Sumário: Considerações iniciais; 1. Noção de Meio Ambiente; 1.1. Macrobem ambiental; 1.2 Microbem ambiental; 1.2.1 Patrimônio ambiental natural; 1.2.1.1 Atmosfera; 1.2.1.2 Água; 1.2.1.3 Solo; 1.2.1.4 Flora; 1.2.1.5 Fauna; 1.2.2 Patrimônio ambiental artificial e cultural; 2. Direito Ambiental como instrumento de proteção à vida; Conclusão; Referências Bibliográficas;
Resumo: O objeto do Direito Ambiental passou por uma profunda transformação no decorrer da evolução do movimento ambientalista até o estágio atual. À medida que o caráter multidisciplinar foi sedimentando-se como característica indissociável deste ramo do Direito, os valores tidos como base de toda a doutrina ambiental foram se alterando em um processo evolutivo típico de uma doutrina ainda em formação. O presente analisa a forma como o objeto do Direito Ambiental transcendeu o paradigma antropocêntrico para desenvolver ares biocêntricos. Não que a legislação brasileira comporte maiores digressões em tal sentido, apenas revela-se que o paradigma da natureza servil está sendo relativizado e que de forma efetiva pode-se comprovar que o meio ambiente natural já é protegido por seus próprios valores, e não apenas por viabilizar a via da espécie humana.
Palavras-chave: Objeto. Direito Ambiental. Antropocentrismo.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente tem por escopo a análise e definição do objeto do Direito Ambiental. Como é sabido, cada ramo do Direito possui um foco específico sobre uma problemática fática cujas interações e repercussões adquirem tamanha relevância a ponto de serem tratadas destacadamente pelos legisladores e, consequentemente, por toda a comunidade jurídica.
O Direito, como ciência social aplicada, possui a difícil tarefa de acompanhar o desenvolvimento social em todas as suas áreas, sempre buscando equipar e legitimar o Estado para dirimir eventuais conflitos oriundos da vida em sociedade. A atividade legiferante do Estado, que possui sua expressão máxima nos textos normativos, reflete a constante evolução do Direito e, juntamente com a atividade jurisdicional, constituem os pilares fundamentais da sociedade em tudo que concerne à noção de Direito e Justiça, justamente por atenderem à demanda do ente social possibilitando a atividade pacificadora do Poder Público. E, além disso, o que mais interessa ao presente, é esse binômio que, através de muita ponderação, define quais os bens jurídicos merecem proteção e, ainda mais, define o quão valorosos são tais bens.
Dentre os incontáveis bens jurídicos protegidos pelas legislações e princípios em todos os ordenamentos do mundo e, praticamente desde o início da vida humana civilizada, apenas um bem jurídico sempre foi constante e garantido com maior rigor: a vida. Os maiores estudiosos do Direito – em especial os jusnaturalistas – elevaram tal bem à sua maior expressão garantindo-o a todos os homens. O ser humano, obviamente, o cerne do Direito, teve sua existência garantida e protegida.
O desenvolvimento tecnológico da humanidade associado à explosão demográfica, originaram uma preocupação secundária para a manutenção da vida: a necessidade de proteção e garantia às condições mínimas para que o homem possa sobreviver. Essa preocupação, inicialmente totalmente especista e egoísta, estimulou pesquisas e influenciou a população mundial, dando origem à proteção ao meio ambiente e à sadia qualidade de vida. Dessa necessidade de se proteger o meio em que se vive, mesmo que dos próprios seres humanos, é que se desenvolveu toda a ciência do Direito Ambiental, tornando as interações entre homem e natureza, em uma visão simplista, merecedoras de atenção por si, e não apenas preocupações secundárias de origens mercadológicas.
É dessa forma que o Direito Ambiental nasceu e foi se estruturando concomitantemente com o crescimento do movimento ambientalista, até ser absolutamente sedimentado no ordenamento jurídico nacional com a Constituição Federal de 1988, a qual tornou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental, mesmo grupo de direitos em que consta o direito à vida. Fundamentalmente, poder-se-ia afirmar, acompanhando o raciocínio desenvolvido, que em última instância o objeto do Direito ambiental – objetivo maior do presente – seria à garantia da vida humana. Apenas subsidiariamente a garantia a todas as formas de vida essenciais à manutenção da vida humana no planeta seria protegida por sua finalidade servil.
