Conflitos socioambientais e retrocesso nos marcos legais brasileiros: o caso Parque Nacional da Serra do Gandarela, Região Metropolitana de Belo Horizonte – MG

Resumo: Apesar da mercantilização da natureza ter iniciado na Europa, os demais territórios nacionais emancipados do velho continente adotaram os mesmos padrões economicistas de desenvolvimento. Tal postura produtiva culminou em uma ampla crise com efeitos visíveis em nível global. Esta crise fez surgir movimentos tanto da sociedade civil organizada como das instituições de pesquisas culminando na criação de áreas protegidas. A partir disso, várias pesquisas desenvolvidas centraram seus esforços em preservar áreas naturais indispensáveis à sustentação da qualidade de vida e a manutenção da biodiversidade. Atualmente, muitas destas pesquisas direcionam suas discussões sobre a preservação dos recursos hídricos, já que a água é o bem natural imprescindível à continuidade da vida. Neste cenário conflituoso que também se encontra a região da Serra do Gandarela. A região possui notória importância em relação aos aquíferos e áreas de recarga ocasionadas pela dinâmica geológica. Além disso, soma-se positivamente a presença de espécies endêmicas como os campos ferruginosos, a formação geomorfológica, o patrimônio paleoambiental e cultural. Em oposição à conservação se assiste aos interesses minerários direcionados à extração do itabirito. A partir do cenário conflituoso entre interesses o presente trabalho apresenta considerações enfáticas sobre a necessidade de se criar um Parque Nacional na região da Serra do Gandarela em detrimento a mineração.

Palavras-chave: Unidades de Conservação. Mineração. Conflitos socioambientais. Serra do Gandarela.

Abstract: Although the commodification of nature began in Europe, the other emancipated national territories of the old continent adopted the same economic development patterns. Such a productive stance culminated in a broad crisis with visible effects at the global level. This crisis has given rise to movements from both organized civil society and research institutions culminating in the creation of protected areas. From this, several researches have focused their efforts on preserving the natural areas indispensable to sustain the quality of life and the maintenance of biodiversity. Currently, many of these researches direct their discussions about the preservation of water resources, since water is the natural good essential to the continuity of life. In this conflictive scenario the region of Serra do Gandarela is also found. The region has remarkable importance in relation to aquifers and recharge areas caused by geological dynamics. In addition, the presence of endemic species such as ferruginous fields, geomorphological formation, paleoenvironmental and cultural heritage is positively added. In opposition to the conservation, one observes the mining interests directed to the extraction of the itabirito. From the conflicting scenario between interests, the present work presents emphatic considerations about the need to create a National Park in the Serra do Gandarela region in detriment to mining.

Key words: Conservation units. Mining. Socio-environmental conflicts. Serra do Gandarela.

Sumário: Introdução; 1. Fraturas do paradigma economicista e a insurgência das reivindicações ambientais; 2. Histórico da relevância econômica da Serra do Gandarela; 3. Serra do Gandarela: parque nacional ou lavra mineral? Considerações Finais; Referências.

Introdução

Na contemporaneidade, a realização de pesquisas científicas direcionadas ao conservacionismo biológico busca preencher lacunas sobre o meio natural antes ignoradas nas sociedades produtivas. No entorno da capital mineira, por exemplo, existem mananciais inseridos em áreas naturais de extrema relevância para o abastecimento público que se encontram protegidas por legislação. Ao mesmo tempo, estão inseridas em áreas geológicas cobiçadas pelas grandes empresas minerárias, em decorrência das reservas de minérios de ferro, manganês, dentre outros minerais. O presente artigo busca entender a relação de conflito existente na região da Serra do Gandarela pautada na mineração versus conservação. De um lado, a postura das mineradoras ávidas pela autorização da extração mineral na sinclinal Gandarela, uma das maiores reservadas de itabirito do Quadrilátero Ferrífero (QF), denominação oficialmente dada à parte da região central de Minas Gerais, devido à relevância econômica ligada à mineração, sobretudo do ouro e do itabirito. Dentre as principais representantes se destaca a empresa Vale S/A com o projeto Apolo destinado a obtenção do maior volume de minério ano já registrado no Quadrilátero Ferrífero. Do outro lado, reivindicações das populações locais associadas a pesquisadores e ao Poder Público pela criação de um Parque Nacional e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável condizente com as atividades das comunidades locais.

