A Usina Hidrelétrica de Tucuruí (Pará) e os Instrumentos Jurídicos de Gestão de Riscos e Danos Ambientais

Thomas Bryann Freitas do Nascimento

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a gestão de riscos e danos ambientais na Região do Lago de Tucuruí, no Estado do Pará, decorrentes da instalação e operação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, a partir da análise Estudo de Impacto Ambiental e Relatório – EIA-RIMA, e outros elemento jurídicos de prevenção e precaução ambiental. Além da análise do contexto histórico, geográfico e jurídico-ambiental relativos ao empreendimento, também se estudou a evolução legislativa de proteção ao meio ambiente.

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Palavras-chave: Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Riscos e danos Ambientais. Avaliação de Impactos Ambientais. Legislação Ambiental.

 

ABSTRACT

The present paper has for objective to analyze environmental risks and damage management in the region of the Tucuruí lake, in the State of Pará, arising from installation and operation of the Tucuruí Hydroelectric Power Plant, having the Environment Impact Study Analysis and Report – EIA-RIMA as base, and other legal elements of environmental prevention and precaution. Beyond context analysis of the historical and geographical undertaking of the project, the legislative developments in the protection of environment was also studied.

Keywords: Tucuruí Hydroelectric Power Plant; Environmental risks and damages;  Environmental Impact Assessment; Environmental Law.

 

 

SUMÁRIO:

Introdução. 1. Justificativa 2. Identificação Geográfica e Histórica da Região do Lago de Tucuruí. 3. Mecanismos legais de prevenção de impactos ambientais. EIA/RIMA. 4. Usina Hidrelétrica de Tucuruí e mecanismos de Avaliação De Impacto Ambiental. 4.1. 1ª fase da obra. 4.2. 2ª fase da obra. Conclusão. Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

A ocupação da região amazônica, a partir da segunda metade do século XX, foi orientada pela ótica capitalista “mais selvagem”, que concebe os recursos naturais como meros instrumentos disponíveis à exploração indiscriminada pelos seres humanos, na busca pelo rápido desenvolvimento econômico. Neste contexto, são inúmeros os impactos sociais e ambientais decorrentes das iniciativas públicas e particulares na região. A política de planejamento implantada pelo governo militar na Amazônia acabou atraindo uma série de investimentos internacionais, considerando, sobretudo: a elevada disponibilidade de recursos naturais, diante do esgotamento enfrentado pelas grandes potências; o potencial energético; incentivos do governo; políticas flexíveis; e uma considerável “cegueira” quanto aos riscos ambientais. A consequência desta política é um quadro que reflete um grande paradoxo: uma região que destruiu boa parte de sua biodiversidade e seus recursos naturais, sem, ao menos, conhecê-los.

O modelo de ocupação implementado na Amazônia gerou uma sequência de transformações socioeconômicas e ambientais na região. Neste contexto, destaca-se a região do Lago de Tucuruí, sobretudo com a implantação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, cujos impactos, ainda hoje, são desconhecidos em sua extensão, e exercem influência sobre o modo de organização social e política da sociedade local.

O presente projeto, ao se referir à região do Lago de Tucuruí, que compreende a área que sofreu com mais intensidade os efeitos da implantação da usina hidrelétrica, incluindo 7 municípios do Estado do Pará: Breu Branco, Novo Repartimento, Goianésia do Pará, Itupiranga, Jacundá, Nova Ipixuna e Tucuruí.

Com a crise do petróleo, na década de 1970, a energia hidrelétrica foi elevada à categoria de fonte energética de maior viabilidade. O baixo custo,  aliado ao elevado potencial de algumas regiões, a exemplo da Amazônia, acabaram por propiciar a implantação de projetos sem a devida ponderação dos riscos ambientais. A Usina Hidrelétrica de Tucuruí, considerada a maior obra de engenharia já promovida no território amazônico, foi construída para atender aos grandes projetos agropecuários e minerais em implantação na região, inseridos no planejamento implementado pelo governo federal na Amazônia. A grandiosidade do empreendimento, aliada à falta de atenção aos riscos sociais e ambientais inerentes ao projeto, provocaram um quadro caótico, que alterou, definitivamente, a geopolítica da região do lago de Tucuruí.

