Resumo: A responsabilidade civil concentra-se sobre o ressarcimento dos danos causados em sociedade, fazendo com que a lesão ao interesse da vítima seja reparado pelo ofensor pelas condutas ilícitas cometidas. Discorre acerca das teorias da responsabilidade civil, iniciando pela teoria clássica da responsabilidade subjetiva e os elementos necessários para responsabilização do ofensor mediante sua conduta culposa. Trata ainda sobre a modalidade objetiva da responsabilidade civil e as teorias que abrangem esta modalidade, tendo como primórdio a teoria do risco. Para tanto, é abordado a problematização acerca da evolução das referidas teorias ao longo dos anos, bem como dos elementos e conceitos primordiais da responsabilidade subjetiva e objetiva e o princípio da reparação integral. Diante dos novos paradigmas apresentados pelo instituto da responsabilidade civil, a pesquisa apresenta a problemática acerca do caráter punitivo do presente instituto, além do meio alternativo para compensação dos danos ocasionados à vítima, como a socialização dos riscos através da securitização.
Palavras-Chave: Responsabilidade Civil; Teoria do Risco; Reparação Integral; Caráter Punitivo; Securitização
Abstract: The Civil Responsibility focuses on repairing the damage to society, causing injury to the interests of the victim, is order to hold the offender committed the unlawful acts were widely debated. This research will talk about theories of civil responsibility, starting with the classical theory of subjective responsibility and the necessary elements for accountability of the offender through guilt. It will also discuss the objetive mode of civil liability and the theories covering this mode, with the primordia to risk theory. Therefore, also address the elements and primordial concepts of subjective and objective responsibility and the principle of full compensation. Faced with new paradigms presented by the civil liability institute , this study aims to present the punitive character of retro institute , in addition to alternative means to compensate the damage caused to the victim, as the socialization of risk through securitization.
Keywords: Civil Responsibility; Risk Theory; Full Reparation; Punitive Damages and Securitization
Sumário: Introdução. 1. Análise Crítica das Teorias sobre a Responsabilidade Civil. 2. Responsabilidade Subjetiva, Objetiva e Pelo Risco. 3. Princípio da Reparação Integral. 4. Pena Privada. 4.1. Noções iniciais. 4.2. A doutrina do Punitive Damages. 4.3. Críticas ao Caráter Punitivo. 4.4. Pressupostos para Aplicação da Indenização Punitiva. 4.5. Aplicabilidade de Indenizações Punitivas no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 5. Securitização. 5.1. Desenvolvimentos dos Seguros de Responsabilidade Civil. 5.2. Seguros Privados Obrigatórios. 6. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios dos séculos se atribui a responsabilidade civil diversas funções, sempre relacionadas entre si, como a necessidade de punir um culpado, vingar a vítima, indenizar o ofendido, retornar a coisa ao seu estado quo ante, além de restabelecer a ordem social e prevenir comportamentos antissociais.
Primícias que ao longo dos anos foram se reestruturando e se adaptando aos novos anseios da sociedade, porém, mantendo a natureza jurídica sancionadora da responsabilidade civil.
A presente pesquisa inicia abordando as teorias acerca do instituto da responsabilidade civil, através da sua natureza individualista-liberal, na qual apresenta a modalidade da responsabilidade subjetiva, pautada na culpa do agente causador do dano.
Com o avanço social e a revolução industrial, novas formas de atividades foram criando novos anseios sociais, onde determinadas atividades, causadoras de danos, necessitavam de uma responsabilidade efetiva, de modo que estas não se esquivassem facilmente de suas responsabilidades.
Com isto, o instituto da responsabilidade civil passou apresentar sua modalidade na forma objetiva, onde haverá o dever de indenizar por parte do ofensor independente de culpa, salvo nas hipóteses em que houver sua exclusão.
Assim, se analisou as teorias que abarcam a responsabilidade objetiva, possuindo como o princípio da reparação integral e a teoria do risco, na qual estão entrelaçadas à esta modalidade de responsabilidade, entretanto, não se confundem, sendo inteiramente distintas uma da outra.
Após, conceituada e explicitada as modalidades de responsabilidade, seus critérios e requisitos para aplicação, bem como o grande aumento dos casos de danos acidentais e a consequente erosão dos filtros tradicionais da responsabilidade civil, foi tratado sobre o caráter punitivo da responsabilidade civil e a cultura do punitive damages.
Assim, é que se pretende, pelo método dedutivo, identificar a problemática sobre a finalidade punitiva da responsabilidade civil, de modo que deve a vítima ser compensada pelo dano causado e o ofensor ser punido pela lesão, bem como apontar a denominada doutrina do puntive damages, seus pressupostos e críticas.
Por fim, passar-se-á desenvolver a compatibilidade entre a responsabilidade civil e a securitização, onde há uma socialização dos riscos a fim de desestimular a prática de condutas potencialmente lesivas, bem como apresentar uma maior garantia às vítimas pela certeza da reparação do dano ocasionado.
1. ANÁLISE CRÍTICA DAS TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL
Discute-se o instituto da Responsabilidade Civil desde os primórdios dos séculos, sendo modificado diversas vezes em decorrência de fatores sociais, normativos e técnicos para a solução dos conflitos.
Inicialmente, a Responsabilidade Civil teve como base a concepção de vingança privada, onde deveria punir-se alguém que lesou direito alheio por meio das próprias mãos, entretanto, ao longo dos anos a ideia da autotutela e da vingança pessoal foi dando espaço a reparação por meio da compensação econômica (GAGLIANO E FILHO, 2003, p. 10).
A ideia de reparação dos danos sofridos ao invés de imposição de penas à pessoa daquele que cometeu o ato ilícito surgiu com a Lex Aquilia, dando origem a denominação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual, também chamada como responsabilidade civil aquiliana, na qual atribui a origem do elemento “culpa” como fundamental na reparação do dano (PEREIRA, 2001, p.3).
Disposições que evoluíram ao longo dos anos, como por meio do Código Civil de Napoleão que diferenciou a responsabilidade civil da responsabilidade penal, e que influenciou amplamente o Código Civil brasileiro de 1916, onde apresentou a teoria da responsabilidade civil subjetiva, dispondo através de seu artigo 159 a necessidade da prova concreta da culpa do agente causador do dano.