Em audiências públicas ocorridas nos últimos anos as mineradoras sempre apresentam como sustentação aos projetos a questão econômica com ênfase a geração de renda para os municípios, compensações ambientais e principalmente criação de empregos. Cabe dizer que o discurso econômico possui grande peso entre as comunidades, sobretudo pela vocação mineratória da região e a falta de empregos alternativos que absorva de imediato o volume de mão de obra existente.

Em contrapartida, partes destas mesmas comunidades, organizadas em grupos, estão cientes sobre os valores ambientais, sociais e culturais atrelados à conservação da Serra do Gandarela e reivindicam sua manutenção. Destacam a importância do patrimônio geológico com formações litológicas ocorridas em diferentes épocas, a biodiversidade, a qualidade dos aquíferos, as formações de canga e, por ventura a evidência de espécies endêmicas nos campos rupestres.

O processo de reivindicação e participação da comunidade ao pedido formal da criação da unidade de conservação atribui a maior legitimidade ao processo, já que se percebe a vontade dos cidadãos em fazer valer os diretos adquiridos e garantidos pela Constituição. Este fato torna o movimento pela criação do parque diferente da maioria dos projetos de criação de unidades de conservação que são impostos cabendo às comunidades locais acatar as decisões.

Entendemos também a necessidade da conservação da área sobre a Serra do Gandarela, já que é uma das últimas áreas relativamente preservadas no Quadrilátero Ferrífero além de ser corredor ecológico da região com notável valor geoambiental. Tomando base nestas premissas, buscamos levantar quais os atributos presentes na Serra do Gandarela que por si só são plausíveis para a criação do parque em detrimento à mineração da área com formações de cavas e depósitos de rejeitos. Para tanto, buscou-se aporte em questões históricas atreladas a produção industrial com o uso da natureza como recurso e também o entendimento da epistemologia sobre áreas protegidas e sua adaptação à realidade brasileira, sobretudo em Minas Gerais.

1. Fraturas do paradigma economicista e a insurgência das reivindicações ambientais

Historicamente, os biomas foram percebidos pelo homem, sobretudo ocidental, como fonte de matéria-prima para as atividades humanas básicas (fins de abrigo e alimentação) e/ou secundárias (destinadas para a produção de riquezas).

Para Barcelos (2008) desde o século XVI a natureza é comercializada como uma mercadoria. Esta mercantilização não é recente, sendo sua maior efetividade a partir do fim do medievo com o ressurgimento das cidades europeias. As colônias do novo mundo foram dividas entre as potências econômicas de forma a garantir um estoque de matéria-prima que enriquecessem ainda mais as metrópoles. Evidentemente que a mercantilização da natureza culminou em uma crise mundial posterior à Revolução Industrial e seus efeitos foram visíveis em nível global quanto local.

Entre os efeitos ocasionados pela degradação da natureza e a produção em alta escala de bens industrializados, destacam-se as elevadas concentrações de poluentes no ar, água e solo; o aumento da temperatura global e a redução das áreas verdes nativas. Tais efeitos foram alguns dos acontecimentos que motivaram sociedades organizadas e as representações públicas a se mobilizarem para conter os níveis de degradação apresentados.

De acordo com Costa (2008) as críticas ao sistema produtivo adquiriram duas frentes discursivas. A primeira, preservacionista e biocêntrica, (anos de 1960 e 1970) que defende o afastamento do ser humano das áreas frágeis naturais e a segunda (enfatizado por vários autores a partir de meados da década de 1980) com uma mudança do enfoque/discurso voltado ao uso consciente dos recursos.