Os modelos de gestão ambiental adotados, durante a fase de implantação do projeto (ou a inexistência de qualquer mecanismo de prevenção) são fundamentais na determinação da política ambiental que deve ser implementada pelos atuais gestores da localidade. Estudar o modelo implementado, historicamente, pela Eletronorte, fornece bases à orientação do modelo mais adequado ao presente.

 

1 JUSTIFICATIVA

Os impactos decorrentes da instalação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, ainda hoje, influenciam o modo de organização das comunidades locais, de modo que a atuação do Poder Público, em especial na gestão ambiental, deve ser norteada pela observação destes impactos, bem como pela tentativa de minimizá-los.

O programa econômico militar brasileiro concebeu a energia como importante vetor de integração e desenvolvimento do território amazônico. Tal demanda cresceu, sobretudo, diante da necessidade de atendimento aos grandes projetos em fase de instalação na região, como o Programa de Ferro Grande Carajás e o projeto ALBRÁS-ALUNORTE.

Assim, para atender à política energética, inserida no planejamento do desenvolvimento promovido pelo Governo Federal, foi criada, em 1973, a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S. A. – ELETRONORTE, a quem foi atribuída a construção, operacionalização e administração de usinas hidrelétricas. As obras da Usina Hidrelétrica de Tucuruí foram iniciadas entre 1975 e 1977, entrando em operação, a última turbina, em 2006. As eclusas, por sua vez, somente foram inauguras pelo Governo Federal no final de 2012.

Já se passaram mais de 35 anos desde o início das obras, e, ainda hoje, a sociedade civil não tem informações seguras quanto aos verdadeiros impactos decorrentes do empreendimento, nem da política de gestão ambiental adotada durante a fase de implantação. De modo que fica comprometida a atuação do Poder Público Local, no sentido de viabilizar uma gestão ambiental que possibilite a superação dos efeitos negativos sobre o meio ambiente, e que represente avanços na direção do desenvolvimento sustentável.

A região do Lago de Turucuí enfrenta, atualmente, um momento de transição, em que as novas tendências globais exigem uma gestão atenta ao desenvolvimento sustentável, e pautada na atuação democrática e participativa. À comunidade, deve ser assegurado o direito de participar da gestão local. Entretanto, o pleno exercício de direito de participação democrática pressupõe a efetiva informação. Desta forma, é fundamental propiciar à comunidade amplo conhecimento do processo histórico de ocupação e aproveitamento hidrelétrico que incidiu sobre a região, bem como acerca da política ambiental que, durante anos, foi liderada pela Eletronorte na área. Somente diante destes esclarecimentos, é que o Poder Público, em parceria com a sociedade civil, poderá implementar um sistema eficiente de gestão ambiental, com foco no desenvolvimento sustentável, para que, finalmente, sejam superados os impactos decorrentes da instalação da maior obra de engenharia já realizada na Amazônia.

Do ponto de vista jurídico, faz-se importante analisar se, ao longo da implantação da usina hidrelétrica, foram respeitadas as normas legais referentes à prevenção de riscos e impactos ambientais. Somente esta análise poderá orientar, no presente, a implementação das normas legais vigentes, bem como o recurso , pelo Poder Local e sociedade civil, aos atuais instrumentos jurídicos a serviço da tutela ambiental.

Adotou-se, como metodologia, sobretudo, a pesquisa documental, recorrendo a publicações científicas e oficiais, dentro do recorte geográfico e temático definido. Para os próximos meses, estão planejadas pesquisas de campo e entrevistas.

 

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2 Identificação Geográfica e Histórica da Região do Lago de Tucuruí.

A Região do Lago de Tucuruí é uma das 12 regiões de integração do estado do Pará, no contexto da regionalização adotada pelo governo do Estado do Pará, considerando as necessidades de inclusão social, redução das desigualdades inter-regionais e estímulo ao aproveitamento racional e sustentável dos recursos naturais disponíveis ao longo de toda extensão territorial do estado. A região engloba os municípios de Breu Branco, Novo Repartimento, Goianésia do Pará, Itupiranga, Jacundá, Nova Ipixuna e Tucuruí. Segundo dados do IBGE de 2007, abriga cerca de 4,5 % da população total do estado do Pará, correspondendo a uma área de 3,2% da área do estado, o que permite sua classificação como área de baixa densidade demográfica (8,08 habitantes/km2). O índice de desenvolvimento humano da região é baixo (IDH-M=0,68), sendo inferior à média estadual (0,72).