Ao tratar de responsabilidade civil, majoritário é o entendimento de que temos uma ideia de contraprestação, ou reparação do dano causado a alguém, sendo esta responsabilidade uma sanção lógica em consequência do ato lesivo praticado. Sendo que, através desta visão, que a responsabilidade civil está inserida num contexto contemporâneo, de constantes desafios e complexidades em decorrência de novos paradigmas impostos pelo convívio social (VAZ, 2009, p. 25).
Com o progresso da sociedade, mais precisamente com o desenvolvimento industrial e multiplicação dos danos, novas teorias e tendências foram surgindo na responsabilidade civil para maior proteção às vítimas (VAZ, 2009, p. 31).
Até o final do século XIX, o modelo subjetivo (teoria da culpa) funcionava satisfatoriamente, porém, com o maquinismo causado pela Revolução Industrial uma nova dificuldade em identificar uma “culpa” na origem do dano e até mesmo o causador deste dano foi aumentando cada vez mais. Logo, lançou-se a ideia da responsabilidade objetiva para se resolver os casos em que não se identificava culpa por parte dos protagonistas (VAZ, 2009, p. 32-33).
Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria clássica, também chamada de teoria da culpa, para tratar da responsabilidade civil subjetiva. Segundo a referida teoria o agente causador do dano será apenas responsabilizado se agir com culpa ou dolo stricto sensu, conforme disposto nos artigos 186 e 951 do Código Civil de 2002.
Conforme verá adiante, para a responsabilidade subjetiva, exige-se o pressuposto culposo do agente causador do dano, sendo a culpa propriamente dita ou o dolo do agente, além da presença obrigatória do nexo causal, que é o liame entre a conduta culposa do agente e o dano sofrido pela vítima (DINIZ, 2006, p. 131). Outrossim, destaca-se que, são quatro os pilares da responsabilidade civil subjetiva: o fato, a culpa, o nexo causal e o dano.
Atualmente, o princípio que sustenta a responsabilidade civil contemporânea é o da restitutio in integrum, isto é, da reposição do prejudicado ao status quo ante. Assim, se tem a dupla função da responsabilidade civil, sendo a de mantedora da segurança jurídica do lesado e a de sanção civil de natureza compensatória (GANDINI e SALOMÃO, 2003).
Alhures dito, em decorrência da ampliação dos danos suscetíveis de reparação, com base na extensão da obrigação de indenizar, bem como no crescimento em número e complexidade das ações indenizatórias, houve uma necessidade que novos entendimentos fossem abordados pela responsabilidade civil.
Diante disto, novas teorias foram surgindo, com vistas a preencher lacunas deixadas por uma visão inteiramente subjetivista, novas tendências foram se moldando em razão do fato da vítima se encontrar em dificuldade probatória.
Assim, surge a responsabilidade objetiva, consagrada através da teoria do risco, com origem na França do século XIX, onde há a necessidade de reparação do dano sem a necessária comprovação da culpa do agente, possuindo como fundamento que todo dano é indenizável, devendo ser reparado a quem a ele se liga por um nexo de causalidade.
Se tomou como premissa dessa teoria a reparação dos danos causados por atividades perigosas, ocasionadas por acidentes de consumo, danos ambientais, entre outros, não importando a responsabilidade do ofensor, mas sim a reparação do dano sofrido pela vítima.
Há de se destacar ainda o liame intermediário entre a responsabilidade objetiva e a teoria da culpa presumida, onde haverá discussão de culpa, porém há inversão do ônus da prova (ROSENVALD, 2008, p. 467).
No entanto, a Responsabilidade Objetiva nos traz diferentes enfoques, com diversos desdobramentos que incluem a teoria do risco-criado, a teoria do risco de empresa, a teoria do risco integral, a teoria do risco mitigado e a ideia de garantia (SCHREIBER, 2013, p. 28-29).
Em suma, pela teoria do risco-proveito, responsável é aquele que tira proveito da atividade danosa, com base no princípio do ubi emolumentum, íbis ônus – onde está o ganho, aí reside o encargo (FILHO, 2014, p. 217). Em contrapartida, a teoria do risco criado abstrai a noção de proveito e considera como fundamento da responsabilidade a mera atividade criadora de risco, visto que em decorrência de sua atividade ou profissão, se cria um perigo e está sujeito à reparação do dano quem der causa, exceto se houver prova que o ofensor utilizou todas as medidas idôneas para evitar o dano (PEREIRA, 2008, p. 34).
No que concerne a teoria do risco de empresa, esta aplica a mesma ideia do risco-criado à atividade empresarial, considerando-lhe inerentes certos riscos e a teoria do risco integral, onde atribui a obrigação de indenizar pelo simples fato da ocorrência do dano, independentemente da existência de qualquer outro fator, como culpa ou nexo de causalidade, podendo ainda ser mitigado o risco, ou seja, comportando algumas excludentes de responsabilidade (NORONHA, 2003, p. 486-487).
Toda teoria sofre tendências de chegar a extremos, com a Teoria do Risco não seria diferente, defensores da Teoria da Culpa e opositores a Teoria do Risco, apresentam seis críticas contra a presente teoria, destacadas por Alvino Lima em sua obra (LIMA, 1998, p. 203):
“a) a teoria do risco seria meramente material, não se importando com a pessoa; b) o deslocamento do centro da aplicação do direito do indivíduo para a sociedade, quando na verdade, o indivíduo continua sendo o ponto central do direito; c) o agente deverá assumir a responsabilidade de todos os danos, de nada valendo a prudência e cautelas, gerando a estagnação da atividade individual; d) sem o proveito da atividade pelo causador do dano, não há que se falar em teoria de risco; e) a carência da conceituação de risco, sendo impreciso, incerto e vago; f) a conceituação de proveito não é clara, contrapondo o conceito de culpa que é claro e preciso, comprometendo a teoria do risco gravemente a própria ordem social.”
Entretanto, a crítica sob a Teoria da Culpa é no sentido que essa se encontra insatisfatória e superada, onde deve prevalecer o interesse da coletividade sendo que na doutrina do risco, um direito jamais pode prejudicar o outro (DIAS, 1979, p. 84).
De todo modo, todas as teorias revelam o aspecto da construção do risco como fundamento exclusivo da responsabilidade objetiva, sendo que esta modalidade não tem como escopo indagar a culpa ou dolo do agente causador do dano, mas sim, para que exista o dever de indenizar.
Frisa-se ainda, a fim de restabelecer o equilíbrio e igualdade entre as partes, foi criado o Código de Defesa do Consumidor, através da Lei nº 8.078/90, como uma forma de balancear as relações de consumo, visto que o fornecedor ou prestador de serviços possui situação econômica e probatória, na maioria das vezes, superiores aos do consumidor, parte vulnerável da relação de consumo.
