A Responsabilidade Civil do Advogado Perante Seu Cliente no Exercício da Profissão

Antônio Júnior Mendes Alves[1]

Kelly Nogueira da Silva[2]

 

RESUMO

O presente artigo objetivou executar uma análise referente a responsabilidade civil do advogado diante seu cliente. No desenvolvimento, que se incorreu por levantamento bibliográfico, tratou-se da conceituação da responsabilidade civil e seus respectivos pressupostos, que condizem a conduta humana (ação ou omissão), dano (material ou moral) e nexo de causalidade. Apontou-se considerações sobre a classificação da responsabilidade, segundo o enfoque de sua análise, que se dá de forma subjetiva, responsabilidade com culpa e objetiva, responsabilidade sem culpa. A relação advogado-cliente é estipulada inicialmente via mandato, que é uma das formas de contrato conjecturadas no Código Civil. Concerniu-se também, algumas situações que geram a responsabilidade do advogado para com o cliente: responsabilidade pelo extravio dos autos, quebra do dever de sigilo profissional e responsabilidade pela perda de uma chance. Assim, o advogado por exercer uma profissão de relevante cunho social, deve atuar com profissionalismo e ética. Contudo, caso incorra dano ao cliente, este deve ser responsável por sua reparação.

Palavras-chave: Advogado. Cliente. Responsabilidade Civil.

 

ABSTRACT: This article aimed to perform an analysis regarding the civil liability of the lawyer before his client. In development, which was incurred by bibliographic survey, it was the conceptualization of civil liability and its respective assumptions, which match the human conduct (action or omission), damage (material or moral) and causal link. Consideration was given to the classification of responsibility according to the focus of their analysis, which is subjective, responsible and blamed liability, responsibility without fault. The attorney-client relationship is initially stipulated by mandate, which is one of the forms of contract conjectured in the Civil Code. There were also some situations that generate the lawyer’s responsibility towards the client: responsibility for the loss of the case, breach of the duty of professional secrecy and responsibility for the loss of a chance. Thus, the lawyer for exercising a profession of relevant social nature, must act with professionalism and ethics. However, if damage is done to the customer, the customer must be responsible for its repair.

Keywords: Lawyer. Client. Civil responsability.

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Pressupostos gerais da Responsabilidade Civil, Conduta Humana, Dano: moral e material, Nexo de causalidade; 2. Da Responsabilidade Civil do Advogado, Da Natureza da Obrigação Assumida pelo Advogado, O Mandato e suas Responsabilidades; 3. Situações que geram a responsabilidade do advogado para com o cliente, Responsabilidade pelo extravio dos autos, Responsabilidade pela quebra do dever de sigilo profissional, Responsabilidade pela perda de uma chance; Considerações finais; Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

No convívio em sociedade, desde os primórdios, o homem para assegurar-se em seu convívio social, obteve a necessidade de compartilhar materiais e responsabilidades. Por consequência, surgiram os conflitos provenientes basicamente dos interesses comuns que eram incongruentes (CORREA, 2015).

Na era contemporânea, embora tenha ocorrido uma evolução da forma de resolução dos conflitos, eles ainda existem e são mais complexos do que os vivenciados pelas sociedades primitivas (LANA; FIUZA, 2018). Essa evolução culminou com a responsabilidade civil do agente causador do dano, a qual, no entanto, não permanece estática, exigida pelo dinamismo da própria sociedade, que se encontra na busca por direitos mais justos e eficientes (DINIZ, 2016).

Sob a perspectiva do Direito, a responsabilidade civil é uma das consequências da violação de um dever jurídico. Há Direito na medida em que existe uma conduta consistente em ação ou omissão a ser realizada pelo sujeito. Assim, a não adoção desta conduta devida revela-se como ilicitude, que pode ou não ocasionar danos (MIRAGEM, 2015).

