A teoria objetiva da responsabilidade civil aplicada às concessionárias de serviço público de transporte coletivo

Resumo: A presente monografia incumbiu-se de estudar a teoria objetiva da responsabilidade civil aplicada às concessionárias de transporte público coletivo, sob a ótica do diploma civilista, em que pese faz-se necessária uma análise extensiva à Constituição Federal e ao Código de Defesa do Consumidor. De uma forma pragmática, o trabalho divide-se em basicamente duas partes com suas subdivisões: a primeira, estuda a teoria geral da responsabilidade civil; e a segunda, trata da parte específica da responsabilidade civil do transporte de pessoas. O objetivo do trabalho é contribuir para a contínua construção deste estudo científico, especialmente no que abrange a responsabilidade civil de pessoas no transporte público coletivo.[1]

Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Transporte Coletivo; Passageiros.

Abstract: This monograph undertook to study the objective theory of liability applied to public transportation utilities, from the perspective of civil law degree, despite it is necessary an extensive analysis to the Federal Constitution, the Consumer Protection Code. From a practical way, the work is divided into basically two pieces with their subdivisions: the first studies the general theory of liability and the second is the specific part of the civil liability of passenger transport. The objective is to contribute to the continued construction of this scientific study, especially in covering the liability of people on public transportation.

Keywords: Civil Responsibility; Collective Transportation; Passenger.

Sumário: Introdução. 1. Responsabilidade civil.1.1 Breve histórico. 1.2 Conceito de Responsabilidade Civil. 1.3 Pressupostos da Responsabilidade Civil. 1.3.1 Ação ou Omissão. 1.3.2 Dano. 1.3.3 Nexo de Causalidade. 1.3.4 Culpa. 1.4 Posicionamento na Teoria Geral do Direito quanto à Responsabilidade Civil. 1.5 Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual. 1.6 Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva. 2. Reponsabilidade civil do transportador de pessoas. 2.1 Considerações iniciais. 2.2 Histórico da responsabilidade do transportador no Brasil. 2.3 O tríplice aspecto da responsabilidade do transportador. 2.4 Contrato de transporte – Responsabilidade civil do transportador. 2.4.1 Aspectos gerais. 2.4.2 Classificações. 2.4.3 Caracteres. 2.4.4 Obrigações do transportador de pessoas. 2.4.5 Deveres do passageiro. 3. Responsabilidade do transportador. 3.1 Excludentes da responsabilidade do transportador. 3.1.1 Fatos exclusivos da vítima. 3.1.2 Fatos de terceiro. 3.1.3 Caso fortuito e força maior. 3.2 Análise jurisprudencial: Teoria Objetiva da Responsabilidade Civil aplicada às concessionárias de serviço público de transporte coletivo. 3.2.1 Responsabilidades das empresas de ônibus em relação aos empregados e usuários – assalto (Análise do caso). 3.2.2 Análise jurídica do caso. 3.2.3 Responsabilidade Civil das empresas de ônibus em relação aos empregados e usuários – arremesso de pedra contra ônibus (Análise do caso). 3.2.4 Análise jurídica do caso. 3.3 Responsabilidades Civil das empresas de ônibus em relação aos empregados e usuários – tiroteio envolvendo policial militar dentro de ônibus. Passageira baleada. (Análise do caso). 3.3.1 Análise jurídica do caso. 4. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Sob um olhar doutrinário e jurisprudencial, o presente trabalho toma como escopo a análise da Teoria Objetiva da Responsabilidade Civil Aplicada às Empresas Concessionárias de Serviço Público de Transporte Coletivo de Passageiros. Para tanto, em primeiro lugar, cabe uma sólida abordagem sobre a responsabilidade civil como um todo.

A partir de um tratamento histórico da responsabilidade civil, a qual se coaduna com os eventos que originaram o próprio direito civil, a responsabilidade civil alcançou inegável prestígio no campo prático e doutrinário no Direito moderno. Os primeiros registros de responsabilização decorrentes de danos causados se registram em uma área circunscrita aos interesses privados, todavia, posteriormente, tomou proporção nas mais variadas áreas do Direito Público, Contratual e Extracontratual.

 A doutrina jurídica aborda vários momentos em que é possível visualizar a parte histórica do tema. Todavia, tomou-se como os primeiros indícios de responsabilização por danos causados nos códigos de Manu e Hamurabi. Em especial o último, foi baseado na Lei de Talião. Dessa forma, buscava-se a punição levando em consideração o crime cometido, com o objetivo de resolver problemas nas áreas penais, administrativas, civis do reino da Babilônia, tratava de relações familiares, construção civil, agricultura, pecuária, de comércio, entre outras;

O Código de Manu apresenta uma abordagem de cunho reparatório e de caráter pecuniário. Uma “codificação indiana” do século II a.C., em seu artigo 695: “todos os médicos e cirurgiões que exercem mal a sua arte, merecem multa, ela deve ser do 1º grau para caso relativo a animais e, do 2º relativo ao homem”. Nesta pequena abordagem fica visível um anseio por reparação em pecúnia.

A história ainda perfaz uma fase, onde a vingança privada e coletiva era instintiva e violenta, com o anelo unicamente de provocar danos àquele que o lesou. A posteriori, o ser humano começou a desenvolver conceitos não mais dando espaço a reação física, mas criando teorias para visualizar algo mais conveniente: que seria a reparação pecuniária. Nesse espaço de tempo, deu-se início as primeiras teorias sobre a responsabilidade civil, era a teoria subjetiva da responsabilidade civil baseada na culpa do agente para sua caracterização.

Com o decorrer das décadas e surgimento das indústrias, dos ideais iluministas na Revolução Industrial e na Revolução Francesa, a Teoria Subjetiva da Responsabilidade Civil começou a ser pormenorizada ante a dificuldade de comprovar a culpa em variadas situações. Nesta esteira surgiu a Teoria Objetiva da Responsabilidade Civil com respaldo na Teoria do Risco, entendendo que a responsabilidade civil, em alguns casos, recairia sobre determinado agente, independente de culpa.

Demonstrou-se a responsabilidade civil como um todo, analisar-se-á a responsabilidade civil do transportador e dos elementos constitutivos do contrato de transporte. Nesta segunda fase também far-se-á o desdobramento e evolução histórica do contrato de transporte. Entende-se necessário uma explanação sobre as primeiras legislações ligadas ao tema bem como sua evolução histórica no Brasil.

O Decreto nº 2.681, de 1912, conhecido como “Lei das Estradas de Ferro”, em que pese tratar de questões próprias do transporte ferroviário, ampliou-se e de forma extensiva pela jurisprudência, foi aplicada aos demais transportes, vez que o Código Civil de 1916 omitiu-se sobre o tema. A responsabilidade civil objetiva já era mencionada nesse decreto, todavia, de forma errônea, a expressão “culpa presumida” foi mencionada. Conforme será tratado no presente trabalho.

