Resumo: O presente artigo objetiva traçar considerações quanto à repartição das competências constitucionais em matéria ambiental entre os entes federativos. A metodologia teve abordagem dedutiva e qualitativa, em relação aos procedimentos é descritiva, seguindo como roteiro: a escolha do tema, pesquisa bibliográfica e documental. Inicia com a constitucionalização do meio ambiente, o que inclui uma breve análise sobre a repartição de competências delineada pela Carta Magna, dando especial enfoque a competência dos Municípios. Nesse aspecto, perquirirá quais os limites da competência municipal para legislar no âmbito de seu interesse local e suplementar sobre meio ambiente e mineração (exploração de jazidas). Abordará a posição do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em dois casos postos a apreciação referente à possibilidade, ou não, do Município legislar sobre meio ambiente. O estudo conclui então pela permissibilidade limitada do ente municipal legislar sobre meio ambiente, mas pela inteira impossibilidade de dispor sobre norma de direito minerário.
Palavras-chave: Competência Municipal. Meio Ambiente. Mineração.
Abstract: The present article aims to draw up considerations regarding the distribution of constitutional competencies in environmental matters between federative entities. The methodology had a deductive and qualitative approach, in relation to the procedures is descriptive, following as a script: the choice of theme, bibliographical and documentary research. It begins with the constitutionalization of the environment, which includes a brief analysis on the distribution of competences delineated by the Magna Carta, with a special focus on the competence of the Municipalities. In this aspect, it will investigate the limits of the municipal competence to legislate in the scope of its local and additional interest on environment and mining (exploitation of deposits). It will address the position of the Court of Justice of Rio Grande do Sul in two cases considering the possibility or not of the Municipality to legislate on the environment. The study concludes, therefore, by the limited permissibility of the municipal body to legislate on the environment, but by the complete impossibility of disposing of the rule of mining law.
Keywords: Municipal Competence. Environment. Mining
Sumário: Introdução. 1. Metodologia. 2. A constitucionalização do meio ambiente. 3. A (in) competência municipal para legislar sobre direito minerário. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A proteção jurídica diferenciada ao meio ambiente teve como marco a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual dispõe no art. 225, caput, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).
Nesse contexto protetivo, inovou a Carta Magna dispondo de forma diferenciada quanto à competência para legislar e a competência para administrar em matéria ambiental. Assim, em síntese, a União possui competência material/administrativa exclusiva (art. 21), competência legislativa privativa (art.22), comum com os Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23) e, concorrente com os Estado (art. 24). Ainda, consta no art. 24, §1º, da CF, por sua vez, que aos Estados são reservadas as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal (competência residual) e no art. 30 da CF, que compete aos Municípios legislar, entre outros, sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; promover, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano e promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (MARQUES, 2017).
Assim, em meio a essa delimitação constitucional de competência genérica, emerge a questão relativa à quais são os limites da atuação legislativa municipal no âmbito do interesse local e mesmo suplementando norma de outros entes federados em matéria de meio ambiente e a jazidas minerais? Dessa forma, frente a esta problemática, o presente estudo visa traçar apontamentos/limites quanto à competência legislativa federal, estadual e municipal na seara da mineração no contexto da preservação e promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
1. METODOLOGIA
O estudo em questão possui uma abordagem dedutiva e qualitativa. Em relação aos procedimentos é descritiva. A pesquisa seguiu o seguinte roteiro: escolha do tema, pesquisa bibliográfica e documental. Segundo Gil (2002) “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”, a pesquisa documental por sua vez “vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”.
2. A CONSTÍTUCIONALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Pedro Lenza (2011), citando José Afonso da Silva, define meio ambiente como sendo “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em qualquer de suas formas”.
Ocorre que a proteção ao meio ambiente, tal como conhecemos hoje, surgiu apenas com a Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, antes de referido marco as Constituições limitavam-se apenas a disciplinar alguns elementos do meio ambiente, conforme se observa abaixo.
A Constituição de 1824 tinha norma que proibia a instalação de indústrias contrárias a saúde do cidadão. A constituição de 1891 atribuiu competência à União para legislar sobre minas e terras. Destaca-se posteriormente na esfera infraconstitucional o Código Civil de 1916, o qual deu início à tutela jurídica brasileira do meio ambiente, dispondo sobre normas para a solução de conflitos de vizinhança, bem como proibia construções que viessem a poluir ou inutilizar para o uso ordinário de água de poço (IGLECIAS, 2014).
Já a Constituição de 1934 foi mais ampla, uma vez que buscou proteger as belezas naturais e o patrimônio histórico, artístico e cultural, bem como fixou a competência da União para legislar sobre as riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca e exploração (IGLECIAS, 2014).