Historicamente, os primeiros movimentos de ocupação da região do Lago de Tucuruí datam dos séculos XVII e XVIII. À época, destacavam-se as expedições religiosas e militares que culminavam na instauração de núcleos missionários ou militares, com o objetivo de assegurar a integridade e o controle fiscal sobre o território. A partir do século XIX, começa a se desenvolver na região a economia extrativista da borracha. O Estado investe na viabilização da navegação a vapor pelas vias fluviais como importante instrumento de ocupação do espaço e incentivo ao aproveitamento econômico da região.

Com a crise da economia gomífera, a infraestrutura (precária, ressalte-se), que atendia a esta atividade foi transferida para o extrativismo da castanha-do-pará, que, a partir de meados da década de 1920, foi organizado por meio da cadeia do aviamento, emergindo como sustentáculo da economia paraense. Para assegurar o escoamento da produção, foi construída a Estrada de Ferro Tocantins, no final da década de 1930. Neste contexto, o município de Tucuruí destacou-se como importante entreposto comercial entre Marabá (núcleo da estrutura de aviamento) e a capital Belém, além de concentrar as instalações ligadas à Estrada de Ferro Tocantins. Tucuruí, neste momento, era marcada por uma dualidade espacial: de um lado, a porção urbana ligada à estrada de ferro, concentrando os serviços públicos e equipamentos urbanos; do outro, uma porção eminentemente rural, e desprovida da atuação estatal. Também nesta época, foram frequentes as frentes agrícolas, em especial às margens de rios e da ferrovia.

A crise energética que atingiu os países desenvolvidos na década de 1970, associada, sobretudo, a sua dependência por fontes não renováveis de energia e de elevado risco social e ambiental, despertou o interesse por regiões mais periféricas do globo, a exemplo da Amazônia. O elevado potencial hidrelétrico, a abundância de combustíveis fósseis e biomassa, aliados à disponibilidade de força de trabalho, legislação permissiva e condições políticas favoráveis, acabaram atraindo interesses estrangeiros para a região, o que resultou na sua definição enquanto área produtora de energia e eletro-intensivos, no contexto nacional e global. Ressalte-se, ainda, a internacionalização empresarial possibilitada pela Revolução Científica e Tecnológica.

A região amazônica passa, então, a atrair vários empreendimentos agro-minerários, que já nascem com o objetivo de abastecer a porção centro-sul do território brasileiro, e as grandes potências mundiais. O Poder Público assume, então, o papel de criar condições materiais e institucionais para a instalação dos projetos, como a construção de portos, malha viária, redes de comunicação, geração de energia, concessão de terrenos e realização de pesquisas.

É neste contexto que é planejada a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, para atender aos grandes projetos em fase de instalação na região, especialmente ao Projeto Ferro-Carajás e ao complexo metalúrgico Albrás-Alunorte.

Com a edição do PIN – Programa de Integração Nacional, em 1970, o foco da ocupação da região amazônica voltou-se ao desestímulo à economia extrativista e agricultura familiar e ao incentivo à instalação de grandes projetos agropecuários e minerais. Por meio do GETAT (Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins), hoje INCRA, foram implementadas políticas que favoreceram o acesso à terra por grandes empresas e empreendedores, em detrimento dos pequenos produtores rurais.

Ao lado das contribuições do empreendimento hidrelétrico à modernização da área, emerge, entretanto, o seu caráter de enclave. Ao introduzir uma estrutura moderna, capitalista e urbana, em uma localidade ainda bastante tradicional, do ponto de vista social, econômico, e político, a obra gerou uma série de desequilíbrios, problemas e contradições.

Os impactos decorreram, sobretudo, das inundações para formação do reservatório hidráulico, que submergiram a base territorial da qual dependiam mais de 10 mil famílias. Na extensão submersa, insere-se: a sede do município de Jacundá, a estrada de ferro Tocantins, parte da rodovia transamazônica, áreas de reservas indígenas, além de 2.600 km de floresta das margens do Rio Tocantins. Verificou-se um grande desequilíbrio sobre o ecossistema e desestruturação socioeconômica e cultural das populações tradicionais, incluindo grupos indígenas, comunidades ribeirinhas e quilombolas.