A Constituição Federal de 1988 trouxe um avanço significativo ao tema, regulamentando a delegação dos serviços de transporte que trouxe em seu bojo a definição da Responsabilidade Objetiva do Poder Público bem como dos seus permissionários e concessionários com fulcro na teoria do risco administrativo. Essa temática não ficou restrita somente na CF/88, em seguida, o Código de Defesa do Consumidor reforçou a tese consubstanciada na Teoria da Responsabilidade Objetiva em razão da relação de consumo pactuada. Por fim, em 2002 o Código Civil consagrou em definitivo o Contrato de Transporte.

Em linhas finais, o presente trabalho deter-se-á à análise das excludentes da responsabilidade civil correlacionados aqueles danos provocados exclusivamente por terceiros, quer por culpa ou dolo, bem como o quantum indenizatório que acompanham as decisões em desfavor das empresas operadoras do serviço não tendo na sua conduta nenhuma responsabilidade, pois o agente foi um terceiro.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1. BREVE HISTÓRICO

A pacificação social é a essencial busca do direito desde os primórdios da atividade humana e dos fenômenos históricos e culturais. Em face desta busca, o instituto da responsabilidade civil percorreu variados solos culturais dando causa a modificações que, por si só, instauraram um processo evolutivo e modificativo deste instituto.

A busca por combater todo dano causado pelo ilícito sempre existiu no Direito. Em uma exegese, depreende-se que num primeiro momento de sua evolução histórica, visualizou-se a vingança coletiva. A Professora Maria Helena Diniz (1988) destaca que, quando ocorria uma agressão de um indivíduo de determinado grupo contra pessoa componente de outro grupo, imediatamente se gerava uma reação geral contra toda a coletividade da qual fazia parte o agressor, de forma totalmente irracional, muitas vezes dizimando completamente a outra “tribo”. Posteriormente há de se falar em um método primitivo agora não mais coletivo, mas na seara privada. Buscar a satisfação do dano pelas próprias mãos. Momento em que a reação da vítima caracterizava em causar danos ao agressor na maioria das vezes com ataques corporais.

Em Roma, o marco da responsabilidade civil relaciona-se ao período da vingança privada, apontando-se a partir deste momento a necessidade de organização de um poder público que regulamentasse formas de reparação de danos.

Ainda dentro deste contexto, fundamentado no princípio da Lei de Talião, da compensação do mal pelo mal, bem conhecido como “olho por olho, dente por dente”, desta forma, o poder público dominante ditava quando e como, a vítima teria direito a retaliação. Facultando-o, desta forma, o direito de lesar o agressor inicial. É salutar destacar que a distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal nesse período não se materializava, tudo era compreendido como “pena” imposta ao agressor.

A vingança privada ainda era visível, apesar de estar sob uma esteira do princípio instintivo e natural do ser humano, porém já era evidenciada uma forma de reparação.

Em continuidade a linha evolucionista da Responsabilidade Civil, dentro deste cenário surge o período de composição. Visualizou-se, portanto, que uma compensação pecuniária era por si satisfatória, como resposta ao dano causado. A partir deste viés, deu-se a divisão do delito público e privado, cabendo aquele a valoração do dano causado a ser restituído em “poena” ser mensurado pelo poder público dominante, e ao delito privado, caberia ao lesado determinar o quantum a ser reparado.

Sob a esteira evolutiva, observa-se uma evolução ainda dentro do campo extracontratual. É com a introdução da Lei Aquília em conformidade com os conceitos jus-romanísticos, que se observa uma evolução na temática. No direito romano esse diploma alcançou alto prestígio. A Lex Aquília, como bem elucida Silvio Venosa (2003, p.18/19):

“Foi um plesbicito aprovado provavelmente em fins do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens”.

A partir da premissa que o sistema romanístico extraiu o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independente de relação obrigacional preexistente, que a responsabilidade extracontratual é posta em pauta.

A teoria da responsabilidade se consolidou doutrinariamente através da forte influência do direito francês que trouxe aperfeiçoamento aos princípios romanísticos estabelecendo entre si bases gerais da teoria da responsabilidade civil que influenciou as legislações de outros povos.

Inicialmente, a culpa como fundamento para reparar danos, responsabilidade subjetiva; posteriormente, em face do desenvolvimento industrial, desencadeou novas teorias, constatando necessidade de majoração de medidas de proteção à vítimas de acidente de trabalho, ensejando a Teoria do Risco. A partir deste prisma, a responsabilidade passou a ser analisada sob um olhar objetivo, idealizando-se que todo risco deve ser garantido, independentemente da existência de culpa ou dolo.

Ao final de todos os desdobramentos relativos ao instituto da Responsabilidade Civil, a Teoria do Risco, necessariamente, vem se ampliando visto que a Teoria da Culpa é insuficiente para acompanhar a expressiva evolução. Dando causa, portanto, a coexistência das duas teorias, embasando a maioria das legislações.

1.2. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A usabilidade do termo responsabilidade é visualizado em inúmeras áreas da ciência, diferenciando-se em seus significados e abrangendo-se em diferenciados contextos. Em conformidade com a tese de Abbagnano (2003, p. 855), na filosofia a Responsabilidade é “a possibilidade de prever os efeitos do próprio comportamento e de corrigi-lo com base em tal previsão […]”.

Em conformidade com a doutrina de Stoco (2007, p. 111), em detida análise afirma que a expressão: “Tanto pode ser sinônima de diligência e cuidado, no plano vulgar, como pode revelar a obrigação de todos pelos atos que praticam, no plano jurídico.”

Para o Direito há determinados valores morais que ao passar pelo processo adotivo do direito, são elevados à condição de preceito jurídico. Em fundada doutrina, Sérgio Cavalieri Filho, transcrevendo as palavras de San Tiago Dantas, afirma:

“O principal objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e reprimir o ilícito. Vale dizer: ao mesmo tempo em que ela se empenha em tutelar a atividade do homem que se comporta de acordo com o direito, reprime a conduta daquele que o contraria” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 341).

Eis o momento da insurgência das normas jurídicas, face ao de perseguirem deveres aos cidadãos de determinada comunidade. Deflagrando-se eventualmente a violação desses deveres, nasce a imposição para reparação de tal dano.

Desde o Direito Romano, até os dias atuais, adota-se como regra principal o dever geral de não prejudicar a ninguém, expresso pelo Direito Romano através da máxima neminem laedere.

É salutar a descrição doutrinária do Direito Civil, a qual integra a responsabilidade ao ramo do direito obrigacional, referente ao dever, a fim de explicitar o coerente posicionamento segundo o qual a conduta humana está vinculada ao seu fim, econômico ou social, caso se visualize um eventual descumprimento da obrigação ensejando um dever de indenizar, a fim de compensar o dano.

A violação de um dever jurídico originário (obrigação), portanto, configura ilícito civil. Desta forma, “a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 02).

Para Pablo Stolze Gagliano (2007), a definição de responsabilidade civil advém da prática de atividades danosas que violam as normas jurídicas existentes: A noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar). 1.3. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Em conformidade com a disposição do art. 186 do Código Civil Brasileiro, a conduta humana ilícita é tipificada com base na ação, omissão voluntárias, imprudência ou negligência, que ao violar direito alheio resulta em um dano a outrem. No artigo seguinte, o artigo 187 do Código Civil aponta novamente a tipicidade do ato ilícito àqueles que excedem o exercício regular de um direito. Com esteio aos mencionados artigos do diploma civilista, o artigo 927 impõe àqueles que cometem o ato ilícito a obrigação de satisfazer a reparação face aos danos causados. Outrossim, carreia em seu parágrafo único, a disposição de que é desnecessária a comprovação da culpa quando a lei assim prescrever ou quando o risco aos direitos dos outros é inerente.

