Responsabilidade civil do estado em face da omissão na prestação dos serviços de saúde

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Resumo: O presente artigo se propõe a examinar a responsabilidade civil da Administração Pública, abordando as linhas gerais do instituto, as modalidades objetiva e subjetiva de responsabilidade e as teorias a ele afetas, tais como as teorias da irresponsabilidade, do risco da atividade administrativa e do risco integral, sob a ótica dos mais renomados juristas e, especificamente, a responsabilidade civil estatal no tocante à omissão na prestação de serviços de saúde, enquanto dever constitucional do Estado, o qual será analisado sob o aspecto subjetivo, com necessidade de verificação de dolo ou culpa.


Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Estado. Serviços de saúde. Omissão.


Abstract: This article proposes to examine the liability of public administration, addressing exposithion of the institute, the objective and subjective theories of liability, such as the theories of irresponsibility, the risk of administrative activity and the full risk of administrative activity from the perspective of the most renowned jurists and, specifically, liability about failure on the state’s provision of health services, which will be analyzed under the subjective theory, with the verification of fraud or negligence.


Keywords: Liability. State. Health Services. Failure.


Sumário: 1. Introdução. 2. Dever do estado de prestação de serviços de saúde. 3. Responsabilidade civil do estado. 4. Responsabilidade civil do estado em face da omissão na prestação de serviços de saúde. 5. Conclusão. Bibliografia.


1. INTRODUÇÃO


A possibilidade de responsabilização civil do Estado é necessária como forma de controle da atuação dos órgãos e agentes públicos, visto que, enquanto defensor dos interesses da coletividade, o Administração Pública deve sempre buscar o atendimento desses interesses em seus atos, sob pena de violação de sua obrigação jurídica primordial.


Entre as obrigações do Estado, está a de garantir a saúde de sua população. No entanto, é fato público e notório a deficiência na prestação dos serviços de saúde públicos no Brasil.


Sabemos que o Poder Público, nos moldes atuais, não é capaz de sanar todos os problemas relativos à saúde pública, haja vista a falta de investimentos e infra-estrutura nos serviços de prestação de saúde.


O tema da responsabilidade do Estado, notadamente quanto aos atos omissivos, é objeto de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais. Entretanto, devido ao Estado ser constitucionalmente responsável por garantir a saúde aos seus administrados, é pacífico o entendimento da possibilidade de aplicação das regras de Responsabilidade Civil, como forma de combater arbitrariedades, injustiças e negligências, consoante se demonstrará nas linhas a seguir.


2. DEVER DO ESTADO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE


A Constituição Federal, em seu artigo 6º, coloca a saúde no rol de direitos sociais, enquanto o artigo 196, do mesmo diploma legal, dispõe, in verbis:


“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”


Dessa forma, o legislador desloca para o Poder Público a obrigação de garantir a prestação de serviços de saúde para a população, devendo, por essa razão, o Estado responder pelos danos que sofrerem os cidadãos ante a falta ou insuficiência no oferecimento do serviço essencial de saúde à população, conforme se analisará nos tópicos seguintes.


3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO


A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar uma violação de algum direito derivado de norma jurídica pré-existente, seja de natureza contratual ou extracontratual.


A festejada doutrinadora Maria Helena Diniz (2006, p. 40), conceituando o instituto, explica, in verbis:


“Poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).”


O respeitado jurista Francisco Amaral (1998, p. 531), aprofundando o conceito, assevera que


“A expressão responsabilidade civil pode compreender-se em sentido amplo e em sentido estrito. Em sentido amplo, tanto significa a situação jurídica em que alguém se encontra de ter de indenizar outrem quanto a própria obrigação decorrente dessa situação, ou, ainda, o instituto jurídico formado pelo conjunto de normas e princípios que disciplinam o nascimento, conteúdo e cumprimento de tal obrigação. Em sentido estrito, designa o específico dever de indenizar nascido do fato lesivo imputável a determinada pessoa.”


Quando à responsabilidade civil do Estado, atualmente, é pacífico o entendimento da possibilidade de sua responsabilização. Entretanto, essa posição foi resultado de uma evolução gradual, sobre a qual transcorremos a seguir.