Importante salientar que o Art. 32 do Estatuto da Advocacia estabelece de forma clara a responsabilização culposa do Advogado, ao determinar que: “o Advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”, (MATAMOROS, 2014).

Nesse sentido, segundo Araújo (2009), o advogado que não deferir para com seus deveres e obrigações poderá responder civil, penal e administrativamente, inclusive de forma cumulativa, incorrendo assim no dever de indenizar o dano causado ao seu cliente.

Em linha conexa com o já referido, para configurar a Responsabilidade Civil é necessária a comprovação da conduta ilícita, dos danos provenientes dessa conduta, que corresponde ao vínculo entre a conduta e o dano (CORREA, 2015).

Conforme Cavalieri (2010) afirma, as inferências para se impor ao advogado a obrigação de reparar um dano são, em regra, a ação ou omissão do mesmo, sua culpa, o dano experimentado pelo cliente e a relação de causalidade entre aquela ação ou omissão a este dano.

Portanto, visto que o advogado executa serviços de grande relevância para assegurar os direitos e garantias individuais dos cidadãos e dos grupos sociais, objetivou-se apresentar uma análise da responsabilidade civil do advogado por meio de atos praticados no exercício da profissão. Corroborando que, diante o cliente ele tem o dever de atuar com toda sua capacidade técnica, zelo, diligência e ética, visto que se constatado erro pela sua má atuação profissional há o dever de indenização ao mesmo.

 

  1. Pressupostos gerais da Responsabilidade Civil

Segundo Diniz (2016), define-se a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que imponham alguém a reparar dano moral ou patrimonial provocado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. Definição que corrobora, em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do risco, correspondente a responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva).

Já o Código Civil de 2002 não define categoricamente o termo Responsabilidade Civil, porém, quando o trata no Título IX, Capítulo I, prevê, em seu Art. 927 que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Do conceito mencionado primeiramente, afere-se que são duas as finalidades básicas da responsabilidade civil: a obrigação de indenização (reparo do dano), com objetivo de compensação da vítima pelo prejuízo recebido; e a punição do agente ofensor, assim, induzindo-o a não mais cometê-lo, sob pena de reparo (SOUZA; SANTOS, 2016).

Nesse âmbito, os tipos de responsabilidade mais comumente mencionadas correspondem a Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva (CARICAT; REIS, 2019).

No que condiz a Responsabilidade Subjetiva, Gonçalves (2012) relata que esta é fundada sob o conceito de culpa, deste modo, somente se provada a culpa do agente é que surge a necessidade de reparar o dano.

Contudo, essa noção clássica de culpa sofreu grande abrandamento por ser considerada insuficiente para atender aos problemas atuais.  Diante disso, a teoria da culpa foi sendo mitigada por outra construção jurídica, a teoria da Responsabilidade Civil Objetiva, fundada no risco (CARICAT; REIS, 2019).

A Responsabilidade objetiva desconsidera a culpabilidade, surgiu-se a ideia de culpa presumida sob o prisma do dever genérico de não prejudicar, o que afirma ser o sujeito responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda a diligencia para evitar o dano (LANA; FIUZA, 2018).

Ademais, para caracterizar a Responsabilidade Civil é necessária devida comprovação da conduta ilícita, dos danos provenientes dessa conduta, o que comprova o nexo de causalidade (associação entre conduta e dano), que segundo TARTUCE (2014):

“[…] os pressupostos para se impor a alguém a obrigação de reparar um dano são, em regra, a ação ou omissão do agente, sua culpa, o dano experimentado pela vítima e a relação de causalidade entre aquela ação ou omissão a este dano.”

 

1.1 Conduta Humana

Condizente ao primeiro elemento da responsabilidade Civil, a conduta refere-se à ação do agente causador do dano que através desta, provoca um ato ilícito ou inobservância de uma obrigação (COSTA, 2017). A conduta poderá ser negativa (omissão/abstenção) ou positiva (ação), segundo Gonçalves (2012).

