Conflito de competência em questões ambientais: divergências entre órgãos licenciadores e fiscalizadores em razão da competência comum material

Resumo: O meio ambiente sadio e equilibrado é um direito fundamental de terceira geração constitucionalmente assegurado, essencial à manutenção e qualidade da vida humana que, o legislador constituinte no artigo 23, incisos III, VI, e VII atribuiu competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a sua proteção e combate à poluição. Nesse contexto, a pesquisa tem por objetivo demonstrar a problemática do conflito de competência entre os órgãos ambientais licenciadores e fiscalizadores, em razão da competência constitucional comum material, após advento da Lei Complementar nº 140 de 08 de dezembro de 2011 que atribuiu a competência fiscalizadora ao ente responsável pelo licenciamento, delimitando ainda, a atuação supletiva dos demais órgãos. Buscou-se analisar se um órgão diverso do licenciador no exercício de suas atribuições fiscalizadoras ao verificar irregularidades, lavrar auto de infração e instaurar processo administrativo fere as disposições da Lei Complementar 140/2011 ou exerce seu poder de polícia em razão da competência comum material. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, de caráter qualitativo, em doutrinas específicas, artigos científicos, leis e resoluções, que no primeiro momento investigou o processo de constitucionalização do meio ambiente como um direito fundamental e, as regras atinentes à competência constitucional comum material na defesa do meio ambiente. Adiante, identificou-se os aspectos gerais e finalidades do licenciamento ambiental. Em seguida, buscou-se analisar a distribuição de competências dos entes federados na Lei Complementar 140/2011 e, por fim, o poder de polícia ambiental. Diante do estudo ficou confirmado que, a atuação dos demais órgãos ambientais no exercício de seu poder de polícia ficou prejudicada, vez que a Lei Complementar 140/2011 afronta alguns propósitos contemplados pela Constituição Federal, como a defesa integrada do meio ambiente, além de violação do pacto federativo e a livre liberdade do exercício de atividade econômica dos entes da federação.

Palavras-chave: Meio ambiente. Competência Constitucional Comum Material. Lei Complementar 140/2011. Conflito de Competência.

Abstract: A healthy and balanced environment is a fundamental right of third-generation constitutionally assured, essential to the maintenance and quality of human life, which the constituent legislator, in article 23, items III, VI and VII has conferred common competence to the Union, States, Federal District and Municipalities, for its protection and fight against pollution. In this context, the objective of this research is to demonstrate the problem of the conflict of competence between the environmental licensing and enforcement agencies, due to the common constitutional competence, after the advent of the Complementary Law nº 140 from December 08, 2011, which attributed the responsibility for the licensing, further delimiting, the supplementary action of the other organs. An attempt was made to analyze whether a different agency of the licensor in the exercise of its powers of inspection when verifying irregularities, issuing an infraction notice and instituting an administrative proceeding violates the provisions of Complementary Law 140/2011 or exerts its police power due to the common material competence. For that, a qualitative bibliographical research was carried out on specific doctrines, scientific articles, laws and resolutions, which in the first moment investigated the process of constitutionalisation of the environment as a fundamental right, and the rules pertaining to the common constitutional competence in the defense of the environment. Later, the general aspects and purposes of environmental licensing were identified. Next, we sought to analyze the distribution of powers of the federated entities in the Complementary Law 140/2011 and, finally, the power of environmental police. In view of the study, it was confirmed that the performance of the other environmental agencies in the exercise of their police power was impaired, since Complementary Law 140/2011, faces some purposes contemplated by the Federal Constitution, such as integrated environmental protection, in addition to violation of the federative pact and the freedom of the exercise of economic activity by the entities of the federation.

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Key-words: Environment; Common Constitutional Material Competence;. Complementary Law 140/2011; Conflict of Competence.

Sumário: Introdução; 1.0 Meio Meio Ambiente e Sua Constitucionalização; 1.1 Definição Legal de Meio Ambiente; 1.1.1 Meio Ambiente como Direito Fundamental; 1.2 Competência Constitucional em Matéria Ambiental; 1.2.1 Competência Comum Material; 2.0 Licenciamento Ambiental; 2.1 Conceito, Características e Finalidades do Licenciamento Ambiental; 2.2 Fundamento Constitucional do Licenciamento Ambiental; 2.3 Das Licenças Ambientais; 3.0 Lei Complementar nº 140/2011; 3.1 Repartição de Competências entre os Entes Federados com Advento da Lei Complementar nº 140/2011; 3.2 Critérios e Repartição de Competência dos Entes Federados na Resolução CONAMA nº 237/97 e Após Lei Complementar nº 140/2011; 4.0 Poder de Polícia Ambiental; 4.1 Meios de Atuação do Poder de Polícia Ambiental; 4.2 Conflito de Competência em Razão do Poder de Polícia Ambiental e Lei Complementar nº 140 de 08 de dezembro de 2011; 4.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4757; Considerações Finais; Referências.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal em seu artigo 225 assegurou a todos o direito a um meio ambiente saudável e equilibrado, de uso comum do povo, fundamental para uma melhor qualidade de vida, sendo dever do poder público e da coletividade a sua tutela e preservação para atuais e futuras gerações. Por ser um bem fundamental, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 23, incisos III, VI e VII, atribuiu competência comum a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a sua proteção a fim de garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.

Neste viés, considera-se, portanto, que o legislador constituinte ao atribuir competência comum material aos entes federados, tinha o intuito de que agissem cooperativamente e de maneira integrada na proteção dos recursos naturais, tornando-a mais eficaz possível.

No entanto, o alcance e limitações de atuação das competências não foram nitidamente delimitadas, suscitando alguns embaraços, até mesmo alguns conflitos no desempenho da proteção ao meio ambiente, em razão da ausência de lei complementar regulamentadora da competência comum material, nos moldes do parágrafo único do art. 23, da Carta Magna.

Em razão da ausência de lei complementar regulamentadora, foram editadas resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), dentre elas a Resolução nº 237/97, que estabeleceu critérios de repartição de competências dos entes federados.

Após anos de lacuna normativa, foi criada a Lei Complementar 140 de 08 de dezembro de 2011, a fim de regular a competência comum material e fixar normas de cooperação entre os entes federados, evitando a sobreposição das atuações. Contudo, certas estipulações dadas pela LC 140/2011 afrontam alguns propósitos contemplados pela Constituição Federal, como a atribuição de competência fiscalizadora ao ente competente pelo licenciamento. Ou seja, em um único nível de competência, delimita ainda, atuação supletiva somente em casos de omissão ou incapacidade administrativa dos órgãos originalmente competentes, restringindo assim, a atuação dos demais órgãos ambientais no exercício de seu poder de polícia, bem como a violação ao pacto federativo e a livre liberdade do exercício de atividade econômica dos entes da federação.

Nesse ínterim, visa-se analisar se um órgão diverso do licenciador no exercício de suas atribuições fiscalizadoras ao verificar irregularidades, lavrar auto de infração e instaurar processo administrativo fere as disposições da Lei Complementar 140/2011 ou está exerce o seu poder de polícia em razão da competência comum material?