A instalação de um empreendimento de grande porte demanda a existência de uma estrutura urbana que lhe dê suporte. Considerando o contexto eminentemente rural local,  foram projetados núcleos urbanos pelas próprias empresas, as chamadas companytowns, para abrigar a população envolvida nos projetos e servir de suporte aos investimentos. As companytowns construídas pela Eletronorte para apoiar a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, entretanto, mostraram-se insuficientes, sobretudo diante do elevado fluxo migratório direcionado à região, e à grande quantidade de famílias desalojadas em função das inundações para a formação do reservatório. Assim, o município de Tucuruí acabou abrigando um elevado excedente populacional. Este  crescimento descontrolado da população levou ao surgimento de uma classe de marginalizados, e à emergência de uma série de problemas sociais, como déficit habitacional, péssimas condições de saúde, higiene, saneamento e elevação das taxas de criminalidade e violência. Com a conclusão das construções da barragem, estes problemas se agravaram, já que a grande maioria dos empregados na obra foi dispensada.

Importante ressaltar que o novo modelo socioeconômico introduzido na área não representou uma “verdadeira integração”, uma vez que os recursos gerados não puderam  ser apropriados e aplicados na própria região. Ao invés de serem voltados ao desenvolvimento local, foram direcionados à origem do capital. Mais da metade da energia produzida é consumida pelos grandes projetos mineradores e industriais situados na região. Desta forma, a Região do Lago de Tucuruí, ainda hoje, sofre os encargos sociais e ambientais decorrentes da instalação de um grande projeto que resultou em mínimos benefícios para a comunidade local.

 

3 Mecanismos legais de prevenção de impactos ambientais. EIA/RIMA.

A formulação de mecanismo de avaliação dos riscos ambientais decorrentes de um projeto, de modo a evitar ou reduzir os impactos dele decorrentes, surgiu como decorrência do reconhecimento do princípio da prevenção (e, posteriormente, da precaução) no Direito Ambiental.

O princípio da prevenção impõe a necessidade de agir antecipadamente ao dano ambiental, reunindo esforços para evitá-lo, e, caso não seja possível, mitigá-lo. Trata-se de um princípio do Direito Ambiental que determina que toda intervenção humana que, conforme cientificamente comprovado, esteja na iminência de conduzir a uma lesão grave e irreversível sobre determinado bem ambiental, deverá ser interrompida. Caso interesse hierarquicamente superior determine sua manutenção, o princípio impõe uma atuação preventiva no sentido de minimizar tais impactos.

O Princípio da Prevenção está intrinsecamente relacionado ao reconhecimento da Solidariedade Intergeracional quanto ao meio ambiente, a partir do final de década de 60. Ou seja, a ameaça em torno do esgotamento dos recursos naturais deixou de ser enfrentada, unicamente, como impeditiva do pleno aproveitamento econômico dos recursos naturais. Os danos sobre o meio ambiente passaram a ser compreendidos enquanto verdadeiras ameaças à vida e saúde humanas, comprometendo, inclusive, a sobrevivência das gerações futuras. Neste quadro, a prevenção impõe-se como um compromisso da geração presente em resguardar o direito das futuras gerações de ter acesso a um meio ambiente, pelo menos, em condições semelhantes às atuais.

O Princípio da Prevenção materializa-se nos instrumentos de avaliação de impacto ambiental, e atribui grande credibilidade ao conhecimento científico. Entretanto, tais instrumentos, atualmente, já incorporam em suas diretrizes o Princípio da Precaução Ambiental, que ganha espaço quando os avanços científicos contemporâneos à iminência de dano são insuficientes para assegurar a certeza de sua ocorrência. Neste caso, há uma dupla insegurança: quanto à efetiva capacidade danosa do empreendimento, e quanto às informações científicas já alcançadas pelo conhecimento humano.

Tal dúvida é interpretado em favor do meio ambiente, permitindo uma antecipação das ações preventivas (ainda quando não haja evidências probatórias com base científica acerca da lesividade ambiental); ou, desde já, a proibição de uma atuação potencialmente lesiva.

Tal princípio não visa impedir o desenvolvimento, mas legitimá-lo, assegurando sua sustentabilidade. Nas palavras do professor Paulo Affonse Leme Machado:

A implementação do principio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O Princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta[1].

A prevenção e precaução foram discutidas no ordenamento jurídico internacional com a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), no princípio 15:

Princípio 15

Os Estados devem proceder, de acordo com as suas capacidades, a uma abordagem ampla e preventiva a fim de proteger oambiente.