A Constituição de 1937 por seu turno estabeleceu a proteção dos monumentos históricos, artísticos e naturais, paisagens e locais especialmente dotados pela natureza, incluindo a proteção das plantas e rebanhos contra doenças e agentes nocivos (IGLECIAS, 2014).
Durante o período militar também houve algum progresso no tocante a proteção do meio ambiente, dispondo a Emenda Constitucional de 1969 que a lei regularia o aproveitamento agrícola de terras sujeitas a intempéries e calamidades, assim como que o mau uso da terra obstaria o proprietário de usufruir incentivos e auxílios do governo (IGLECIAS, 2014).
Assim, somente em 1975, com o Decreto nº 76.389 tivemos norma que condicionava a aprovação de projetos industriais à observância de normas antipoluidoras (IGLECIAS, 2014).
Posteriormente, em razão do aumento da consciência ecológica foi editada a Lei nº 6.938 de 1981, Política Nacional do Meio Ambiente, a qual assegurou a “manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”, tal definição como patrimônio público foi alterada com o passar do tempo, e hoje vigora o entendimento de que o meio ambiente é bem ambiental de caráter transindividual (IGLECIAS, 2014).
Importante destacar, que referida lei ao estruturar o Sisnama dispôs sobre os órgãos municipais, “atribuindo-lhes a responsabilidade pelo controle e fiscalização de atividades que possam acarretar degradação ambiental na esfera local, bem como a elaboração de normas supletivas e complementares às editadas pela União e Estados” (IGLECIAS, 2014).
Em 1985 viabilizando o acesso coletivo à Justiça para a defesa do meio ambiente, foi editada a Lei nº 7.347/1985, a qual disciplinou a ação civil pública como mecanismo para apurar a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente (IGLECIAS, 2014).
E finalmente, marco na legislação ambiental, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, a qual definiu áreas como patrimônio nacional, bem como dedicou um capítulo inteiro a proteção ambiental, dispondo o “direito ao ambiente sadio como um direito fundamental do indivíduo”, bem de uso comum do povo, cuja defesa e proteção para as presentes e futuras gerações incumbe ao Poder Público e a toda coletividade, tal como o elencou como princípio a ser seguido pela ordem econômica (IGLECIAS, 2014).
Assim, foi somente com a Constituição de 1988 que houve a proteção global do meio ambiente, sendo que ao ser definido como um direito fundamental, tornou-se um bem indisponível (IGLECIAS, 2014).
Convém salientar, que o “preservacionismo ambiental caracteriza-se como um direito humano de terceira dimensão, estando o ser humano inserido na coletividade e, assim titular dos direitos de solidariedade” (LENZA, 2011).
3. A (IN) COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO MINERÁRIO
A distribuição de competência rege-se pelo princípio do interesse, enquadrando-se o da União como geral, o dos estados-membros como regional e o interesse dos municípios como local.
Importante destacar que o regramento constitucional – artigo 23, inciso VI e VII e artigo 30, inciso I e II, ambos da Constituição Federal – permite que os Municípios legislem sobre meio ambiente.
Todavia, o direito minerário, em que pese perfazer espécie pertencente ao direito ambiental possui disposições específicas.
Com efeito, o artigo 20, inciso IX, da Constituição Federal, traz à baila que entre os bens da União encontram-se “os recursos minerais, inclusive os do subsolo”.
Somando-se, o Art. 22, inciso XII, também da Carta Magna, expõe que “compete privativamente à União legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia”. Ou seja, apesar da competência concorrente para legislar sobre meio ambiente, especificamente sobre recursos minerais a União conta com competência privativa.
A disposição expressa do Artigo 176, do mesmo regramento, vem corroborar: “As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.
Ainda neste artigo, o § 1º apresenta imprescindível redação ao prescrever que o exercício da atividade minerária exige autorização ou concessão da União, relativamente a cada caso.
Na legislação infraconstitucional também são encontradas disposições que ratificam todo o exposto, como se denota do artigo 1º, do Decreto-Lei n. 227/67 (Código Minerário), que dispõe competir “à União administrar os recursos minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais” (PELLIZZARO, 2016).
Nessa linha, ensina William Freire que "Em matéria de política mineral e outorga de Direito Minerário, não há nenhuma margem para a atuação municipal. Em razão disso, não se podem aceitar interferências diretas nem simulações legislativas municipais que interferiram com o domínio Federal sobre as jazidas e minas e a Política Federal para sua exploração" (FREIRE, 2005).