Apesar das políticas conservacionistas não apresentarem total efetivação em um nível desejável, destaca-se positivamente a criação das áreas protegidas objetivando a manutenção de áreas de relevância biológica. A nova abordagem ao fomentar a preservação de várias áreas em diversos países do mundo trazia à arena das discussões a tarefa de associar crescimento econômico com a preocupação da manutenção de espaços naturais.

A efetivação em âmbito nacional de categorias de áreas protegidas conhecidas como Unidades de Conservação (UC) ocorreu a partir de 2000 por meio do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) definido pela Lei Federal 9.985, dividindo as UCs em Unidades de Proteção Integral (UPI) e Unidades de Uso Sustentável (UUS).

A unidade de conservação (UC) é o principal instrumento legal do SNUC para a preservação em longo prazo da diversidade biológica no Brasil. Formalmente são espaços territoriais dotados de recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção da lei (Craveiro, 2008). O SNUC é um conjunto de diretrizes e procedimentos oficiais que possibilitam às esferas governamentais e à iniciativa privada a criação, implantação e gestão de unidades de conservação, sistematizando assim a preservação ambiental dos ecossistemas existentes.

A participação da sociedade na gestão das UC também é regulamentada pelo sistema, potencializando assim a relação entre o Estado, os cidadãos e o meio ambiente. O SNUC fornece mecanismos legais para a criação e a gestão de UC nas três esferas (federal, estadual e municipal) de governo e também pela iniciativa privada, possibilitando assim o desenvolvimento de estratégias conjuntas para as áreas naturais.

O SNUC prevê 12 (doze) categorias complementares de unidades de conservação, organizando-as de acordo com seus objetivos de manejo e tipos de uso em dois grandes grupos: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. As Unidades de Proteção Integral tem como objetivo básico a preservação da natureza, sendo admitido o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos na Lei do SNUC. São seis tipologias de UCs enquadradas nesta definição: Estação Ecológica; Monumento Natural; Parque; Refúgio de Vida Silvestre; Reserva Biológica. As Unidades de Uso Sustentável visam compatibilizar a conservação da natureza com o uso direto de parcela dos seus recursos naturais, ou seja, é aquele que permite a exploração do ambiente, porém mantendo a biodiversidade do local e os seus recursos renováveis. São oito tipologias de UCs enquadradas nesta definição: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Dentre as UUS, destacam-se as Áreas de Proteção Ambiental (APA) reconhecidas como áreas necessárias a conservação da diversidade biológica de espécies. Antes do surgimento do SNUC em 2000, em Minas Gerais, a preservação de áreas naturais data do início do século XX, quando da criação do parque estadual Rio Doce, assinado em 14 de julho de 1944. Porém no que se refere à proteção de áreas naturais estratégicas para o abastecimento público, apenas no final do século foi instituída a lei estadual nº 10793 de 02/07/1992 que dispôs sobre a proteção de mananciais no estado. Neste ensejo, instituiu-se em 1994, a APA Sul pelo Decreto Estadual nº 35.624, iniciativa com o intuito de regulamentar e controlar o uso dos recursos naturais no QF.

Na região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), grande parte da água consumida vem de áreas estratégicas inseridas dentro do Quadrilátero Ferrífero, geologicamente adaptadas ao confinamento da água nos aquíferos. O QF devido sua formação geológica apresenta complexa diversidade biológica em intenso processo de degradação devido os diferentes usos do solo, sobretudo para fins da mineração. Além da APA SUL, o Quadrilátero Ferrífero também possui Áreas de Proteção Especial (APE) que em sua maioria sobrepostas por outras unidades como forma de efetivação da proteção. Um exemplo extremamente válido é o parque estadual da serra do Rola Moça, criado em 1994 e que protege áreas perimetrais de cinco[1] dos nove mananciais públicos metropolitanos.