O que se espera com o presente, contudo, é evidenciar que apesar de ser oriundo de uma preocupação egoística com a perpetuação da própria espécie, o Direito Ambiental evoluiu de tal modo a garantir proteção à vida em todas as suas formas. Mesmo que secundariamente face à presença humana. Não apenas como forma de garantir a vida humana, mas com o intuito de efetivamente proteger outras formas de vida, tornando o Direito Ambiental como instrumento de proteção à vida latu sensu; sendo, portanto, seu objeto, a vida em toda sua extensão.
Não pode, contudo, o Direito determinar a proteção de qualquer bem jurídico e se olvidar de estabelecer as formas e princípios básicos a serem obedecidos com tal finalidade. É possível vislumbrar a procedência dessa afirmação ao analisar o objeto do Direito Administrativa: a Administração Pública. O referido ramo do Direito não se resume a simplesmente conceituar o que se configura como órgãos e aparatos da Administração; vai mais longe e determina como deve ser a atividade administrativa através de regras e princípios norteadores.
O mesmo deve ser trazido à questão do Direito Ambiental; de nada adiantaria simplesmente definir o meio ambiente como bem jurídico se maiores digressões acerca de como trabalhar com as questões concernentes ao bem fossem simplesmente ignoradas pela legislação. Logo, o objeto do Direito Ambiental se divide na fixação do bem a ser protegido (a vida) com as formas de utilização saudável dos recursos englobados.
1. NOÇÃO DE MEIO AMBIENTE
Considerada por Celso Fiorillo (Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 2007, p.21) como “[…] um conceito jurídico indeterminado”, a expressão meio ambiente comporta uma infinitude de elementos ocasionando uma grande dificuldade na elaboração de seu conceito, a ponto de nem mesmo os especialistas conseguirem elaborar um em definitivo. Coube, portanto, à legislação brasileira (Lei 6.938/1981) elaborar seu próprio conceito:
“Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; […]”
Tal conceito, longe de satisfazer todas as aspirações doutrinárias especialmente por ser um tanto simplista e não deixar claro a presença do meio ambiente artificial e cultural, foi importante para estabelecer um parâmetro inicial, que seria alargado em 1988, com a nova Constituição Federal. Não que a Lei Maior traga uma nova definição em se corpo legal, mas carrega em si uma série de princípios e garantias que explicitam ser o meio ambiente algo bem mais complexo do que a definição legal, apesar do forte caráter patrimonial contido no artigo 225.
É possível observar o nível de complexidade contida na expressão meio ambiente, pelo excelente conceito trazido por Edis Milaré (2007, p. 111) citando Ávila Coimbra:
“[…] meio ambiente é o conjunto de elementos abióticos (físicos e químicos) e bióticos (flora e fauna), organizados em diferentes ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro das leis da natureza e de padrões de qualidade definidos.”
Através do conceito supra, se vê comportado dentro da expressão meio ambiente não apenas os aspectos naturais, condizentes com o os dizeres propalados pelo movimento ambientalista, mas também o homem como parte das interações e suas realizações. Hodiernamente, é indissociável da noção de meio ambiente as questões relativas ao meio ambiente artificial e cultural.
Tem-se, portanto, dois aspectos a serem considerados para uma concepção satisfatória de meio ambiente: a natureza em si e as realizações humanas. É por esse enfoque que pretende se avaliar o que realmente constitui o meio ambiente, objeto do Direito Ambiental.
A compreensão do objeto do Direito Ambiental está indissociavelmente atrelada à compreensão total de tudo o que se encerra dentro do conceito de meio ambiente, conforme singelamente demonstrado na explanação supra. Os conceitos legal e doutrinário de meio ambiente trabalhados, trazem à tona a complexidade da questão abordada pelo ramo do direito em estudo.
O conceito de meio ambiente, contudo, apenas adquiriu a relevância já destacada no momento em que foi transposto ao mundo jurídico e se tornou um bem a ser protegido. E, pela complexidade de seu significado, a doutrina tratou de criar uma forma de se proteger não apenas o amálgama de interações e elementos, mas também cada elemento individualmente considerado. Assim, dissociou-se o meio ambiente, enquanto bem jurídico em macrobem ambiental e microbem ambiental, os quais serão detalhados a seguir.
1.1 Macrobem ambiental
Por macrobem deve ser entendido o meio ambiente como um todo, em seu conceito mais profundo e adequado. O macrobem ambiental é, portanto, o conjunto de interações e elementos nos termos citados pelo conceito de Ávila Coimbra. O meio ambiente em sua máxima complexidade, em sua máxima extensão; todas as formas de vida interagindo entre si e com todas suas manifestações e criações.
