidade. Obviamente, diante de cada caso concreto é que o interprete constatará a possibilidade ou não da aplicação do princípio da insignificância, independentemente do bem jurídico tutelado, e, tampouco, do crime cometido. Nesta linha de intelecção, compreendemos que o simples fato do patrimônio lesado pertencer à administração pública, ainda que venhamos a levar em consideração a violação ética e os postulados morais, tais situações não transformam o delito de peculato, por exemplo, num delito intocável quanto à possibilidade da análise de sua tipicidade material (AZEVEDO, 2011, p. 4).”

Dando um parecer a respeito da questão Moreira (2008, p. 5) posiciona-se afirmando que se tornou corriqueira a decisão que declara a atipicidade de uma conduta que lesa de modo ínfimo o bem jurídico protegido. “Subtração de bens que têm valor de poucos reais inevitavelmente levará à absolvição pelo Superior Tribunal de Justiça”, assinala o autor, fazendo ainda o seguinte comentário:

“Não é possível aceitar-se atos “um pouco imorais”, mesmo em nome dos princípios da eficiência e da proporcionalidade. Há que se exigir a máxima retidão das pessoas que cuidam dos interesses de toda a população. Assim, todos os atos ilegais e, portanto, imorais, dos agentes públicos, no exercício de suas funções, devem ser penalizados. Mais ainda: exigir que as condutas dos agentes públicos estejam de acordo com limites morais estritos é, provavelmente, a melhor maneira de proteger os direitos individuais contra o abuso do poder estatal (MOREIRA, 2008, p. 5).”

Esse é um raciocínio que segundo o mesmo autor leva a uma conseqüência:

“Se não pode ser aplicado o princípio da insignificância aos atos de improbidade administrativa, também não é possível sua aplicação aos crimes contra a administração pública cometidos por funcionários públicos, como peculato e prevaricação, uma vez que são, obviamente, atos imorais. Nesses termos, a subtração de R$5,00 pode ser considerada como fato atípico, mas, nunca, o desvio do mesmo valor por agentes públicos (MOREIRA, 2008, p. 5).”

Analisando as possibilidades e as impossibilidades do Princípio da Insignificância ser aplicado em improbidade administrativa, Carmona (2012) destaca o seguinte:

a) Das possibilidades

Para os adeptos da possibilidade de aplicação do princípio, a punição administrativa está inserida no conceito do poder punitivo do Estado e, como tal não pode ser preterida dos avanços do mundo jurídico com relação ao princípio da insignificância. Em outros termos, uma pena administrativa não deve ensejar uma resposta mais rigorosa do que aquela que seria aceita no sistema criminal, motivo pelo qual não se poderia deixar de aplicar alguns institutos penais no direito administrativo. “O tratamento dado às sanções administrativas e penais deve ser análogo, uma vez que há uma disposição em considerar estas sanções como parte do direito sancionador ”, salienta Carmona (2012, p. 4), que exemplificando, comenta que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento do Chefe de Gabinete do Município de Vacaria/RS, acusado pelo Ministério Público Estadual de utilizar veículo municipal e três servidores integrantes da Guarda Municipal para transportar bens particulares, consentiu na possibilidade de aplicação do princípio da insignificância na lei de improbidade administrativa, conforme se verifica da ementa abaixo transcrita:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO IRRELEVANTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. A prosaica importância de oito reais e quarenta e sete centavos que ensejou toda a movimentação do aparato judiciário, desde o inquérito civil até a propositura da ação civil pública, culminando em desproporcional sanção, poderia ensejar, quando muito, multa do mesmo porte, também por isso irrelevante. O princípio da insignificância cunhado pelos penalistas, têm como atípicas ações ou omissões que de modo ínfimo afetem o bem jurídico tutelado. Na verdade, tanto na esfera penal quanto tratando-se de ato ímprobo, a incidência indiscriminada da norma, sem que tenha o julgador a noção da proporcionalidade e da razoabilidade, importa materializar a opressão e a injustiça. Por isso, condutas que do ponto de vista formal se amoldam ao tipo não devem ensejar punição, quando de nenhuma relevância material. O princípio da insignificância dá solução a situações de iniqüidade na medida em que descriminaliza condutas que embora formalmente típicas, não atingem o bem jurídico protegido ou o atingem de modo irrelevante. Apelo provido” (TJRS, 2006).

