FABIANO JOSÉ DE OLIVEIRA SILVA[1]
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo analisar o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU como instrumento de política urbana, na busca da efetivação da função social da propriedade. Objetiva ainda, analisar as nuances e os pressupostos fáticos e legais necessários para a consecução das políticas urbanísticas através da progressividade no tempo do IPTU. Será utilizada a pesquisa bibliográfica e consulta a repositório de legislação nacional, disponível em <http://www.planalto.gov.br>, com intuito de buscar o conceito da função social da propriedade e suas inflexões, bem como entender o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU como instrumento de política urbana, quais possibilidades legais de sua aplicação e como ele pode influir na consecução da política urbanística visando o cumprimento da função social da propriedade.
Palavras-chaves: Propriedade – Função Social da Propriedade – Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – Progressividade.
Abstract
This paper aims to analyze the Urban Property Tax (IPTU) as an instrument of urban policy, seeking the realization of the social function of property. It also aims to analyze the nuances and the factual and legal assumptions necessary to achieve urban policies through the progressive progress of IPTU. Bibliographic research and consultation with the repository of national legislation, available at <http://www.planalto.gov.br>, will be used in order to seek the concept of the social function of property and its inflections, as well as to understand the Property Tax and Urban Territorial – IPTU as an instrument of urban policy, which legal possibilities of its application and how it can influence the achievement of urban policy aiming at the fulfillment of the social function of property.
Keywords: Property – Social Function of Property – Urban Real Estate Tax – IPTU – Progressivity.
Sumário: Introdução. 1. A Propriedade e sua função social. 2. A função social do imóvel urbano. 3. Descumprimento da função social da propriedade urbana. 4. O instrumento do parcelamento e edificação/utilização compulsórios. 5. A desapropriação do imóvel com pagamento em Títulos da Dívida Pública. 6. O Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) como instrumento da política urbana para a efetividade da função social da propriedade. 6.1. A progressividade do IPTU. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente trabalho se debruçará sobre o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU como instrumento de política urbana para a efetivação da função social da propriedade. Para isso, se fez necessária análise dos pressupostos fáticos e legais indispensáveis para a consecução das políticas urbanísticas através da progressividade no tempo do IPTU.
O tema se revela importante e atual porque, primeiramente, o Brasil viveu um intenso processo de urbanização ao longo do século XX, deixando de ser um país predominantemente rural para se tornar um país essencialmente urbano, isso sem qualquer planejamento urbanístico. Diante de tal fato social, os conflitos fundiários se intensificaram, trazendo a tona problemas sociais complexos, transformando os espaços urbanos em fator de segregação de classes, criando um ambiente de afronta a dignidade da pessoa humana.
Segundo, porque com a promulgação da Constituição Federal de 1988 os Municípios brasileiros ganharam importância e passaram a fazer parte do pacto federativo, com “status” de ente federativo, tendo como uma de suas competências expressamente previstas, a função ordenadora do território local.
No mesmo sentido, o princípio da Função Social da Propriedade alcançou força de princípio constitucional, e foi inserido topologicamente no rol dos princípios da ordem econômica, com previsão expressa no art. 170, inciso III da Constituição Federal. Em consonância com o exposto, os artigos 182 e 183 da Constituição, dando tratamento a Política Urbana, consignaram que a propriedade urbana deverá cumprir sua função social atendendo as exigências fundamentais da cidade e do bem estar de seus habitantes.
Ainda nesse diapasão, a legislação infraconstitucional regulamentou os referidos artigos constitucionais, através do denominado Estatuto da Cidade, Lei Federal nº. 10.257/2001, norteadora das ações de planejamento urbanístico. A referida lei, ainda em seu conteúdo material, mais precisamente em seu artigo 4º, elencou vários instrumentos de política urbana visando o ordenamento territorial da cidade, e entre eles o Imposto Predial e Territorial Urbano- IPTU.
Assim sendo, buscar-se-á neste trabalho estudar o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU como instrumento de política urbana, visando constatar se é ou não um instrumento capaz de conduzir a propriedade a cumprir sua função social no ordenamento urbano, formando assim um entendimento mais apurado sobre o tema.
Para tanto, será utilizada a pesquisa bibliográfica e consulta a repositório de legislação nacional, disponível em <http://www.planalto.gov.br>, com intuito de buscar o conceito da função social da propriedade e suas inflexões, bem como entender o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU como instrumento de política urbana, quais possibilidades legais de sua aplicação e como ele pode influir na consecução da política urbanística visando o cumprimento da função social da propriedade.