É o que será analisado a seguir, explanando comentários acerca da constitucionalização do meio ambiente, a competência constitucional comum em matéria ambiental, a distribuição de competências para o licenciamento e autorizações com advento da Lei Complementar nº 140/2011 e o poder de polícia ambiental, a partir de uma exploração bibliográfica de doutrinas, especialmente as obras Paulo Affonso Leme Machado, Celso Antônio Pacheco Fiorillo, Romeu Thomé, Talden Farias, dentre outros, além de artigos científicos, normas legislativas do ordenamento jurídico brasileiro e resoluções, com a finalidade de obter as mais relevantes discussões quanto à temática proposta.

1. MEIO AMBIENTE E SUA CONSTITUCIONALIZAÇÃO

No passado, os recursos naturais eram avaliados como bens passíveis de exploração econômica e, por serem profusos não se imaginava que necessitavam de tutela, sendo protegidos de forma indireta em razão da proteção de outros bens. Com o advento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) se iniciou uma nova etapa na qual o meio ambiente tornou-se matéria autônoma de proteção jurídica. Desde então, surgiram um conjunto de leis, regras e princípios que regulamentam a proteção e equilíbrio do meio ambiente. (RODRIGUES, 2015; THOMÉ, 2015)

Embora o meio ambiente tenha sido visto como um bem passível de exploração econômica, o que ocorre até os dias atuais, a proteção ao meio ambiental não era estranha à sociedade, sendo tutelado de forma indireta em consequência da proteção de outros bens. Porém, em razão da constante degradação ambiental, seja pela exploração direta dos recursos ambientais ou por fatores influenciadores, o meio ambiente deixou de ser somente observado no âmbito privado, passando a ser considerado como um bem necessário de proteção do poder estatal, buscando uma proteção integrada através da cooperação entre entes do poder público e sociedade.

O Direito Ambiental é uma matéria ainda em construção, vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado se tornou objeto de proteção jurídica autônoma recentemente. Tal proteção aumentou após o advento da Constituição Federal de 1988, pois se instaurou uma visão protecionista dos recursos naturais. (THOMÉ, 2015)

Na acepção jurídica, a proteção aos recursos naturais é recente, surgindo em razão das atividades lesivas praticadas pelo homem, sendo o Direito Ambiental cominado com resoluções, portarias e outros ramos do Direito, instrumentos necessários de salvaguarda do meio ambiente, que está sendo dissipado pelas ações humanas.

A partir dos instrumentos normativos de proteção ao meio ambiente, a visão utilitarista e econômica dos recursos ambientais deixou de ser vista como principal objetivo, passando a uma visão protecionista destes bens para que sejam utilizados de forma equilibrada, evitando um crescimento desordenado e alcançando o desenvolvimento sustentável.

A Constituição Federal de 1988 não definiu o conceito de meio ambiente, apenas estabeleceu sua proteção ficando a encargo das normas infraconstitucionais, doutrina e jurisprudência a sua delimitação, observando as regras constitucionais que legitimam a tutela desses recursos naturais como valores fundamentais, de uso e titularidade do povo. (FARIAS et al, 2015)

Foi composta uma nova estrutura de proteção dos bens ambientais ao desvincular valores da ideia de posse e propriedade, transcendendo a percepção comum do direito, classificando-os como direitos difusos, cabendo à doutrina e jurisprudência a delimitação dos referidos direitos em consonância às normas constitucionais para compreensão do instituto.

Fiorillo (2012, p. 77) afirma que “a definição de meio ambiente é ampla, devendo-se observar que o legislador optou por trazer um conceito jurídico indeterminado, a fim de criar um espaço positivo de incidência da norma”. No mesmo sentido, Machado (2014, p. 59) expõe que “a definição federal é ampla, pois visa atingir tudo aquilo que permite a vida, que abriga e rege”.

Desta forma, nota-se que o legislador constituinte optou por deixar o termo meio ambiente indeterminado, deixando a cargo das leis esparsas, doutrina, jurisprudência e princípios sua conceituação, a fim de que a proteção seja mais eficiente possível. Porém, caso fossem estabelecidas divisões ou classificações acerca do tema ocasionaria um obstáculo à efetiva proteção do meio ambiente, pois a tutela ambiental ficaria limitada pelas diretrizes estabelecidas em lei.

A norma constitucional inovou ao dar enfoque protecionista ao meio ambiente, estabelecendo no art. 225, “caput”, que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Considerando, que é um bem essencial a sadia qualidade de vida, a pretensão constitucional é que a tutela seja a mais abrangente e efetiva possível. (BRASIL, 1988, online; FARIAS et al, 2015)

Embora o legislador constituinte não tenha definido o termo meio ambiente, é possível observar que estabeleceu como objetos da tutela ambiental a qualidade do meio ambiente, saúde, bem-estar, segurança, dentre outros elementos que circundam a sociedade.

Segundo Machado (2014, pg. 58), “não se trata mais de construir um Direito das águas, um Direito da Atmosfera, um Direito do solo, um Direito florestal, um Direito da fauna ou um Direito da biodiversidade”. Mas, de um Direito Ambiental que não busca somente a proteção de um bem específico, há um encadeamento entre as matérias, valendo-se de mecanismos de proteção, políticas públicas de informação e participação da sociedade contra a degradação ambiental. Ou seja, há uma cooperação interdisciplinar quando se trata da proteção aos recursos ambientais, somente as medidas tomadas pelo poder público não são suficientes para a efetiva tutela ambiental, é necessária a participação da sociedade e a existência de instrumentos de incentivo.

Destarte, não subsiste dúvidas de que a constitucionalização da defesa do meio ambiente, direito de todos e essencial a sadia qualidade de vida, significou um grande avanço na estrutura jurídico-ambiental pátria, pois a visão utilitarista é afastada pela visão protecionista, que idealiza um meio ambiente sadio e equilibrado, tendo como consequência a utilização dos recursos naturais de forma sustentável.

1.1. DEFINIÇÃO LEGAL DO MEIO AMBIENTE

Feito um estudo inaugural do Direito Ambiental à luz da Constituição Federal, necessário se faz conceituá-lo.

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A princípio, analisando a própria nomenclatura utilizada, entende-se que meio ambiente é tudo aquilo que está ao redor. No entanto, em razão da redundância tal termo é reprovado, posto que ambiente envolve todas as condições em que vivem os seres. (FIORILLO, 2017)

O legislador Infraconstitucional instituiu o conceito de Meio Ambiente conforme se denota do art. 3º, inciso I, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei. 6.938/81): “Art 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;”. (BRASIL, 1981, online)

Embora tal conceito tenha sido formulado antes da Constituição Federal, foi amplamente recepcionado pela Carta Magna, vez que o legislador constituinte buscou a proteção não só do meio ambiente natural, como também o cultural, do trabalho e artificial. A referida inferência é compreendida do exame do art. 225, da Carta Magna, que emprega termo “sadia qualidade de vida”. Há uma tutela imediata da qualidade do meio ambiente propriamente dito e, a proteção mediata da saúde, tranquilidade e segurança dos indivíduos, para que tenham qualidade de vida. (FIORILLO, 2017)    

O estudo em questão envolve o meio ambiente natural, reputado como meio ambiente dos recursos naturais, constituído pelo solo, água, ar, fauna e flora. São bens de domínio público, de uso comum do povo, que necessitam ser gerenciados pelo poder público e população em geral para melhoria e restauração ambiental. (BARROS, 2008)

A tutela do meio ambiente não é só reprimir as atividades degradantes aos recursos naturais, envolve também a proteção do coletivo, a vida saudável e bem-estar, sendo necessário para tanto, ações conjuntas e solidárias do poder público junto à população para efetiva proteção do bem jurídico tutelado, assegurando condições adequadas de vida para a população.