A intenção do Código de Defesa do Consumidor é apresentar o equilíbrio de uma relação entre desiguais, tendo de um lado o fornecedor e de outro o consumidor, parte hipossuficiente e vulnerável.
Conforme explicitado acima, a regra no Código Civil é da responsabilidade subjetiva e a exceção será a responsabilidade objetiva, entretanto, nas disposições consumeristas ocorre o inverso, sendo a responsabilidade objetiva a regra geral e a exceção a responsabilidade subjetiva, bastando apenas que o consumidor prove o dano e o seu nexo de causalidade (SIMÃO, 2009, p. 118).
Sendo a responsabilidade objetiva como sistema geral de responsabilidade do Código de Defesa do Consumidor, essa responsabilidade também se baseia na Teoria do Risco, porém, não se admite um risco integral, mediante a mera relação de causalidade entre o fornecedor e o dano havido, mas sim, uma causalidade que necessite da demonstração de um defeito, uma ausência de qualidade no produto ou serviço (GODOY, 2010, p. 138).
Conforme tópico a seguir, será explicitado amplamente os critérios de cada modalidade de responsabilidade, além das tendências pelas quais o instituto da responsabilidade civil tem passado na atualidade, em razão dos novos interesses juridicamente relevantes.
2. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA, OBJETIVA E PELO RISCO.
Neste tópico do trabalho se apresentará os conceitos de responsabilidade subjetiva, objetiva e pelo risco, a partir da análise dos dispositivos contidos no Código Civil e da literatura jurídica, em especial, porque um título especialmente dedicado à responsabilidade civil (Título IX do Primeiro Livro da Parte Especial), que se inicial no art. 927 e vai até o art. 954, além de outros dispositivos esparsos.
A responsabilidade civil subjetiva é aquela calcada no pressuposto da culpa, e, no Código Civil brasileiro, está estampada, como cláusula geral, no art. 186[1] conjugado como o art. 927.[2] Assim, aquele que praticar um ato ilícito, perfectibilizado na violação de direito de outrem por um ato ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ficará obrigado a ressarcir o dano cometido.[3] A culpa é tão importante para o conceito da responsabilidade civil subjetiva que atua como um critério de seleção dos interesses merecedores da tutela ressarcitória (CRUZ, 2005, p. 245),[4] dado que, em conjunto com a prova do nexo causal, passou a ser denominada de filtro da responsabilidade civil ou filtro da reparação (SCHREIBER, 2015, p. 11).
Analisando a responsabilidade civil subjetiva, Caio Mário da Silva Pereira (1990, p. 35) destaca:
“A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima. Assim procedendo, não considera apto a gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer. Somente será gerador daquele efeito uma determinada conduta, que a ordem jurídica reveste de certos requisitos ou de certas características.
Assim considerando, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a culpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.”
De se fixar que, na responsabilidade civil subjetiva, “o elemento culpa, provada ou presumida, é indispensável para ensejar o dever de reparar o dano” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 150).
Enquanto isso, a responsabilidade civil objetiva é aquela pela qual basta haver dano, para que sobrevenha o dever de reparar, não se cogitando em prova da culpa e, em regra, pressupõe a ocorrência de ato ou situação ilícita, dano e nexo causal.
Ao analisar a distinção entre a responsabilidade subjetiva e objetiva, José de Aguiar Dias (1979, p. 94 e 95) aponta com propriedade que: “No sistema da culpa, sem ela, real ou artificialmente criada, não há responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou melhor, esta indagação não tem lugar.”
Segundo Maria Helena Diniz (2004, p. 48):
“A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda).”
No direito brasileiro a responsabilidade objetiva surgiu através de leis especiais.[5] Atualmente, o Código Civil expressamente consagrou a responsabilidade civil objetiva[6] prevendo várias situações nas quais é dispensado o elemento culpa, como o abuso de direito (art. 927 c/c art. 187), a atividade de risco por fato do serviço (art. 927, parágrafo único), pelo fato do produto (art. 931), por fato de outrem (arts. 932 e 933), por fato da coisa e do animal (arts. 936 a 938), responsabilidade dos incapazes (art. 928).
Segundo Louis Josserand (1941, p. 557), o criador do risco passaria a ser seu próprio segurador, dissociando a responsabilidade do elemento culpa. Levando-se em consideração essa concepção, haveria a responsabilização do agente, com a transferência da figura da culpa para ideia de risco, com fundamento em quatro premissas, segundo Felipe Kirchner (2010, p. 629): “(1) necessidade de reparação dos danos causados; (2) dificuldade na demonstração da culpa do ofensor; (3) imputação do agente pelo risco da atividade desenvolvida; (4) finalidade de socialização dos riscos.”
Desse modo, retirando-se o elemento subjetivo da culpa no plano da responsabilidade civil:
“amplia-se o número de casos passíveis de serem ressarcidos e se responsabiliza o agente que, por explorar atividade econômica, tem as condições materiais de repartir os prejuízos entre a coletividade beneficiária da manutenção da própria fonte de risco. (KIRCHNER, 2010, p. 629)”
Por seu turno, a reponsabilidade civil pelo risco, estampada no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, reconhece que haverá obrigação de reparar o dano, “independentemente de culpa, […] quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Assim, a responsabilidade civil pelo risco parte do pressuposto de que quem obtém um bônus com a atividade que desempenha dever arcar, igualmente, com o ônus.
Na análise de referido dispositivo legal, formaram-se, ao menos, cinco desdobramentos, a saber: a) teoria do risco-proveito, que tem como sustentáculo a ideia de que o dever de reparação está ligado ao proveito obtido por aquele que explora uma atividade danosa, isto é, quem extrai proveito da atividade deve responder pelos riscos que ela traz; b) teoria do risco profissional ou risco de empresa, que, por seu turno, determina o dever de indenizar a partir do prejuízo ocasionado no desempenho da atividade laborativa ou empresarial, considerando-lhes inerentes certos riscos; c) teoria do risco integral, é aquela em que se justifica o dever de indenizar até mesmo quando não existente o nexo de causalidade, não se admitindo a exclusão da responsabilidade nem mesmo quando presentes a culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior; d) teoria do risco-criado, que se baseia no fato de que atividade desempenhada, por si só, é criadora de risco, ou seja, o risco é inerente a atividade, assim, cada vez que uma pessoa, por sua atividade, cria um risco para outro, deveria responder pelas consequências danosas; e, e) teoria do risco mitigado, é uma variação da teoria do risco integral, admitindo-se a exclusão da responsabilidade por caso fortuito ou força maior (SCHREIBER, 2015, p. 28 e 29).