O caminho para alcançar tal desiderato será delinear os conceitos de propriedade e de sua função social, e num segundo momento a função social da propriedade urbana. Em ato contínuo, buscar-se-á delimitar em que se caracteriza o descumprimento da função social da propriedade urbana. Na sequencia, proceder-se-á a identificação dos instrumentos de política urbana elencados nos artigos 5º, 6º e 7º do Estatuto da Cidade. Finalizando, debruçar-se-á de maneira mais detida no foco deste trabalho, que é a análise do o imposto sobre a propriedade territorial urbano como instrumento da política urbana, os pressupostos legais e fáticos para sua aplicação.
- A propriedade e sua função social
Ao iniciarmos a discussão necessitamos delimitar o conceito de propriedade, tendo em mente que o referido conceito sofre influência das transformações por que passa a sociedade, nesse sentido o magistério de Chaves de Farias:
No Código Napoleônico de 1804, a propriedade era considerada um fato econômico de utilização exclusiva da coisa. Na ideologia liberal, o bem comum seria alcançado pela soma dos bens individuais, na medida em que todos pudessem alcançar a sua felicidade. A liberdade de contratar seria o meio de alcançar-se tanto a justiça como igualdade econômica por meio do acesso de todos à propriedade – antes monopolizada pela nobreza. O Código francês voltou-se para a tutela da esfera patrimonial dos sujeitos. Mais do que o Código das pessoas, torna-se o Código das coisas. Na mesma senda, o BGB (Código Civil Tedesco), que entrou em vigor em 1900, evidenciando um extremado rigor técnico. Porém não se preocupa em atualizar a noção individualista da propriedade, apesar da iminência de conflitos sociais. (…) A concepção de propriedade pandectística é revelada pela fórmula unitária e abstrata do § 903: ‘O proprietário de uma coisa pode, sempre que a lei ou o direito de um terceiro não se opuser, dispor da coisa à sua vontade e excluir outros de qualquer intromissão’. (…) Todas essas transformações no conceito de propriedade demonstram que ela é fruto da cultura. Por isso, talvez seja pertinente definir a natureza jurídica da propriedade como a de uma instituição social, que ora pode se constituir a partir do direito positivo e noutro momento pode servir de base para a criação de leis. (FARIAS, 2017, p. 1391-1392).
Nesse sentido, Carvalho Filho, citando José Carlos de Moraes Salles,
Na fase áurea do individualismo, durante o século XVIII, a propriedade era considerada como essencial à satisfação dos indivíduos e ao progresso da sociedade, figurando como postulado fundamental das primeiras Constituições, como, por exemplo, a francesa de 1791, editada após a Revolução de 1789. Com o advento da doutrina socialista, a reação ao postulado provocou grande impacto na configuração da propriedade. O fundamento do socialismo era antagônico ao do individualismo: a propriedade intangível era fator que contribuía para a desigualdade social. Diante de tal premissa, entendeu-se a necessidade de instituir limitações à propriedade através da intervenção do Estado, ou até mesmo, para os mais radicais, de suprimi-la como instituto político. (SALLES, 1992, p. 42 apud CARVALHO FIHO, 2013, p. 132).
Corroborando a afirmação do caráter transitório do conceito de propriedade destacamos as palavras de Paulo Lôbo (LÔBO, 2017. p. 92) afirmando que “a propriedade é um conceito dependente dos vários contextos históricos e das vicissitudes por que passou”.
Assim, sempre tendo em mente o caráter transitório do conceito de propriedade, podemos defini-lo atualmente, amparados mais uma vez no magistério de Paulo Lôbo (LÔBO, 2017. p. 92), como “o conjunto de direitos e deveres atribuídos a uma pessoa em relação a uma coisa, com oponibilidade às demais pessoas”. Ou ainda, nas palavras de Chaves de Farias (FARIAS, 2017. p. 1393), como “uma relação jurídica complexa formada entre o titular do bem e a coletividade de pessoas”.
Portanto, evidencia-se a natureza jurídica da propriedade, como bem frisa Flavio Tartuce (TARTUCE, 12/2017, p. 1031), como “um direito fundamental, protegido no art. 5.º, inc. XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade”. No mesmo sentido o “caput” do artigo 5º da Constituição Federal, também traz a previsão da garantia da inviolabilidade do direito à propriedade:
Constituição Federal do Brasil – Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
(…)
XXII – é garantido o direito de propriedade;” (BRASIL, 1988).