1.1.1. Meio ambiente como direito fundamental

Os direitos e garantias fundamentais estão previstos na Constituição Federal de 1988, mais precisamente no art. 5º e seus incisos, buscando assegurar o direito à vida, saúde, educação, segurança, dentre outros. Sobre o tema, o caput do referido artigo prescreve:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (…). (BRASIL, 1988, on-line)

As garantias elencadas nos incisos do referido dispositivo são instrumentos destinados à efetivação do exercício e gozo de tais direitos fundamentais. No entanto, não somente os direitos e garantias elencadas no dispositivo são tidos como basilares. Por ter cunho social, o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado se insere na terceira dimensão dos direitos fundamentais.

O reconhecimento do direito ao meio ambiente como direito fundamental da pessoa humana surgiu com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1972, em Stocolmo, na Suécia, que deu origem a “Declaração de Estocolmo”, a qual proclama que:

“1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.

2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos”. (SUÉCIA, 1972, online)

Posteriormente, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, no ano de 1992, aprovou a “Declaração Rio 92”, proclamando no princípio que: “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”. (grifo nosso)

A Constituição Federal, no parágrafo 2º do art. 5º, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, prevê que: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (BRASIL, 1988, online)

O Ministro Celso de Mello, em seu parecer no Mandado de Segurança nº 22.164 relata:

“Na realidade, o direito à integridade do meio constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. O reconhecimento desse direito de titularidade coletiva, como é o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, constitui uma realidade a que não mais mostram alheios ou insensíveis, como precedentemente enfatizado, os ordenamentos positivos consagrados pelos sistemas jurídicos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano internacional (…).” (STF – MS: 22164 SP, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 30/10/1995, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 17-11-1995 PP-39206 EMENT VOL- 01809-05 PP-01155) (grifo do autor)

Assim, o direito ao meio ambiente é um direito fundamental de terceira geração amparado constitucionalmente, possuindo uma tríplice dimensão, pois transcende o interesse individual, social e intergeracional.

Individual, porque interessa a cada indivíduo enquanto condição para uma sadia qualidade de vida. Social, porque são bens destinados ao uso comum do povo, satisfazendo suas necessidades. Intergeracional, porque o meio ambiente sadio e equilibrado deve ser protegido e preservado para as atuais e futuras gerações. (ROCHA; QUEIROZ, 2011)

Neste ínterim, o meio ambiente não é somente uma matéria destinada à tutela estatal, mas é dever de todos a sua proteção, pois se tratando de um direito transindividual, patrimônio de uso comum de toda humanidade, incumbe ao poder público e toda à coletividade a sua proteção, possibilitando a efetivação de uma vida saudável e equilibrada.

Cumpre ressaltar que, o direito ao meio ambiente é uma extensão do direito à vida, é um bem que pode ser fruído por qualquer pessoa, indistintamente, não estando sujeito à disponibilidade de um particular, pessoa jurídica ou do poder público. O art. 225, da Constituição Federal, refere-se a um bem vinculado “à sadia qualidade de vida”. Destarte, nota-se uma correlação do direito ao meio ambiente e o direito à vida. (BRASIL, 1988, online)

1.2. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL EM MATÉRIA AMBIENTAL

A Constituição Federal ao tratar sobre a sistematização político-administrativa delibera basicamente acerca de dois tipos de competência: material (administrativa) e legislativa. O Art. 24, da Carta Magna atribuiu competência legislativa à União, Estados e ao Distrito Federal, para legislar sobre:

“VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;” (BRASIL, 1998, online)

Trata-se de uma competência legislativa concorrente, contudo, cabe à União editar normas gerais e, aos Estados e Distrito Federal atuarem de forma suplementar, de acordo com o art. 24, §1º, da Lei Maior.

O presente estudo está adstrito para a competência material, voltada à proteção do meio ambiente. Farias et al (2015, p. 78) preceitua que:

“o regime jurídico federativo brasileiro é bastante complexo, inclusive em relação às competências em matéria ambiental. Estas se encontram repartidas entre os entes federativos. A finalidade é descentralizar a proteção ambiental e implementar um sistema que funcione de modo integrado.”

As competências em matéria ambiental se encontram divididas entre os entes federados com o objetivo de descentralizar a defesa ambiental, elaborando um mecanismo de tutela que funcione de maneira integrada, ou seja, a Constituição Federal atribuiu competência comum aos entes federados para que possam melhor proteger o meio ambiente, a fim de garantir equilíbrio na exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento sustentável e sadia qualidade de vida à população.

A competência material compete ao poder executivo, referindo-se ao poder-dever de agir baseado no poder de polícia, ao passo que, a competência legislativa relaciona-se com o poder-dever de legislar sobre assuntos de interesse coletivo. (FARIAS et al, 2015)

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Destarte, o Brasil adota um mecanismo complexo de distribuição de competências, em especial às ambientais, pois é possível notar que a intenção do legislador constituinte, ao atribuir competência comum material aos entes federados, foi de que atuassem em conjunto na fiscalização e preservação do meio ambiente.

1.2.1. Competência comum material

Atribui-se à competência comum material o exercício da atividade administrativa, especialmente ao poder polícia no tocante à matéria ambiental. O legislador constituinte, atribuiu conjuntamente a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a referida com o objetivo de executar procedimentos, políticas e princípios no tocante à proteção do meio ambiente, ou seja, não há intenção de separar a administração e tutela ambiental entre os entes federados, mas objetiva um caráter aglutinador e inclusivo entre eles.

Deste modo, considera a repartição de competência comum material, uma forma de cooperação entre os entes da federação, pois a tutela dos recursos naturais é mais eficaz se todos eles agirem de forma integrada. (THOMÉ, 2015)

Os regramentos da competência material ambiental estão previstos no art. 23 da Constituição Federal, da seguinte maneira:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

IlI – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural;

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;

IX- promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; (. .. )

XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. (BRASIL, 1998, online)

Nota-se que, o propósito do legislador constituinte ao deliberar sobre a competência comum material foi de que a proteção jurídica do meio ambiente não fosse realizada de forma falha. Porém, em razão dessa competência surgiram alguns conflitos. Neste sentido, Fiorillo (2012, p. 220) prescreve que: “o fato de a competência ser comum a todos os entes federados poderá tornar difícil a tarefa de discernir qual a norma administrativamais adequada a uma determinada situação”.

O alcance e limitações das competências dos órgãos ambientais não foram nitidamente delimitados, o que tem ocasionado embaraços e até constantes conflitos no desempenho de proteção ao meio ambiente, em razão da dificuldade de identificar qual ente federado deve regular tal situação, bem como, qual norma se adequa àquele caso. Constatando-se uma real sobreposição de competências, a ocasionar frequente delineamentos divergentes.