Destaca-se deste modo, que o indivíduo responde somente pelos danos que causar, porquanto, segundo Cavalieri (2013) assegura:

“De regra, só responde pelo fato aquele que lhe dá causa, por conduta própria. É a responsabilidade direta, por fato próprio, cuja justificativa está no próprio princípio informador da teoria da reparação. A lei, todavia, algumas vezes faz emergir a responsabilidade do fato de outrem ou de terceiro, a quem o responsável está ligado, de algum modo, por um dever de guarda, vigilância e cuidado.”

Corroborando com o fato, Diniz (2010)  expõe que a ação é o ato humano caracterizado como: “O ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.

Acerca disto, o Tribunal Superior Federal elencou em uma decisão, o trancamento de ação penal contra assessor jurídico responsável por assinar parecer em processo licitatório com suspeita de fraude. Nesse sentido, o denunciado poderia ser responsabilizado criminalmente não pela pura emissão do parecer, mas pela sua participação ativa no esquema criminoso, de modo a se beneficiar dele. A jurisprudência da Corte, inclusive, foi firme no sentido de que o parecer puramente consultivo não gera responsabilização do seu autor. Ademais, é vedada a responsabilização penal objetiva, sem comprovação de dolo ou culpa (STF, 2019).

Deste modo, eventual responsabilização penal apenas se justifica em caso de indicação de circunstâncias concretas que o vinculem, subjetivamente, ao propósito delitivo (STF, 2019).

Portanto, a responsabilidade civil do advogado só pode ser instituída por conduta própria (COSTA, 2017). O dever de indenizar vai notabilizar-se no exame de transgressão ao dever de conduta que constitui o ato ilícito. Nesse âmbito, só haverá chance de indenização se o ato ilícito acarretar dano (VENOSA, 2015).

 

1.2 Dano: moral e material

Indistintamente da espécie, seja ela contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva, o dano é a premissa fundamental para sua configuração, pois, o ato ilícito somente reflete na esfera do Direito Civil se causar prejuízo a um indivíduo (CARICAT; REIS, 2019).

Considera-se dano, toda lesão ou destruição advinda de certo evento, o qual resultado, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral (TARTUCE, 2014).

Demais disso, é necessário que o dano (lesão) seja tangível, visto que não convém se indenizar prejuízo incerto, sendo também este por sua vez, subsistente (CAVALIERI, 2010).

Partindo desse pressuposto, o dano pode ser de vertente material ou moral. Contudo, independente do tipo (se material ou moral, ou ambos), dano é o que se configura como lesão aos interesses de outrem, seja este ocasionado de forma direta ou indireta pelo agente, fato que corresponde a responsabilidade civil direta ou indireta (GONÇALVES, 2012).

Nesse contexto, o dano material ou patrimonial, é o de maior vislumbre e de fácil mensuração, por tratar-se de uma lesão que afeta o patrimônio da vítima, seja reprimindo uma parte dele, reduzindo-o ou deteriorando o mesmo. É o dano passível de avaliação pecuniária (GONÇALVES, 2018).

Neste tipo de dano, o Art. 402 do Código Civil estabelece que são abrangidos o dano emergente (o que efetivamente se perdeu) e o lucro cessante (aquele que a vítima deixou de lucrar ou não pode ser acrescido em seu patrimônio, em função do dano causado).

Nesse diapasão, a fim de elucidar as afirmativas expostas condizentes aos danos materiais, apresenta-se o seguinte julgado:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS – DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO – CULPA COMPROVADA – NEXO CAUSAL PRESENTE – DANOS AO CLIENTE DEMONSTRADOS – SENTENÇA CONDENATÓRIA – MANUTENÇÃO. – O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa. – Demonstrado nos autos que o advogado deixou de cientificar o cliente acerca de decisão que lhe causou a condenação na multa do art. 475-J do CPC, correta é a sentença que o condenou a arcar com os prejuízos de ordem material experimentados pelo mandante. (TJ-MG – AC: 10145100644403001 MG, Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 21/02/2013, Câmaras Cíveis Isoladas / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/03/2013).