Analisando-se o comando legal contido no art. 927, do Código Civil, Luiz Roldão de Freitas Gomes (2003, p. 457) apontou que o legislador brasileiro acabou por se filiar ao conceito de risco criado. Veja-se:
“Inequivocadamente, filiou-se o legislador aqui ao conceito de risco criado. Nas palavras do inolvidável Mestre, Prof. e Des. Serpa Lopes (Curso de direito civil. Vol. V, p. 155) “pelo próprio fato de agir, o homem frui todas as vantagens de sua atividade, criando riscos de prejuízos para os outros, de que resulta o justo ônus dos encargos”. Segundo o Prof. Caio Mário da Silva Pereira (Responsabilidade civil. Forense, 1989. p. 300) ela tem lugar “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. É mais vantajosa do que a concepção do risco-proveito, porquanto não impõe ao prejudicado o ônus de demonstrá-lo em favor do autor do dano, menos ainda questiona sobre sua natureza, se de ordem econômica, ou não. “O que se encara é a atividade em si mesma, independentemente do resultado bom ou mau que dela advenha para o agente (…)”. “A ideia fundamental da teoria do risco pode ser simplificada, ao dizer-se que, cada vez que uma pessoa, por sua atividade, cria um risco para outrem, deveria responder por suas consequências danosas”. Vai nisso um problema de causalidade. No Direito Italiano, Massimo Bianca (Responsabilitá civile. Milano: Giuffrè, 1994. p. 686 e SS.) explana que a responsabilidade objetiva se inclui na noção e disciplina do ilícito e revela idêntico fundamento: a violação do dever de respeito a outrem. Corresponde à exigência prevalente de tutelar terceiros também contra fatos não culpáveis daqueles que, mediante atividades ou coisas, expõem os outros a um perigo não completamente evitável, embora com emprego da diligência adequada à natureza das atividades ou da coisa. Está conforme o princípio de justiça social, segundo o qual o risco de danos a terceiros inevitavelmente conexos a uma atividade ou coisa deve ser suportado por quem a exerce ou usa a coisa.”
Diante do apresentado, então, pode-se reconhecer no direito brasileiro um movimento que aponta pelo afastamento da importância da culpa como elemento caracterizador da responsabilidade, para um apontamento cada vez maior das hipóteses de responsabilidade objetiva.
3. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL
Neste tópico serão delineadas algumas ponderações sobre o princípio da reparação integral.
O princípio da reparação integral rege o tema da responsabilidade civil e significa que a indenização deve corresponder à exata medida do dano experimentado pela vítima, tanto no plano contratual quanto no extracontratual, conforme disposto no caput do art. 944, do Código Civil.[7] A Constituição Federal de 1988 também agasalha o princípio da reparação integral, uma vez que o art. 5º, V, determina que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Não há que se falar, portanto, em gradação da culpa (SCHREIBER, 2015, p. 44).
Para Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (2010, p. 19) o princípio da reparação integral:
“[…] busca colocar o lesado em situação equivalente à que se encontrava antes de ocorrer o ato ilícito, ligando-se diretamente à própria função da responsabilidade civil, que é fazer desaparecerem, na medida do possível, os efeitos do evento danoso.”
Por seu turno, a amplitude do referido princípio estampado no art. 944, do Código Civil, está, certamente, intimamente ligada ao art. 403, do Código Civil,[8] de modo que o ressarcimento do dano patrimonial sofrido não poderá ser inferior aos lucros cessantes e aos danos emergentes.
Contudo, o parágrafo único do art. 944, do Código Civil, em aparente restrição ao caput que retrata a irrelevância dos graus de culpa para fixação do montante ressarcível, autoriza o magistrado a reduzir, equitativamente, a indenização “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano” (SCHREIBER, 2015, p. 44).
Para Schreiber (2015, p 44), “a irrelevância dos graus de culpa permanece válida para fins de configuração do dever de indenizar (an debeatur), não já para a sua quantificação (quantum debeatur)”. Seria a norma estampada no parágrafo único do art. 944, do Código Civil, norma iluminada pelo espírito da equidade, com fim de se evitar um ônus excessivo, permitindo-se, igualmente, analisar o caso concreto para se definir um valor justo a título de ressarcimento (SCHREIBER, 2015, p 44).
Por seu turno, analisando o contido no parágrafo único do art. 944, do Código Civil, Rui Stoco (2010, p. 1076) reconhece seu caráter de exceção e ser ele equivocado e nocivo, pois, em seu entender:
“[…] se reparar o dano é restituir as coisas ao estado anterior, a redução do valor, tendo em vista o grau da culpa, não indeniza integralmente e não cumpre aquele princípio, dando ao julgador indesejado poder discricionário e um perigoso critério subjetivo de avaliação.”
Comentando o parágrafo único do art. 944, do Código Civil, Pablo Stolze Gagliano (2002, p. 529), observou:
“Acontece que o Código Civil recém-aprovado altera profundamente o tratamento da matéria, ao permitir, em seu parágrafo único do art. 944, que o juiz possa, por equidade, diminuir a indenização devida, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.
Ora, tal permissivo, subvertendo o princípio de que a indenização mede-se pela extensão do dano, permite que o juiz investigue culpa para o efeito de reduzir o quantum debeatur. É o caso, por exemplo, de o magistrado constatar que o infrator não teve intenção de lesionar, embora haja causado dano considerável. Será que a vetusta classificação romana de culpa (leve, grave e gravíssima), oriunda do Direito Romano, ressurgiu das cinzas, tal qual Fenix?
Não sei até onde vai a utilidade da norma, que, sem sombra de dúvida, posto possa se afigurar justa em determinado caso concreto, rompe definitivamente com o princípio de ressarcimento integral da vítima.
Isso sem mencionar que o ilícito praticado pode decorrer do exercício de atividade de risco, ou estar previsto em legislação especial como ensejador de responsabilidade objetiva, e o juiz, para impor a obrigação de indenizar, não necessite investigar a culpa do infrator. Como então explicar que, para o reconhecimento da responsabilidade seja dispensada a indagação da culpa, e para a fixação do valor indenizatório, a mesma seja invocada para beneficiar o réu?”