Outro aspecto importantíssimo em relação à propriedade é a forma pela qual ela se instrumentaliza e a possibilidade do exercício de certos atributos. Tais atributos estão elencados no artigo 1.228 do Código Civil: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (BRASIL, 2002).
Chaves de Farias, de maneira didática, leciona:
A propriedade é um direito complexo, que se instrumentaliza pelo domínio. Este, como substância econômica da propriedade, possibilita ao seu titular o exercício de um feixe de atributos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto (FARIAS, 2017. p. 1393).
Esta é a estrutura do direito de propriedade, que tem seu conteúdo inteirado pelas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar, que atribuem ao proprietário o direito subjetivo de servir-se da coisa, explorá-la economicamente extraindo seus frutos e produtos, escolher qual a sua destinação, e por fim, defender o seu domínio e reavê-la de qualquer detenção ou posse injusta por parte de terceiros.
E é justamente nesse ponto que se impõe a discussão sobre a função social da propriedade, pois não é na essência da propriedade que reside a tal função social, mas sim no modo de exercitar as suas faculdades inerentes, nesse sentido o ilustre professor Luiz Edson Fachin leciona:
A função social relaciona-se com o uso da propriedade, alterando, por conseguinte, alguns aspectos pertinentes a essa relação externa que é o seu exercício. E por uso da propriedade é possível apreender o modo com que são exercitadas as faculdades ou os poderes inerentes ao direito da propriedade. (…) A doutrina da função social da propriedade corresponde a uma alteração conceitual do regime tradicional; não é, todavia, questão de essência, mas sim pertinente a uma parcela da propriedade que é a sua utilização. (FACHIN, 1988, p. 102).
Tendo assim, como premissa, que a função social da propriedade está enraizada ao exercício de tal direito, cabe trazer a seguinte questão: em que consiste a “função social” da propriedade?
Preliminarmente cabe salientar que delimitar o conceito de função social é uma tarefa árdua, pois se trata de uma cláusula geral, dotada de generalidade e abstração, o que acarreta uma constante atualização do seu sentido.
Nessa direção leciona Chaves de Farias:
A função social da propriedade instala-se no Código Civil como uma cláusula geral. Por sua generalidade e imprecisão, faculta ao magistrado uma interpretação que se ajuste ao influxo contínuo dos valores sociais, promovendo-se uma constante atualização no sentido da norma. (FARIAS, 2017, p. 1406).
Diante disso, podemos situar a função social da propriedade como finalidade, ou seja, um fim a ser alcançado, desta feita, no atual ordenamento jurídico pátrio cabe à propriedade atingir um objetivo, cumprir um desiderato de servir a sociedade como um todo e não apenas estar ao alvedrio de seu proprietário.
Nas palavras de Paulo Lôbo:
Na contemporaneidade, quando o modelo moderno e liberal da propriedade deixou de existir, em ordenamentos legais como o brasileiro, a função social cumpre duas finalidades pela: (1) Harmonização dos interesses individuais do titular da posse ou da propriedade com os interesses sociais e supra individuais (como a preservação do meio ambiente); (2) Remoção dos obstáculos à emancipação das pessoas não proprietárias ou possuidoras, notadamente com a redução das desigualdades sociais, cumprindo-se o mandamento constitucional de justiça social. (LÔBO, 2017. p. 122).
A previsão literal da função social da propriedade está marcada por todo o nosso ordenamento jurídico, a começar pela Carta Magna, que em vários dispositivos – artigos 5º, 170, 182, dentre outros – realça a garantia ao direito de propriedade, mas sempre acompanhada da disposição expressa de que a propriedade atenderá sua função social, nestes termos:
Constituição Federal do Brasil – Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
(…)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
(…)
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes
(…)
- 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (BRASIL, 1988).
Diante de tal ocorrência, a função social impõe certos limites, ora positivos e ora negativos, ao exercício das faculdades inerentes a propriedade, trazendo assim uma relação jurídica totalmente nova entre o bem e o seu proprietário. O que na codificação de 1916, era uma relação de sujeição única e exclusiva a vontade do senhorio, que exercia plenamente suas faculdades de usar, gozar, dispor e reaver sobre a propriedade, agora passa a ser uma relação jurídica pautada por novas imposições de ordem social, não podendo mais o interesse privado do proprietário se sobrepor sobre o interesse coletivo.
Sendo assim, a função social da propriedade impõe ao proprietário deveres de exercitar tal direito noutra perspectiva, não mais numa perspectiva meramente individualista, visando seus interesses particulares, mas sempre numa visão coletiva.