2. Histórico da relevância econômica da Serra do Gandarela

A região da Serra do Gandarela está localizada a sudeste de Belo Horizonte e abrange limites entre os municípios de Caeté, Nova Lima, Ouro Preto, Barão de Cocais, Santa Bárbara, Rio Acima, Raposos e Itabirito. A sinclinal é divisor de águas entre as bacias do Rio das Velhas e o Rio Piracicaba. Neste ensejo, o manancial aquífero da região é responsável por parte do abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). (ICMBio/MMA, 2010)

A Serra do Gandarela é uma das formações geológicas e morfológicas de grande expressividade pertencente ao QF. Barbosa (1985) complementa a definição da região destacando também os aspectos fisiográficos, geológicos e geoeconômicos que a diferencia em relação às áreas vizinhas.

A importância econômica da região do Quadrilátero Ferrífero condicionou a ocupação e organização social do interior da colônia. De acordo com Castro et all (2011), no século XVIII as bandeiras adentraram pelo território em busca de metais preciosos já descobertos em colônias espanholas.

“Os esforços portugueses do século XVI de conquistar riquezas minerais nas Américas, à semelhança do sucesso rápido que acontecera com os espanhóis no México, Peru e Bolívia, concentrou-se em duas estratégias: a procura incessante de acesso ao ouro e prata relatada pelos indígenas, em especial ao longo do Rio Paraguai e Amazonas e as investidas a esmo dos bandeirantes pelos sertões do Brasil centro-oriental. A história demonstrou que a segunda estratégia tornou-se bem sucedida”. (CASTRO et all, 2011)

Inicialmente, o ouro encontrado no QF foi o de aluvião que condicionou o surgimento dos primeiros povoados e caminhos próximos a cursos d’água. Não foi diferente para os primeiros assentamentos existentes na Serra do Gandarela, onde os primeiros achados deram origem aos arraiais, freguesias e vilas que originaram os municípios de Barão de Cocais, Caeté, Itabirito, Ouro Preto Rio Acima, e Santa Bárbara. O município de Raposos apesar de sua formação não ter iniciado na exploração do ouro esteve diretamente atrelado à atividade, já que foi um arraial responsável pelo abastecimento da região com o cultivo de feijão, arroz, mandioca e cana-de-açúcar. (PREFEITURA MUNICIPAL DE RAPOSOS, 2010)

Após a redução do ouro de aluvião extraído pelos bandeirantes, iniciou-se a extração com a formação de cavas nos locais com existência dos veios auríferos. O modo rudimentar com o uso de picaretas e bateias ainda garantiu aos desbravadores o aumento no volume anual do metal. Neste período também se iniciou a exploração do metal tanto pelos portugueses que viviam na colônia quanto aqueles vindos de Portugal para este fim. Tal fato foi o principal motivo de diversos conflitos armados, sendo um dos principais na região a Guerra dos Emboabas, conflito entre os bandeirantes vicentinos e portugueses. (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAETÉ, 2011)

Já no século XIX o ouro extraído pelos mineradores de forma manufaturada não supria o endividamento da Coroa. Assim, a corte aproveitando da manobra política de abertura comercial às nações amigas possibilitou a entrada de empresas mineradoras estrangeiras que garantiram a elevação do volume do metal. Castro et all (2011) enfatiza que os ciclos do ouro e do ferro com o desdobramento ao aço na atualidade se tornaram marcas incisivas do Quadrilátero Ferrífero. A decadência de um ciclo proporcionou os estudos de outro possibilitando a continuidade produtiva da região (figura 01).

Cabe destacar no gráfico abaixo três momentos marcantes: o primeiro a fase de transição entre o ciclo do ouro e do ferro devido à decadência aurífera; o segundo a elevação da extração de ferro com a entrada de empresas estrangeiras após a abertura ocasionada pela coroa portuguesa; já o terceiro a consideração no quadro espacial da degradação ambiental ocasionada pela atividade mineradora.