Tem, portanto, caráter de norma excepcional o parágrafo único do art. 944, do Código Civil, e como tal deve ser interpretada com cautela extrema, de forma estrita, para que não se entendam além dos casos expressamente delimitados em que a própria situação da vítima gera um risco de dano superior ao risco médio que vem embutido no convívio social (TEPEDINO; BARBOZA; MOARES, 2006, p. 860).
No entanto, não se deve fazer diferenciação quanto à aplicação da solução apresentada pelo parágrafo único do art. 944, do Código Civil. Por ser norma cogente, deve ser aplicada quando analisado qualquer espécie de dano – patrimonial ou extrapatrimonial – ou regime de responsabilidade, caso assim indique necessário o resultado da ponderação das circunstâncias no caso concreto.[9]
Neste viés, o parágrafo único do art. 944, do Código Civil, possui caráter humanitário, com vistas a preservar o mínimo existencial necessário a manutenção de uma vida digna, a mitigar, portanto, o princípio da reparação integral.
4. PENA PRIVADA
4.1 Noções iniciais
Cumpre observar, inicialmente que pena priva é a punição que o magistrado aplica além da indenização de compensação a um sujeito que cometeu um dano.
Ocorre que “a teoria da ‘pena privada’ foi defendida, em meados do século XX, por Boris Starck, em tese na qual procurava demonstrar que a “hostilitè universelle” para com tal doutrina era gratuita e injustificada” (MORAES, 2009, p. 219-220).
Importante ter em mente ainda que esta teoria já havia sido sustentada por Louis Hugueney, na França. Entretanto ficou por muito tempo completamente esquecida, até que então Boris Starck vem disposto a uma nova sistematização à responsabilidade civil, e esta teoria se torna útil no que se refere a necessidade de fundamentos com maior poder de adesão para fortalecer a ideia de dano moral (MORAES, 2009, p. 219-220) .
Sergio Cavalieri Filho (2015, p. 137) cita Caio Mario, afirmando que
“na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos […] I – punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – pôs nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie. “
Salienta que o Ministro Moreira Alves, sustenta que a questão da compensação somente serve para pessoas de classes desfavorecidas, e que sendo o único fundamento da reparação, chegou-se a conclusão de que a vítima rica nunca seria reparada. Dessa forma, resulta no entendimento de que a reparação do dano moral possui um caráter de pena privada também (MORAES, 2009, p. 220-221).
Note-se que, ao levar em conta o que diz o Ministro Moreira Alves, estaria estabelecendo uma diferença de critérios para julgar dependendo da situação econômica do agente ofendido, o que seria, claramente, uma afronta ao princípio da igualdade.
Cumpre observar que a situação econômica do sujeito ofendido não pode ser tida como critério, já o do ofensor é possível que sim, uma vez que assim pode ser medido o que seria punição ou não para o ofensor.
4.2 A doutrina do punitive damages
Por meio deste ideal, a doutrina dos punitive damages, nos apresenta a finalidade punitiva da responsabilidade civil, de modo que, deve a vítima ser compensada e o ofensor da lesão ser punido.
Salienta que em países integrantes da família romano-germânica, foi assentado a divisão dos instrumentos ressarcitórios e punitivos. Já no direito Inglês, ressalvando algumas exceções, tal divisão foi sensivelmente relativizada. Observa ainda que no direito norte-americano, além de reparação e compensação, há a ideia de prevenção de danos futuros (ANDRADE, 2008, p. 3).
Importante ter em mente que “os punitive damages constituem uma soma de valor variável, estabelecida em separado dos compensatory damages, quando o dano é decorrência de um comportamento lesivo marcado por grave negligência, malícia ou opressão” (ANDRADE, 2008, p. 3). Ou seja, é uma forma de punir o agente ofensor do dano por ter gerado determinada consequência com sua pratica, e também é uma forma de desestimular que tal conduta volte a ser repetida.
Nesta Esteira, cumpre relatar que, conforme afirma Linda Schlueter e Keneth Redden, “ficam de fora do âmbito dos punitive damages as condutas lesivas decorrentes da ignorância, culpa simples ou engano” (ANDRADE, 2008, p. 3), dessa forma caso a conduta lesiva não haja elementos como malicia, negligencia grave, dentre outros, não pode ser enquadrado os punitive damages.
É valido deixar claro que, não é somente no dano moral que há a aplicação dos punitives damages, tento que o principal objetivo é de punir o ofensor do dano para que ele não mais o repita, e outros tomem como exemplo e também se abstenham de tal prática, pois uma vez que cometer o dano também será punido (ANDRADE, 2008, p. 3).
Salienta que a crítica principal que sofre os danos punitivos nos Estados Unidos é a sua completa imprevisibilidade, Maria Celina Bodin de Moraes cita o exemplo famoso da Senhora Stella Liebeck, de 79 anos que derramou um café em seu colo e obteve do McDonald’s indenização de U$2,7 milhões atribuída pelo júri (MORAES, 2009, p. 229-230).
Vale deixar claro que o caso citado acima é interessante de ser analisado e chega, de certo ponto, a ser preocupante. Uma vez que o que normalmente seria considerado como culpa exclusiva da vitima, pelo fato de ter derrubado café nela própria, houve uma decisão no valor de U$2,7 milhões.
Ocorre que, posteriormente o juiz reduziu o valor da indenização e não foi divulgado o valor final que a Senhora Liebeck recebeu, mas foi revelado que a titulo de punitive damages foi U$480 mil (MORAES, 2009, p. 232).
Entretanto, ainda é um valor alto pelo caso concreto, se analisarmos a possibilidade de culpa exclusiva da vitima. Porém, ao observar que o sujeito causador do dano é uma Empresa como o McDonald’s, e para que o punitive damages tenha algum efeito prático, tal indenização deveria ser alta, caso contrário não teria eficácia.
4.3 Críticas ao caráter punitivo
Ainda que necessária como forma de persuadir a conduta indevida de ofensores, seja de empresas de grande porte ou até mesmo de indivíduos comuns, o caráter punitivo da responsabilidade civil é visto com certa ressalva aos olhos da doutrina brasileira.
Ressalta-se alguns questionamentos no que diz respeito a especificação da função punitiva da reparação pelo dano moral, tais como: “se tal reparação há de ter caráter punitivo, como, na prática, ela se traduz em critérios ou parâmetros a serem utilizados pelo juiz? seria o caso de reconhecer parcela específica para fazer frente a punição?” (MORAES, 2009, p. 258), dentre outros.