Nessa direção, discorre Paulo Lôbo:
Os deveres que configuram a função social são deveres em relação à sociedade, aos interesses sociais ou coletivos. Não são apenas deveres correlativos ao direito subjetivo, isto é, os que se atribuem a todos os outros para que respeitem aquele, para que não o violem. São deveres atribuídos ao próprio titular, ao proprietário (ou possuidor), no sentido de exercer o poder de fato ou de direito não apenas para atender seus interesses individuais legítimos, mas também e necessariamente os interesses da sociedade ou da comunidade onde está inserido o objeto de pertencimento. (LÔBO, 2017. p. 118).
Também nesse sentido, leciona Chaves de Farias:
Utilizamos o termo função para exprimir a finalidade de um modelo jurídico, um certo modo de operar um instituto, ou seja, o papel a ser cumprido por determinado ordenamento jurídico. A função social é um princípio inerente a todo direito subjetivo. A evolução social demonstrou que a justificação de um interesse privado muitas vezes é fator de sacrifício de interesses coletivos. Há muito, não mais se admite que a satisfação de um bem individual seja obtida “as custas da desgraça alheia”. Portanto, ao cogitarmos da função social, introduzimos no conceito de direito subjetivo a noção de que o ordenamento jurídico apenas concederá merecimento à persecução de um interesse individual se este for compatível com os anseios sociais que com ele se relacionam. Caso contrário, o ato de autonomia privada será censurado em sua legitimidade. (FARIAS, 2017, p. 1404-1405).
É patente também a posição adotada pela atual codificação civil, externada na redação dos parágrafos primeiro e segundo do artigo 1228 do referido código:
Art. 1.228.
(…)
- 1oO direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
- 2oSão defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. (BRASIL, 2002).
Corroborando com o que foi acima exposto, acerca da relação da sua função social com o exercício do direito à propriedade, e ainda no tocante a sua finalidade como um bem de utilidade social, discorre Paulo Lôbo:
A função social é incompatível com a noção de pertencimento absoluto da coisa a alguém, em que se admite apenas a limitação externa, negativa. A função social determina o exercício e o próprio direito de propriedade ou o poder de fato (posse) sobre a coisa. Lícito é o interesse individual quando realiza, igualmente, o interesse social. O exercício da posse ou do direito individual da propriedade deve ser feito no sentido da utilidade, não somente para o titular, mas para todos. Daí ser incompatível com a inércia, com a inutilidade, com a especulação. (LÔBO, 2017. p. 117).
- A função social do imóvel urbano
Para bem compreendermos a consistência da função social, principalmente a da função social da propriedade imóvel urbana, que será objeto do presente trabalho, nos socorremos na redação do §2º, do artigo 182 da Constituição Federal, que especifica qual é o seu conteúdo ao dizer que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (BRASIL, 1988).
A questão que se levanta neste momento é: quais seriam essas exigências fundamentais de ordenação da cidade?
Para responder a tal questão, nos valemos da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, que no parágrafo único do seu artigo 1º se denomina “Estatuto da Cidade” e que “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. (BRASIL, 2001).
Pela dicção do artigo 5º do Estatuto da Cidade, encontramos as exigências fundamentais do ordenamento urbano, e as situações que denunciam afronta a função social da propriedade urbana, quais sejam: a) não estar o solo urbano edificado; b) estar subutilizado; e c) não estar sendo utilizado.
Nestes termos a redação do referido dispositivo
Artigo. 5o. Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação. (BRASIL, 2001).
A partir do momento que a propriedade urbana não cumpre sua função social, está o poder público municipal autorizado a intervir no exercício desse direito, utilizando-se de instrumentos da política urbana, previstos no Estatuto da Cidade, através de um processo administrativo, visando à efetivação e o adequado uso dessa propriedade, sempre no intuito do “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” (BRASIL, 2001), conforme dicção do artigo 2º do Estatuto da Cidade.
Por política urbana, segundo José Santos Carvalho Filho, entende-se o “conjunto de estratégias e ações que visam ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” (FILHO, CARVALHO, 2013, p. 27). Os instrumentos da política urbana estão elencados no artigo 4º do Estatuto da Cidade, e no caso em tela, quando a propriedade não cumprir sua função social poderão ser utilizados: a) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; b) o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo; e c) desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
- Descumprimento da função social da propriedade urbana
Pelo acima exposto, se vê que a propriedade urbana, embora evidentemente reconhecida, perde, a partir da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade, o caráter absoluto de outrora, passando a partir de então a busca concreta da efetivação de sua função social, é o que se depreende das palavras de Maria Angélica dos Santos: “é a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que a discussão sobre a Função Social da Propriedade se aprofunda em bases sólidas” (SANTOS, 2007, p. 80).