Sempre que haja ameaças de danos graves ou irreversíveis, a falta de provas científicas não deve ser dada como justificaçãopara o adiamento da prevenção dos referidos danos quando existem medidas economicamente viáveis para a prevenção dadegradação do ambiente.

Os mecanismo de impacto ambiental começaram a ser implementados nos Estados Unidos, no final de década de 1960, com a edição da Política Nacional de Meio Ambiente (NEPA).

No Brasil, a primeira disciplina normativa da avaliação de impacto ambiental foi a Lei nº 6.803/90, que determinou a exigência de avaliação de impacto ambiental para a aprovação de zonas de uso estritamente industrial, destinadas à localização de pólos petroquímicos, carboquímicos, bem como as instalações nucleares.

A lei 6.938/81 introduziu, entre os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, a Avaliação de Impactos Ambientais (art. 9, III).  O Decreto federal n° 88351, de 1° de junho de 1983,  que regulamentou a Lei 6938/81, vinculou a avaliação de impactos ambientais aos sistemas de licenciamento de empreendimentos.

A lei 6.938/81 estabeleceu o Sistema Nacional do Meio Ambiente, integrado, entre outros órgãos na esfera nacional, estadual ou municioal o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), órgão consultivo e deliberativo, com competência para editar normas gerais e abstratas, visando a regulamentação de questões atinentes ao meio ambiente e proteção ambiental (arts. 6º, II; art. 48). A competência atribuída ao CONAMA justifica-se pela caráter dinâmico e contínuo das questões ambientais, que, muitas vezes, exigem a edição de normas com celeridade, sob pena de danos irreversíveis, o que se mostra incompatível com o complexo processo legislativo brasileiro.

A Resolução nº 1/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do Ministério do Meio Ambiente, impõe que “dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental-RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente”. Em seguida, enumera, exemplificadamente, uma série de empreendimentos, tais como: estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento, ferrovias, aeroportos, e obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos. Importante ressaltar que as 16 atividades elencadas no dispositivo são, tão somente, exemplificativas. O termo “tais como”, no caput do artigo, aliado à interpretação do dispositivo em conformidade aos ditames constitucionais, indica que qualquer atividade que possa provocar degradações ou alterações significativas sobre o meio ambiente não prescinde de estudo prévio de impacto ambiental. A enumeração é apenas para facilitar a ação do Poder Público, dispensando uma análise preliminar da potencialidade de degradação ambiental para as atividades expressas no rol, recaindo sobre estas, uma legitima presunção absoluta de lesividade. “Quem tem o ônus de provar que a atividade que pretende exercer não tem a potencialidade de causar dano significativo é o próprio empreendedor, e não os órgãos públicos ambientais[2]”.

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A resolução 06/87 CONAMA estabeleceu normas para o licenciamento ambiental de obras de grande porte, especialmente aquelas ligadas à produção de energia elétrica, como o são as Usinas Hidrelétricas.

Conforme dispõe o art. 4º da resolução, em se tratando de obras de aproveitamento hidroelétrico, a Licença Prévia (LP) deverá ser requerida no início do estudo de viabilidade da Usina; a Licença de Instalação (LI), obtida antes da realização de licitação para construção do empreendimento e a Licença de Operação (LO), antes do fechamento da barragem. O art. 8º determina que a LP apenas será concedida após a análise e aprovação do RIMA.

A Constituição Federal de 1988, ao inserir, pela primeira vez, a questão ambiental, na ordem constitucional brasileira, reconhecendo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como direito fundamental, passou a exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, como instrumento necessário a efetivação deste direito:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

  • 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Importante destacar que a carta brasileira de 1988 foi a primeira Constituição do mundo a inserir esta avaliação no texto constitucional.

O art. 255, § 1º da Constituição do Estado do Pará, por sua vez, assim disciplina:

Art. 255 § 1°. Todo e qualquer plano, programa, projeto, atividade ou obra potencialmente causadora de desequilíbrio ecológico ou de significativa degradação do meio ambiente, exigirá, na forma da  lei, estudo prévio de impacto ambiental e só será autorizada sua implantação, bem como  liberado incentivo, financiamento ou aplicação de recursos públicos, após aprovação, na forma  da legislação aplicável, pelo órgão técnico de controle ambiental do Estado, ouvido o órgão de  atuação colegiada de que trata o inciso VIII.