É a partir destes mencionados dispositivos que o pressuposto da responsabilidade civil encontra guarida. Quais sejam: a ação ou omissão, o dano, nexo de causalidade e a culpa.

1.3.1. Ação ou Omissão

Com base na premissa de que toda ação precede uma reação, concebe-se, portanto, que se um ato humano que resulta a prática de uma ação, causar dano a outrem visualiza-se, neste momento, o nascimento de uma responsabilidade. Considera-se portanto, para a doutrina majoritária, ação como o fato gerador que insurge a responsabilidade.

Na detida visão de Maria Helena Diniz (2005, p.43), a ação é um ato constitutivo da responsabilidade civil nascido a partir da prática de um ato humano, seja este lícito ou ilícito dentre outras características.

A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiros, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que resulte dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado (DINIZ, 2005, p. 43).

Destarte, o ato comissivo caracteriza-se pela prática de um ato não passível de se efetivar. Conceituando-se a omissão pela via de que face a não observância de um dever de agir ou do exercício de determinado ato que deveria realizar-se, controlado, portanto, deve ser pela vontade da parte causadora do prejuízo. A luz da Doutrina de Maria Helena Diniz, excluída estará a responsabilidade civil dos atos praticados sob coação absoluta, estado de inconsciência, efeito de hipnose, delírio febril, ataque epilético, sonambulismo ou por atos invencíveis como tempestades, incêndios causados por raios, naufrágio, terremotos, inundações, ou seja, caso fortuito ou força maior.

1.3.2. Dano

Maria Helena Diniz (2005, p.77), traz a definição de dano como “um pressuposto contratual ou extracontratual da responsabilidade civil, responsável pela existência de um prejuízo que provavelmente causará a existência ou possibilidade de uma ação de indenização”.

Nesse sentido, para Sérgio Cavalieri Filho (2010, p.72):

“Dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode responsabilidade sem danos. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem danos, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.”

Segundo a doutrina pátria majoritária, o dano é classificado em patrimonial (material) ou moral (extrapatrimonial), bem como em direto ou indireto: o dano patrimonial é aquele proveniente de uma lesão concreta ao patrimônio da vítima. Este abrange o dano emergente (o que exatamente se perdeu) e o lucro cessante (o que efetivamente deixou de auferir em virtude do evento danoso). Para Maria Helena Diniz (2003, p. 65) é “a perda da chance ou de oportunidade”.

Por sua vez, o dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais da pessoa física ou jurídica, como a ofensa à personalidade, a angústia, o sofrimento. Se de um fato danoso, sobrevier o dano material e o moral, haverá uma cumulação de condenação, tal assertiva é determinada pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça. Buscando novamente as lições de Sérgio Cavalieri Filho (2000, p.37), leciona sobre o assunto afirmando:

“Enquanto o dano material importa em lesão de bem patrimonial, gerando prejuízo econômico passível de reparação, o dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima.”

 O dano moral pode prescrever um outro desdobramento doutrinário, podendo ser direto e indireto. A primeira forma se concebe através da lesão de um bem extrapatrimonial da vítima. Por sua vez, o dano indireto é refletido quanto a lesão de um bem patrimonial, quando se pode valorar economicamente e que se irá repercutir na esfera dos sentimentos pessoais.

1.3.3. Nexo de Causalidade

Na esteira da visão de Maria Helena Diniz (2005, p.56),

“O nexo causal trata-se do vínculo existente entre o prejuízo e a ação, ou em outras palavras a relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu: O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se nexo causal, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Esse poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência”.

A responsabilidade civil não se visualiza caso esteja ausente a relação de causalidade entre o dano e a ação que o provocou. Não se pode confundir nexo de causalidade com a imputabilidade. Ainda segundo Maria Helena Diniz (2005, p.127), “a imputabilidade trata de elementos subjetivos, já o nexo de causalidade trata de elementos objetivos, consistentes na ação ou omissão do sujeito, atentatório do direito alheio, produzindo dano material ou moral”.

1.3.4. Culpa

Na vasta doutrina de Maria Helena Diniz (2001, p.46), a culpa em seu conceito amplo é definida como a violação de um dever jurídico, e em sentido estrito caracteriza-se pela imperícia, imprudência ou negligência.

A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico; e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever.

1.4. Posicionamento na teoria geral do direito quanto à Responsabilidade Civil

É necessário, em face da amplitude da responsabilidade civil na teoria geral do direito, a análise dos conceitos de Fato Jurídico, Ato Jurídico, Negócio Jurídico, etc. Parte-se da premissa de que a responsabilidade é proveniente da violação de determinado dever jurídico preexistente.

Nessa esteira, Sérgio Cavalieri (2004, p.26) descreve a necessidade da responsabilidade civil se posicionar na teoria geral do direito. Diz o autor:

“O direito estuda os fenômenos jurídicos, em seus traços formais, no empenho de criar, no plano da abstração, um sistema de princípios hierarquizados, classificados e de relevante valor lógico. Constituindo a responsabilidade um fenômeno jurídico, torna-se relevante situá-la no esquema geral da ordem jurídica.”

Em primeira análise, Fato Jurídico, é todo acontecimento natural ou humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir direitos, bem como de instituir obrigações, em torno de determinado objeto. O Ato Jurídico, considerado pela doutrina como espécie do fato jurídico, é fruto da vontade humana. Os atos jurídicos podem ser lícitos e ilícitos. São lícitos quando a vontade humana produz efeitos e consequências permitidas no ordenamento jurídico. Por sua vez, ilícitos quando estes efeitos são contrários às regras do ordenamento jurídico.

O Artigo 187 dispõe também que comete ato ilícito quem abusa do seu direito:

“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exerce-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé e pelos bons costumes.”

Conclui-se, então, que o ato ilícito é uma fonte de obrigação de indenizar ou de ressarcir o prejuízo causado, em conformidade com o que prescreve o artigo 927 do Código Civil[2].

1.5. Responsabilidade civil contratual e extracontratual

A responsabilidade civil procede de uma violação de um dever jurídico pré-existente, em conformidade com os itens anteriores. A diferenciação da responsabilidade civil contratual e extracontratual se encontra, segundo a doutrina, se existe ou não alguma vinculação obrigacional entre as partes antes do dever de indenizar.

Tendo as partes uma relação obrigacional pré-existente ao dever de reparar o dano, visualiza-se a responsabilidade civil contratual. Concretizando-se a inadimplência de algum dispositivo estabelecido pelo acordo das partes, tal fato configura-se ilícito contratual.

É salutar ressaltar que os contratos fazem lei entre as partes e, por isso, recaem entre as partes o dever de cumprir – pacta sunt servanda. Posto isto, em havendo o descumprimento surgirá o dever de reparação.