Do Estatuto da Cidade em diante, não se tolera mais o uso da propriedade urbana para fins especulativos na seara imobiliária, e a referida norma traz ao mundo jurídico instrumentos que tem a finalidade precípua de “contribuir para a erradicação da marginalização, redução das desigualdades sociais, assim como promover o bem de todos” (FIORILLO, 2014, p. 143), alçando a dignidade da pessoa humana como princípio maior da República, como dispõe o artigo 3º, inciso III, da Carta Magna.
Diante dessa nova realidade jurídica, a partir do momento em que a propriedade não cumpre sua função social, ou seja, não está edificada, está subutilizada ou inutilizada, pode o Município obrigar o proprietário a adequar a seu imóvel ao plano diretor, utilizando-se de instrumentos coercitivos, visando à consecução da função social. Entenda-se por solo urbano subutilizado, aquele cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente, conforme conceitua o art. 5º, § 1º do Estatuto:
Art. 5º.
(…)
- 1º. Considera-se subutilizado o imóvel:
I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente; (BRASIL, 2001).
Esses instrumentos, como citado acima, são o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo; e a desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública, sendo utilizados de maneira sucessiva, conforme previsão no art. 182, § 4º, incisos I, II e III da Constituição Federal.
Trataremos de maneira sucinta acerca dos instrumentos do parcelamento e edificação e utilização compulsórios e da desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública, e nos deteremos de forma mais aprofundada no instituto do IPTU progressivo no tempo, por se tratar do objetivo deste trabalho.
- O instrumento do parcelamento e edificação/utilização compulsórios
O parcelamento, a edificação e a utilização compulsórios são imposições para que o proprietário de destinação ao imóvel, por meio de edificação ou realizando o seu parcelamento segundo as figuras constantes na lei de parcelamento de solo, a Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979. Carvalho Filho destaca a ausência do elemento volitivo do proprietário, pois no âmbito do processo administrativo urbanístico se trata de uma imposição do Poder Público.
Nesta modalidade está ausente o elemento volitivo, ao contrário do que ocorre no parcelamento voluntário. Ademais, trata-se de providência, a cargo do proprietário, que de algum modo traduz o sentido de sanção. É que não se pode esquecer que a imposição do parcelamento compulsório só́ vai ocorrer no caso de o imóvel estar dissonante das linhas traçadas pelo plano diretor. Em outras palavras, significa que o imóvel não atende à função social representada pela ordem urbanística definida no plano da cidade. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 99).
Fernanda Lousada Cardoso também leciona acerca do instituto:
O parcelamento, edificação e uso compulsórios impõe ao proprietário uma obrigação de fazer, positiva, visando ao melhor aproveitamento do imóvel. Com isso, combatem-se os espaços urbanos indesejáveis que apenas desperdiçam a estrutura urbana instalada.
Para aplicação do instituto, é preciso que o plano diretor da cidade preveja as áreas onde será possível a imposição da sanção. Além disso, exige-se lei municipal específica que fixe o procedimento, as condições e prazos cabíveis. (CARDOSO, 2017, p. 127).
Em disposição do artigo 5º do Estatuto da Cidade, reproduzindo a redação constitucional, se determina que, para viabilizar as imposições urbanísticas são necessárias duas condições, quais sejam: lei municipal específica e inclusão, no plano diretor, da área em que se situa o imóvel.
A primeira condição, lei específica, significa que o conteúdo material de tal diploma legislativo deve consistir na determinação de área inserida no plano diretor, sobre à qual poderão ser expedidas as imposições urbanísticas de parcelamento, edificação e utilização compulsórios. A competência legislativa para a elaboração da referida lei é privativa do Município, conforme inciso VIII, do artigo 30 e §4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal.
Discorrendo sobre a segunda condição, destacamos as palavras de Carvalho Filho:
A outra condição reside na menção da área no contexto do plano diretor. Esta condição, aliás, deve preceder a anterior: só́ depois de fixadas as áreas no plano diretor é que poderá́ ser editada a lei municipal específica para a área em que estarão os imóveis sujeitos ao parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. Sendo assim, é curial a conclusão de que a ausência de indicação das áreas no plano diretor inviabiliza a promulgação da lei específica a que se referem os dispositivos constitucional e legal. (CARVALHO FILHO, 2017, p. 96).