No ano de 1997, foi editada a resolução 237 do CONAMA, atualizando as normas aplicáveis ao licenciamento ambiental e respectiva avaliação de impacto ambiental.

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental materializa os princípios da precaução e prevenção ambiental, na ordem jurídica brasileira. Daí decorre a determinação constitucional de que o procedimento seja prévio, ou seja, anterior ao licenciamento ou autorização da obra ou projeto, evitando, desta forma, uma prevenção falsa, deturpada, quando o empreendimento já iniciou sua implantação, e os danos ambientais já se tornaram irreversíveis. Tal exigência, entretanto, não exclui a obrigatoriedade do estudo sempre que for solicitada a renovação ou revisão do licenciamento.

Embora seja comum o uso da expressão EIA/RIMA para se referir ao procedimento, deve-se ter em mente que o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) não se confunde com o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Em verdade, o último constitui parte integrante do primeiro, determinando o art. 9º da Resolução 1/86 do CONAMA que “o Relatório de impacto ambiental – RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto ambiental (…)”. Assim, o EPIA corresponde a todo procedimento, envolvendo levantamento de literatura, trabalhos de campo, testes de laboratórios, e inclusive, a redação do relatório final contendo as conclusões e o juízo final acerca da viabilidade ambiental do empreendimento: o RIMA.

A opinião científica, por si só, não é suficiente a legitimar o EPIA. Embora o conhecimento científico ofereça uma contribuição indispensável a nortear a avaliação de impactos ambientais, somente a sociedade civil tem condições de avaliar as repercussões do projeto discutido, no âmbito de determinada política pública. O direito ao meio ambiente, conforme previsto no art. 225 da Constituição, tem natureza difusa, sendo sua titularidade de todo e qualquer cidadão, aos quais deve ser assegurado o direito de decidir sobre um projeto que irá agredir este direito. Desta forma, o procedimento do EPIA deve ser orientado pelos princípios da clareza, publicidade e transparência. O texto do art. 225, § 1º, IV resguarda a publicidade do procedimento, que deve incidir sobre sua integralidade, ou seja, no EPIA não pode haver nada de secreto. Toda informação, concernente à avaliação, deve, não apenas ser disponibilizada ao público, como levada até o conhecimento deste, sobretudo por via da publicação ou Audiência Pública.

Deve-se observar, ainda, que a imprescindibilidade da participação popular no procedimento do EIA/RIMA justifica-se, ainda, pelo fato de que o direito ao meio ambiente equilibrado estabelece interdependência com outros direitos fundamentais, como a vida e saúde humana, de modo que as agressões ao restrições ao primeiro tem repercussões sobre estes últimos.

Ponto importante é a observação de que, desde a Constituição Federal de 1988, o EIA/RIMA constitui o único instrumento admitido para a avaliação das atividades potencialmente causadoras de impactos sobre o meio ambiente, não sendo aceito qualquer outro procedimento, em substituição. Esta determinação resguarda o instituto do EIA/RIMA de banalizações, que podem enfraquecer sua efetividade enquanto mecanismo de prevenção.

O art. 6º, IV da Resolução 1/86-CONAMA, determina que o EPIA conterá a “elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados”. O professor Lemes Machado interpreta o dispositivo de forma literal, excluindo a fase de acompanhamento e monitoramento do procedimento do Estudo de Impacto. Com a devida vênia, tal entendimento não parece conforme à importância que a Constituição atribuiu ao EIA/RIMA e ao princípio da prevenção ambiental. O acompanhamento da execução do empreendimento licitado deve ser compreendido enquanto fase integrante e inseparável da avaliação, de forma a valorizar este momento. Embora as medidas corretivas devam ser implantadas antes do início da atividade, a posterior verificação de sua ineficácia justifica a reformulação destas medidas.

4 Usina Hidrelétrica de Tucuruí e mecanismos de Avaliação De Impacto Ambiental.

A partir de 1974, a Eletronorte iniciou os estudos do inventário do Rio Tocantins, do qual resultou relatório apontando a viabilidade do empreendimento. As primeiras obras de desvio do rio datam de 1975, e, em 1977, iniciaram-se as obras oficiais da usina propriamente dita. A esta época, inexistiam normas legais impondo a realização de estudo prévio de impactos ambientais à concessão de licenciamento aos grandes projetos públicos e privados potencialmente levisos ao meio ambiente. Predominava, no Brasil, a concepção de que o desenvolvimento econômico deveria ser alcançado a qualquer custo, independentemente da poluição e destruição ambiental que poderia advir.