De outro lado, visualiza-se a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, quando não houver nenhum vínculo contratual entre as partes. Para este preceito, extrai-se o dispositivo do Código Civil – Art. 186: “Todo aquele que causa dano a outrem por culpa em sentido estrito ou dolo, fica obrigado a repará-lo”. Aplicam-se também as regras da responsabilidade aquiliana as regras gerais dos artigos 187, 188 e 927 a 954.

Com vistas a doutrina nacional, o sistema jurídico brasileiro adota a teoria dualista da responsabilidade civil. Para Sérgio Cavalieri (2012, p. 16/17), o Código de Proteção e Defesa do Consumidor ultrapassou a teoria clássica e dualista que ainda é tutelada por alguns países. Para o direito do consumidor não importa se a responsabilidade é contratual. Há a equiparação do consumidor às vítimas de um acidente de consumo (Código e Defesa do Consumidor, art. 17[3]). Exclama o jurista Cavalieri Filho:

“Ao equiparar ao consumidor todas as vítimas do acidente de consumo (Código de Defesa do Consumidor, art. 17), submeteu a responsabilidade do fornecedor a um tratamento unitário, tendo em vista que o fundamento dessa responsabilidade é a violação do dever de segurança – o defeito do produto ou serviço lançado no mercado e que, numa relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente de consumo” (2012, p. 16/17).

À luz dos apontamentos acima referenciados, na perspectiva da Teoria Geral da Responsabilidade Civil resta a prioridade na reparação do dano, recaindo a diferença apenas no aspecto gerador do dever de indenizar.

1.6. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

Para a doutrina pátria, a responsabilidade civil fundamenta-se em dois prismas, quais sejam: subjetivo e objetivo. Segundo leciona Pablo Stolze Gagliano (2007, p.13), “a responsabilidade civil subjetiva é decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo”.

No ordenamento jurídico, a responsabilidade civil subjetiva encontra a premissa geral da responsabilidade civil subjetiva delineada no artigo 186 c/c o artigo 927 do Código Civil. Dispõe que: “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia cause danos a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Depreende-se com isto que, para visualização do ato ilícito, faz-se necessária a presença de dois pressupostos: imputabilidade do agente e a culpa. Diz-se imputável quando o indivíduo, sem limitações de entendimento e/ou mental, possui capacidade de entender o fato como ilícito e agir de acordo com este entendimento.

Em tese, os incapazes não estariam sujeitos a responsabilização de uma conduta contrária ao dever. Todavia, o diploma civilista tutelou a teoria que pelos atos dos incapazes responde, primeiramente a pessoa encarregada de suas guarda. Subsidiariamente, o incapaz estaria suscetível de responsabilização quando a pessoa responsável pela sua guarda não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispusessem de meios para tanto. Configura-se portanto, a presença da teoria da responsabilidade mitigada e subsidiária dos incapazes.

A culpa com categoria nuclear da responsabilidade civil subjetiva, recebe tanto a concepção de dolo como a da “negligência, imprudência e imperícia”. Por dolo depreende-se por todo ato com que, conscientemente, alguém induz, mantém ou confirma o outro em erro.

Na mesma esteira, a doutrina pátria ratifica que “se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na “ideia de culpa” e que de acordo com o entendimento clássico a “concepção tradicional a responsabilidade do agente causado do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente.”

Para responsabilidade civil objetiva, Pablo Stolze Gagliano faz a seguinte inferência: As teorias da responsabilidade civil procuram encará-la como mera questão de reparação de danos, fundada diretamente no risco da atividade exercida pelo agente. É de ressaltar que o movimento objetivista surgiu no final do século XIX, quando o Direito Civil passou a receber influência da Escola Positiva Penal.

A responsabilidade objetiva vem amparada pelo risco, ou seja, aquele que cria o risco de dano a terceiro deverá repará-lo. Em casos em que a pessoa exercer, determinada atividade profissional que possa causar lesão, dano a outrem, a mensuração do dano deverá ser levada em consideração, em ocorrendo a efetivação do dano deverá este ser reparado mesmo ante a isenção da culpa, decorrendo neste caso, a responsabilidade civil da atividade e não da apresentação da culpa.

Maria Helena Diniz (2002, p.48) assenta o princípio da equidade na responsabilidade civil objetiva. Vez que aquele que aufere lucros de sua atividade assume os riscos inerentes à sua atividade. A autora trata o assunto proferindo estas palavras:

“A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentoum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). Essa responsabilidade tem como fundamento a atividade exercida pelo agente, pelo perigo que pode causar dano à vida, à saúde ou a outros bens, criando risco de dano para terceiros”.

Ao fim, a responsabilidade, na forma da doutrina moderna, independente de culpa deve ser explicada pela teoria do risco. Aquele que aufere lucro em determinada atividade e cria risco para sua pratica, também cria riscos de causar dano a outrem, carreando por esse fundamento, a obrigação de reparar danos eventualmente causados.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR DE PESSOAS

2.1 Considerações Iniciais

Antes de se ater a responsabilidade civil do transportador de pessoas e o contrato de transporte sob um prisma teórico, é salutar uma breve análise filosófica e sociológica relativa ao desenvolvimento e surgimento do transporte. A necessidade de se deslocar e de se mover de um lado para o outro é visível desde os tempos mais remotos. Silvio de Salvo Venosa (2005. p.155) afirma que: “A invenção da roda atribuiu novo horizonte para os transportes, antes feito apenas com a força própria ou auxílio de animais”.

A posteriori novos métodos de locomoção foram surgindo, como carroça, barcos, novas tecnologias vieram à tona como transportes a vapor, a carvão entre outros. Atualmente verificamos uma diversidade de tipos estendidos pelo ar, terra e mar, pelos mais variados tipos de veículos.

O descobrimento e o avanço dos mais diversos tipos de transportes proporcionaram também um avanço nas formas de negócios, a partir da interação entre os povos que se deu pelo deslocamento, começaram imediatamente a contratar, gerando, a partir disto, uma outra evolução: a dos contratos, inicialmente por meio da troca, mas posteriormente possibilitou esta evolução, chegando até o transporte, onde quem tinha os meios prestavam serviços aos que não tinham.

O contrato de transporte detém extrema importância jurídica e social. A globalização proporcionou inúmeros avanços na área de comunicação, da internet bem como da telefonia, porém a necessidade de locomoção do homem é algo que se eternizará.

Todo dia, em todo momento, milhões de contratos de transportes por ônibus são celebrados por dia[4]. Cavalieri Filho diz (2010, p.290):

“Pode-se dizer que o transporte coletivo urbano tornou-se instrumento fundamental para o cumprimento das funções sociais econômicas do Estado moderno”

A Constituição Federal, no seu artigo 30, inciso V, prescreve e destaca o serviço público de transporte coletivo urbano como um serviço essencial:

“Art. 30. Compete aos Municípios:(…)

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo que tem caráter essencial (…)”

A fim de ratificar o elevado grau de importância que este serviço promove, Agência Nacional de Transportes Terrestres traz alguns dados estatísticos relativo a essa forma de transporte utilizado. Diz:

“Os serviços de transporte rodoviária interestadual e internacional de passageiros no Brasil são responsáveis por uma movimentação superior a 140 milhões de usuários/ano1.”[5]

O grau de importância desse serviço pode ser medido quando se observa que o transporte rodoviário por ônibus é a principal modalidade na movimentação coletiva de usuários, nas viagens de âmbito interestadual e internacional. Em 2008 o transporte rodoviário regular, em comparação ao aéreo, foi responsável por cerca de 71% do total dos deslocamentos interestaduais e internacionais de passageiros. Sua participação na economia brasileira é expressiva, assumindo um faturamento estimado anualmente em mais de R$ 3 bilhões. Atualmente são 16.640 ônibus habilitados para a prestação dos serviços regulares pelas empresas permissionárias e autorizatárias em regime especial (Resoluções nº 2.868 e 2.869/2008) No transporte fretado são 22.870 veículos habilitados, que transportam anualmente mais de 11 milhões de passageiros e representam mais de R$ 734 milhões anuais em negócios para as empresas.