Já o dano moral é mais subjetivo, visto que consiste na compensação pela perda, dor ou incômodo ocasionado à vítima a partir do dano (VENOSA, 2010). É, por conseguinte, a indenização que tem caráter de satisfação e compensação à vítima e vale como pena pecuniária adicional para o agente. Normalmente, é de difícil mensuração (CORREA, 2015). Nessa conjectura, o seguinte julgado retrata tal situação.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO ALEGAÇÃO DE SUPOSTAS EXPRESSÕES OFENSIVAS EM PEÇAS PROCESSUAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDENCIA. MANUTENÇÃO. 1. Cuida-se de uma ação de indenizatória a qual o autor alega sofreu grave ofensa moral através da petição em autos de processo onde, na qualidade de advogado, defendia interesses do Sindicato, ora 1º réu. A sentença julgou improcedente o pedido, gerando o inconformismo da requerente. 2. O cerne da controvérsia é apurar se os termos usados pelos causídicos na petição mencionada pelo autor foram ou não ofensivos. 3. Como é cediço, a Constituição da República, em seu art. 133, consagra a importância do advogado na administração da justiça, conferindo-lhe inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. 4.Na verdade, compulsando os autos verifica-se que as expressões utilizadas na mencionada petição e reputadas como ofensivas decorreram do estrito exercício da advocacia pelo apelante e guardam nexo de causalidade com o objeto da discussão travada no processo 2007.800.118489-6. 5. Portanto, não se verifica dolo de caluniar, difamar ou injuriar o recorrido, não se podendo afirmar que a conduta do causídico tenha extrapolado os limites da lide. 6. Sentença mantida. 7. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ – APL: 00112191320088190038, Relator: Des(a). MÔNICA MARIA COSTA DI PIERO, Data de Julgamento: 27/06/2019, OITAVA CÂMARA CÍVEL).

Assim, por conseguinte, o dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio, danos hipotéticos. Sem danos ou interesse violado, patrimonial ou moral, não se consolida a indenização (VENOSA, 2015).

 

1.3 Nexo de causalidade

No que se refere a outro pressuposto da relação jurídica inerente à responsabilidade civil, o nexo de causalidade designa a relação naturalística entre estipulado comportamento do agente no qual se visa imputar responsabilidade e o dano sofrido pela vítima (GONÇALVES, 2018).

Deste modo, como regra, discerne-se como aplicável no direito brasileiro a teoria da causalidade adequada como aquela em que cabe ao aplicador do direito identificar a causa que, em função da sua possibilidade e probabilidade, mais se vincula ao dano (MIRAGEM, 2015).

Entretanto, essa relação de causalidade para efeito de precisão do responsável pelo dever de indenizar, por vezes não observa uniformidade de tratamento. Mesmo na jurisprudência, segundo Noronha (2010), é possível verificar tal situação, em que não há consenso quanto ao critério ou á teoria preeminente na definição da relação de causalidade.

Neste sentido, a jurisprudência com maior ou menos rigor, elege causas e imputa responsabilidade sob diversos parâmetros, particularmente mediante a combinação de causalidade adequada a partir de uma combinação negativa, a qual sugere como causa pertinente aquela que não é indiferente ao surgir do dano (GONÇALVES, 2018).

 

  1. Da Responsabilidade Civil do Advogado

Os advogados são profissionais do direito, cujas atividades estão regulamentadas na Lei 8.906/94 que criou o denominado Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. A referida lei estabelece a responsabilidade do advogado pelos atos, que no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa (PIETROSKI, 2013).