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Figura 01: Adaptado de CASTRO et all (2011). Entendendo a Mineração no Quadrilátero Ferrífero.

A principal mina de extração de ouro na região da Serra do Gandarela com investimentos estrangeiros foi a Mina do Gongo Soco já no século XIX. A extração do ouro iniciou com o Barão de Catas Altas, proprietário das terras, mas em 1824 a mina foi vendida a empresa Britânica Imperial Brazilian Mining Association.(IEPHA, 1995) De acordo com os arquivos do IEPHA (1995) entre os anos de 1826 a 1856 foram produzidos mais de 12 mil quilos de ouro na mina, contudo em 1856 apresentou grande decadência com um saldo anual de 29 quilos do metal. Neste mesmo ano de declínio a extração de ouro no Gongo soco foi abandonada. Em 1960, a empresa São Carlos Minérios de capital americano iniciou pesquisas sobre as formações ferríferas no Gongo Soco. Consequência disso, em 1989, a mina foi arrendada para a Mineração Socoimex Ltda. que instalou a lavra de minério de ferro.

No ano 2000 a Vale S/A adquiriu a mina do Gongo Soco e intensificou maciçamente a exploração do minério de ferro. Atualmente, ainda se extrai na mina, mas em menores proporções, fato este que condicionou a busca da Vale S/A por outras áreas na sinclinal Gandarela a serem exploradas futuramente como a Mina Apolo, projeto fomentado que ameaça a região. Se este empreendimento for autorizado, o QF perderá sua ultima área natural expressiva, cujo futuro está em processo de decisão: parque nacional ou lavra mineral?

3. Serra do Gandarela: parque nacional ou lavra mineral?

A região do Gandarela destaca-se por suas paisagens composta por relevos movimentados com formações de serras, escarpas e vales. A litologia associada aos processos intempéricos são os responsáveis pela escultura das formas, e formações dos solos. Também a dinâmica dos aquíferos está atrelada a litologia, já que a canga funciona como filtro de absorção da água e o armazenamento ocorre nos itabiritos e quartzitos. Carmo (2010) enfatiza que cerca de 40% das áreas restantes de canga do QF estão na Serra do Gandarela, fato este de extrema relevância para consolidação da proteção ambiental.

Também em relação à água o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela – MPSG (2012) destaca que o aquífero “abastece as mais de mil nascentes, dezenas de cachoeiras e diversos cursos d’água” com “cerca de 1,6 trilhões de litros de água potável” necessários para a manutenção da vida. O ICMBio (2010) também enfatiza a quantidade e a qualidade da água presente na região sendo classificada como Classe Especial e Classe Um. A Classe Especial é destinada ao abastecimento doméstico sem necessidade prévia de tratamento e as de Classe Um necessitam de tratamento primário com poucos investimentos.

As cangas além dos processos hidrológicos também possibilitam a formação de espécies endêmicas como os campos rupestres. Além disso, a área da proposta do parque conserva remanescentes de Mata Atlântica e do Cerrado, biomas com grande degradação no território nacional. Associado a flora também merece destaque fauna diversificada compostas por animais silvestres.

O patrimônio geológico da Serra do Gandarela é ligado a aspectos geológicos, estruturais e geomorfológicos. A presença de afloramentos, cangas lateríticas, cavernas, bacias de sedimentação e vales encaixados entre diferentes litologias são alguns legados dos registros geológicos e geomorfológicos presentes na região. Estes locais com significativo valor científico, pedagógico e turístico (geossítios) devem ser conservados por meio da geoconservação (NASCIMENTO et al, 2008)

De acordo com Sharples (2002) os principais objetivos da geoconservação ligam-se a: conservar e manter a geodiversidade; proteger a integridade de locais de grande relevância (geossítios); minimizar impactos; possibilitar conhecimento aos visitantes e contribuir com a manutenção da biodiversidade.