A proteção do macrobem se dá em nível igualmente amplo com o de sua concepção; considera-se atentatório ao macrobem toda e qualquer ação que vitima o equilíbrio ecológico e, necessariamente, danifica o meio ambiente. Logo, quaisquer ecossistemas perturbados são exemplos de atividade destrutiva do macrobem ambiental. Mais do que isso, qualquer atividade atentatória à garantia da vida humana – conforme o enfoque antropocêntrista do direito brasileiro – é considerada como danosa ao macrobem, pois, em última instância, a noção de macrobem se confunde com tudo o que influencia diretamente a harmonia do meio ambiente.
1.2 Microbem ambiental
Ao contrário da visão condensada que comporta a definição de macrobem ambiental, microbem ambiental é todo e qualquer elemento constituinte e integrante do meio ambiente. Os microbens, ao interagirem, é que formam o meio ambiente e, consequentemente, o macrobem ambiental. Por serem individualmente considerados, muitos possuem tratamentos legislativos próprios, tornando-os verdadeiros bens ambientais individuais. Destaca-se a seguir os mais importantes, conforme classificação de Édis Milaré.
1.2.1 Patrimônio ambiental natural
1.2.1.1 Atmosfera
Atmosfera pode ser conceituada como uma camada de gases que envolve o planeta. No caso específico da Terra, cerca de 99% dessa camada é composta por oxigênio e nitrogênio. Academicamente, a atmosfera é dividida em diversas camadas conforme as variações de temperatura: troposfera onde ocorrem os fenômenos relacionados com o tempo; estratosfera caracterizada pelo acumulo de ozônio e absorção dos raios ultravioletas; mesosfera de baixíssima temperatura; termosfera que compreende a ionosfera composta por uma infinidade de íons criados a partir da radiação solar que incide nas moléculas de oxigênio e nitrogênio; e a exosfera, a qual se confunde com o espaço cósmico, sendo a parte mais externa da atmosfera.
As funções mais importantes da atmosfera são a de filtrar os raios solares nocivos, proteger a superfície planetária de fragmentos de astros que se dissipam, e, principalmente, o efeito estufa que é a capacidade que a atmosfera possui de manter as temperaturas constantes no planeta, possibilitando a existência de vida. Aliás, a vida no planeta depende da atmosfera não apenas pela temperatura, mas também pelo oxigênio.
Como pode se observar, a atmosfera é tema amplo, relevante para diversas áreas, interessando para o presente as questões concernentes a clima, tempo e qualidade do ar. Sob tal enfoque, a atmosfera mantém seu caráter que transcende o biológico e ecológico, mas permite a análise das interações constituintes do meio ambiente.
É impossível mensurar ou criar um mecanismo de valoração eficiente para o ar. Entretanto, nem seu perfil etéreo e indispensável para toda a vida deixa de submetê-lo a critérios econômicos, visto que a emissão de gases nocivos constitui um dos grandes desafios da sociedade industrializada.
A grande verdade é que o ar, apesar de influenciar diretamente na qualidade e no modo de vida das populações de inúmeras espécies, não é passível de apropriação pelo homem, restando a via reflexa para que haja a interação negativa. Logo, o estudo do ar fica atrelado ao estudo das formas de agressão e contaminação, através da emissão de gases tóxicos, especialmente pela atividade industrial, como já destacado e também pelos veículos automotores. E, tais gases não comprometem apenas o ar, mas também agridem a atmosfera em si.
A atmosfera comporta ainda considerações referentes ao clima e ao tempo, os quais diferem um do outro substancialmente, ao contrário do que se possa julgar em uma análise superficial. Tempo é o estado da atmosfera em determinado momento, é atual, e pode ser previsto pelos meteorologistas. Trata-se de uma situação, de uma análise do estado em que se encontra a atmosfera em curtos períodos de tempo. Já clima é um estudo bastante mais complexo, e envolve os vários estados de tempo de determinada região durante um longo período de tempo. Analisa-se a sucessão habitual do tempo. Clima é um estudo avançado do tempo de uma região. A definição do clima de uma região utiliza as médias de temperatura, precipitação e umidade do ar durante vários anos seguidos, sendo pacífico entre os especialistas o período de 30 anos de observação como satisfatório.