No exercício da sua profissão, o advogado é um prestador de serviços aos seus clientes, portanto, conforme expõe Matamoros (2014), na qualidade de profissional liberal, quando age por conta própria e assume o risco, é submetido aos princípios do Código do Consumidor, em especial o da boa-fé objetiva, da informação, da transparência, sigilo profissional e também subordinado às regras previstas no Código de Defesa ao Consumidor, consoante o art. 14, §4°, que dispõe: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. O Estatuto da Advocacia, pelo Art. 32, igualmente prevê a responsabilidade subjetiva do profissional.

No que se refere a responsabilidade civil do advogado, segundo o Código Civil de 2002, infere-se que ela é, na sua essência, contratual, mas com aporte subjetivo na culpa ou dolo (VASSILIEFF, 2006).

Em conexão com o anterior referido, o profissional no exercício da advocacia, por apresentar uma demanda de responsabilidade civil com fundo contratual, seja ela com fim nos meios ou resultado, no caso do processo judicial, decorre da violação de dever jurídico referente a contrato de mandato celebrado entre advogado e cliente (DINIZ, 2016).

Como um defensor dos direitos, liberdades e interesses legítimos de pessoas físicas e jurídicas, o advogado (público ou privado) deve cumprir suas funções seguindo princípios fundamentais: princípio da legalidade, princípio da liberdade, princípio da independência, princípio da autonomia e descentralização, e princípio da manutenção do segredo profissional (SOUZA; SANTOS, 2016).

As normas gerais de regência da responsabilidade civil do advogado, as quais obrigam-no a reparar um dano causado a outrem, no exercício de sua profissão, estão espalhadas por todo Direito Positivo Brasileiro (ARAÚJO, 2009).

Assim, pelas considerações aludidas para que se pretenda qualquer tipo de ressarcimento originário da conduta do advogado, é condição essencial a demonstração de sua conduta culposa, exatamente por se tratar de uma obrigação de meio e por haver expressa previsão legal, tanto no artigo 14 § 4º do Código de Defesa do Consumidor, como no Artigo 32 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, se exige do advogado habitual diligência e ética na condução dos negócios a ele confiados, uma vez que um equívoco poderá resultar em prejuízos para os clientes (CAVALIERI, 2010).

 

2.1 Da Natureza da Obrigação Assumida pelo Advogado

A relação advogado-cliente estipulada inicialmente via contrato, trata-se de um processo que vai desde a fase pré-contratual, esta decomposta em fase das negociações e da oferta, transitando à fase contratual distribuída em três fases menores: conclusão, eficácia e execução do contrato e encaminhando-se até a fase pós-contratual, na qual ainda restam obrigações aos contratantes (TARTUCE, 2014).

Conivente a isto, à que se acrescentar que o vínculo jurídico existente entre o cliente e o advogado é basicamente contratual. Logo, a quebra ou o não cumprimento destes resulta no rompimento do contrato. Consequentemente, surge o direito a indenização da parte atingida, mas provada a culpa civil do lesante, pelo lesado (COSTA, 2017).

Em consonância com o apresentado, o Código de Ética elaborado pela própria OAB normatiza como o advogado deve se posicionar perante o seu cliente, a exemplo de: informar de forma clara e inequívoca dos eventuais riscos daquela demanda; com a conclusão ou desistência da causa, o advogado permanece obrigado a devolver os bens, valores e documentos recebidos no exercício do mandato, assim como não pode abandonar os efeitos sem motivos justificados e comprovada ciência do constituinte (TAVARES, 2015).

 

2.2 O Mandato e suas Responsabilidades

A responsabilidade civil do advogado se respalda no mandato, que é uma das formas de contrato conjecturadas no Código Civil (Art. 653). O mandato judicial institui responsabilidade de natureza contratual do advogado diante seus clientes (GONÇALVES, 2012).

Sob tal prisma, este contrato de mandato judicial além da concepção de representação do cliente, infere-se também para prestação de serviços profissionais no patrocínio de seus interesses (SAMPAIO; RODRIGUES, 2014).