2.2. HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR NO BRASIL

Denota-se que a responsabilidade contratual do transportador de pessoa teve início desde os tempos da “Maria Fumaça”, as locomotivas movidas a vapor caracterizadas como as primeiras formas de transporte coletivo de massa. A responsabilidade contratual e extracontratual, segundo Cavalieri, a diferença conceitual não existia. Para o jurista, essa classificação originou-se no direito francês em busca de um ajustamento da responsabilidade do transportador às novas realidades sociais decorrentes dos novos meios de transporte então emergente. (2002, p. 209-224).

Maria Helena Diniz (2005, p.466) argumenta que o Código Civil de 1916, não trouxe importância ao contrato de transporte, consequentemente não prescrevia nenhuma norma relativa a responsabilidade do transportador, originalmente escassamente disciplinada no Código Comercial. Para Cavalieri, o Código de 1916 foi indiferente ao tema pois o seu projeto construído por Clóvis Bevilaqua por trinta anos ficou estatizado, elaborado na última década do Século XIX, quando a preocupação com transporte coletivo de pessoas era insignificante no país.

O Decreto nº 2.681, de 7 de dezembro de 1912 trouxer a regulação do transporte de pessoas, o qual buscava regular a responsabilidade civil das estradas de ferro, posteriormente, transferindo-se para os demais meios de transporte.

A Constituição Federal de 1988, no que diz respeito à responsabilidade do transportador trouxe em seu artigo 37, § 6º, que a responsabilidade será objetiva quando causar danos a terceiros, baseada no risco administrativo. Precipuamente, face a natureza pública do serviço que pelos esforços constitucionais podem sua execução ser delegada via permissão ou concessão a entidades privadas.

O contrato de transporte institucionalizou-se e começou a ser disciplinado também pelo art. 730 do Código Civil, estendendo sua compatibilização às normas da legislação especial, bem como dos tratados e convenções internacionais. O diploma civilista também trouxe disciplina ao transporte cumulativo, onde no artigo 733 prescreve que “Cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos nele causados a pessoas e coisas”. A responsabilidade, portanto, será solidária quando houver a substituição de algum dos transportadores.[6]

2.3. O TRÍPLICE ASPECTO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR

Com base em todas as exposições já realizadas, a responsabilidade do transportador pode se manifestar sob diferentes prismas, se em relação aos empregados da empresa, a terceiros ou em relação aos passageiros.

Sergio Cavalieri Filho Leciona (2008, p.284) que:

“Por pelo menos três aspectos distintos pode ser examinada a responsabilidade do transportador: em relação aos seus empregados, em relação a terceiros e em relação aos passageiros. Suponhamos um acidente em que um pedestre é atropelado e morto, ficando, ainda, feridos um passageiro e o trocador, por ter o ônibus se desgovernado e batido em um poste.”

Em relação a terceiro, a responsabilidade caracteriza-se como extracontratual. Não há entre esses sujeitos uma relação jurídica manifestamente contratual. O acidente, portanto, é o que passa a vincular as partes ensejando um dever de indenizar. Cavalieri (2008, p. 291) leciona:

“Essa responsabilidade era subjetiva até a Constituição Federal de 1988, fundada no art. 159 do Código de 1916, de sorte que a vítima (terceiro), para fazer jus à indenização, tinha que provar a culpa do transportador ou do seu preposto.”

Com o advento da Carta Magna de 1988, a responsabilidade passou a ser objetiva, fundada no art. 37, § 6º da CF/88. É aplicável, sendo assim, às empresas permissionárias e concessionárias do Sistema de Transporte Público de passageiros em coletivo.

Outrossim, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade objetiva do transportador ganhou mais solidez quando da prescrição do artigo 14[7], que passou também, em combinação com a Constituição Federal, a atribuição da responsabilidade objetiva ao fornecedor, demais, o artigo 17[8], propôs a equiparação de consumidor todo aquele que sofrer acidente em função do produto.

Outro aspecto a ser analisado é relação aos empregados da empresa, quais sejam, por exemplo, o cobrador do ônibus, ou até mesmo o motorista, devendo ser respaldado pela legislação trabalhista, caso se vislumbre um litígio. Devendo a indenização ser pleiteada junto a Justiça Trabalhista bem como ao INSS, sobre a égide da legislação previdenciária.

Por fim, a responsabilidade do transportador em relação ao passageiro é contratual, ante a incidência de um contrato de transporte com características peculiares.

2.4. CONTRATO DE TRANSPORTE – RESPONSABILDIADE CIVIL DO TRANSPORTADOR

2.4.1. Aspectos gerais

O Art. 730 do Código Civil cuidou em conceituar os contratos de transporte como negócio pelo qual “alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para o outro, pessoas ou coisas.”

Para o doutrinador Silvio Venosa (2003, p. 481), o instituo é conceituado como “negócio pelo qual um sujeito se obriga, mediante remuneração, a entregar coisa em outro local ou a percorrer um itinerário para uma pessoa.”

Em rasas linhas, pode-se destacar, portanto, que o contrato de transporte é o pacto pelo qual alguém, seja ela pessoa física ou jurídica compromete-se a deslocar de um local para outro, pessoas ou coisas de forma remunerada.

Existem preceitos que o legislador internalizou no conceito trazido e transcrito acima. É salutar observar que para que se configure o contrato de transporte prescritos nos artigos 730 a 756 do Código Civil, a remuneração é obrigatória, caso contrário caracterizar-se-ia o transporte gratuito, todavia é importante esclarecer que não há necessidade do pagamento ser somente em espécie. É o que se extrai da interpretação ao parágrafo único do artigo 736[9] onde considera oneroso o contrato que seja feito sem remuneração, desde que tragam vantagens indiretas ao transportador.

O conceito de contrato de transporte traz uma outra matéria que merece evidência em relação as outras espécies que necessitam do transporte para seu cumprimento. O objeto principal do contrato de transporte é o deslocamento, constituindo-se portanto a natureza jurídica do contrato, seu objetivo fim. Diferenciando-se, portanto, de outras modalidades de contratos que utilizam-se do transporte apenas como meio acessório para cumprimento da obrigação.

Trata-se de transporte explorado por meio de autorização, concessão ou permissão, caracterizam-se como institutos do Direito Administrativo, todavia o Código Civil em seu artigo 731 prescreve que estes institutos também serão regidos pelas normas regulamentares e pelo que deles for estabelecido.