Porém, quando em razão dos conflitos houver dúvidas de qual norma administrativa aplicar, Fiorillo (2012, p. 220) preceitua que: “Os critérios que deverão ser verificados para tal análise são: a) o critério da preponderância do interesse; e b) o critério da colaboração (cooperação) entre os entes da Federação, conforme determina o já transcrito no parágrafo único do art. 23”.

Desta maneira, para a aplicação da norma administrativa deve se atentar aos interesses da coletividade, devendo os entes federados agirem conjuntamente, priorizando a norma que mais obedeça aos princípios constitucionais, efetivando o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente.

2. LICENCIAMENTO AMBIENTAL

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) foi de extrema relevância na história da tutela ambiental no país, pois mesmo após tantos anos da sua edição, as ideias, princípios, finalidades e mecanismos nela instituídos continuam vigentes e relevantes a proteção do meio ambiente, conforme segue:

“Art 2º – A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

III – planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;

IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;

V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;

VI – incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;

VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental;

VIII – recuperação de áreas degradadas; –1989/D97632.htm"(Regulamento)

IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação;

X – educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”. (BRASIL, 1981, online)

A finalidade principal da Política Nacional do Meio Ambiente é a preservação, regeneração e desenvolvimento da qualidade do meio ambiente natural, assegurando condições dignas para uma vida saudável, desenvolvimento sustentável e econômico, bem como estabelecer mecanismos voltados ao equilíbrio ambiental.

Assim, a referida lei visando viabilizar o cumprimento de suas finalidades estabeleceu diferentes instrumentos a serem utilizados pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Tais instrumentos possuem propriedades preventivas e repressivas, vez que para garantir o equilíbrio ecológico não é suficiente somente o emprego de precauções ulteriores aos danos ambientais, sendo necessária a utilização de técnicas de caráter preventivo que se aplicadas corretamente, minimizam os impactos ao meio ambiente e, talvez, impeçam-nas por completo. (NASCIMENTO, 2015)

A Lei 6.938/81 estabeleceu o licenciamento ambiental como um de seus instrumentos voltados à aplicação da Política Nacional do meio Ambiente: “Art 9º – São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: (…) IV – o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras”. (BRASIL, 1981, online)   

O licenciamento ambiental possui uma função relevante e imprescindível na aplicação da Política Nacional do Meio Ambiente, tendo em vista seu caráter preventivo, possibilitando o uso sustentável dos recursos naturais e, consequentemente, o desenvolvimento das atividades empresariais.

2.1. CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E FINALIDADE DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Considerando que o meio ambiente equilibrado é um direito fundamental de uso comum do povo que deve ser protegido, cabe ao poder público a sua direção e manejo, sendo necessários os meios de prevenção e proteção, dentre eles o Licenciamento Ambiental. (RODRIGUES, 2015)

A administração pública necessita de instrumentos que contribuam para a efetivação da proteção ao meio ambiente, com participação e cooperação da sociedade, analisando se as atividades potencialmente possíveis de degradação ambiental que os empreendimentos ambientais buscam implementar, ou que já estejam implementadas, estão sendo executadas de forma correta. Busca-se a análise de possíveis riscos que serão causados pela implantação de uma atividade, estabelecendo quais medidas serão tomadas como forma de compensação da degradação.

O Licenciamento ambiental é um procedimento administrativo que se processa em foro administrativo incumbido pelo controle ambiental, quer no âmbito federal, estadual ou municipal, objetivando a qualidade de vida dos detentores do direito a um meio ambiente sadio e equilibrado, por meio de um controle preliminar e um regular acompanhamento das ações humanas que possam causar danos ao meio, de forma que efetive a Política Nacional do Meio Ambiente. (FARIAS et al, 2015)

O art. 2º, I, da Lei Complementar 140, de 08 de dezembro de 2011, define licenciamento ambiental como: “(…) o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.” No mesmo sentido dispõe o art. 1º, inciso I, da Resolução CONAMA nº 237/97:

“Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operaçãode empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”. (BRASIL, 1997, online)

O licenciamento é uns dos meios mais importantes da tutela ambiental, efetivando a Política Nacional do Meio Ambiente e, exercendo o controle prévio de atividades que possam acarretar danos ao meio ambiente, impondo condições compensatórias aos empreendimentos capazes de causar riscos aos bens naturais, assegurando a qualidade de vida por meio deste controle sobre as atividades humanas prováveis de degradação ambiental.

Em razão de possuir natureza jurídica de procedimento administrativo, o licenciamento ambiental consiste em um conjunto de fases e formalidades delimitadas por leis ambientais, que devem ser obedecidas pelo requerente com a finalidade de que a Administração Pública conceda autorização para utilização do patrimônio ambiental. (THOMÉ, 2015)

A Resolução CONAMA 237/97 estabelece as fases e formalidades do procedimento de licenciamento:

“Art. 10 – O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas:

I – Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao início do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida;

II – Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade;

III – Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMAdos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias;

IV – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios;

V – Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente;

VI – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios;

VII – Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico;

VIII – Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade.” (BRASIL, 1997, online)

Neste escopo, o licenciamento ambiental não é um simples procedimento administrativo, é um conjunto de atos administrativos pautados no devido processo legal e nos princípios constitucionais que têm por objeto o estudo, a intervenção do poder público nas atividades efetivas e o potencial de desolação ambiental, as quais devem respeitar cada fase exigida no procedimento.

Ao concluir cada etapa do licenciamento ambiental, o ente administrativo responsável expedirá a licença ambiental que conforme o art. 1º, inciso II, da resolução CONAMA 237/97 é entendida como:

“ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.” (BRASIL, 1997, online)

É necessário que a parte interessada no licenciamento atenda a todas as etapas do procedimento a fim de que o órgão competente conceda licença ambiental para que os recursos de uso comum sejam utilizados de forma excepcional, estabelecendo condições para sua utilização, bem como medidas de recuperação em caso de ocorrência de danos.