É necessário, portanto, dentro da legalidade, preferir o caminho que combate a iniquidade. É a maneira correta de assim proceder é corajosamente estimular a mitigação da obrigatoriedade, sem quebra da legalidade (MAZZILLI, 1993 apud CARMONA, 2012).

b) Das impossibilidades

Para os que apregoam a não possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância para os agentes que praticam atos de improbidade, aqueles que cometem atos de improbidade lesam bem jurídico fundamental ao normal funcionamento da administração pública, qual seja, a moralidade. Sendo assim não há ofensa que seja insignificante em relação à moralidade e probidade administrativas, constitucionalmente asseguradas.

Segundo Ministro Herman Benjamin, afirma Carmona (2012), o princípio da moralidade está conectado ao conceito de adequada administração, ao elemento ético, ao interesse público e a honestidade. Impossível assim, aceitar que uma ação afronte "só um pouco" a moralidade.

Para este Ministro (apud CARMONA, 2012):

“Nem toda irregularidade administrativa caracteriza improbidade, nem se confunde o administrador inábil com o administrador ímprobo. Contudo, se o juiz, mesmo que implicitamente, declara ou insinua ser ímproba a conduta do agente, ou reconhece violação aos bens e valores protegidos pela Lei da Improbidade Administrativa (= juízo de improbidade da conduta), já não lhe é facultado – sob o influxo do princípio da insignificância, mormente se por “insignificância” se entender somente o impacto monetário direto da conduta nos cofres públicos – evitar o juízo de dosimetria da sanção, pois seria o mesmo que, por inteiro, excluir (e não apenas dosar) as penas legalmente previstas. (…) A conduta ímproba não é apenas aquela que causa dano financeiro ao Erário. Se assim fosse, a Lei da Improbidade Administrativa se resumiria ao art. 10, emparedados e esvaziados de sentido, por essa ótica, os arts. 9 e 11. Logo, sobretudo no campo dos princípios administrativos, não há como aplicar a lei com calculadora na mão, tudo expressando, ou querendo expressar, na forma de reais e centavos.” (STJ, 2010)

Assim, para os adeptos da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos atos de improbidade administrativa, o comportamento moral, ético deve sempre ser observado pelos indivíduos que compõem a Administração Pública, porquanto praticam atos administrativos que garantem uma maior e melhor qualidade de vida para todos os cidadãos (CARMONA, 2012)

O fato é que, como cita Pinho (2011) a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância no Processo Administrativo Disciplinar é tema novo e tem causado muita desconfiança entre os que aplicam o direito administrativo punitivo, muito especialmente porque o serviço público é composto de um emaranhado de regras e práticas próprias, constituindo-se em um universo diferente daquele estudado pelo Direito Penal.

A problemática, afirma a mesma autora, pode ser trazida para o âmbito do Direito Administrativo Disciplinar. Mas, diz Pinho (2011), a transposição do princípio da insignificância para o Direito Disciplinar deve considerar as peculiaridades desse ramo do Direito, mormente em relação às especificidades do serviço público e aos princípios constitucionais e legais que regem a Administração Pública. Nas explicações da autora:

A primeira dificuldade, ao se tentar transplantar o princípio da insignificância para a esfera disciplinar, reside no fato de que tal comando se utiliza de um conceito fluido e aberto. Nesse caminho, indaga Pinho (2011): O que poderia ser entendido por delito de bagatela, ou como se determinariam condutas de pouca relevância?