A relevância da atmosfera está justamente que uma vez em desarmonia, acarreta uma série de conseqüências catastróficas, como alterações climáticas as quais ocasionam furacões, tsunamis e outros fenômenos naturais; doenças respiratórias nos homens; enfraquecimento de ecossistemas inteiros; corrosão de construções, monumentos, etc., pelo acúmulo de partículas no ar; chuvas ácidas, redução da camada de ozônio que acarreta uma incidência nociva de radiação ultravioleta; exacerbação do efeito estufa ocasionando calor exagerado; entre diversas outras.
Felizmente, a atmosfera é o recurso natural, por assim dizer, que mais facilmente se reconstrói e se recompõe, por isso o ordenamento jurídico nacional implementou, através da Constituição Federal a obrigação a todas as esferas do Poder Público utilizarem-se de mecanismos para combater a poluição, inclusive atmosférica. Contudo, no âmbito infraconstitucional não há legislação tratando especificamente sobre o assunto, deixando-o a mercê unicamente das disposições constitucionais. Se o legislativo deixa a desejar nesse quesito, coube às esferas administrativas editarem, através do CONAMA, resoluções que instituíram diversos programas atuantes em tal seara. A Resolução CONAMA 05/1989 instituiu o Programa Nacional de Qualidade do Ar – PRONAR, o qual compreende o Programa Nacional de Controla da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE), o Programa Nacional de Poluição Industrial (PRONACOP) e o Programa Nacional de Avaliação Qualidade do Ar.
Diversas outras resoluções tratam sobre assuntos dessa área, assim como algumas legislações, tais como o Dec.-lei 1.413/1975, que dispõe sobre a poluição provocada por atividades industriais, determinando a adoção do zoneamento urbano, o que ensejou a Lei 6.803/1980 que trata justamente do zoneamento industrial.
1.2.1.2 Água
Considerada elemento constitutivo da vida, a água possui diversos papéis dentro dos ecossistemas, sendo acentuado seu papel na composição de inúmeros seres vivos, como o homem, por exemplo. Sua utilização se dá não apenas nos meios naturais, mas também em toda atividade industrial humana, bem como na vida doméstica. Fundamental também para a agricultura e geração de energia.
Face à tamanha a importância, coube ao Poder Público implementar a Política Nacional dos Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos através da Lei 9.433/1997. Antes do referido diploma, houve o Código de Águas (Dec. 24.643/1934), o qual possui alguns dispositivos ainda em vigor. Mais recentemente, mediante a Lei 9.984/2000, foi criada a Agência Nacional de Águas cujas atribuições incluem a supervisão, controle e avaliação das atividades direta e indiretamente relacionadas aos recursos hídricos, em especial no concernente ao cumprimento da legislação existente. Não apenas a água em si é protegida pela legislação pátria, também o ecossistema marinho compreendendo os seres vivos e todos seus os outros elementos constitutivos.
A União, por atribuição da Constituição Federal é o ente político que concentra o mais alto grau de proteção e regulamentação sobre a matéria, ressaltando a postura bastante lógica do legislador constituinte, visto que o bem em tela requer um enorme dispêndio de recursos para sua manutenção, sendo a União o ente mais capaz nesse aspecto. São propriedade da União, nos termos da CF/88, quaisquer correntes de água (sejam rio, lagos, etc.) que estejam em território de seu domínio, em mais de um Estado, ou que façam fronteira com outros países. Os Estados possuem apenas a propriedade das águas unicamente depositadas em seus territórios. E, aos Municípios, ente político de menor capacidade econômica, não foi atribuído qualquer domínio sobre rios e lagos.
No âmbito legislativo, a competência é privativa da União. Cabe aos Estados e aos Municípios apenas complementar a legislação federal através da competência concorrente para legislar sobre proteção e preservação do meio ambiente. A competência administrativa requer dos Estados a aplicação da legislação federal de modo a garantir o desenvolvimento sustentável no nível regional, estabelecendo as devidas restrições nos termos das peculiaridades do local.
1.2.1.3 Solo
O solo deve ser entendido pelo binômio recurso natural e espaço social. Enquanto recurso natural, o solo participa de quase todos os ecossistemas terrestres, e comporta todos os elementos necessários para que haja vida na superfície em um processo único e harmônico que mantém sua produtividade e capacidade de regeneração.
