Resumo: O artigo cuida discutir e esclarecer melhor o que é “bem ambiental”, seus mais diversos conceitos adotados por muitos doutrinadores e classificações perante a Constituição Federal de 1988. Além disso, procura estabelecer o conceito adotado pela maioria doutrinária e o por que.
Palavras-chave: Constituição Federal. Bens Ambientais. Conceitos. Natureza jurídica.
Abstract: The article deals discuss and clarify what is "environmental good", its various concepts adopted by many scholars and ratings in the Federal Constitution of 1988. It also seeks to establish the concept adopted by most doctrinaire and why.
Sumário: Introdução. 1. Natureza Jurídica do “bem ambiental”. 1.1. Doutrinas acerca de “bem ambiental”. Conclusão.
Introdução
Sabe-se que os problemas ambientais não são novos, no entanto apenas recentemente, por volta das últimas décadas do século XX, foi possível notar preocupação de uma parcela da sociedade no que tange a corrente degradação que o meio ambiente vem sofrendo.
Muito embora os efeitos das mudanças climáticas sejam percebidos de maneira lenta durante todos esses anos de vida do homem na terra, percebe-se que, atualmente, as alterações têm ficado mais perceptíveis e mais fortes como, por exemplo, as mudanças drásticas de temperatura que os países vêm sofrendo, como também a formação de tornados e ciclones em ambientes que antes não se tinha registros de acontecimentos.
O “bem ambiental” passou a assumir grande relevância no meio jurídico, com o surgimento de diversas doutrinas, já que a nossa Constituição da República Federariva Brasileira de 1988, CRFB/88, em seu artigo 225, considerou como direito de todos poderem ter direito a um meio ambiente saudável.
Desta forma o presente artigo visa demonstrar os diversos caminhos adotados por muitos doutrinadores no que tange ao “bem ambiental” e sua natureza jurídica na CRFB/88.
Cabe registrar que a metodologia escolhida para ser usada no desenvolvimento do presente artigo será a dogmática-instrumental, realizada por meio da pesquisa bibliográfica e documental, uma vez que envolve o exame de livros, artigos doutrinários e legislações relacionadas ao tema proposto.
1. Natureza jurídica do “bem ambiental”
Fazendo um breve resume histórico acerca das legislações, para efeitos jurídicos, o art. 3º, I , da Lei n. 6.938/81, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, foi o primeiro diploma legal que tratou da matéria e conceituou o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influência e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Esse conceito legal, entretanto, restringe-se ao chamado ambiente natural. Sabe-se que existem outros tipos de ambiente que já são estudados pelos ambientalistas, esses tipos são chamados de categorias e podem ser eles: as cidades (ambiente artificial), as culturas e suas tradições (ambiente cultural) e o ambiente do trabalho.
Seguindo a conjuntura histórica, em 1985 temos a Lei nº 7.347, Lei da Ação Civil Pública que disciplinou, dentre outras questões, a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente.
Após o surgimento destas legislações o legislador resolveu colocar na Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 – CRFB/88 o meio ambiente como direito e dever de todos. O artigo nº 225 firmou o seguinte: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo–se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.
Assim, pode-se dizer que o acesso a um meio ambiente ecologicamente equilibrado não é só um direito, mas também um dever de todos, sendo que todos tem obrigação de defender o ambiente não só o Estado.
Por ser considerado um direito e um dever de todos manterem um meio ambiente equilibrado, surgiu em 1998 a Lei dos Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98, dando uma maior especificidade na tipificação penal das condutas. Desta forma, muitas condutas anteriormente capituladas apenas como contravenções penais, passaram a serem consideradas crimes ambientais.
Como se percebe, o artigo nº 225 da CRFB/88 pode ser considerado a matriz do Direito Ambiental Brasileiro, isso porque é por meio dele que o direito de um meio ambiente sadio foi elevado à categoria de direito fundamental e passou a servir de base para as normas ambientais atualmente existentes.
No entanto, considerando o disposto no enunciado do dispositivo constitucional acima citado, muitos doutrinadores entraram em confronto no que diz respeito a intenção que o constituinte de 1988 teve ao dizer acerca de “bem ambiental”, já que existiam apenas bem público (pertencentes ao Poder Público) e bem particular.