Inicialmente, adotava-se a teoria da irresponsabilidade, ou seja, era impossível, em qualquer hipótese, a responsabilização civil das condutas do Estado, sejam elas comissivas ou omissivas, com base na máxima “The King can do no wrong” (“O Rei não erra”), adotada nos Estados despóticos e absolutistas. Isso porque o Estado era considerado meramente uma pessoa moral, logo, incapaz de praticar atos ou ser por eles responsabilizado.


Em um segundo momento, surgiram as teorias civilistas, baseadas na distinção entre atos de Império e atos de Gestão do Estado.


Os atos de Impérios são aqueles em que a Administração situa-se em patamar superior ao particular, em razão de suas prerrogativas e privilégios, não ensejando sua responsabilidade, porquanto regida “por um direito especial, exorbitante do direito comum” (DI PIETRO, 2003, p. 525).


Os atos de Gestão, por sua vez, são aqueles em que o Estado encontra-se em situação semelhante ao particular, não havendo quaisquer privilégios daquele em detrimento deste e sendo, portanto, titulares dos mesmos direitos e deveres, inclusive quanto à responsabilização civil.


Em razão da dificuldade em se distinguir as nuances dos atos da Administração Pública, Entretanto, atualmente, não é possível distinguir os atos de as teorias acima foram superadas pelas chamadas teorias publicistas.


As teorias publicistas se dividem em razão do serviço ou do risco inerentes à atividade do Estado.


Em relação à teoria da culpa no serviço (derivada da expressão francesa “faute du service”), assevera a ilustre doutrinadora Maria Sylvia Zanella di Pietro (2003, p. 504), que esta se dá “quando o serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Nessa teoria, a ideia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular”.


Quanto ao risco da atividade administrativa, o renomado jurista Alexandre de Moraes (2007, p. 347) discorre sobre a teoria do risco administrativo, conforme trecho abaixo transcrito:


“Assim, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público baseia-se no risco administrativo, sendo objetiva. Essa responsabilidade objetiva exige a ocorrência dos seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal”.


O reverenciado autor Hely Lopes Meirelles (2004, p. 627) dispõe, em sua obra, sobre a teoria do risco integral, sendo esta “a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social”. Dessa forma, caberia à Administração Pública reparar quaisquer danos suportados por terceiros, ainda que decorram de culpa ou dolo da vítima.


Apesar de ainda existirem divergência, entende-se que, em regra, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pelo que se extrai do seu artigo 37, §6°, adotou a teoria do risco administrativo. Sendo assim, presentes os requisitos da responsabilidade objetiva, quais sejam a conduta, o nexo causal e o dano, o Estado será responsabilizado pelos danos causados. Caberá, ainda, a exclusão dessa responsabilidade nos casos de fato exclusivo de terceiro ou da vítima, força maior e caso fortuito.


Como exceção, também foi adotada a teoria do risco integral, não sendo admitidas excludentes de ilicitude, nas hipóteses previstas na legislação, quais sejam, casos de dano nuclear (art. 21, XXIII da CRFB) e de atentado terrorista contra aeronaves (Lei nº 10.744/2003).


4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM FACE DA OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE


Conforme disposto anteriormente, é dever do Estado proteger e propiciar o direito à saúde, importando no dever de agir do Estado para sua efetivação. Para viabilizar o cumprimento do dever constitucional, foi criado o SUS – Sistema Único de Saúde, que encontra arrimo no artigo 200 da Constituição Federal, com atuação nas esferas federal, estadual e municipal. 


A omissão do Estado se dá quando são constatadas falhas nos serviços públicos ou ausência de sua prestação. Ademais, o ato omissivo deve gerar um dano decorrente da negligência ante o dever de agir da Administração Pública, implicando no dever de indenizar.


A supracitada teoria da responsabilidade objetiva, no tocante às omissões do Estado, é motivo de divergência entre os estudiosos do Direito. Isso porque, na opinião de grande parte dos doutrinadores3, é inconcebível a ideia de nexo causal entre uma omissão e um dano. Isso porque a responsabilidade por omissão deriva-se sempre de comportamento ilícito, sendo, portanto, necessária a verificação do elemento subjetivo que implique no descumprimento do dever de agir por parte da Administração.