Sob o prisma de espaço social, representa uma das maiores interações entre os seres humanos e um recurso natural. Em todo espaço habitado pelo homem há uma interação com o solo; seja através da agricultura de subsistência das tribos indígenas ou através da construção de estradas e cidades. É, o solo, portanto, o microbem que mais sofreu degradação com a evolução da humanidade, especialmente nas questões concernentes à agricultura.
Em tal quadro, destaca-se no atual momento é a forma de utilização do solo. A necessidade de se procurar formas harmônicas de utilização do solo deve ocupar posição primordial em todas as áreas do conhecimento, de modo que se construa uma gestão ecologicamente correta, a fim de se respeitar as propriedades do referido recurso natural.
A proteção legal do solo no ordenamento jurídico brasileiro se dá principalmente pela disposições constitucionais respeito do tema, visto que na legislação infraconstitucional o solo é protegido mediante via reflexa de diplomas referentes à outros microbens e atividades, como o Código Florestal e a Política Agrícola Nacional (Lei 8.171/1991). O que se destaca efetivamente é o plano municipal que enfoca a questão do Plano Diretor, obrigatório para aqueles municípios cuja população ultrapassa 20 mil habitantes. Na prática, será o Município, através do Plano Diretor, que irá regular o uso do solo, com o adequado zoneamento urbanístico e ambiental.
Ainda referente ao uso do solo, tem-se as Leis 6.766/1979 que estabelece princípios gerais de ordenação do uso e ocupação do solo, e 6.803/1980 referente à instalação de indústrias. De suma importância, são as Resoluções do CONAMA 023/1996, 257/1999, 006/1991, 006/1988, 313/2002, 005/1993, 283/2001, 307/202 e 002/1991, as quais tratam de todas as formas de resíduos e suas destinações: lixões, aterros sanitários, etc.
Por fim, é imperativo mencionar a atividade de extração mineral, regida pelo Código de Mineração e pela Lei 9.055/1995, com regulamentação pelo Dec. 2.350/1997, a qual por ser necessariamente degradadora só pode ser exercida mediante rigorosos critérios técnicos e apresentação de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, nos termos do Dec. 97/632/1989. Ainda sobre o assunto, o CONAMA criou as resoluções 009/1990 e 010/1990 para estabelecer normas para o licenciamento da referida atividade.
1.2.1.4 Flora
A flora compreende em si um emaranhado de conceitos e expressões comumente utilizadas como sinônimos, mas que, no entanto, possuem diferenças cabais. Deve ser entendido como flora o conjunto de espécies vegetais de determinada região, incluindo o ecossistema marinho e os fungos e bactérias.
Menos ampla que a noção de flora têm-se as expressões florestas e vegetação. As primeiras são grandes ecossistemas vegetais. Não se trata de toda a vegetação de um local específico, mas apenas um ecossistema em si. Já vegetação seria a formação vegetal que cobre determinado local; seu conjunto forma as florestas, pântanos e outros ecossistemas.
A flora comporta uma extensa gama de possibilidades de exploração econômica, seja através das plantas em si utilizadas como base para medicamentos e alimentos, ou para extração de borracha, utilização da madeira, e etc. A grande questão que deve ser abordado, contudo, não é regular apenas a utilização de recursos, mas sim a forma de gestão da flora. Os vegetais em sentido amplo são seres vivos cujo ciclo de vida e formação são mais amplamente compreendidos pelos especialistas, e esse conhecimento deve ser aplicado no sentido de mensurar contraprestações e contramedidas para compensar os ecossistemas violados em prol de atividades econômicas. Práticas como o reflorestamento devem ser obrigatórias, e não substituídas por prestações pecuniárias.
No âmbito legislativo, a Constituição Federal de 1988 tratou de dispor em seu art. 225, parágrafo 1º, VII, a necessidade de o Poder Público proteger a flora e manter sua função ecológica. Não deixou espaço para que a legislação infraconstitucional dispusesse de forma que a importância desses seres ficasse sujeita a interesses diversos. E foi mais longe, previu proteção a ecossistemas específicos, como a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica. Na esfera infraconstitucional, o Código Florestal, Lei 4771/1965, foi inteiramente recepcionado pela Lei Maior vigente, disciplinando, portanto todas as matérias referentes à proteção e utilização dos recursos vegetais.
1.2.1.5 Fauna
Sob o enfoque do presente, a fauna constitui o microbem mais importante no aspecto filosófico do objeto do Direito Ambiental, pelo simples fato de que a vida animal é a mais facilmente comparada à vida humana. E, através das medidas legislativas impostas com vistas à proteção da vida animal, pode-se traçar um paralelo evidente com a vida humana e, assim, reforçar a idéia de que o objeto do Direito Ambiental é a proteção à vida em um sentido amplo.