Satisfeitas tais condições e aferindo o Município a não edificação, a subutilização ou a não utilização do imóvel, procederá
A notificação do proprietário que não atender ao regramento de meio ambiente artificial em face de seu território, na forma e prazos definidos pelos parágrafos 2º, 3º e 4º do art. 5º da Lei 10.257/2001, visando cumprir a obrigação, sob pena de sofrer aplicação de imposto sobre sua propriedade na forma do art. 7º do Estatuto da Cidade (IPTU progressivo no tempo) e, num segundo momento, conforme observa o art. 8º da lei, ser legitimado passivo em decorrência de desapropriação (FIORILLO, 2014, p. 143).
Ainda sobre a natureza jurídica do instituto, Chaves de Farias as classifica como “obrigações propter rem, eis que, estabelecidas em razão do imóvel, objeto do direito, recairão sobre o sujeito passivo que for titular atual do direito” (FARIAS, 2017, 1407). Sendo assim, devido a tal natureza jurídica e também para conferir efeito “erga omnes”, se faz necessário dar publicidade a tal obrigação, por isso a lei prevê a averbação da notificação ao proprietário na matrícula do imóvel, assentada no Oficial de Registro de Imóveis da circunscrição imobiliária.
É o que se depreende da leitura do §2º do artigo 5º do Estatuto da Cidade e do item 18, do inciso II, do artigo 167 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), conforme segue:
Estatuto da Cidade – Art. 5º.
(…)
- 2º. O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis. (BRASIL, 2001)
(…)
Lei 6.015/73 – Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
(…)
II – a averbação:
(…)
18) da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóvel urbano. (BRASIL, 1973)
Sobre a referida averbação, Fernanda Lousada Cardoso discorre:
A averbação da notificação apresenta especial importância quando se constata que muitos dos proprietários, sem condições financeiras para explorar o imóvel, alienarão o bem de modo a se eximir da exigência legal. Havendo o registro público, o Poder Público poderá cobrar do novo adquirente o uso adequado do bem. (CARDOSO, 2017. p. 129).
Decorrido o prazo para a efetivação das obrigações de edificar, parcelar ou dar utilização ao imóvel sem o cumprimento de tais imposições, quais sejam: a) um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto (de edificação ou parcelamento) no órgão municipal competente; b) dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento (§4º, artigo 5º do Estatuto da Cidade); tem o Município a faculdade de impor o IPTU progressivo no tempo. Sobre esse instituto, discorreremos no próximo item de forma pormenorizada.
- A DESAPROPRIAÇÃO DO IMÓVEL COM PAGAMENTO EM TÍTULOS DA DIVIDA PUBLICA
Desapropriação, nas palavras de Carvalho Filho, “é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 872).
Instituto da desapropriação tem sua fonte na Constituição Federal, prevista no artigo 5º, inciso XXIV, a qual a doutrina nomeia como desapropriação ordinária, nos seguintes termos:
A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição. (BRASIL, 1988).
No âmbito infraconstitucional destacamos os seguintes diplomas: o Decreto-lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, considerado a lei geral das desapropriações, dispondo sobre os casos de desapropriação por utilidade pública, e a Lei no 4.132, de 10 de setembro de 1962, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação.