Conclui a autora:

“Na verdade a aplicação do Princípio da Insignificância exigirá a utilização do conteúdo interpretativo dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Além disso, seus conceitos não delineados sempre exigirão acurada análise do caso concreto (PINHO, 2011, p. 23).”

Enfim, a verdade é que, certamente, a adoção do Princípio da Insignificância, juntamente com a ponderação de outros princípios e interesses jurídicos, contribuirá para afastar a instauração de inúmeros processos administrativos disciplinares que se acumulam no seio da Administração Pública, onerando os cofres públicos e desviando servidores de suas funções precípuas para apurar responsabilidade por conduta inapropriada na esfera administrativa disciplinar (PINHO, 2011).

Filiando-se aos adeptos das possibilidades de aplicação do Princípio de Insignificância aos crimes contra a Administração Pública, Azevedo (2011) comenta que este princípio pode e dever ser aplicado, desde que diante de caso concreto de violação do bem jurídico.

Para este autor, a construção de um entendimento jurisprudencial uniforme, pautado nos postulados do Princípio da Insignificância, certamente implicaria em um marco na consolidação do direito penal garantista, em que condutas de reprovabilidade insignificante ou que não possuam o alcance desejado pelo tipo seriam de uma vez por todas eliminados do sistema punitivo, trazendo uma maior segurança jurídica e, consequentemente, preservando o caráter subsidiário do direito penal, bem como a dignidade na aplicação das penas, gerando, assim, o correto enquadramento das condutas aos tipos penais vigentes.

CONCLUSÃO

O presente artigo objetivou analisar as possibilidades e impossibilidades da aplicação do princípio da insignificância em situações envolvendo a prática ilícita de agentes públicos.

Os principais achados bibliográficos mostram que a aplicação do Princípio da Insignificância, que tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela, enfrenta grande desafio quando de sua aplicação em casos envolvendo conduta danosa praticada pelo servidor público, havendo duas correntes que se posicionam sobre a questão: de um lado a corrente que acredita ser possível a sua aplicação, estando inserido neste contexto o Supremo Tribunal Federal, e de outro lado, a corrente que alega impossibilidade, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça.

Na concepção dos favoráveis à aplicabilidade do princípio:

a) a punição administrativa está inserida no conceito do poder punitivo do Estado e, como tal não pode ser preterida dos avanços do mundo jurídico com relação ao princípio da insignificância;

b) uma pena administrativa não deve ensejar uma resposta mais rigorosa do que aquela que seria aceita no sistema criminal, motivo pelo qual não se poderia deixar de aplicar alguns institutos penais no direito administrativo;

c) o tratamento dado às sanções administrativas e penais deve ser análogo, uma vez que há uma disposição em considerar estas sanções como parte do direito sancionador.

Para os que apregoam a impossibilidades da aplicação do princípio, aqueles que cometem atos de improbidade lesam bem jurídico fundamental ao normal funcionamento da administração pública, qual seja a moralidade. Sendo assim não há ofensa que seja insignificante em relação à moralidade e probidade administrativas, constitucionalmente asseguradas.

Assim, tendo por base as diversas abordagens utilizadas para tratar da questão, pode-se concluir que ainda que o Princípio da Insignificância seja importante para minimizar a instauração de inúmeros processos administrativos disciplinares que se acumulam nos setores estatais, onerando os cofres públicos, ainda que implique um marco na consolidação do direito penal garantista, favorecendo a dignidade na aplicação das penas, permanece como tema polêmico, e sua importância, como afirmam os teóricos mantém-se como objetivo a ser alcançado e no país, ainda se está muito longe disso, embora a moralização da Administração Pública seja condição indispensável.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Kelly Farias de Moraes

Advogada. Mestranda em Direito Ambiental na Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Pós-graduada em Direito Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Norte (UNINORTE). Atualmente advogada concursada da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (SEMSA)

Antonio Braz de Lima Filho

Graduado em Direito no Centro Universitário do Norte UNINORTE assistente administrativo na Secretaria Municipal de Saúde de Manaus SEMSA


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