Importante ter em mente que a jurisprudência da 4ª Turma do STJ, traz que deve ser observado dois critérios para verificar a amplitude do caráter punitivo, sendo o grau da culpa e a situação econômica do agente ofensor, uma vez que para uma punição de fato, deve se ater em quem praticou, não o que praticou (MORAES, 2009, p. 259).
Importante observar que “os punitive damages não vem admitidos como parcela adicional de indenização, mas aparecem embutidos na própria compensação do dano moral. Assim, a doutrina [..] sustenta um duplo grau de reparação” (SCHREIBER, 2015, p. 211-212).
Ocorre que, esse duplo grau é o caráter compensatório somado ao caráter punitivo. Sendo que, o primeiro assegura o sofrimento da vítima, e o segundo funciona como um castigo, uma punição pelo ato que o agente ofensor cometeu (SCHREIBER, 2015, p. 211-212).
Vale ter em mente que “a principal razão alegada por aqueles que não admitem o caráter punitivo da indenização pelo dano moral é o fato de não termos regra escrita que preveja expressamente essa espécie de sanção” (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 137).
Maria Celina Bodin de Moraes faz uma critica forte nos casos onde a função punitiva corre solta, alertando primeiro que não há qualquer significado preventivo ou pedagógico, e segundo, que há um grande incentivo a malícia e também a uma mercantilização das relações existenciais (MORAES, 2009, p. 261).
Nesse ponto, percebemos que estamos diante de uma situação extremamente delicada, ao passo que estaremos tratando o dano como objeto de mercado, ou seja, é possível que se cometa o dano, basta que esteja disposto a pagar o preço.
Observa ainda que quando se impõe o caráter punitivo no dano moral, esta se abrindo um fenda num sistema que buscou sempre dar todas as garantias contra o injustificável bis in idem (MORAES, 2009, p. 261).
Maria Celina Bodin de Moraes cita Pontes de Miranda que afirma que “a teoria da responsabilidade civil pela reparação dos danos não há que se basear no propósito de sancionar, de punir, a culpa, a despeito de se não atribuir direito à indenização por parte da vitima culpada” (MORAES, 2009, p. 262). E ainda entende que “o pagamento indenizatório a titulo punitivo seria claramente uma afronta ao principio do enriquecimento ilícito” (MORAES, 2009, p. 262). Dessa forma, é entendido que não é função da responsabilidade civil ficar punindo simplesmente, mas sim de sempre buscar a reparação integral do dano.
Importante se observar que “a incorporação dos punite damages pela prática judicial brasileira traz, ainda, consideráveis inconsistências face ao principio de proibição ao enriquecimento sem causa […], além de ferir frontalmente a dicotomia entre o ilícito civil e ilícito penal” (SCHREIBER, 2015, p. 213). Uma vez que, sem nenhum critério a punição pecuniária é atribuída a vitima, e com relação a afronta a dicotomia, o campo do direito penal é invadido sem as mínimas garantias e sem serem observados os aspectos legais.
Entretanto deve-se usar com extremo cuidado o caráter punitivo do dano, e utilizá-lo apenas em situações excepcionais, e onde é a única opção para o momento, e o único modo que se levaria a serio (MORAES, 2009, p. 263).
Por fim, verifica-se que não é possível, em certos casos, conferir efetiva proteção à dignidade humana e aos direitos da personalidade se não através da imposição que constitua fator de desestimulo ou dissuasão de condutas semelhantes do ofensor ou de terceiros.
4.4 Pressupostos para aplicação da indenização punitiva
São três os pressupostos para que haja a aplicação da indenização punitiva: ter havido um dano moral, a culpa grave do agente causador do dano, e ainda como pressuposto autônomo quando há lucro ilícito do ofensor.
Quanto ao dano moral, é entendido como a ofensa a um direito da personalidade, sendo princípios como da dignidade humana e direitos da personalidade, muito embora não legitimem, impõem emprego da indenização punitiva como resposta jurídica necessária contra o ataques a esses direitos (ANDRADE, 2008, p. 9).
Com relação à culpa grave do ofensor, ao tratamos de responsabilidade civil, não há que se medir a culpa do ofensor, porém quando se está diante de um dolo, ou uma culpa grave do sujeito lesante, estaria dando ensejo para a aplicação da indenização punitiva (ANDRADE, 2008, p. 10).
Por fim, de acordo com o posicionamento da doutrina pesquisada, há um terceiro ponto, a obtenção de lucro com o ato ilícito, que por si só dará ensejo a indenização punitiva, independente do grau de culpa do ofensor. E até mesmo no caso de dano material com a obtenção de lucro na prática do ilícito haverá a possibilidade da aplicação da indenização punitiva (ANDRADE, 2008, p. 10).
4.5 Aplicabilidade de indenizações punitivas no ordenamento jurídico brasileiro
Por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, esculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, está a base lógico-jurídica para a aplicação da indenização punitiva em nosso ordenamento jurídico.
Anderson Schreiber afirma que “uma compensação mais personificada asseguraria tutela mais efetiva à dignidade humana que a aplicação generalizada de indenizações punitivas a qualquer hipótese de dano moral” (SCHREIBER, 2015, p. 214), ou seja, melhor é procurar que possa dar a devida reparação a vitima lesada, pois o fato de atribuir montantes elevados, procurar punir o agente ofensor não assegura uma efetiva reparação ao lesado.
Ocorre que mesmo em situações onde se encontra certa malícia ou condutas reiteradas, “ainda assim outros instrumentos mostram-se disponíveis sem a necessidade de reformas tão drásticas quanto aquelas que se fariam necessárias para o agasalhamento dos punitive damages no ordenamento brasileiro” (SCHREIBER, 2015, p. 214-215). Assim sendo, deve ser sempre buscado uma alternativa paralela do que indenizações punitivas, mesmo quando está diante de situações onde há clara malícia, conforme cita o autor.
Observa-se ainda que nos Estados Unidos os punitive damages vem sofrendo criticas duras, sendo que no Estado da Califórnia “são restritos aos casos em que há inequívoca demonstração de intenção dolosa ou malicia do ofensor. […] a exemplo do que ocorre na Califórnia, onze Estado americanos já editaram leis limitando expressamente a incidência das indenizações punitivas” (SCHREIBER, 2015, p. 216), e sem contar ainda que a Suprema Corte tem estipulado limites ao punitive damages, ao menos no que diz respeito a sua quantificação.
Vale ter em mente que a tese da reparação punitiva é de certo modo inadequado, pois se situa “na contramão da evolução mais recente da responsabilidade civil. […] os punitive damages são a essência da orientação contrária. […] Opõem-se, desta forma, a toda marcha que a responsabilidade civil vem desenvolvendo nos dois últimos séculos” (SCHREIBER, 2015, p. 217).