1.1. Doutrinas acerca de “bem ambiental”
Uma primeira corrente doutrinária, liderada pelo ilustre constitucionalista José Afonso da Silva, sustenta que o “bem ambiental” é um bem de interesse público, conforme se pode depreender da seguinte citação:
“A Constituição, no art. 225, declara que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Veja-se que o objeto do direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado. O direito que todos temos é à qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em um bem jurídico. A isso é que a Constituição define como bem de uso comum do povo, e essencial à sadia qualidade de vida. Teremos que fazer especificações depois, mas, de um modo geral, pode-se dizer que tudo isso significa que esses atributos do meio ambiente não podem ser de apropriação privada mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. Significa que o proprietário, seja pessoa pública ou particular, não pode dispor da qualidade do meio ambiente a seu bel-prazer, porque ela não integra a sua disponibilidade. Veremos, no entanto, que há elementos físicos do meio ambiente que também não são suscetíveis de apropriação privada, como o ar, a água, que são, já por si, bens de uso comum do povo. Por isso, como a qualidade ambiental, não são bens públicos nem particulares. São bens de interesse público, dotados de um regime jurídico especial, enquanto essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim de interesse coletivo.”[1]
Para ele, portanto, o “bem ambiental” deve ser considerado bem de uso comum do povo, ou seja, bem de interesse público dotado de regime jurídico especial, não sendo, portanto, nem público e nem particular, tendo como fim o interesse coletivo.
Segue o mesmo pensamento o doutrinador José Rubens Morato Leite, acreditando que o meio ambiente é considerado um macrobem, desde que sendo o meio ambiente um “conjunto de relações e interações que condicionam a vida em todas suas formas”.[2]
O doutrinador Rodolfo de Camargo Mancuso afirma, por sua vez, que o entendimento do que seja o interesse público, ou coletivo, é difícil e sutil. O doutrinador afirma que ao ouvir a expressão, em primeiro lugar, visualiza-se a figura do Estado, na qual comporta uma acepção política e outra jurídica. No entanto, não se pode confundir interesse público com a soma dos interesses particulares (…)”.[3]
Sendo assim, Mancuso explica que na acepção política o interesse público apresenta-se como uma arbitragem, na qual interesses particulares podem ser sacrificados tendo em vista o bem comum, e a acepção jurídica é compreendida de quem é a competência para tal arbitragem entre os interesses particulares. Portanto, interesse público necessita da presença do Estado-legislador e do Estado-administrador[4].
Por outro lado, o doutrinador Edis Milaré sustenta que o “bem ambiental” tem a natureza de direito público subjetivo, com base na Lei nº 6.938/81:
“Deveras, a Constituição define o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e lhe dá a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo a corresponsabilidade do Poder Público e do cidadão pela sua defesa e preservação (art. 225, caput)
Ao proclamar o meio ambiente como “bem de uso comum do povo” foi reconhecida a sua natureza de “direito público subjetivo”, vale dizer, exigível e exercitável em face do próprio Estado, que tem também a missão de protegê-lo.”[5]
É importante destacar, ainda, que de acordo com Edis Milaré o Direito Ambiental brasileiro ficou estabelecido como “o complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”. [6]
Diferente entendimento é o de Cristiane Derani. Ela classifica meio ambiente como patrimônio coletivo, isto é, de todos e que sua manutenção é imprescindível para o desenvolvimento do indivíduo como também da comunidade.[7]
Além dessas correntes, temos a que classifica o meio ambiente como um direito difuso. Nela encontramos, dentre outros doutrinadores, Toshio Mukai, Mauro Cappelleti, Luiz Filipe Colaço Antunes, Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Teresa Cristina de Deus.
Toshio Mukai compreende o meio ambiente como pluriindividual.[8], baseia-se, para isso, na teoria italiana sobre direitos difusos, dos autores como M. S. Giannini, Mauro Cappelleti e também Luís Filipe Colaço Antunes.
Celso Antônio Pacheco Fiorillo, afirma que o “bem ambiental” deve ser considerado um bem difuso, não sendo nem público e nem particular. Ele afirma isso alegando que a própria Constituição diz que o “bem ambiental” pertence a todos, assim como a tutela dele compete tanto ao Poder Público quanto à coletividade. Sua posição acabou recebendo grande adesão da por parte da doutrina. In verbis:
“O art. 225 da Constituição Federal, reitere-se, ao estabelecer a existência jurídica de um bem que se estrutura como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, configurou nova realidade jurídica, disciplinando bem que não é público, nem muito menos, particular.