Assim, compreender o patrimônio geológico da Serra do Gandarela vai além do ideal de conservação. Torna-se também uma importante ação direcionada à percepção da dinâmica existente na paisagem. Neste sentido, o patrimônio geológico deve ser utilizado também para fins do conhecimento e contemplação.

A Serra do Gandarela é a última área de ecossistemas naturais de grande relevância e beleza cênica no entorno metropolitano é alvo nos últimos anos da mobilização popular em prol da criação do parque nacional, visando preservar um relevante patrimônio natural e cultural com vários elementos abióticos, bióticos e antrópicos, que por sua vez poderão fomentar novas perspectivas mais inclusivas.

A serra possui inestimável valor cultural ligado à época colonial com reatos da mineração, caminhos dos escravos e Estrada Real. Também se destaca pela presença das comunidades locais com os estilos de vida peculiar baseado no plantio de subsistência, coletas para artesanato e produção de mel.

A participação da população na reivindicação da criação do parque torna o movimento legítimo, pois solicitação partiu das pessoas que estão diretamente ligadas com as alterações espaciais que ocorrerão. Cientes disso, e das atribuições que competem a um parque esboçaram junto às entidades não governamentais e mesmo representantes públicos a proposta da Reserva de Desenvolvimento Sustentável em parte da área destinada inicialmente ao parque. Tal medida além de garantir a proteção efetiva da região não obstruiria as atividades locais dependentes diretamente das áreas naturais contribuindo também para a continuidade das atividades econômicas e culturais locais.

Ao observar a dinâmica do ambiente (interações geodinâmicas, formação de paisagens) e a interação e pressões dos diferentes atores sobre a mesma, percebe-se que possui grande potencial para o desenvolvimento de atividades e estudos programados extraclasse relativos a aspectos físicos, ecológicos e/ou sociais. Fonseca & Andrade (2013, p. 02) atestam que:

“Todavia, nem sempre um visitante ou estudante dominam assuntos relacionados à percepção e análise da paisagem, e, muitas vezes, os elementos naturais e culturais passam despercebidos. Com isso, o entendimento do valor do patrimônio existente fica confinado ao contexto teórico dos profissionais de áreas específicas como geografia, história, ecologia e geologia, dentre outras. Nesse sentido faz-se necessária a mobilização em prol da percepção da Serra do Gandarela como uma das áreas mais importantes de Minas Gerais por salvaguardar elementos naturais e culturais de extrema relevância.”

Com tamanho potencial que justificam sua preservação para as gerações futuras, atualmente, a serra do Gandarela passa por conflitos ligados a interesses particulares da mineração que se confrontam diretamente com interesses coletivos ligados à constituição de uma área de proteção integral. Última área de mata atlântica preservada no entorno metropolitano, em plena região do Quadrilátero Ferrífero, a serra tem sido alvo de disputa

“Um projeto de mineração em análise no local prevê̂ que, a partir de 2014, a mina produza cerca de vinte e quatro milhões de toneladas de minério de ferro por ano pelos próximos 35 anos. O projeto prevê também a construção de uma barragem de captação de água e acomodação de rejeitos. A cava gigantesca seria implantada exatamente no meio da área determinada para abrigar o Parque da Gandarela. Para que a mineração seja autorizada, no entanto, o projeto de extração ainda terá que passar por uma série de audiências públicas com as populações das cidades afetadas, direta e indiretamente”. (CENTRO DE ECOLOGIA INTEGRAL, 2011, p. 27).

Região de paisagens únicas com atributos e características naturais e culturais inenarráveis, segundo o Centro de Ecologia Integral, a Serra do Gandarela corre o risco de virar mais um grande empreendimento minerário, caso não seja transformada efetivamente em parque nacional.