Em verdade, os primeiros estudos de impactos ambientais no Brasil não decorreram de determinações legais internas, mas de exigências de entidades internacionais financiadoras de grandes projetos no país, a exemplo do Banco Mundial. Maria José Campos Moura Melo[3], citando Moreira, aponta a construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, financiado pelo Banco Mundial, como o primeiro empreendimento submetido a Avaliação de Impacto Ambiental no território brasileiro.

Em 1978, a Eletronorte convocou o ecólogo norte-americano Robert Goodland do Cary Arboretum, ao qual atribuiu a missão de elaborar o “Relatório – Diagnóstico dos Problemas Ambientais Associados à Implantação do Aproveitamento Hidrelétrico de Tucuruí”. Tal decisão está inserida na política de desenvolvimento implementada pelo governo militar. A constatação de que as instituições internacionais financiadoras de empreendimentos desta natureza passaram a exigir a realização de estudos de impacto, aliada às pretensões do governo brasileiro de construir outras hidrelétricas a partir de capital estrangeiro no país, determinaram a contratação do estudo desenvolvido por Goodland.

Entre as limitações enfrentadas pela avaliação, Melo[4] aponta: o curto prazo definido para a conclusão do estudo (1 mês); e a carência de informações organizadas sobre as condições ambientais e biodiversidade da região. Destaque-se, ainda, o fato de que o estudo foi iniciado mais de 2 anos após as primeiras intervenções no Rio Tocantins, quando a obra já estava em curso, e os impactos sobre o meio ambiente já se manifestavam e muitos já se mostravam irreversíveis. Importante observar que o estudo foi implementado de maneira antidemocrática, sem qualquer diálogo com as comunidades locais, sejam as populações tradicionais ou as próprias instituições científicas ou acadêmicas. Tais circunstâncias revelam a inutilidade do estudo à efetiva prevenção e mitigação de efeitos ambientais negativos.

5.1. 1ª fase da obra

            A primeira fase do empreendimento foi iniciada em 1977/1978, perdurando até o ano de 1992, quando, em 5 de novembro, foi inaugurada a 12ª turbina da usina hidrelétrica.

À época do início das obras, inexistia qualquer exigência legislativa quanto à realização de um estudo de impactos ambientais,  ou mesmo a previsão de licenciamento ambiental para a construção, instalação ou operação de empreendimentos desta natureza.

No bojo da legislação vigente à época, merece destaque o Código das Águas, decreto nº 24.643/1934. O art. 37 estabelece que o uso das águas deve se dar sem prejuízo da navegabilidade dos rios, exceto nas hipóteses previstas no art. 48 do diploma legal, quais sejam:

Art. 48. A concessão, como a autorização, deve ser feita sem prejuízo da navegação, salvo:

  1. a) no caso de uso para as primeiras necessidades da vida;
  2. b) no caso da lei especial que, atendendo a superior interesse público, o permita.

Parágrafo único. Além dos casos previstos nas letras a e b deste artigo, se o interesse público superior o exigir, a navegação poderá ser preterida sempre que ela não sirva efetivamente ao comércio.

Ou seja, a restrição da navegabilidade era autorizada apenas para atender às necessidades vitais de comunidades humanas, ou ainda em caso de superior interesse público, desde que a navegação não serva efetivamente ao comércio.

Considerando que a navegabilidade do rio Tocantins foi consideravelmente prejudicada pela obra, Andréa Moura Santos Sampaio[5] questiona, entretanto, o interesse público atendido no caso da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí. É inegável que a produção energética gerada não foi convertida em benefícios para as comunidades locais, sendo absorvida pelos grandes projetos agro-minerais instalados na região, sobretudo o programa ALBRÁS-ALUNORTE.

O código florestal vigente à época, lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, institua como áreas de preservação permanente, cuja retirada da cobertura vegetal era, em regra, proibida, e autorizada apenas em situações excepcionais, a vegetação natural situada às margens de rios ou outros cursos d’água, de lagoas, lagos ou reservatórios de água naturais ou artificiais, de nascentes, incluindo os olhos d’água. Neste sentido, o art. 2º, alíneas a, b e c do diplomo referido. Esta previsão foi, nitidamente, desrespeitada.