Conceitualmente, fauna compreende o conjunto de animais que habitam determinado local. Talvez seja uma visão simplista, visto que segundo os estudos zoológicos, a quantidade e variedade de espécies animais é comparável à variedade vegetal, contudo, serve para ilustrar perfeitamente de que se trata tal microbem. Sua importância reside especialmente no papel desempenhado nos ecossistemas. As espécies animais agem em consonância com os demais elementos naturais, servindo como agentes de equilíbrio da proliferação vegetal e de outras espécies animais. Nas interações com os seres humanos, os animais desempenham relevante papel na economia, através da alimentação, extração de couro, marfim, peles e etc. Contudo, o ritmo desenfreado de consumo somado à uma brutal crueldade submete os animais não apenas à satisfação das necessidades, mas à verdadeiras torturas com vistas à promoção de entretenimento e cultura.
Recentemente esse quadro vem sendo combatido com medidas de ordem legal e jurisdicional, no intuito de impedir o tratamento cruel da fauna. Os acórdãos a seguir transcritos, são casos emblemáticos da atividade dos Tribunais nesse sentido:
ADI-MC 1856/RJ – RIO DE JANEIRO. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 03/09/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. EMENTA: CONSTITUCIONAL. MEIO-AMBIENTE. ANIMAIS: PROTEÇÃO: CRUELDADE. “BRIGA DE GALOS”. I. – A Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar e disciplinar a realização de competições entre “galos combatentes”, autoriza e disciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a Constituição Federal não permite: C.F., art. 225, § 1º, VII. II. – Cautelar deferida, suspendendo-se a eficácia da Lei 2.895, de 20.03.98, do Estado do Rio de Janeiro.
RE 153531 / SC – SANTA CATARINA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK. Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 03/06/1997. Órgão Julgador: Segunda Turma. Ementa.
COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado “farra do boi”.
Em ambos os casos, o direito dos animais de não serem tratados de forma cruel foi tutelado pelo Órgão Jurisdicional, de forma a aplicar os preceitos constitucionais em detrimento da satisfação de interesses frívolos e cruéis dos grupos em questão. Tratam-se, evidentemente, de decisões marcantes, que estabeleceram um padrão de entendimento totalmente condizente com a Lei Maior, elevando o Direito Ambiental a uma categoria superior ao direito a manifestações culturais e, principalmente, estabelecendo um norte moral que deverá inspirar todos os aplicados do direito. Não é razoável divertir-se através da morte, não em um Estado que prega a vida como seu último bem.
A proteção à fauna, no ordenamento vigente, se inspira primordialmente, como já mencionado, na Constituição Federal, que estabelece não apenas a proteção, mas também a necessidade de se respeitar o papel ecológico dos animais. Nesse entendimento, destaca-se a proteção aos animais silvestres, face às graves e constantes ameaças que sofrem.
Estabelece ainda, a Lei Maior, a competência concorrente dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre caça e pesca, possuindo como limite o Código de Pesca (Dec.-lei 221/1967) e o Código de Caça (Lei 5.197/1967). Merece destaque ainda a Lei 9.605/1998, que na Seção I do Capítulo V trata dos atentados à fauna e estabelece sanções a serem aplicadas.
1.2.2 Patrimônio ambiental cultural e artificial
Originalmente, a concepção de meio ambiente encaminha para duas origens: meio ambiente natural e meio ambiente artificial. O primeiro como já visto, formado a partir de tudo o que se encontra naturalmente constituído na natureza. O segundo, compor-se-ia pela materialização da atividade humana, através da sua interação com os agentes naturais e com seus semelhantes. Contudo, a divisão doutrinária majoritária, aponta para uma forma diferente de se conceber a atuação humana, dividindo-a em meio ambiente artificial e meio ambiente cultural.
A Constituição Federal, em seu art. 216, estabeleceu a proteção a todos os bens que de alguma forma remetam à identidade, à memória e à ação de todos os grupos que formaram a sociedade brasileira. Assim, de uma forma geral, o Brasil foi culturalmente unificado, sendo todo e qualquer elemento cultural valorado da mesma forma, sem nenhum tipo de preferência ou distinção. E a identificação de bens culturais se dá através de um vínculo que remeta à essência de determinado grupo formador da sociedade brasileira.