Na mesma esteira, o art. 21, inciso XII, d e, da CF/88 prescreve que é competência da união:

“Art.21 – Compete à União: […]

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: […]

d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;

e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros”

O art. 30, inciso V, da CF/88 transfere a competência do município também matéria de transportes, prescrevendo que lhe compete “organizar a prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.”

Por fim, a Constituição prescreve a competência remanescente ao Estado, através do § 1º do art. 25.[10]

2.4.2. Classificações

A doutrina classifica o contrato de transporte em três tipos: de pessoas, de coisas e mistos. O contrato de transporte de pessoas consiste unicamente no translado de uma ou mais pessoas físicas de um determinado local para outro. Nesse contrato existe a possibilidade do transporte não ser necessariamente do contratante, mas no transporte de outra pessoa. A segunda modalidade caracteriza-se pela transferência de um bem móvel até o local contratado. Sendo possível visualizar ainda a existência de um contrato misto efetuando o translado multo de bens móveis e de pessoas.

2.4.3. Caracteres

A bilateralidade compõe esse tipo de contrato sendo a primeira característica a ser visualizada. Gera obrigações em ambas as partes, cabendo ao transportador realizar o trajeto objeto do contrato bem como o passageiro efetuar o pagamento para seu translado.

Considera-se oneroso, tendo em vista a vantagem recíproca e sua contraprestação, onde gera-se a expectativa de deslocamento para contratante e o pagamento ao transportador; É consensual visto que há declaração de vontade caracterizando-se isto, como o fator de validação do negócio jurídico; Considera-se também comutativo, pois as partes conhecem desde o início do contrato suas obrigações; É um contrato de duração haja vista que sua execução e conclusão dependem de certo lapso de tempo; É típico pois suas características estão positivadas e expressamente tipificadas no Código Civil de 2002; Por fim, considera-se não solene vez que não se faz necessário maiores formalidades para sua constituição podendo ser celebrado verbalmente, como na maioria dos casos.

2.4.4. Obrigações do transportador de pessoas

O Código Civil atual traz uma série de obrigações e características que do ponto de vista contratual são inerentes face a sua natureza. Uma primeira obrigação do transportador é a de levar a pessoa ao destino. Trata-se de uma cláusula de garantia ou seja, cláusula de incolumidade que se impõe implicitamente ao contrato de transporte. Segundo Cavalieri (2005, p.316) “A obrigação do transportador não é apenas de meio, e não só de resultado, mas também de garantia”.

Ainda sobre essa primeira obrigação, limita-se a responsabilidade do transportador a conduzir o passageiro até o lugar proposto a salvo. Caso haja a violação dessa obrigação, caracteriza-se a frustação do dever de incolumidade.

Outra obrigação é de que cabe ao transportador disponibilizar o serviço de transporte a todo e qualquer interessado. O Código Civil de 2002, no art. 739[11] traz uma imposição de forma expressa não importando quanto o contratante deseja transportar, o contratado não pode recusar-se salvo nas hipóteses que forem vedas pela legislação pelas condições de saúde e higiene.

Para descumprimento desta obrigação, o legislador impõe sanções na esfera administrativa, como multas ou proibição e suspensão da autorização para transportar. Carreia também sanções no âmbito cível, com direito de ressarcimento dos danos materiais e morais que porventura sejam decorrentes do não oferecimento do transporte a qualquer interessado.

É salutar reforçar outra obrigação que o Código Civil de 2002 impõe que é a de respeitar itinerários, horários e demais obrigações expostas pelos órgãos gestor do transporte da secretaria municipal ou estadual. Relativo aos horários e itinerários, o Código Civil expressa no artigo 737: “O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior.”

Por fim, em termos de obrigações gerais do transportador, visualiza-se o dever de restituir o valor da passagem caso o passageiro desista. O Código Civil entretanto, autoriza o transportador reter cinco por cento do valor a título de multa compensatória. Ademais, outros requisitos devem ser obedecidos a partir da transcrição do artigo 740 e seus parágrafos seguintes:

“Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada.

§1º Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar.

§2º Não terá direito ao reembolso do valor da passagem ao usuário que deixar de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportar em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado.

§3º Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória.”

2.4.5. Deveres do passageiro

O transportado deverá se submeter as regras do transportador. O Código Civil no artigo 738 dispõe:

“A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço.”

Tais normas regulamentares podem prescrever os limites a serem obedecidos pelos transportados. É possível determinar as sanções que podem ser aplicadas prevendo até a retirada do passageiro do veículo, caso seja necessário para manter a segurança e o bem estar dos transportados ou até mesmo danos ao patrimônio da empresa, caso em que não visualizando-se a culpa exclusiva de terceiro, a reparação ao transportador poderá ser elidida.

3. Responsabilidade do transportador

3.1 Excludentes da responsabilidade do transportador

É assente que a responsabilidade do transportador é objetiva, com base na cláusula de incolumidade de onde deriva-se uma obrigação de resultado. Significa que, a concessionária do sistema público de passageiro poderá desempenhar atividade lucrativa desde que assuma os riscos dos danos que podem ser originados em sua atividade a clientes e terceiros.

Nesta esteira, o dever de reparar se torna iminente, independentemente da conduta culposa do preposto. De forma a legitimar os interesses da parte hipossuficiente, a lei previu esse dispositivo aos que sofrem danos da imperita execução do serviço. Desta premissa surge a responsabilidade civil desde que comprovado o dano e nexo causal. Todavia, há casos que rompem o nexo causal isentando a concessionária da responsabilidade civil, como se verá adiante face as hipóteses previstas em lei, quais sejam: fato exclusivo da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior.

3.1.1 Fatos exclusivo da vítima

O passageiro, neste momento configurado como a culpa exclusiva da vítima, desempenha um instituto que dá causa a exclusão da responsabilidade do preposto da concessionária ou permissionária do sistema de transporte público de passageiro. É o momento em que a vítima deu causa ao evento que o lesou, momento em que é factível os elementos constitutivos dessa excludente. De outro modo, quando a conduta do passageiro ou usuário é determinante para configuração do evento.

Nesta linha de raciocínio, o Código de Defesa do Consumidor no seu artigo 14, § 3º, II, prescreve que o fornecedor de serviço só não será responsabilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. É salutar argumentar que a doutrina majoritária faz um desdobramento na distinção da culpa que é exclusiva ou concorrente da vítima.

Em outra linha de raciocínio, depreende-se do artigo 738 do código civil que diz: “A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador constantes dos bilhetes ou afixadas à vista dos usuários, […]”. Observa-se que o legislador impôs um dever de comportamento pautado nas normas do transporte. Ainda, dispõe o parágrafo único deste artigo que: “Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indenização na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano”.

Da leitura desse dispositivo depreende-se a culpa concorrente lecionada por parte da doutrina. Em breves linhas, admite-se portanto, apenas a culpa exclusiva da vítima, vez que dando causa ao evento e fuga ao dever de agir de forma consciente o passageiro, tal concorrência não deve ser absolvida pelo transportador, sendo o ônibus como instrumento da vítima.