Neste âmbito, surgem-se obrigações para o mandatário, como o de proceder em nome do mandando com cautela e atenção, repassando-lhe as vantagens que alcançar em seu nome e, por fim, prestar-lhe contas dos atos praticados, pois, baseado no artigo 667 do Código Civil e por mérito do entendimento dos tribunais pátrios, o mandatário responderá pelos prejuízos causados em virtude do mau desempenho do mandato (CARICAT; REIS, 2019).

Assim, pautando-se no aludido, cabe ao cliente transferir a  documentação necessária a elucidação da demanda, prestar esclarecimentos necessários, indicar e identificar testemunhas, além de relatar com precisão a conjectura dos fatos; porquanto caberá ao advogado agrupar o material exposto pelo cliente e implementar a peça processual adequada, apresentá-la no prazo proposto em lei perante o órgão a que se destina e manter o cliente informado do andamento para que, assim, se realize a cooperação entre ambas as partes (GONÇALVES, 2018).

 

  1. Situações que geram a responsabilidade do advogado para com o cliente

3.1 Responsabilidade pelo extravio dos autos

O advogado, em sua atuação profissional, ao realizar o contrato com o cliente, pessoa física ou jurídica, incumbe-se de certas responsabilidades. Caso não sejam atendidas, pode-se gerar consequências para a parte contratante. Deste modo, umas dessas responsabilidades é condizente ao resguardo dos autos e documentos, estes por sua vez, indispensáveis para a formalização do processo (CORREA, 2015).

Conforme Matiello (2014) explicita, ao extraviar os autos, o advogado responderá pelos danos causados ao cliente e inclusive à parte adversa, visto que ao tê-los sob sua custódia aceitou o ônus de restituí-los intactos ao respectivo cartório.

Deste modo, considera-se extravio, a atividade culposa que leva à ausência de todo o processo ou parte dele. Não se considera ocorrido, se um terceiro furta ou rouba os autos, ou em caso de ocorrência de incêndio, enchente ou evento semelhante que, à insubordinação da vontade e das cautelas adotadas pelo profissional, acarreta em sua perda física ou deterioração (GONÇALVES, 2018).

A responsabilização civil não se dá só pelo fato do extravio, eis que para tal necessita-se de comprovar a ocorrência de danos ao constituinte ou opositor. Neste viés, o ônus da prova compete a quem o alega (COSTA, 2017).

Contudo, ao legitimar o extravio, mesmo que não haja o dano consequente, o advogado em que evidentemente estiver com os autos sob sua responsabilidade, será imputado administrativamente, segundo a Lei nº 8.906/94 em seu art. 34, inciso XXII, que remete a questão da retenção de autos processuais (MACEDO JUNIOR; COCCARO, 2012).

 

3.2 Responsabilidade pela quebra do dever de sigilo profissional

Cabe ao advogado, ao convencionar uma relação contratual com seu cliente, assumir deveres e obrigações, que geralmente estão clausuladas no corpo do contrato de prestação de serviços, mas embora não esteja, o sigilo profissional é uma obrigação pertinente do advogado para com o cliente de indiscutível relevância (MIRAGEM, 2015).

Sob tal conjectura, deve ser respeitado por imposição legal prevista, dentre outros dispositivos: na Constituição Federal, no Código Penal (Art. 154), no Estatuto da Ordem (Art. 34, inciso VII) e no Código de Ética e Disciplina (Art. 25 a 27), (CARICAT; REIS, 2019).

No que concerne o exposto, a Constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso XIV, relata que é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

Conforme Venosa (2015) aponta, a toda a sociedade convém a preservação do sigilo, para que haja maior segurança no trato das questões individuais, da qual repercussão coletiva é inegável. Deste modo, a confiança que o cliente deposita no advogado não pode ser quebrada, sob pena de se dissipar o próprio contrato.