Destarte, diante o exposto acima, entende-se que seria complicado adotar os punitive damages no Brasil, uma vez que ele se preocupa em punir o agente o ofensor e atribui montantes elevados com a finalidade de desestimular a prática de novas condutas semelhantes. Porém, a figura da vitima é deixada de lado, embora receba esse montante da indenização punitiva, a indenização punitiva não olha, inicialmente para a vítima, e o dano que foi gerado, ela olha para o ofensor, e busca uma maneira de puni-lo.
A indenização punitiva até possui pontos bons, ou seja, com ela o sujeito ofensor irá pensar mais de uma vez antes de cometer o dano, haja vista que possui essa característica de desestimular o ofensor, porém, também possui vários pontos preocupantes, isto é, corre-se o risco de haver uma “prática de mercado”, sendo que se autoriza o cometimento de um dano, bastando que o sujeito esteja disposto a pagar o preço, preço este que nem sempre irá satisfazer os anseios da vitima ofendido.
Desse modo, salienta que a responsabilidade civil tem o dever de buscar reparar o dano, e fazer com que a vitima lesada retorne a um estado anterior como se o dano não tivesse ocorrido, e também tem a função de desestimular a pratica reiterada de condutas potencialmente lesivas, e sendo assim, entende-se que, de acordo com o atual cenário nacional, a função punitiva utilizada de maneira correta e com critérios específicos, seria sim a solução para o sistema da responsabilidade civil.
5. SECURITIZAÇÃO
5.1 Desenvolvimentos dos seguros de responsabilidade civil
Importante ter em mente inicialmente que, nem sempre se observou alguma compatibilidade entre a responsabilidade civil e a securitização. Tinha-se em mente que se perdia a essência da responsabilidade civil o fato de transferir a outrem a responsabilidade de reparar o dano.
Ocorre que “nas ultimas décadas vem-se acentuando, cada vez mais forte, um movimento no sentido da socialização dos riscos” (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 234).
Cumpre relatar que foi com o desenvolvimento da responsabilidade civil, ao querer desestimular a pratica de condutas potencialmente lesivas, condutas culposas, que fizeram com que se amplia-se a técnica securitária, uma vez que, com os elevados montantes ressarcitórios exigidos aos agentes ofensores, estes não estavam preparados ou dispostos a arcar com tamanhas reparações (SCHREIBER, 2015, p. 230-231).
Sendo assim, observa-se que “o desenvolvimento dos seguros de responsabilidade civil evidencia uma busca espontânea dos agentes potencialmente lesivos […] por uma repartição de riscos, com a distribuição entre si dos danos advindos de sua atividade primordial” (SCHREIBER, 2015, p. 232). Dessa forma, estaria garantida a reparação, sem riscos de insolvência por parte do agente ofensor.
Note-se, portanto, que “o advento dos seguros de responsabilidade civil, mesmo nos casos de responsabilização por culpa, altera o resultado final da responsabilização que […] deixa de transferir ao réu o dano, para difundi-lo entre diversos potenciais responsáveis” (SCHREIBER, 2015, p. 232). Sendo que, ao difundir o dano, têm-se uma segurança de que a vitima vai ser ressarcida.
Importante se observar que, “a vitima do dano […] passa a ser o enfoque central da responsabilidade civil. Em outras palavras, a responsabilidade, antes centrada no sujeito responsável, volta-se para a vítima e a reparação do dano por ela sofrido” (SCHREIBER, 2015, p. 234). Ou seja, com a ideia de securitização, a ideia é proteger a vitima, garantindo que ela seja reparada.
Dessa forma, pode se analisar um lado bom nesse sentido, uma vez que muitas vezes a vitima não tinha certeza que seria reparada. O fato de varias ações condenando os sujeitos ofensores a montantes elevados, não garantiam que o sujeito ofensor pudesse arcar com tais gastos. E por consequência, a vitima nem sempre era reparada.
Entretanto, também deve ser observar o outro lado, sendo que essa divisão do montante acontecendo, poderiam se ter tendências a aumentar o danos, sendo que, o sujeito causador do dano não iria ser o responsável por arcar sozinho.
Importante ter em mente que quando se fala em diluição dos danos na própria sociedade “o dano, por esse enfoque, deixa de ser apenas contra a vítima para ser contra a própria coletividade, passando a ser um problema de toda a sociedade” (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 234), sendo considerado um problema pelo fato de que o sujeito que comete o dano sozinho, não mais é responsável a indeniza-lo, uma vez que cada indivíduo irá arcar com uma fração.
Ressalta ainda que “muitos autores, aqui se estaria tão distante da concepção tradicional de responsabilidade civil que melhor seria falar em solidariedade pura e simples” (SCHREIBER, 2015, p. 234), porém o autor citado afirma que “melhor orientação, contudo, parece ser a que enxerga a responsabilidade civil de forma mais ampla, como uma técnica de administração justa dos danos produzidos em sociedade” (SCHREIBER, 2015, p. 234).
Cumpre ser relatado que, o seguro, nada mais é do que, uma técnica que é utilizada para alcançar a socialização do dano, sendo que distribui os riscos entre os segurados. (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 235).
Importante destacar que, “na doutrina francesa, com adeptos no Brasil, chega-se, mesmo, a sustentar que, a curto prazo, a responsabilidade individual será substituída pelos seguros privados e sociais, com a criação de fundos coletivos de reparação” (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 236).
A par disso, salienta que na Nova Zelândia têm-se um exemplo de socialização dos riscos com a edição da Accident Compensation Act, em 1974, uma iniciativa ousada que ensejavam considerações conclusivas diante de posicionamentos que apoiavam a socialização dos riscos como tábua de salvação final do instituto da responsabilidade civil (MORSELLO, 2006, p. 15-16).
Ocorre que, “a edição do Accident Compensation Act pelo Parlamento da Nova Zelândia […] teve por escopo principal a justa indenização das vítimas de acidentes, sem a necessidade de que fossem instauradas lides processuais” (MORSELLO, 2006, p. 16).
Logo, ocorreu um aspecto positivo para que evitasse a proliferação de ações ajuizadas pelos agentes lesados.
5.2 Seguros privados obrigatórios
Vale observar que o motivo principal do aumento de seguros no Brasil, se deu pelo fato de que haviam indenizações extremamente elevadas em caráter punitivo.