3.1.2Fatos de terceiro

Depreende-se inicialmente que terceiro é pessoa estranha à relação contratual, sujeito que não integrou a relação contratual de passageiro e transportador.

O doutrinador Sérgio Cavalieri (2004, p.303/304) expõe que:

“Terceiro é pessoa estranha ao binômio transportador e passageiro, qualquer pessoa que não guarde nenhum vínculo jurídico com o transportador, de modo a torná-lo responsável pelos atos, direta ou indiretamente, como o empregador em relação ao empregado.”

Neste sentido, o STF consagrou a Súmula de nº 187, que dispõe: “a responsabilidade contratual do transportador pelo acidente com passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. Entendimento também consagrado no artigo 735 do código civil.

Importa destacar que o texto faz menção apenas a culpa de terceiro, exaurindo-se a conduta dolosa. Compreende-se portanto, que o fato culposo de terceiro está vinculado ao risco que a empresa de transporte carreia em sua atividade, caracterizando-se um fortuito interno, não exaurindo a sua responsabilidade.

Todavia, vale ressaltar a presença do fato doloso de terceiro, onde o fortuito interno não visível, quando o evento é imprevisível e inevitável, não coexistindo liame com os riscos do transportador. Depreende-se como fato estranho à atividade da concessionária ou permissionária, considerando-se desta feita o fortuito externo e por conseguinte a exoneração da responsabilidade de indenizar.

3.1.3 Caso fortuito e força maior

O Caso fortuito e força maior encontram-se dispostos no artigo 393 do código civil que diz: “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. A doutrina não encontra divergência acerca destes dois institutos, pois todas as duas carreiam uma natureza de inevitabilidade.

Todavia, a aplicabilidade desses institutos pelos julgadores merece menção: Silvio Rodrigues (2002, p. 06/12) é portador do entendimento de que

“O critério para configurar as excludentes fica sempre ao arbítrio do julgador e seu rigor vivará conforme seus pendores e as hipóteses em causa, pois eles poderão encontrar na flexibilidade da expressão caso fortuito e força maior, uma porta para julgar por equidade e mesmo contra a severidade da Lei, ainda quando esta não o autoriza a lançar mão daquele recurso.”

De fato, encontra-se dividido o entendimento que perfaz a aplicabilidade das causas de exclusão de responsabilidade, em singular premissa, é comum encontrar nos Tribunais uma conjugação controversa nas causas em que passageiros pleiteiam indenização face aos danos sofridos no interior do veículo.

3.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: TEORIA OBJETIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL APLICADA AS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE COLETIVO

3.2.1 Responsabilidades das empresas de ônibus em relação aos empregados e usuários – ASSALTO (Análise do caso)[12]

Trata-se originalmente de uma ação reparatória de danos materiais e morais em face de assalto no interior de ônibus coletivo, Quando o passageiro que se encontrava dentro do veículo foi vítima de roubo por meliantes disfarçados de passageiros.

Por decisão monocrática (fls. 456/459), deu-se provimento ao apelo extremo por afastar a responsabilidade da empresa transportadora pelos danos causados ao passageiro decorrente do assalto dentro do transporte coletivo, pois configurado o caso fortuito excludente da responsabilidade. Por fim, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade dos votos negou provimento ao agravo regimental confirmando a decisão ora recorrida.

3.2.2 Análise jurídica do caso

O infortúnio invoca o instituto da exclusão da responsabilidade objetiva da operação do serviço público de transporte. Visto que a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça afirma que a Assalto dentro de ônibus coletivo é considerado caso fortuito ou de força maior, institutos que afastam a responsabilidade da concessionária de transporte por danos eventualmente causados a passageiros.

Outrossim, ainda que a responsabilidade da concessionária seja pautada pela teoria do risco profissional, bem como o amparo do art. 14 do CDC, onde reconhece a responsabilidade objetiva, quando o evento se vislumbra por ação de um terceiro, elucida-se ainda mais o entendimento da corte superior no sentido de afastar a responsabilidade da empresa que transporta.

3.2.3 – Responsabilidade Civil das empresas de ônibus em relação aos empregados e usuários – ARREMESSO DE PEDRA CONTRA ÔNIBUS (Análise do caso)[13]

Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente a ação de indenização que a usuária move contra a Viação Leopoldense Ltda. A apelante afirma que ficou comprovado que se encontrava no interior de veículo ônibus quando foi atingida por uma pedra arremessada contra o ônibus por uma pessoa postada na via pública não identificada. Nos autos mencionou ter sofrido graves ferimentos na cabeça. Ademais, sustentou que a cláusula de incolumidade é a mais importante característica do contrato de transporte. (Grifos do acórdão). A apelante requereu a reforma da sentença que julgou improcedente a ação de indenização. Contra o acórdão que ratificou a sentença do juízo a quo, interpôs recurso especial alegando que a responsabilidade é objetiva e contratual e que o transportador deve assumir a obrigação de indenizar. Do voto do recurso especial, a quarta turma do STJ decidiu por unanimidade em não conhecer o recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

3.2.4 Análise jurídica do caso

Depreende-se dos autos que apensar do infortúnio e do configurado fato exclusivo de terceiro, os prepostos da ré, após a pedra ser arremessada, a passageira foi socorrida e levada ao centro de atendimento hospitalar mais próximo onde recebeu os primeiros socorros. Não contribuindo, portanto, a empresa ré, para o sinistro, nem atuando para que o dano fosse agravado, como por exemplo, a ausência da prestação de socorro.

Inexiste portanto ato ilícito por parte da empresa ré, que enseje o dever de reparação dos danos sofridos pela autora da ação, ausentando-se portanto, com base no instituto do Fato Exclusivo de terceiro, a responsabilidade objetivada concessionária do sistema público de transporte de passageiros em ônibus coletivo.

3.3 – Responsabilidades Civil das empresas de ônibus em relação aos empregados e usuários – TIROTEIO ENVOLVENDO POLICIAL MILITAR DENTRO DE ÔNIBUS. PASSAGEIRA BALEADA. (análise do caso)[14]

Trata-se de um recurso especial interposto por Maria Lúcia Bezerra Ferreira e outro. Na hipótese dos autos, a vítima foi baleada por estar presente em um tiroteio, envolvendo policial militar e assaltantes, ocorrido dentro de ônibus de transporte coletivo. No Tribunal a quo, o acórdão julgou prejudicado o apelo e o recurso adesivo ante a ausência de qualquer evidência concreta de que o tiro que provocou a lesão tenha sido disparado pelo PM, bem como a inexistência de exame de balística apropriado para saber a procedência do projétil. Afastou-se portanto, a Responsabilidade civil do Estado.

Nas razões do especial, os recorrentes sustentam, além da divergência jurisprudencial, violação: a) do artigo 43, do código civil (CC), haja vista que a Corte de origem não condenou o Estado ao pagamento de indenização por danos sofridos pela vítima baleada dentro de um ônibus por causa de tiroteio entre policial e meliantes; b) do artigo 336, do CPC, eis que o depoimento considerado como prova determinante para a não responsabilização do ocorrido não é válido já que não foi colhido em juízo.