A proteção do meio ambiente cultural está intimamente ligada à noção de sadia qualidade de vida, de forma a preservar a vida em toda sua complexidade que requer a manutenção da identidade e de todo o significado de um povo através de suas manifestações culturais.
O conceito de meio ambiente adotado no presente coloca o homem e suas interações com o meio natural como parte integrante do amálgama de interações que a expressão comporta, sendo lógico, portanto, que as realizações e construções do homem – verdadeiras materializações da atividade humana – constituam bens ambientais dignos de proteção a exemplo dos outros microbens.
Por meio ambiente artificial, deve ser entendido o espaço urbano construído, ou seja, as cidades, com todos os seus elementos, incluídos, portanto o espaço urbano fechado e os espaços abertos, como as praças. O patrimônio artificial possui relevância tão extremada, que seu estudo e disciplina ultrapassam os limites do Direito Ambiental e se alocam juntamente com outro ramo da ciência jurídica, o Direito Urbanístico.
De fato, o ambiente urbano comporta uma série de relações que precisam estar em efetivo equilibro para que a ordem se mantenha e todos seus elementos ajam dentro do papel esperado. Diferente dos ecossistemas naturais, o ambiente urbano não é capaz de absorver seus próprios resíduos, nem tampouco de existir sem afetar o meio ao seu redor.
O ambiente urbano é tutelado não como um todo, mas sim através de seus elementos. Várias legislações de ordem urbanísticas e ambientais incidem sobre o ambiente artificial, destacando-se no âmbito federal, além da Constituição Federal, a Lei 10.257/2000, a Lei 6.803/1980. Contudo é na esfera municipal que se verifica a maior relevância dos diplomas legais, através da edição do Plano Diretor respectivo.
2. DIREITO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO À VIDA
O meio ambiente como consta da definição supra, encontra o fundamento de sua proteção no caráter servil do meio natural, que serve como substrato à perpetuação da espécie humana. O desenvolvimento da espécie humana transcendeu a simples existência harmônica com os ecossistemas, para se revelar verdadeira presença artificial no meio natural. Diferentemente das outras espécies, os humanos possuem necessidades que exigem da natureza mais do que ela pode prover sem a devastação do equilíbrio ecológico. Não se pode afirmar categoricamente que os seres humanos não possuem uma função ecológica no macrobem, mas é evidente que as atividades humanas não são absorvidas pelo meio ambiente natural. Em função dessa quebra na harmonia, o homem se deparou com problemas em nunca antes enfrentados na natureza, como lixo e poluição.
O atual cenário, onde a finitude dos recursos naturais associada à noção dos danos ocasionados ao planeta, fez emergir o movimento ambientalista e, posteriormente, a preocupação global de órgãos governamentais e da sociedade civil, se deu por conta dos riscos da insustentabilidade da manutenção do modo de vida humano, sob pena de se efetuar tamanha degradação ambiental a ponto de se comprometer não apenas o modo de vida, mas também a sobrevivência da espécie.
A partir do cenário caótico de destruição planetária, a preocupação ambiental buscou fundamento em diversas áreas de conhecimento, tornando-se uma das mais multidisciplinares ciências jurídicas. Tudo, para se pode mensurar e compreender a magnitude do problema e a melhor forma de enfrenta-lo. Assim, surgem diversos conceitos e métodos para a proteção do meio ambiente em função da proteção à vida humana. A natureza passa a ser valorada não apenas por seu valor estético, onde a atividade contemplativa fundava sua proteção. Agora, o risco é a dizimação da humanidade.
Conceitos e valores moldam-se, levando à contestação do modo de vida humano. O paradigma do capitalismo versus sustentabilidade se solidifica a ponto de uma parte considerável da doutrina ambientalista apontar para a falência do conceito de desenvolvimento sustentável; face à impossibilidade de se permanecer em desenvolvimento como compreendido atualmente – ou seja, crescimento da economia pela expansão de mercado – combinado à proteção ambiental.
Paralelamente a esta seara, outra corrente filosófica passou a desenvolver-se, a qual questiona a supremacia da espécie humana. Ora, se o desempenho da função ecológica torna todas as espécies indispensáveis em seus respectivos ecossistemas, por que a espécie humana se eleva a um patamar inatingível e sujeita todas às demais espécies ao seu jugo? Tal questionamento cria a doutrina especista, a qual defende o tratamento igualitário entre as espécies. Com foco nos animais especialmente, a doutrina especista ataca a supremacia humana, e defende uma atuação menos agressiva para com as demais espécies. Instrumentos como a bioética se consolidam no meio acadêmico e avançam rumo sua implementação no cotidiano da sociedade.