Assim, mantém-se definido que se injustificadamente o profissional vier a romper o sigilo, ele estará praticando ilegalidade e responderá por danos no campo civil e até mesmo criminal (CP, Art. 154 e CPP, Art. 207), dependendo do caso, notoriamente.

Deste modo, se violado o direito do cliente quanto à preservação de informações, o advogado responde pelos danos matérias e morais ocasionados ao mesmo. Destaca-se dessa maneira, que a responsabilidade civil do advogado por quebra do sigilo profissional, para que seja caracterizada deve se adequar aos pressupostos da responsabilidade civil (TARTUCE, 2015).

Contudo, importante ressaltar que nem toda situação que iminentemente esteja exprimindo a quebra de sigilo, irá de fato resultar em responsabilidade.

 

3.3 Responsabilidade pela perda de uma chance

Esta responsabilidade consiste em uma teoria desenvolvida na França, na qual a vítima é indenizada pela perda da oportunidade de auferir uma vantagem ou de evitar um dano (AMARAL, 2015).

Por conseguinte, esta teoria, proveniente da doutrina francesa, visa a responsabilização do agente causador do dano em casos que não é possível afirmar, que na hipótese de que não houvesse a ação do agressor a vítima teria obtido um resultado mais favorável ou mesmo de evitar a ocorrência de um prejuízo (FURLAN, 2017).

Em consonância com o exposto, ressalta-se que, para ser caracterizada a perda de uma chance, é preciso que se mantenha evidente o caráter tangível da chance, de modo que se não houvesse a ocorrência do ato que desfez a sequência natural dos fatos a chance realmente existiria, como observa-se no mencionado seguinte:

“Para se falar em perda da chance, é preciso demonstrar que “está em curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade de vir a obter no futuro algo benéfico”, sendo de se provar, ainda, que “esse processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. A chance perdida integraria a esfera jurídica da vítima, não fosse o fato gerador da responsabilidade.” (SCHREIBER, 2013).

Com relação a jurisprudência brasileira sobre aplicabilidade da perda de uma chance, alguns Tribunais de Justiça começaram a empregá-la em casos em que não era possível asseveração de que o resultado esperado se confirmaria, nos quais era cabível a indenização pela supressão da possibilidade (OLIVEIRA, 2017).

Neste viés, esta responsabilidade não se limita a categoria de danos extrapatrimoniais, pois, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando anexa a percentuais apriorísticos (COSTA, 2017).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, diante do exposto, é indubitável que se exige dos advogados habitual diligência e ética na condução das premissas a ele confiados, uma vez que um erro poderá resultar em prejuízos para o cliente.

Pondera-se assim, que a responsabilização civil do advogado diante seu cliente por atos praticados no exercício da profissão deva persistir por uma questão necessária, alusiva ao dano injusto sofrido. Desta forma, amoldando-se a questão elencada dos elementos: ato (ação ou omissão), nexo causal e dano, se faz relevante a responsabilização.

Desta forma, aos advogados, só será imputado à obrigação de indenizar em casos em que propiciarem danos com culpa, necessitando ser apurados na responsabilidade subjetiva, uma vez que para haver a obrigação do dever de indenizar é fundamental o pressuposto da culpa na ação danosa. Sendo assim, pelo todo o exposto no transcorrer do trabalho e de acordo com o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, o advogado deverá ser responsabilizado civilmente por danos que causar aos seus clientes culposamente e dolosamente, por agir com negligência no exercício de sua profissão, devendo arcar com ônus indenizatório.

Por fim, o advogado deve buscar sempre a excelência na realização do seu serviço, para que os direitos do seu cliente estejam assegurados dentro do processo judicial.

 

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[1] Acadêmico de Direito. Faculdade Serra do Carmo (FASEC). Palmas, TO. E-mail: [email protected]

[2] Professora da Faculdade Serra do Carmo (FASEC). Palmas, TO. E-mail: [email protected].

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