Carvalho Filho discorre ainda sobre as outras modalidades de desapropriação:
Além da desapropriação ordinária, contemplada no art. 5º, XXIV, da CF, podemos ainda catalogar mais três espécies de desapropriação. A primeira delas é a que consta no art. 182, § 4º, III, da CF, que pode ser denominada de desapropriação urbanística sancionatória. (…) Para tanto, foi editada, a título de regulamentação e como diploma geral definidor dos termos em que a desapropriação poderá ser processada, conforme exigência do dispositivo constitucional, a Lei no 10.257, de 10.7.2001, autodenominada de Estatuto da Cidade, cujo art. 8º, com seus parágrafos, cuida do assunto. (…) Outra espécie do instituto é prevista no art. 184 da CF, e pode ser denominada de desapropriação rural, porque incide sobre imóveis rurais para fins de reforma agrária. Trata-se, na verdade, de modalidade específica da desapropriação por interesse social e tem o objetivo de permitir a perda da propriedade quando esta não esteja cumprindo sua função social. Esta só se considera cumprida nos casos do art. 186 da CF, de onde se infere, a contrario sensu, que fora deles a propriedade é passível de desapropriação. (…) A disciplina constitucional sobre desapropriação rural se completa através de duas leis: 1º) Lei no 8.629, de 25.2.1993 (com alterações introduzidas pela Lei no 10.279, de 12.9.2001, e pela Medida Provisória no 2.183-56, de 24.8.2001), que dispõe sobre vários aspectos desse tipo de desapropriação, como o sentido da propriedade produtiva, a distinção entre o solo e as benfeitorias para fins indenizatórios, a distribuição dos imóveis rurais e outros da mesma natureza; 2º) Lei Complementar nº 76, de 6.7.1993 (alterada pela Lei Complementar nº 88, de 23.12.1996), que, regulamentando o art. 184, § 3o, da CF, dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrária. A última espécie de desapropriação é a que está prevista no art. 243 da CF, com a redação dada pela EC no 81, de 5.6.2014, a qual podemos denominar de desapropriação confiscatória por não conferir ao proprietário direito indenizatório, como ocorre com as modalidades anteriores. A perda da propriedade nesse caso tem como pressupostos (1) o fato de nela estarem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou (2) a exploração de trabalho escravo. Consumada a desapropriação, a propriedade é destinada à reforma agrária ou a programas de habitação popular. O processo adotado para essa espécie de desapropriação está disciplinado pela Lei no 8.257, de 26.11.1991. (CARVALHO FILHO, 2017, p.874).
Passamos agora a discorrer sobre a desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da divida pública, ou ainda como denomina a doutrina, a desapropriação urbanística sancionatória, onde, passados cinco anos da imposição do IPTU progressivo no tempo sem que o proprietário tenha dado efetividade a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município passa a ter a faculdade de procedê-la.
O Estatuto da Cidade deu efetividade ao disposto o art. 182, § 4º, III, da Carta Magna, que determina:
Constituição Federal – Artigo 182.
(…)
- 4º. É facultado ao Poder Publico municipal, mediante lei especifica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
(…)
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da divida publica de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até 10 (dez) anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (BRASIL, 1988).
Trata-se de “instrumento de política urbana destinado a assegurar o regramento constitucional destinado à tutela do meio ambiente artificial” (FIORILLO, 2014, p. 148), “de caráter punitivo, executado através da transferência coercitiva do imóvel para o patrimônio municipal” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 136), caracterizando como desapropriação-sanção ou ainda, desapropriação urbanística sancionatória.
Evidente a distinção entre o instituto da desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da divida pública e a desapropriação ordinária, prevista no inciso XXIV da Constituição Federal, pelos seguintes aspectos:
- Na desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da divida pública a perda da propriedade se dá em virtude do descumprimento das obrigações urbanísticas e na desapropriação ordinária devido ao interesse social ou a utilidade pública;
- A desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da divida pública só pode ser promovida pelo Município ou pelo Distrito Federal quando exerce as competências municipais. Ao contrário do que ocorre na desapropriação ordinária, que pode ser executada por todos os entes federados e seus delegados legalmente autorizados;
- O que será indenizado desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da divida pública é o valor real do imóvel e não seu justo valor, como ocorre na desapropriação ordinária;
- E finalmente, difere a forma de pagamento da indenização, que na primeira hipótese se dá em títulos da dívida pública, resgatáveis em dez anos, e a ordinária se dá em dinheiro e de maneira prévia.
Carvalho Filho assim resume o instituto:
No quadro constitucional não há a menor dúvida de que a desapropriação urbanística do art. 182, § 4º, III, da CF, ostenta caráter punitivo. De fato, trata-se da sanção mais grave que o Município pode impor ao proprietário, que não cumpriu a obrigação de parcelar ou de edificar nem após ser notificado para tanto, nem após ter sofrido a imposição do IPTU progressivo no tempo. Inócuas a ordem administrativa e a sanção de efeitos pecuniários, não restaria mesmo outra alternativa senão a de retirar o imóvel do proprietário e transferi-lo para o Poder Público. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 136).
- 6. O Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbano (IPTU) como instrumento da política urbana para a efetividade da função social da propriedade
O Imposto sobre a propriedade territorial urbana tem previsão constitucional no artigo 156, inciso I e §1º e nos parágrafos 2º e 4º da Carta Magna.
O inciso I, do artigo 156 da Constituição Federal, atribui ao Município a competência tributária acerca do IPTU. No âmbito infraconstitucional, o artigo 32 do Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, prevê como fato gerador do referido tributo “a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município” (BRASIL, 1966).