Fiorillo (2012, p. 225) afirma que:

“o procedimento de licenciamento ambiental deverá ser elaborado de acordo com os princípios do devido processo legal, o que implica dizer que “dez aspectos principais estão ligados ao respeito pleno do dueprocess na área do EIA/RIMA: a) um órgão neutro; b) notificação adequada da ação proposta e de sua classe; c) oportunidade para a apresentação de objeções ao licenciamento; d) o direito de produzir e apresentar provas, aí incluindo-se o direito de apresentar testemunhas; e) o direito de conhecer a prova contrária; f) o direito de contraditar testemunhas; g) uma decisão baseada somente nos elementos constantes da prova produzida; h) o direito de se fazer representar; i) o direito à elaboração de autos escritos para o procedimento; j) o direito de receber do Estado auxílio técnico e financeiro; l) o direito a uma decisão escrita motivada”

Desta forma, o licenciamento ambiental tem como finalidades exercer o controle das ações efetivas e iminentes poluidoras, proteger o meio ambiente sadio e equilibrado e garantir a qualidade de vida da sociedade. Sendo necessário, este procedimento complexo de atos e exigências impostas pelo poder público, o qual deve observar princípios previstos no art. 37 da Constituição Federal, quais sejam: moralidade, legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Obstando, portanto, que o uso dos recursos naturais acarrete impactos negativos sobre o meio ambiente e coletividade. (FARIAS et al, 2015; FIORILLO, 2012)

2.2. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

A Constituição Federal em seu art. 225, caput, impõe que a administração pública e a sociedade têm o dever de intervir na proteção do meio ambiente, considerando a atual e futuras gerações. Em relação ao poder público, o licenciamento ambiental se destaca como o recurso mais importante de proteção aos recursos naturais, vez que são impostos requisitos e limitações ao exercício de ações considerando o potencial de impactos negativos ao meio ambiente. (FARIAS et al, 2015)

O inciso V do §1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece a atribuição de controlar tais ações, assegurando que compete ao poder público “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”. (BRASIL, 1988, online)

O legislador constituinte atribuiu um caráter preventivo objetivando que a análise seja voltada para que não ocorra danos, ou que sejam minimizados, vez que a constante utilização dos recursos poderá acarretar danos irreversíveis. Porém, é necessário que os empreendimentos se preocupem em evitar ou reduzir os possíveis danos ocasionados por suas atividades, por meio do gerenciamento de riscos.

Destarte, o sistema de licenciamento ambiental é um instrumento que visa a preservação do meio ambiente através do estudo e planejamento para funcionamento dos empreendimentos e atividades que possam ser danosos, limitando a livre iniciativa dos empreendedores, possibilitando a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento econômico e sustentável.

2.3. DAS LICENÇAS AMBIENTAIS

A licença ambiental é a permissão ou autorização concedida após o procedimento de licenciamento, para que alguém desenvolva atividade ou empreendimento que possa resultar impactos negativos sobre o meio ambiente. Nos termos da Resolução nº 237/97 do CONAMA, licença ambiental é compreendida como:

“ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental”. (BRASIL, 1997, online)

A licença ambiental é um ato vinculado, pois somente com o preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei a administração deve concedê-la. O empreendedor guarnecido da licença poderá exercer todas as atividades permitidas, atentando-se para o prazo de validade estipulado pelo órgão ambiental.

A referida licença somente é concedida quando atende às necessidades de cada fase da atividade ou empreendimento desenvolvido, levando em consideração a ordem evolutiva, qual seja: a) licença prévia; b) licença de instalação; c) licença de operação. (BARROS, 2008)

A Resolução do CONAMA nº 237/97, estabelece:

“Art. 8o O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:

I – Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;

II – Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;

III – Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.

Parágrafo único. As licenças ambientais poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade.

Art. 9o O CONAMA definirá, quando necessário, licenças ambientais específicas, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação”. (BRASIL, 1997, online)

O art. 18 da referida resolução estabelece os prazos de validade das licenças estipulando o prazo de até cinco anos para a licença prévia, não superior a seis anos para a licença de instalação e o prazo de validade da licença de operação no mínimo quatro anos e máximo de dez anos.

Na lição de Nascimento (2015, p. 45):

“Tal licença, porém, não é, em absoluto, dotada do caráter de imutabilidade e de irrevogabilidade que encerram tradicionalmente os atos administrativos vinculados. Ao contrário, não apenas deverá sempre ser anulada pelo órgão ambiental quando constatada eventual ilegalidade, como também poderá ser revogada por razões de conveniência e oportunidade, desde que fundamentadas no atendimento do interesse público a ser tutelado, ou seja, a proteção ambiental.”

Destarte, as licenças ambientais devem considerar às mudanças ecológicas, podendo ser anuladas ou revogadas pelos órgãos ambientais competentes para atender as necessidades públicas ou em caso de fatos supervenientes à sua expedição. Verificada a mutabilidade do equilíbrio do meio ambiente e em casos de predominante interesse público a licença ambiental deve ser cancelada, sobretudo porque os recursos naturais têm como destinatário primário o povo.

3. LEI COMPLEMENTAR Nº 140 DE 08 DE DEZEMBRO DE 2011

A Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, foi instituída a fim de regular a competência comum material prevista no art. 23 da Constituição Federal e, fixar normas de cooperação entre os entes federados, a fim de evitar sobreposição das atuações, conforme destaca sua ementa:

“Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do capute do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981”. (BRASIL, 2011, online)

Em seu artigo 3º, inciso I a V, a Lei Complementar nº 140/2011, anunciou ainda, como objetivos específicos dos entre federados no exercício da competência comum material, os que se seguem:

“I – proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente; 

II – garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais; 

III – harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente; 

IV – garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as peculiaridades regionais e locais.” (BRASIL, 2011, online)

Trata-se, portanto, de lei de caráter nacional que fora instituída para regulamentar a distribuição de competência entre os entes federados, com intuito de estabelecer um sistema cooperativo entre eles, dirimindo qualquer desconexão ou desentrosamento dos diversos órgãos responsáveis pela tutela ambiental.

Machado (2014, p. 318) preceitua que: “A Lei Complementar 140, de 8.12.2011, trata principalmente de dois temas: repartição das ações administrativas dos entes federados e o exercício do licenciamento ambiental.”

O art. 18 da referida lei determina que suas disposições apenas se aplicam aos processos de licenciamento e autorização ambiental abertos após ter entrado em vigor. (BRASIL, 2011, online)

No que tange ao licenciamento ambiental, mencionada lei estabelece categoricamente em seu art. 13, a instituição do licenciamento ambiental por um único ente federado: “Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar”. No entanto, tal preceituação não é novidade em nosso ordenamento jurídico, vez que a Resolução do CONAMA nº 237/97 estipula que: “os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência”. (BRASIL, 2011; 1997, online)

Estabeleceu ainda, no parágrafo 1º do art. 13 que: “Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental”. Porém, considerando que a manifestação é uma forma de cooperação entre os entes, a lei não preceitua como os entes interessados terão ciência do procedimento administrativo em curso, para manifestarem seu posicionamento, deixando de estabelecer regras importantes a respeito. (BRASIL, 2011, online)

Ademais, considerando que o país adota um sistema de cooperação entre os entes federados, podem existir interesses diversos e simultâneos, o ideal seria que o exame fosse conjunto, de forma vinculada, propiciando uma melhor análise sobre o empreendimento requerente da licença ou autorização.

3.1. REPARTIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS ENTRE OS ENTES FEDERADOS COM ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011

O grande objetivo da introdução da Lei Complementar 140/2011 foi regular a competência para a realização do Licenciamento Ambiental das atividades e empreendimentos passíveis de potencial de degradação ambiental.

Antes da promulgação da Lei Complementar, os diplomas legais que regulamentavam o licenciamento ambiental eram a Lei 6.938/81- Política Nacional do Meio Ambiente e Resolução CONAMA 237/97.

A Lei 6.938/81 elencava em seu art. 10 a competência ambiental, conforme segue:

“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente -SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

§ 1º -Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação.

§ 2º Nos casos e prazos previstos em resolução do CONAMA, o licenciamento de que trata este artigo dependerá de homologação do IBAMA.