“A mineração na serra da Gandarela preocupa ambientalistas já que grande parte das nascentes que alimentam a bacia do rio Paraopeba (grifo nosso…provavelmente os autores se referiram ao Rio Piracicaba) nascem ali, além de ser a única serra ainda sem minerações em toda área compreendida pelo Quadrilátero Ferrífero. No local, está a maior reserva de canga ferruginosa contínua do estado, com inúmeras espécies de plantas, insetos e anfíbios ainda não catalogados, algumas das quais endêmicas, ou seja, que só existem naquela região. A preservação da canga ferruginosa, bioma típico do Quadrilátero Ferrífero, cuja maior área contínua remanescente se localiza exatamente na área delimitada do possível parque, é outro ponto importante levantado pelos defensores da Gandarela. Por estarem associadas às jazidas de minério de ferro, as cangas estão criticamente ameaçadas"

Considerações Finais

É indiscutível pelos elementos listados que efetivo novos elos de manutenção da qualidade de vida através da criação e implantação da unidade de conservação. Dotada um potencial turístico com paisagens geológicas, geomorfológicas, culturais, arqueológicas, ecológicas, sua efetivação como unidade de conservação não somente preservará uma das últimas áreas verdes da região, como garantirá acesso à água potável de qualidade para as populações, evitando que os atuais mananciais entrem em colapso.

Contudo, sua importância socioambiental transcende essa discussão. É necessário romper esse ciclo que associa Minas Gerais apenas à mineração: Minas é natureza, cultura, diversidade, acolhimento. Essa opção dos mineiros ficará claramente demarcada com a preservação ou destruição da Serra do Gandarela. Há um patrimônio natural (geológico, ecológico), histórico (antropológico, arqueológico) e cultural (pedagógico, científico) com um futuro a ser decidido. Ressaltando não somente sua importância e potencial turístico, ecológico e cultural, vale ressaltar novamente sua relevância no que se refere ao abastecimento público futuro da capital mineira e entorno. Lembrando que o inciso II do Art. 4º da já citada lei estadual nº 10793/1992 veda a instalação projetos ou empreendimentos ligados à atividade extrativa vegetal ou mineral, nas bacias de mananciais, evitando comprometer os padrões mínimos de qualidade das águas.

 

Referências
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CASTRO, Paulo de Tarso Amorim; JÚNIOR, Hermínio Arias Nalini & LIMA, Hernani Mota de. Entendendo a mineração no Quadrilátero Ferrífero. 1º edição. Belo HorizonteMG: Ecológico, 2011.
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COSTA, Heloísa Soares de Moura. Meio Ambiente e Desenvolvimento. Um convite à Leitura in Saberes ambientais: desafios para o conhecimento disciplinar. Cássio Eduardo Viana Issa (org.). Belo HorizonteMG: UFMG, 2008.
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CRAVEIRO, Juliana Rodrigues Venturi. CARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: referências sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da natureza. In: SIMPÓSIO DE PÓS-GRADUAÇÃOA EM GEOGRAFIA DO ESTADO DE SÃO PAULO disponível em http://www.rc.unesp.br/igce/simpgeo/1061-1075juliana.pdf. Acesso em 20. Mai. 2013
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Notas
[1] APE Bálsamo/Rola Moça, APE Barreiro, APE Catarina, APE Mutuca, APE Taboões. APE é área de Proteção Especial, nomenclatura legalmente instituída para proteção de mananciais.


Informações Sobre os Autores

Vagner Luciano de Andrade

Bacharel/Licenciado em Geografia e Análise Ambiental pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH e pós-graduado em Administração Escolar, Orientação Educacional e Supervisão Pedagógica, com linha de pesquisa na área de Ciências Sociais, Educação do Campo e Humanidades pela UNIASSELVI. Mestre em Direção e Consultoria Turística pela Universidad Europea Del Atlántico (Espanha)

Charles de Oliveira Fonseca

Bacharel em turismo pelo IGC-UFMG, mestre em Geografia e Análise Ambiental pelo IGC-UFMG, Cabo do Corpo de Bombeiros Militares do Estado de Minas Gerais – CBMMG


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