Esse dispositivo fixa a existência de uma norma vinculada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reafirmando, ainda, que todos são titulares desse direito. Não se reporta a uma pessoa individualmente concebida, mas sim a uma coletividade de pessoas indefinidas, o que demarca um critério transindividual, em que não se determinam, de forma rigorosa, os titulares do direito.
O bem ambiental é, portanto, um bem de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, e, ainda, um bem essencial à qualidade de vida. Devemos frisar que uma vida saudável reclama a satisfação dos fundamentos democráticos de nossa Constituição Federal, entre eles, o da dignidade da pessoa humana, conforme dispõe o artigo 1º, III”.[9]
Ainda seguindo seu entendimento, o “bem ambiental” passa a ser qualquer bem desde que estruturado pelo somatório de dois aspectos, uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, com a finalidade de garantir a dignidade da pessoa humana.[10]
Fiorillo afirma, ainda, em sua tese, que o “bem ambiental” deve ser considerado bem difuso uma vez que a própria Constituição Federal de 1988 faz referência expressa a esta nova categoria de bem.
Seguindo o mesmo entendimento, Teresa Cristina de Deus manifesta-se acerca do tema, expressando sua opinião de que “bem ambiental” deve ser considerado como “bem difuso”, sem incluí-lo em uma mesma ordem de classificação com os bens públicos e privados, litteris:
“Finalmente, buscando respostas para as indagações apresentadas antes, raciocinamos da seguinte maneira: o bem ambiental constitucional é o meio ambiente equilibrado – seja o meio ambiente natural, artificial, cultural ou do trabalho – a que todos têm direito, por ser este bem essencial à vida com sadia qualidade, viabilizando a dignidade humana, que é um dos fundamentos de nossa república. Quando a Constituição Federal diz que o bem ambiental é de “uso comum do povo”, assim o faz justamente para enfatizar que todos têm direito a usufruir do proveito de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tal motivo o bem ambiental – a que todos têm direito – será invariavelmente objeto de conversão de apenas um tipo de interesse: o difuso. Entendemos, assim, que alguns bens jurídicos poderão ou não assumir a mesma natureza jurídica do bem ambiental constitucional, dependendo de tais bens serem ou não elementos fundamentais para a composição do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Conseqüentemente, quando um bem jurídico apresentar a natureza jurídica de bem ambiental, este automaticamente assumirá a natureza jurídica de bem difuso”.[11]
Por fim, o doutrinador Luís Filipe Colaço Antunes segue esta linha de entendimento sustentando que:
“A procedimentalização da tutela do interesse difuso ambiental deverá, em suma, significar, no momento de ordenar a aquisição, a ponderação e a hierarquização dos interesses coenvolvidos, uma tutela directa e teleológica, ontologicamente prevalecente sobre outros interesses-direitos em conflito.”[12]
Não entendendo da mesma forma, mas de maneira muito parecida, temos o doutrinador Luis Paulo Sirvinskas, afirmando que o “bem ambiental” não se enquadra nem como bem público, nem como privado. Acaba, assim, por defender a reclassificação dos bens em: “a) bens públicos (dominicais, especiais e quase-públicos); b) bens privados (de uso, de consumo e de produção); e c) bens ambientais (bens de uso comum do povo ou difuso)”[13]:
“O bem ambiental, por essa razão, não pode ser classificado nem como bem público nem como bem privado (art. 98 do CC de 2002). Trata-se de uma terceira categoria de bem, a qual se situa numa faixa intermediária entre o público e o privado, denominando-se bem difuso. Esse bem pertence a cada um e, ao mesmo tempo, a todos. Não há como identificar o seu titular, e o seu objeto é insuscetível de divisão. Cite-se, por exemplo, o ar.”[14]
Já para Paulo Affonso Leme Machado o “bem ambiental” deve ser considerado como bem de uso comum do povo, não sendo nem propriedade privada ou pública, mas reconhece que o Poder Público deve ser o seu gestor. Assim é o seu entendimento:
“A Constituição, em seu art. 225, deu uma nova dimensão ao conceito de meio ambiente como bem de uso comum do povo. Não elimina o conceito antigo, mas o amplia. Insere a função social e a função ambiental da propriedade (arts. 5º, XXIII, e 170, III e VI) como bases da gestão do meio ambiente, ultrapassando o conceito de propriedade privada e pública.