§ 3º O órgão estadual do meio ambiente e o IBAMA, esta em caráter supletivo, poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidades pecuniárias cabíveis, determinar a redução das atividades geradoras de poluição, para manter as emissões gasosas, os efluentes líquidos e os resíduos sólidos dentro das condições e limites estipulados no licenciamento concedido.

§ 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis -IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.” (BRASIL, 1981, online)

Com a vigência da Lei Complementar, tal dispositivo e seu §1º foram modificados, revogando os parágrafos 2º, 3º e 4º:

“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental. (Redação dada pela Lei Complementar nº 140, de 2011)

§ 1o Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial, bem como em periódico regional ou local de grande circulação, ou em meio eletrônico de comunicação mantido pelo órgão ambiental competente”. (Redação dada pela Lei Complementar nº 140, de 2011) (BRASIL, 1981, online)

Nota-se que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis- IBAMA- possuía grande poder administrativo para a concessão de licença, bem como alto poder de fiscalizar os empreendimentos e atividades causadoras de impactos ambientais em todo âmbito nacional, atuando inclusive de forma supletiva junto ao órgão estadual e municipal. No entanto, tal competência para licenciamento junto aos órgãos estaduais foi retirada, concluindo-se que foi extraído um percentual considerável relativo à competência ambiental da União, por meio do IBAMA, perante aos Estados e Municípios. (CARVALHO, et al, online)

3.2.CRITÉRIOS E REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERADOS NA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 237/97 E APÓS LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011.

A resolução CONAMA nº 237/97 atribuiu competência à União para o licenciamento de empreendimentos ou atividades com capacidade significativa de impacto ao meio ambiente tanto no âmbito nacional quanto regional, nos seguintes casos:

“Art. 4o Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:

I – localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União.

II – localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;

III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados;

IV – destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN;

V – bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.

§ 1o O IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.

§ 2o O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com signifi cativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências”. (BRASIL, 1997, online)

Constata-se pelo dispositivo exposto que, o critério estabelecido para o licenciamento ambiental de atribuição da União funda-se no alcance e proporção dos impactos ambientais ao considerar as áreas por eles atingidas, pelos respectivos impactos, cabendo ao IBAMA exercer tal atribuição.

Nascimento, (2015, p. 90) em referência às competências atribuídas a União, preleciona que: “foram estipuladas com base no parâmetro de abrangência do significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, levando-se em conta, ainda, 3 (três) fatores específicos: (i) localização; (ii) tipologia; e (iii) dominialidade”.

Pelo critério tipologia, a Resolução atentou-se para o art. 21 da Constituição Federal, que atribuiu à União competência exclusiva em relação aos casos que abranjam energia nuclear, defesa e proteção nacional. O critério dominialidade, compreende os empreendimentos e atividades desenvolvidos no mar territorial, terras indígenas, plataforma continental e zona econômica exclusiva, consoante o art. 20 da Carta Magna. Já o critério localização, abrange as atividades e empreendimentos instalados, simultaneamente, no Brasil e num país fronteiriço, bem como quando envolvem dois ou mais Estados. (BRASIL, 1988, online; NASCIMENTO, 2015)

Por fim, no que tange à abrangência do impacto ambiental, critério predominante de atribuição de competência para o licenciamento ambiental na resolução, refere-se aos impactos resultantes das instalações de obras, atividades e empreendimentos.

Na Lei Complementar 140/2011, os atos administrativos da União se encontram elencados no art. 7º, cumprindo salientar o inciso XIV, que aponta taxativamente as atividades e empreendimentos que sujeitam ao licenciamento ambiental da competência da União, na seguinte forma:

“Art. 7o São ações administrativas da União: (…)

XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: 

a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; 

b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; 

c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; 

d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); 

e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; 

f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nHYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp97.htm"oHYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp97.htm" 97, de 9 de junho de 1999

g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou 

h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; -2018/2015/Decreto/D8437.htm"Regulamento” (BRASIL, 2011, online)

Diferentemente da resolução, a referida lei não adotou o critério de abrangência do impacto ambiental como pilar para a determinação de competência, dando maior importância à dimensão e extensão ambiental com base na tipologia, localização e dominialidade. (NASCIMENTO, 2015)

O critério dominialidade e tipologia, exceto a mencionada na alínea “h” do inciso XIV do referido dispositivo adotou as mesmas regras da resolução, observando os bens pertencentes à União conforme estabelecido pela Carta Magna.

A inovação se ateve ao critério localização que, ao dispor sobre a competência para o licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos instalados em unidades de conservação, afastou o sistema adotado pela resolução que abrangia todas as Unidades de Conservação de domínio da União, abrangendo somente as Unidades por ela instituídas, com exceção das Áreas de Preservação Ambiental. Cumpre ressaltar que, as Unidades de Conservação tratadas pela Lei Complementar são aquelas elencadas na Lei nº 9.985, de 18 julho de 2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação- SNUC- classificadas em Grupo de Proteção Integral[1] e Grupo de Uso Sustentável[2]. (NASCIMENTO, 2015)

Da previsão de licenças ambientais pela “tipologia” estabelecida pelo Poder Executivo, Machado, (2014, p. 187), afirma que:

“O estabelecimento da tipologia pelo Poder Executivo para o licenciamento ambiental (art. 7º, XIV, “h”) (…) violam o art. 170, parágrafo único, da Constituição, que diz: É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Nota-se a inconstitucionalidade do dispositivo, vez que afronta a autonomia administrativa dos entes federados, impossibilitando o livre exercício de atividade econômica, submetendo-os à criação de novos tipos de licenças não previstas em lei, mas criadas por Comissão Tripartite Nacional e Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Por outro lado, trata-se de uma norma em branco, pois esclareceu sobre a composição das comissões preceituando no §2º, do art. 4º, da referida lei que a Comissão Tripartite Nacional será constituída por representantes dos Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (BRASIL, 2011, online

Conforme exposto no capítulo 3.1, o IBAMA sofreu uma retirada considerável de competência para licenciar empreendimentos e atividades em virtude da abrangência do impacto ambiental, ainda que tenha capacidade poluidora de esfera nacional ou regional, sendo somente competente para licenciar as hipóteses mencionadas no art. 7º, inciso XIV, da Lei Complementar.

Aos Estados, a Resolução CONAMA atribuiu competência para o licenciamento das seguintes obras, atividades e empreendimentos:

“Art. 5o Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:

I – localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal;

II – localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2o da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais;

III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios;

IV – delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio.

Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento”. (BRASIL, 1997, online)

Infere-se do dispositivo que, o critério utilizado pela Resolução segue o padrão parecido com o utilizado para a distribuição de competência da União. No entanto, não foi adotado o critério tipologia, permanecendo os critérios de localização e abrangência dos impactos, posto que este último fora adotado como critério dominante na resolução.