A evolução de toda a doutrina multidisciplinar criada em torno da temática ambiental em seu momento atual, questiona o grande paradigma antropocêntrico. O homem é questionado como o fundamento da proteção à natureza; o meio ambiente deve ser protegido por seus próprios valores. Tal é o pensamento biocêntrico, onde a vida latu sensu é digna de proteção independente de sua utilidade, a exemplo do que se dá com a vida humana.
O biocêntrismo, contudo, ainda permanece no âmbito de discussões doutrinárias. A sua operacionalização esbarra em diversas possibilidades práticas ainda inconcebíveis, como seres vivos não humanos serem reconhecidos como sujeito de direito. Mas, no estágio atual, o que realmente importa é que os movimentos sociais, liderados por estudiosos vanguardistas da temática já foram capazes de construir uma argumentação sólida o suficiente para legitimar ética e moralmente o pensamento biocêntrico. Como conseqüência, o Direito já demonstra traços de tal pensamento em diplomas legais recentes, como a vedação de tortura a animais, além de decisões inspiradas dos tribunais do mundo inteiro no sentido de preservação da função ecológica das espécies. Assim, independente da quebra do paradigma antrocêntrico a sua simples flexibilização já transporta o objeto do Direito Ambiental para uma seara maior: a da proteção à vida, não apenas da vida humana.
CONCLUSÃO
A análise realizada com o presente delimitou em todas as suas particularidades, mesmo que de forma simplista, o objeto do Direito Ambiental, que em última instância é a preservação da vida. É, justamente com esse intuito, que a função ecológica dos recursos naturais deve ser colocada em primazia em face de todas suas outras funções, em especial por chocar-se com os ditames mercadológicos. A vida, como um todo, e em especial a humana, depende da harmonia e equilíbrio do macrobem, não sendo razoável crer que o objeto do Direito Ambiental pudesse ser outro.
Embora a legislação nacional e os Órgãos Jurisdicionais ainda caminhem lentamente rumo a uma concepção geral de vida a ser protegida, se for levado em consideração o início do movimento ambientalista com o estado atual dos aparatos legais, as expectativas são animadoras.
Não se pode mais afirmar que a vida em sentido ampla é tutelada apenas em efeito reflexo como garantia a perpetuação da espécie humana; o tratamento digno à fauna, e a submissão de paradigmas clássicos como o direito à propriedade ao combate a degradação são exemplos fortíssimos de que o Direito Ambiental está transcendendo o aspecto antropocêntrico.
A questão fundamental que se preocupava com o presente era o debate se o Direito Ambiental protege a natureza para benefício do homem ou se protege a natureza em função dela por si só. Não resta dúvida de que a natureza necessita de proteção por seu próprio valor, e mesmo se dissociada do homem, deveria ser protegida. Não é à toa que legislações remotas já protegiam o paisagismo, mesmo que para mera contemplação. Também não resta dúvida que o Direito Ambiental está equipado e possui base teórica para comportar essa proteção da natureza independente de sua natureza servil ao homem. Contudo, não é essa a veia interpretativa que predomina no ordenamento jurídico brasileiro; o qual não identifica a Constituição alargando a proteção à vida a todas as suas formas, independentemente consideradas.
O que se possui, é um ordenamento jurídico capaz de proteger toda forma de vida, pois, em última instância, toda vida influencia na sobrevivência do planeta e, consequentemente, na sobrevivência humana. Esse é o pensamento e a visão interpretativa das leis e da Constituição. Não há, entretanto, o que se lamentar; hoje, já é satisfatório poder proteger todas as formas de vida, mesmo que mediante vias reflexas. E hoje, já se pode afirmar que o objeto do Direito Ambiental é a proteção à vida em todas as suas formas. O caráter subsidiário pode denegrir um pouco o aspecto filosófico da proteção, mas a efetividade dela, que é o que realmente se objetiva está garantida. E, quem sabe, a evolução teórica possua a quebra desse tão dramático paradigma: o da natureza servil.
Informações Sobre o Autor
Jonas Guido Peres
Advogado (OAB/RS 74.392), pós-graduando em Direito Ambiental pela UFPEL