No mesmo sentido leciona Hely Lopes Meirelles “Finalmente, é de se recordar que só a União tem competência para legislar sobre "jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia" (CF, art. 22, XII), ficando, assim, concentrados no Governo Federal todos os poderes normativos e executivos em tema de mineração. Todavia, por lei complementar a União "poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo" (art. 22, parágrafo único), dentre as quais incluem-se as jazidas, minas e outros recursos minerais”.
A título de informação, assim como os municípios, os Estados devem respeitar a repartição de competência, nesta esteira, tramita no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4606) proposta pela Advocacia Geral da União em face da Lei nº 10.850/2017 e do Decreto nº 11.736/2008 do Estado da Bahia que tratam da fiscalização, arrecadação e controle de receitas decorrentes da exploração de recursos hídricos e minerais em seu território, uma vez que essas normas violam a competência privativa da União para legislar sobre águas, energia, jazidas, minas e outros recursos minerais, conforme previsto no artigo 22, incisos IV e XII, da Constituição Federal. De acordo com a ADI, as normas estaduais ofendem os artigos 1º; 20, incisos VIII e IX e § 1º; 21, XII, alínea "b"; 176 e 177, todos da Constituição Federal (CF) de 1988 (AGU, 2017).
Assim embora a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado esteja entre as atribuições de todos os entes federativos, o município não pode legislar sobre minérios (jazidas minerais).
Cita MARQUES (2017) no tocante a impossibilidade do município legislar sobre meio ambiente, que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul assim decidiu:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 4742/93 DE RIO GRANDE. NÍVEIS DE DECIBÉIS. HORÁRIOS NOTURNO E DIURNO. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DA MUNICIPALIDADE PARA DISPOR SOBRE NÍVEIS DE DECIBÉIS SUPERIORES AOS CONSTANTES NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA.
Nos termos do disposto no artigo 24, VI, da Constituição Federal, os Municípios não dispõem de competência concorrente para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição, competência restrita da União, Estados e Distrito Federal, o que, no âmbito estadual foi disciplinado pelo artigo 52, XIV, da Constituição Estadual, que editou o Decreto Estadual 23.439/74 para tanto, podendo os Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, por aplicação do artigo 30, II, da Constituição Federal. Logo, ausente competência do Município para disciplinar níveis de decibéis superiores aos constantes na legislação estadual, flagrada a inconstitucionalidade da norma municipal. Precedente do Órgão Especial do TJRGS.AÇÃO JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA”. (ADI 70033909680, d.j. 19/04/10, grifos nossos)”
“ADIN. Lei municipal. inconstitucionalidade formal e material. Matéria de competência do estado. CAPINA QUÍMICA. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício material e formal dos artigos 8º e 251, § 1º, inciso III, da CE, a Lei n.º 538/2007, do Município de Sete de Setembro, que dispõe ‘sobre o saneamento vegetal, regulamenta o uso e manipulação de produtos para a capina química e dá outras providências’, por adentrar em seara de competência exclusiva do Estado.A competência comum do Município é para normas de proteção ao meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas (inc.VI, art. 23, CF), mas a regulamentação do uso de agrotóxicos, se encontra na órbita do Estado, cuja previsão é expressa em proibir a utilização da capina química (Portaria nº 16/94 – Secretaria de Estado da Saúde e do Meio Ambiente) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (ADI 70030334460, d.j.14/1209, grifos nossos)”
Dessa forma, pode-se inferir que a competência do Município abrange a ordem protetiva, cujo caráter é principalmente administrativo, nos termos do artigo 23 da CF, compatível com a atuação do poder de polícia (MARQUES, 2017).
CONCLUSÃO
Importante frisar ainda, que o art. 23, XI, da CF permite aos Municípios, juntamente com a União e Estado registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.
Dessa forma, da analise conjunta dos dispositivos constitucionais, constata-se que o município possui competência para legislar sobre meio ambiente no âmbito de seu interesse local, sem contrariar as normas federais e estaduais atinentes ao tema (PELLIZZARO, 2016).
Não obstante, tendo em vista que o art. 20, IX determina que os recursos minerais são bens da União e que no art. 22, XII fixa que compete privativamente a União legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia, ambos na Constituição Federal, não é possível ao município regulamentar a matéria.
Portanto, o objetivo traçado pelo presente estudo foi alcançado, visto que se delineou a competência do município para legislar sobre meio ambiente e sua limitação sobre mineração, esclarecendo a população, em especial os entes políticos quanto ao âmbito de sua atuação.
Informações Sobre o Autor
Paula Miria Santa Catarina
Bacharel em Direito Faculdade Mater Dei Pato Branco/PR. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. Assessora Jurídica da Câmara Municipal de Campo Erê/SC