Cumpre relatar que, com elevadas condenações a título punitivo “o dever de comportar-se de forma cuidadosa vai, na visão de alguns autores, se identificando em parte, com o dever de contratar seguro para qualquer atividade habitualmente lesiva” (SCHREIBER, 2015, p. 241). Sendo assim, um meio para o qual o agente se livra de ter que pagar quantias elevadas, tendo em vista que muitas vezes o ofensor não tem nem condições para arcar.
Outrossim, a imposição, por lei, do dever de contratar seguro transfere do poder público para o particular o ônus da implementação de um sistema coletivo de reparação. É o que se vê no Brasil com relação aos acidentes de trabalho e, muito timidamente, no que tange aos acidentes automobilísticos (SCHREIBER, 2015, p. 241).
Ocorre que, com a tendência da securitização “a crítica mais comum à solução dos seguros privados obrigatório é a de que, com isto atribui-se a um problema eminentemente público” (SCHREIBER, 2015, p. 242). E “outra crítica comum é a de que os seguros privados obrigatórios […] poderiam desestimular a adoção do cuidado médio por cada pessoa, já que o ônus recairia em ultima analise, sobre a seguradora, restando isento o causador de qualquer redução patrimonial ” (SCHREIBER, 2015, p. 242). Dessa forma, a crítica a securitização entende que o sujeito ofensor não irá se importar em praticar uma conduta danosa.
Em posição divergente da critica, Anderson Schreiber afirma que “o inteiro ramo negocial de seguros desenvolveu e já emprega instrumentos de estímulo à conduta cuidadosa, que são absolutamente compatíveis com a instituições de seguros privados obrigatórios aqui proposta” (SCHREIBER, 2015, p. 243), fazendo com que os indivíduos não cometam atitudes que possam gerar o dano.
É muito importante entender que “a opção por seguros privados legalmente obrigatórios não exclui, necessariamente, as ações de responsabilização, mas reduz sensivelmente seus tormentos e possibilita a diluição do custo reparatório sobre toda a coletividade de agentes potencialmente lesivos” (SCHREIBER, 2015, p. 244). Ou seja, caso o sujeito entenda que possui um dano de maior que não foi reparado de modo completo ele pode, perfeitamente, ajuizar ação de reparação, porém, entende-se que com o avanço da securitização, as ações que pleiteiam indenizações tendem a diminuírem.
Destarte, é evidente que há uma tendência a securitização no Brasil, porém seria a securitização o meio ideal para a responsabilidade civil brasileira? Não pode ser negado que a securitização traria uma segurança de que o indivíduo ofendido seria efetivamente compensado, uma vez que, não teria o risco de o sujeito ofensor não conseguir arcar com a condenação. Mas será, mesmo, que o seguro vai arcar com o dano sem averiguar o grau da culpa do agente ofensor? Essa é uma pergunta que se tem que fazer antes de defender a tese da securitização.
Embora tenha muitos lados bons, a securitização é preocupante no sentido de que pode gerar certa irresponsabilidade nos indivíduos de um modo geral, e também pela incerteza de que o seguro arcaria com o dano do ofensor sem nenhuma espécie de averiguação.
Dessa forma, entende-se que a securitização, embora tenha alguns aspectos favoráveis para a responsabilidade civil, não se pode afirmar com clareza que essa seria a solução. E sendo assim, a solução mais coerente seria atribuir a responsabilidade civil a função de pena privada.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A responsabilidade civil decorre do dever de reparação por parte do agente causador do dano, sendo que na modalidade subjetiva é indispensável o elemento culpa para ensejar o dever de reparação do dano. Enquanto que, na modalidade objetiva, basta haver o dano para que sobrevenha o dever de reparar, não se cogitando em prova da culpa e, em regra, pressupondo a ocorrência de ato ou situação ilícita, dano e nexo causal, além da necessidade desta decorrer de lei.
Aprofundou-se ainda, acerca da teoria do risco, cujo qual serve de embasamento jurídico da responsabilidade objetiva, na qual todo prejuízo é imputado ao seu autor e reparado por quem o causou, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo ofensor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Porém, destaca-se que a responsabilidade objetiva se difere da responsabilidade pelo risco. A primeira, apresentada na primeira parte do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, decorre de lei, como nos casos expostos pelo Código de Defesa do Consumidor, quanto a responsabilidade do fornecedor e prestador de serviços. A segunda por sua vez, presente na parte final do parágrafo único do artigo retro mencionado, consiste na responsabilização pelo autor do dano quando apresentar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, como nos casos de responsabilidade civil por danos nucleares e das estradas de ferro.
Igualmente, a presente pesquisa discorreu sobre diferentes enfoques aos diversos desdobramentos que incluem a teoria do risco, tais como a teoria do risco-criado, a teoria do risco de empresa, a teoria do risco integral e a teoria do risco mitigado e as críticas voltadas a uma responsabilização unicamente pela teoria da culpa.
Com as modalidades de responsabilidade explicitadas e suas teorias apresentadas, foi apresentada a problemática sobre a pena privada e o caráter punitivo que norteia a responsabilidade civil, de modo que esta finalidade se preocupa em punir o agente ofensor e atribuir montantes elevados de indenizações com a finalidade de desestimular a prática de novas condutas danosas.
Embora o caráter punitivo da responsabilidade civil possua pontos positivos, podemos ser submetidos a uma “prática de mercado”, onde automaticamente está sendo autorizado um dano, bastando que aquele ofensor esteja disposto a pagar um preço.
Igualmente, discorreu sobre o problema da securitização da responsabilidade civil, tanto no Brasil, quanto em outros países que a utilizam/utilizaram, de modo que, a securitização traria uma segurança de que o indivíduo ofendido seria efetivamente compensado, sendo que, talvez, o sujeito ofensor não conseguiria arcar com a indenização, porém, ao mesmo tempo, poderia gerar certa irresponsabilidade nos indivíduos de um modo geral, uma vez que, independentemente de quem cometa a conduta lesiva, a coletividade irá arcar com os gastos de sua reparação.
Portanto, conclui-se que é dever da responsabilidade civil buscar a reparação do dano, e fazer com que a vítima ou bem lesado retorne a um estado anterior como se o dano não tivesse ocorrido, devendo o ofensor arcar com os danos de maneira a não mais cometer novos atos ilícitos, bem como ater-se em se conscientizar da importância da prevenção e precaução em suas atividades.
Informações Sobre o Autor
Eduardo da Silva Calixto
Aluno especial do Programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina UEL. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR Campus Londrina. Advogado