O Poder Público passa a figurar não como proprietários de bens ambientais – das águas e da fauna – , mas como um gestor ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão. A aceitação dessa concepção jurídica vai conduzir o Poder Público a melhor informar, a alargar a participação da sociedade civil na gestão dos bens ambientais e ater que prestar contas sobre a utilização dos bens “de uso comum do povo”, concretizando um “Estado Democrático e Ecológico de Direito” (arts. 1º,170 e 225).”[15]
Por fim, e em consonância com a maior parte da doutrina, o doutrinador Paulo de Bessa Antunes trabalha no sentido de não aceitar o modelo atual de propriedade, seja privado ou público, sob o fundamento que a partir da CRFB/88 surgiu um novo modelo, tratado como propriedade constitucional:
“O regime de propriedade, tradicionalmente, tem sido dividido em dois grandes grupos, a saber: (i) a propriedade privada e (ii) a propriedade pública. Entendo que, após o advento da Constituição de 1988, a dicotomia tradicional perdeu sentido, haja vista que a normatividade diretamente constitucional que incide sobre o tema é de tal ordem que o melhor é tratar da propriedade como propriedade constitucional, a qual terá aspectos mais marcadamente públicos ou privados, sem deixar de ser essencialmente constitucional.”[16]
Esse posicionamento de Paulo de Bessa Antunes, conclui que o modelo civilista adotado de que os bens devem ser divididos em público ou privado está entrando em desuso, especialmente no que se refere aos bens ambientais.
1.2. Doutrina majoritária
Grande parte da doutrina, portanto, pelo que se pode ver nos citados acima, aponta que seria necessário a criação de uma terceira categoria para enquadrar o bem ambiental, seja propriedade constitucional, bem difuso, bem coletivo ou de interesse público.
Pelo exposto, o que parece ser mais plausível é o chamado “bem difuso” e desta forma o “bem ambiental” pode ser material ou imaterial[17].
Não apenas os autores citados se manifestam a favor de classificar o “bem ambiental” como difuso. Rui Carvalho Piva, por sua vez, afirma que os “bens ambientais” são imateriais na medida em que constituem o direito à qualidade do meio ambiente, e não os próprios bens em si, tais como água, flora, patrimônio cultural, etc[18].
Piva deixa claro, portanto, que considera o “direito à qualidade do meio ambiente como bem ambiental e não o meio ambiente em si, ou os recursos capazes de proporcionar-lhe esta qualidade”.[19]
Desta forma, Rui Carvalho Piva, apoiado na doutrina de Fiorillo, sustenta que a Constituição da República criou um terceiro gênero de bem (difuso), de natureza jurídica (de uso comum do povo) inconfundível com os bens públicos e privados[20].
Cuida, portanto, o Direito Ambiental de um ramo do direito difuso ou de terceira geração, que tem como caraterísticas a transindividualidade, a indivisibilidade.
Fiorillo esclarece que é direito transindividual porque ultrapassa o limite da esfera de direitos e obrigações de cunho individual. Indivisível, porque não há como cindi-lo. Portanto, o “bem ambiental” trata-se de um objeto que, ao mesmo tempo, a todos pertence, mas ninguém em específico o possui. Possuem titulares indeterminados e interligados por circunstâncias de fato, porque não temos como precisar quais são os indivíduos afetados por ele[21].
Conclusão
Desta forma, cumpre dizer que o “bem ambiental”, previsto no art. 225 CRFB/88, é considerado pela maioria da doutrina como um bem de uso comum do povo e encontra-se. No entanto, não é aceitável admitir que ele pertença a classificação adotada pelo ordenamento civilista brasileiro (público ou privado), já que não existe titularidade prevista para o “bem ambiental”.
O entendimento majoritário adotado pela doutrina é de que o bem ambiental é um bem difuso e não pode ser classificado ao lado de bens públicos e privados uma vez que abrange a coletividade, tanto em seus direitos como deveres em sua manutenção.
A doutrina majoritária defende, portanto, que deve ser reelaborada a classificação dos bens para que existam três categorias quanto a titularidade – bens públicos, privados e difusos.
Informações Sobre o Autor
Keila de Oliveira Vasconcelos
Formada em direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Advogada. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera – Uniderp (Luis Flávio Gomes – LFG)