A Lei Complementar ao estabelecer as competências dos Estados, também adotou o mesmo modelo de fixação de competência da União, sendo as seguintes atuações administrativas de incumbência dos Estados, de acordo com art. 8º, da citada norma:

“Art. 8o São ações administrativas dos Estados: (…)

XIV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7o e 9o

XV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); 

XVI – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em: 

a) florestas públicas estaduais ou unidades de conservação do Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); 

b) imóveis rurais, observadas as atribuições previstas no inciso XV do art. 7o; e 

c) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Estado”; (BRASIL, 2011, online)

Prontamente, nota-se que a Lei Complementar abrangeu o critério localização quando conferiu ao Estado o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em Unidades de Conservação, salvo as Áreas de Preservação Ambiental. Os critérios tipologia e dominialidade também foram adotados, além disso, foi atribuída ao Estado a competência residual, cabendo aos entes estaduais a fiscalização e licenciamento das atividades que não caibam à União ou Municípios. (NASCIMENTO, 2017)

Aos Municípios, a Resolução CONAMA nº 237/97, atribuiu competência para licenciamento da seguinte forma:

“Art. 6o Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio”. (BRASIL, 1997, online)

Na Lei Complementar nº 140/2011, a competência do Município e do Distrito Federal foi estabelecida da seguinte maneira:

“Art. 9o São ações administrativas dos Municípios: XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: 

a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou 

b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);” (BRASIL, 2011, online)

Por fim, atribuiu como competência do Distrito Federal as ações previstas no arts. 8º e 9º, conforme art. 10 da referida lei. (BRASIL, 2011, online)

Na Resolução CONAMA, foi atribuída a competência para o Município licenciar as obras, empreendimentos e atividades estabelecidas em seu território, cujo impacto ambiental não exceda seus limites.

Na Lei Complementar 140/2011, de início, nota-se que foi adotado o critério localização para o licenciamento ambiental, bem como o critério de abrangência do impacto ambiental. A inovação se ateve ao critério “tipologia”, o qual é altamente criticado pela doutrina em razão da violação aos arts. 18[3] “caput”, 23 inciso IV e, 170, parágrafo único da Constituição Federal.

Ao estabelecer que o Município será competente para licenciar atividade e empreendimentos passíveis de acarretar impacto de âmbito local, cuja tipologia será definida por Conselhos Estaduais, há uma certa hierarquia do Estado e subordinação do Município.

Os Municípios são detentores de autonomia e independência, não estando sujeito, em regra, à subordinação e condicionamentos de outros entes, tampouco de Conselho Estaduais de Meio Ambiente, que sequer gozam de personalidade jurídica própria. (HUMBERT, 2017)

De uma simples análise do art. 23 da Constituição Federal, verifica-se que o Município, bem como os demais entes federados possuem competência administrativa para promover o licenciamento ambiental e, consequentemente, expedir as devidas licenças ambientais.

Destarte, o art. 9, XIV, da Lei Complementar 140/2011, afronta a Constituição Federal, pois viola o pacto federativo, a autonomia dos entes federados, impossibilitando o poder-dever dos Municípios promover a tutela do meio ambiente, e o livre exercício de atividades econômicas.

4. PODER DE POLICIA AMBIENTAL

Estabelece o artigo 23 da Constituição Federal que: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…)VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (BRASIL, 1988, online) Neste escopo, todos os entes públicos integrantes da administração pública direta ou indireta tem a obrigação constitucional de exercerem o seu poder de polícia ambiental, em razão da competência comum material na proteção do meio ambiente, combatendo a degradação em todas as suas formas.

A definição de poder de polícia encontra previsão legal no art. 71 do Código Tributário Nacional, que diz:

“considera-se poder de polícia atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos” (BRASIL, 1966, online)

O poder de polícia é uma prerrogativa conferida à Administração Pública, que utiliza sua autoridade para limitar ou disciplinar direitos individuais na preservação do interesse público. Através do poder-dever, a administração pública impõe limites na atuação de atividades que possam gerar danos aos direitos e interesses coletivos.

Carvalho (2016, p. 125) afirma que poder de polícia “é o poder que a Administração tem de restringir o exercício de liberdades individuais e de restringir o uso, gozo e disposição da propriedade privada, sempre na busca do interesse público”. Este poder visa evitar o abuso dos direitos individuais em benefício da coletividade, utilizando-se para tanto, meios repressivos ou preventivos para que o direito particular não se sobreponha aos interesses coletivos.

Machado (2014, p. 384,) define o poder de polícia como:

“atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a pratica de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza”

A Carta Magna em seu art. 23, III, VI e VII, estabelece que a União, Estados e Municípios têm competência comum para exercerem o poder de polícia ambiental. No mesmo sentido, já se posicionava o art. 6º, da Lei 6.938/81, ao instituir o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, constituído pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, responsáveis pela proteção e melhoria do meio ambiente, sendo tal dispositivo amplamente recepcionado pela Constituição Federal.     

Um dos fundamentos principais do Poder de Polícia Ambiental é a predominância do interesse público sobre o privado, sendo obrigatório ao Poder Público e também à sociedade exercê-lo conforme imposto pela Carta Magna, constituindo, um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. (DAWALIBI, 2011)

4.1. MEIOS DE ATUAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL

O poder de polícia ambiental se manifesta por meio de atos administrativos, considerados atos de polícia, os quais mais frequentes são as licenças, autorização e fiscalização.

A fiscalização respalda-se na averiguação do uso dos recursos naturais ou o desempenho dos empreendimentos licenciados, aferindo se estão a cumprir com as exigências estabelecidas para o funcionamento. Cuida-se de poder de polícia em razão do caráter preventivo dos danos ocasionados pelo funcionamento das atividades e empreendimentos que agem em desarmonia com o interesse público. (DAWALIBI, 2011)

Outro meio de atuação importante é a imposição de sanções administrativas, tendo em vista seu poder de coerção que se manifesta por meio de penalidades administrativas estabelecidas em lei e aplicadas pelos agentes dos órgãos ambientais, em observância ao princípio da legalidade. (DAWALIBI, 2011)

4.2. CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL E LEI COMPLEMENTAR 140/2011.

Tratando-se de infração administrativa, a Lei 9.605/98, em seu art. 70, §1º e §3º, estabelece:

“Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.

§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade”. (BRASIL, 1998, online)

Tal dispositivo está de acordo com o estabelecido no art. 23 da Constituição Federal, determinando que são autoridades competentes para lavrar auto de infração, bem como instaurar processo administrativo todos os órgãos integrantes do SISNAMA.

Sobre tal competência, a Lei Complementar 140/2011 estabelece:

“Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada. (…)

§ 2o Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis. 

§ 3o O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.” (BRASIL, 2011, online

Da leitura do dispositivo infere-se que, as atividades ou empreendimentos utilizadores dos recursos naturais, quando efetivamente licenciados/autorizados, deverão ser fiscalizados pelo órgão ambiental que concedeu a licença ou autorização, considerando a regra do art. 11 da referida lei, que contempla o licenciamento por um único ente. Tal vinculação não é absoluta, conforme denota-se do §3º, do art. 17, o qual estabelece que os entes federados no exercício da competência comum poderão fiscalizar, prevalecendo o auto de infração lavrado pelo órgão competente pela licença ou autorização.

Embora o legislador infraconstitucional possibilitou a competência fiscalizatória de um ente para outro ente federado não responsável pelo licenciamento ou autorização, estabeleceu que o auto de infração que prevalecerá será do órgão que detenha tal atribuição.