Nas contrarrazões, a recorrida pugna pelo não provimento do apelo excepcional, por entender que a análise de suas teses requer reexame do conjunto fático-probatório dos autos e que a Administração não teve qualquer responsabilidade pelo evento danoso.

Parecer do Ministério Público pelo parcial provimento do recurso especial, dado que, apesar do artigo 336 do CPC não estar pré-questionado, o Estado deve ser responsabilizado pelos danos que a vítima sofreu no tiroteio ocorrido dentro do ônibus entre o policial e os bandidos.

Ao deslinde da questão perante o Superior Tribunal de Justiça, houve a reforma do acórdão impugnado reconhecendo a responsabilidade civil extracontratual do estado, sendo o Estado de Pernambuco condenado ao pagamento de danos advindos do tiroteio, mesmo que o projétil tenha sido disparado por um dos delinquentes.

3.3.1 Análise jurídica do caso

A jurisprudência do Superior Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça já é fasta no sentido de que o Estado deve ser responsabilizado pelos danos ocorridos em caso de tiroteio resultando em vítima baleada. A propósito, AgR no RE 346.701, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 24.04.2009; AgR no RE 257.090, 2ª Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 26.5.2000. Acerca deste tema, Sérgio Cavalieri (2004, p.227), disciplina que:

“[…] haverá a responsabilidade civil do Estado sempre que se possa identificar um laço de implicação recíproca entre a atuação administrativa (ato do seu agente), ainda que fora do estrito exercício da função, e o dano ao terceiro”.

Restando assim, acurada a permissão do dever de indenizar do Estado quando a conduta resultou em lesão ao bem de terceiro.

4 CONCLUSÃO

O estudo propôs uma abordagem doutrinária sobre os aspectos históricos e jurídicos da aplicação da teoria objetiva da responsabilidade civil aplicada às concessionárias do sistema público de transporte de passageiros em ônibus coletivo, deflagrada em uma evolução histórica no direito ao par de igualdade com a estruturação da sociedade brasileira.

Especificamente, o tema da aplicação da teoria objetiva da responsabilidade civil às concessionárias de transporte público apresenta um avanço significante na seara do direito, o qual busca incessantemente uma adequação proveniente das questões fáticas que se originam na sociedade. Dessa forma, a teoria objetiva da responsabilidade civil aplicada às empresas de transporte coletivo urbano, foi mais uma resposta do direito à sociedade vez que em determinados acidentes que resultam danos ao transportado, a comprovação real do dano é de difícil ou inviável análise. A partir disso, pautado na teoria do risco, ao transportador cabe o dever de reparar o dano independentemente da culpa.

A aplicação desse instituto encontra respaldo e segurança jurídica a partir de uma ótica constitucional, civilista, consumerista bem como a partir do contrato de transporte, onde tacitamente impõe a chamada cláusula de incolumidade, pela qual o transportador assume o dever de deslocar os usuários aos seus destinos livres e desimpedidos de danos, caso contrário, legitima o usuário a pleitear reparação pelo dano causado. Considerando o serviço de transporte de passageiros urbanos uma atividade tipicamente pública, a Constituição da República impõe a responsabilidade objetiva à quem detém a concessão para gerir o sistema com base no risco administrativo que lhe sucede.

O Código do Consumidor bem como o diploma civilista de 2002 legitima a aplicabilidade da teoria objetiva da responsabilidade civil aos concessionários de transporte público em ônibus coletivo visivelmente a partir da relação de consumo existente, obrigando o transportador a indenizar, mesmo nos casos em que age sem culpa, pelo fato do seu serviço. Sendo que, nessa seara do direito consumerista, visualiza-se a chamada teoria do risco proveito, impondo àquele que exerce qualquer atividade com o fim de auferir lucros, assumindo riscos inerentes a prestação do seu serviço. Ao cabo, o diploma civilista positivou a uniformização da jurisprudência bem como da doutrina relativo ao contrato de transporte.

Destarte, esses diplomas também resguardou a responsabilidade das operadoras em relação aos atos alheio ao contrato de transporte, aqueles fatos de terceiros que provocam a extinção da culpabilidade do transportador baseado nos riscos em que o transportador não tem controle.

Para finalizar, destaca-se a invariável e necessária presença do contrato de transporte existente na relação, bem como aqueles que venham existir. Para a continua evolução e aprimoramento da teoria objetiva da responsabilidade civil, a evolutiva discussão das teses se faz necessária e eficaz para adequação do direito aos fatos sociais.

 

Referências
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PROJETO BUSCALEGIS. Biblioteca jurídica virtual, criada em 1997. Vinculada ao laboratório de informática jurídica da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em:< http://www.egov.ufsc.br/portal/buscalegis>. Acesso em 03 jun. 2015.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial. REsp 919823 RS 2007/0015854-8. Diário da Justiça Eletrônico (DJe), Brasília. Relator: Aldir Passarinho Junior. 2010. Disponível em:< http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19152012/recurso-especial-resp-919823-rs-2007-0015854-8-stj>. Acesso em 03 jun. 2015.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo em Recurso Especial. AREsp 531739 SP 2014/0135331-0. Relator: Ministro Raul Araújo. 2014. Diário da Justiça Eletrônico (DJe), Brasília. Disponível em:< http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/155559818/agravo-em-recurso-especial-aresp-531739-sp-2014-0135331-0 >. Acesso em 03 jun. 2015.
UNVERSO JURÍDICO. Portal de pesquisa jurídica em legislação, jurisprudência, doutrina e processos. Disponível em:< http://uj.novaprolink.com.br/ >. Acesso em 03 jun. 2015.
 
Notas:
[1] Monografia apresentada à Faculdade Boa Viagem como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Felipe Soares Torres.

[2] Aquele que, por ato ilícito (186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

[3] CDC – SEÇÃO II – Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço

[4] Somente nos transportes urbanos e metropolitanos, ocorrem 55 milhões de deslocamentos diários, o que equivale a uma população maior que a China e a Índia em um mês (segundo a fonte da NTU – Associação das empresas de transportes urbanos).

[5] ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres: www.antt.gov.br

[6] Código Civil, Art. 733, §2º

[7] “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes sobre sua fruição e riscos”.

[8] “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”

[9] “§ único, Art. 736 – Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas.”

[10] “§1º Art. 25, CF/88 – São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição. ”

[11] “Art. 739. O transportador não pode recusar passageiros, salvo os casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem.”

[12] AGRG NO ARESP 531739/SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2014/0135331-0; RELATOR (A) MINISTRO RAUL ARAÚJO; ÓRGÃO JULGADOR T4 – QUARTA TURMA DATA DO JULGAMENTO 05/02/2015

[13] RESP 919823 / RS RECURSO ESPECIAL 2007/0015854-8; RELATOR (A) MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR; ORGÃO JULGADOR T4 – QUARTA TURMA; DATA DO JULGAMENTO 04/03/2010

[14] RESP 1144262 / PE RECURSO ESPECIAL 2009/0111527-0; RELATOR MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (1141); ÓRGÃO JULGADOR T2 – SEGUNDA TURMA; DATA DO JULGAMENTO 22/03/2011


Informações Sobre o Autor

Pedro Bento Pereira Neto

Analista jurídico e consultor no desenho de produtos para o público jurídico. Bacharel em Direito


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