Assevera Ricardo C. Nuñes (apud JESUS, 2010, p. 252) que “inexiste uma relação de causalidade física entre a omissão e o resultado, uma vez que, carecendo a inatividade de eficácia ativa, vigora aqui o princípio de ex nihilo nil fit”.


Destacamos a visão do doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello (2001, p. 628), literis:


“A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não-individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou faute du service dos franceses, entre nós traduzida por ‘falta do serviço”.


Corroborando do mesmo entendimento, a festejada doutrinadora Lucia Valle Figueiredo (2001, p. 260), assevera que “ainda que consagre o texto constitucional a responsabilidade objetiva, não há como se verificar a adequabilidade da imputação ao Estado na hipótese de omissão, a não ser pela teoria subjetiva.”


O jurista Celso Ribeiro Bastos (2002, p. 303), no mesmo sentido, dispõe, in verbis:



“Significa dizer que, em tese, foi sua inação, na hipótese em que a lei lhe impunha alguma sorte de atividade ou serviço, que tornou possível a ocorrência do dano. Aqui os Poderes Públicos não são propriamente causadores do dano, visto que não há um nexo de causalidade entre a omissão e o surgimento do prejuízo. Verifica-se, tão somente, que pela sua inércia a Administração possibilitou o dano. A sua não-atuação tornou-se uma condição para que o ato lesivo se consumasse.”


Nesse mesmo sentido, Uadi Lammêgo Bulus (2002, p. 616) também defende a responsabilidade subjetiva em face às omissões estatais, conforme trecho abaixo transcrito:


“Anote-se que o art. 37, § 6°, reporta-se, apenas, ao comportamento comissivo do Estado. Somente o facere, isto é, a atuação positiva pode gerar efeitos. Tanto é assim que a responsabilidade nele contida é a objetiva. Do contrário, a responsabilização seria subjetiva, dependendo de procedimento doloso ou culposo. Isso não significa que as condutas omissivas devam ficar impunes. Ao invés, espera-se que sejam apuradas, na via administrativa disciplinar, com as providências cabíveis. Mas a hipótese, em epígrafe, não trata desse problema. Numa palavra, tomou como arrimo a teoria do risco administrativo.”


Dessa forma, a mencionada doutrina e grande parte da jurisprudência entendem que, para ensejar a responsabilidade civil do Estado ante uma omissão, é imprescindível que haja descumprimento de um dever jurídico de agir por parte do Estado, o que faz com que a responsabilidade deixe de ser objetiva e passe a ser subjetiva, ou seja, baseada na caracterização de culpa anônima da administração, sob pena de transformar a Administração Pública em “seguradora universal” (MENDES, 2000).


5. CONCLUSÃO


Diante do exposto no presente trabalho, conquanto seja a saúde direito de todos, qualquer cidadão poderá buscar a reparação dos danos a si causados em razão da inoperância dos serviços de saúde fornecidos pelo Estado.


Quanto à modalidade de responsabilidade, tem-se um tema de grande divergência entre os estudiosos. A maioria deles, todavia, entendem que, enquanto impliquem no descumprimento do dever de agir da Administração, imposto pela legislação, os atos omissivos necessitam da verificação de culpa, baseando-se na responsabilidade subjetiva.


Destarte, surge o dever de ressarcimento ao cidadão, seja mediante a reparação do dano ou mediante uma indenização pecuniária, de acordo com a doutrina e a jurisprudência atual, para, dessa forma, pressionar o Estado ao aprimoramento dos serviços de saúde e fazer valer os preceitos fundamentais da nossa Constituição Federal.


 


Bibliografia

AMARAL, Francisco. Direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002.

BULUS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 4 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 20. ed. Saraiva: São Paulo, 2006.

FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

JESUS. Damásio E. Direito Penal – Parte Geral,  31. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

MELLO. Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

OLIVEIRA, Odília Ferreira da Luz. Manual de Direito Administrativo. 1. ed. São Paulo: Renovar, 1997.

STOCCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1994.


Informações Sobre o Autor

Laíse Nunes Mariz Leça

Advogada. Mestrado em Direito das Relações Sociais na Contemporaneidade pela Universidade Federal da Bahia – UFBA em curso. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco – ESA/PE. Pós-graduação em Direito do Trabalho pela Universidade Cndido Mendes – UCAM


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