Referida lei, disciplinou ainda, as atuações supletivas dos entes federados da seguinte forma:

“Art. 15. Os entes federativos devem atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, nas seguintes hipóteses: 

I – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado ou no Distrito Federal, a União deve desempenhar as ações administrativas estaduais ou distritais até a sua criação; 

II – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Município, o Estado deve desempenhar as ações administrativas municipais até a sua criação; e 

III – inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado e no Município, a União deve desempenhar as ações administrativas até a sua criação em um daqueles entes federativos”. (BRASIL, 2011, online)

Mesmo que a referida lei tenha delimitado sobre atuações dos órgãos ambientais, ainda ocorre diversos questionamentos acerca dessas atuações, como: o auto de infração expedido pelo órgão que primeiro autuou deverá ser arquivado?; qual norma deve prevalecer quando o art. 70, §3º colaciona que o órgão ambiental que tiver conhecimento deverá promover a apuração imediata através de processo administrativo próprio, enquanto o art. 17, §2º e §3º determina que o ente federativo que tiver conhecimento de iminência ou ocorrência de degradação ambiental deverá imediatamente comunicar o órgão competente ou em caso de autuação deverá prevalecer o auto de infração do órgão competente responsável pelo licenciamento?; quando um órgão atuando supletivamente concede licença e, quando da instituição do órgão competente este a julga inválida?

Tais questionamentos acarretam conflitos de competência entre os órgãos dos entes federados, podendo ocasionar prejuízos tanto ao poder público quanto para o empreendimento ou atividade que poderá ter sua obra embargada por anos em razão da sobreposição de competência dos referidos entes.

De outo modo, a substituição do auto de infração do órgão que primeiro constatou-a pelo auto de infração do órgão licenciador afronta aos arts. 23 e 225 da Constituição Federal, pois restringe a atuação dos órgãos ambientais no exercício de seu poder de polícia, transformando a competência comum dos entes federados em competência privativa.

Assim, da análise da Lei Complementar 140/2011, aparenta que houve uma restrição inconstitucional das atribuições da competência comum material na defesa do meio ambiente, posto que a competência fiscalizadora está vinculada à competência licenciadora, as quais devem acontecer em um único nível de competência, afrontando a autonomia dos entes federados, os quais deverão submeter-se aos órgãos competentes pelo licenciamento, atuando excepcionalmente em casos de urgência, devendo, ainda, comunicar imediatamente ao ente responsável para a adoção de medidas cabíveis.

4.3. AÇÃO DIRETA DE INSCONSTITUCIONALIDADE Nº 4757

A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASIBAMA) protocolou em 09 de abril de 2012, no Supremo Tribunal Federal, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei Complementar 140/2011, a qual ainda se encontra em sede de julgamento.

A ASIBAMA alega que a defesa do meio ambiente ficou prejudicada com o estabelecimento de competências privativas aos Estados, Distrito Federal e Municípios, que geralmente não estão preparados para ações de combate à degradação, impedindo atuações da União com retiradas significativas de atribuições.

Além disso, argumenta que a aprovação da LC 140/2011 afrontou o art. 65[4] da Constituição Federal, posto que as emendas apresentadas pelo Senado Federal em sede de projeto de lei teriam ocasionado alterações no projeto, devendo ter retornado à casa iniciadora.

Por fim, afirma que a aprovação da referida lei desrespeitou o art. 225 da Constituição Federal, pois viola o dever constitucional de cooperação dos entes federados, limitando suas competências fiscalizadoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A distribuição de competência dos entes federados suscitou por muitos anos, duvidas atinentes à competência constitucional comum material, ocasionando conflito de competência entre os órgãos ambientais. Tinha-se como premissa que a ausência de lei complementar regulamentadora da competência comum material acarretava conflitos entre os órgãos ambientais.

Desta forma, em 08 de dezembro de 2011, foi instituída a Lei Complementar 140/2011, que tem como objetivo regulamentar a competência comum material prevista no art. 23 da Constituição Federal e fixar normas de cooperação entre os entes federados, a evitar sobreposição das atuações. Contudo, os critérios adotados pela referida lei afrontam normas constitucionais.

A Lei Complementar estabeleceu a criação de novas de tipologias por Comissão Tripartite Nacional e Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) como critério para licenciamento ambiental no âmbito federal, o que afronta a autonomia administrativa dos entes federados impossibilitando o livre exercício de atividade econômica, submetendo-os à criação de novos tipos de licenças não previstas em lei. Doutro modo, trata-se de uma verdadeira norma em branco, não definiu sobre a composição das comissões. 

Outrossim, ao definir que o Município somente será competente para licenciar atividade e empreendimentos passíveis de ocasionar impactos de âmbito local, cuja tipologia será definida por Conselhos Estaduais, criou-se uma certa hierarquia do Estado e subordinação do Município violando o pacto federativo e autonomia do Município, impossibilitando seu poder-dever de promover a tutela do meio ambiente, bem como o livre exercício de atividades econômicas.

A atribuição de competência fiscalizadora, em um único nível, restringiu ainda, a atuação supletiva somente em casos de omissão ou incapacidade administrativa dos órgãos. Além disso, impede o exercício do poder de polícia atribuído a cada ente federado, transformando a competência comum dos entes federados em competência privativa.

Destarte, observa-se que a Lei Complementar ao estabelecer que os empreendimentos e atividades serão licenciados ou autorizados por um único ente federativo, não objetivou instrumentos de cooperação entre eles, mas sim, técnicas de atribuição de competência exclusiva a cada ente público.

A referida lei, ainda levantará inúmeras discussões e dúvidas acerca de sua eficácia e constitucionalidade, vez que não atende ao disposto no parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, pois devia criar instrumentos de cooperação entre os entes da federação, e não atribuição de competências exclusivas.

Doutro modo, contraria o pacto federativo, pois condiciona o Município à criação de critério de tipologias a serem estabelecidas por Conselhos Estaduais, que se quer gozam de personalidade jurídica própria, limitando, também, a atuação fiscalizadora dos demais entes da federação em um único nível de competência, só podendo exercê-la em casos de urgência, e após, comunicar imediatamente ao ente responsável pelo licenciamento, prevalecendo o auto de infração deste último, determinação que fere flagrantemente a competência constitucional comum material.

 

Referências
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Notas
[1] Art. 8o O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação:
I – Estação Ecológica;
II – Reserva Biológica;
III – Parque Nacional;
IV – Monumento Natural;
V – Refúgio de Vida Silvestre.

[2] Art. 14. Constituem o Grupo das Unidades de Uso Sustentável as seguintes categorias de unidade de conservação:
I – Área de Proteção Ambiental;
II – Área de Relevante Interesse Ecológico;
III – Floresta Nacional;
IV – Reserva Extrativista;
V – Reserva de Fauna;
VI – Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e
VII – Reserva Particular do Patrimônio Natural.

[3] Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

[4] Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.
Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.


Informações Sobre os Autores

Álvaro André Ferro

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Professor do Curso de Direito da Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB).

Taís Mascarenhas Bomfim

Acadêmica de Direito da Faculdade São Francisco de Barreiras- FASB


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