5.2. 2ª fase da obra:

A segunda fase da obra iniciou-se em 1998, estendendo-se até 2006, quando entrou em operação a 23ª turbina. Neste momento, já estavam em vigor a lei 6.938/81, que introduziu a avaliação de impactos ambientais e o licenciamento ambiental como instrumentos da política nacional do meio ambiente. Ademais, a Resolução nº 1 do CONAMA, de 1986, estabeleceu normas para a realização da avaliação de impactos ambientais e a Resolução 06/87 o fez para obras de grande porte, como as ligadas à geração de energia. A Constituição Federal de 1988 tornou o EIA/RIMA condição prévia necessária ao licenciamento ambiental de empreendimento potencialmente causadores de significativos impactos. Importante considerar, ainda, a edição da resolução 237/97 do CONAMA, dispondo sobre o licenciamento ambiental.

Assim, em 1998, a Eletronorte solicitou à antiga SECTAM (Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente), atual SEMA (Secretaria de Estado de Meio Ambiente), desde 2007, licença ambiental para regularizar a situação da primeira fase do projeto bem como para viabilizar a instalação da segunda etapa.

Ressalte-se a redação do § 4º do art. 12 da resolução 06/87 CONAMA:

ART. 12 § 4º – Para o empreendimento que entrou em operação a partir de 1º de fevereiro de 1986, sua regularização se dará pela obtenção da LO, para a qual será necessária a apresentação de RIMA contendo, no mínimo, as seguintes informações: descrição do empreendimento; impactos ambientais positivos e negativos provocados em sua área de influência; descrição das medidas de proteção ambiental e mitigadoras dos impactos ambientais negativos adotados ou em vias de adoção, além de outros estudos ambientais já realizados pela concessionária.

Nesta ocasião, a Eletronorte elaborou um relatório denominado “UHE TUCURUÍ – Unidades 01 a 23 – Estudos Ambientais, e o encaminhou à SECTAM para subsidiara concessão das licenças pleiteadas[6].

Em 13/05/1998, a SECTAM emitiu parecer técnico favorável a ambas as licenças, com algumas exigências a respeito de aspectos ambientalmente relevantes, mas não abordados no Relatório apresentado pela Eletronorte, que deveriam ser resolvidas para a efetiva emissão das licenças. Na ocasião, destacou-se a dispensa de estudo de impacto ambiental. A dispensa de EIA/RIMA para a primeira fase foi justificado pelo fato de que o empreendimento entrou em operação antes mesmo da exigência do procedimento pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Quanto à dispensa de EIA/RIMA à segunda fase do empreendimento, considerou a SECTAM que a licença requerida foi considerada como licença de instalação, não incidindo a exigência do estudo pelo fato de que desde o início do empreendimento já era prevista a realização da obra em duas etapas.

Ainda que as exigências do parecer técnico não tenham sido satisfeitas integralmente, em 01.06.1998, foi emitida licença de instalação para a segunda do empreendimento.

 

CONCLUSÃO

A partir do avanço teórico alcançado com a pesquisa, almeja-se a formulação de propostas de ação e/ou intervenção em políticas públicas e na gestão ambiental no âmbito dos municípios selecionados.

Além disso, os envolvidos no projeto consideram de suma importância informar e esclarecer a população local, permitindo o conhecimento do processo  que resultou nos impactos ambientais hoje sentidos na região e assegurando-lhe mecanismos para participação mais efetiva nas decisões tomadas na região acerca da política ambiental.

Acredita-se na potencialidade da comunidade científica, especialmente deste projeto, em contribuir à implementação do desenvolvimento sustentável na Região do Lago de Tucuruí.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 65.

[2] Ibid, p 227.

[3] MELO, Maria José Campos Moura; UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ. Comunidade científica e um projeto de desenvolvimento na Amazônia: Usina Hidrelétrica de Tucuruí. 1993. 141 f. : Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônico, Curso Internacional de Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento, 1993, p 56.

[4] Ibid, p 57.

[5] SAMPAIO, ANDRÉA MOURA SANTOS; Universidade Federal do Pará. Usina Hidrelétrica de Tucuruí: algumas questões ambientais à luz do direito, 2000, p. 5.

[6] SAMPAIO, ANDRÉA MOURA SANTOS; Universidade Federal do Pará. Usina Hidrelétrica de Tucuruí: algumas questões ambientais à luz do direito, 2000, p. 13.

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