Já o artigo 34 dispõe ser “contribuinte do imposto (…) o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título” (BRASIL, 1966). Portanto, fica evidente pela redação dos referidos artigos que o núcleo da hipótese de incidência do IPTU ou o seu aspecto material é o direito de propriedade sobre imóveis ou sua posse, como a externalização do domínio, ou o direito do enfiteuta, neste sentido assevera Sacha Calmon Navarro Coelho:
A hipótese de incidência básica do IPTU, portanto, harmonizados a Constituição e o Código Tributário Nacional, é o direito de propriedade sobre imóveis ou sua posse, como a externalização do domínio, ou o direito do enfiteuta sobre coisa alheia, por configurar uma “quase propriedade” (propriedade de fato ex vi lege). (COÊLHO, 2018, p. 271).
Acerca da expressão “a qualquer título”, o ilustre tributarista Kiyoshi Harada:
Cumpre, todavia, observar que a posse abrangida pelo fato gerador é aquela de conteúdo econômico, o que exclui, por exemplo, a do locatário. Portanto, “possuidor a qualquer título” refere-se àquele que exerce alguns dos poderes inerentes ao domínio ou à propriedade; diz respeito ao titular da posse de conteúdo econômico. (…) a palavra propriedade empregada no texto constitucional não pode ser entendida em sua acepção exclusivamente jurídica, com total abstração de seu aspecto econômico, sob pena de acarretar, não só graves distorções e injustiças, com a violação do princípio da capacidade contributiva (§ 1º, do art. 145 da CF), como também problemas relacionados com o lançamento e notificação do contribuinte. (…) Não se pode ignorar a realidade dos dias atuais, em que os instrumentos de “aquisição” da propriedade variam desde simples recibos de sinal até compromissos de compra e venda e subsequentes cessões de direitos deles decorrentes. Aliás, o §3º do art. 150 da CF diz expressamente que a imunidade recíproca não “exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel”. (HARADA, 2018, p. 506).
No mesmo sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho:
Temos para nós que o intuito do legislador da lei complementar tributária foi o mesmo do legislador latino: atingir o proprietário do bem imóvel ou o “quase proprietário” (o enfiteuta), ou ainda o que aparentava ser “o proprietário” (o possuidor). O legislador tributário é, deve ser sempre, pragmático. Com este ânimo deve ser entendida a disposição do Código Tributário Nacional. Não que tenha inovado a Constituição, criando por sua conta um imposto sobre a posse e o domínio útil. Não é qualquer posse que deseja ver tributada. Não a posse direta do locatário, do comodatário, do arrendatário de terra, do administrador de bem de terceiro, do usuário ou habitador (uso e habitação), ou do possuidor clandestino ou precário (posse nova) etc. A posse prevista no Código Tributário Nacional como tributável é a de pessoa que já é ou pode vir a ser proprietária da coisa. (COÊLHO, 2018, p. 268)
Quanto ao critério espacial, cumpre destacar que
(…) os imóveis tributados são aqueles situados na zona urbana do Município. Para a definição de zona urbana, o CTN adotou o critério geográfico. Assim, zona urbana é aquela definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de 2 (dois) dos melhoramentos públicos referidos no § 1º, do art. 32 do CTN. (HARADA, 2018, 507).
Conforme redação do artigo 33 do Código Tributário Nacional: “A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel” (BRASIL, 1966).
Acerca da aplicação dos princípios constitucionais tributários ao IPTU não há questionamentos, mas cabe destacar que alguns deles se amoldam com maior rigor ao referido tributo, dentre eles “é possível aludir com maior ênfase à legalidade, à capacidade contributiva, à vedação ao confisco e à anterioridade” (LOPES FILHO, 2015, p. 08).
Quanto ao princípio da legalidade aplicado ao IPTU, discorre Lopes Filho:
(…) tem-se que o princípio da legalidade, apontado por muitos sistemas tributários alhures como o único relevante para a tributação, toca especialmente o IPTU na definição do critério quantitativo, exigindo que todos os elementos do crédito tributário constem em lei municipal, sobretudo quando se adota a mensuração genérica do valor venal (base de cálculo do imposto), com plantas de valores genéricos e a indicação dos métodos de avaliação. Tudo deverá ser estritamente veiculado em lei, ressalvada a possibilidade de atualização monetária dos valores por decreto, por não representar majoração de tributo, mas simples recuperação do valor defasado pelas perdas inflacionárias. No mesmo sentido, há necessidade de lei municipal definindo o critério temporal do imposto, com sua periodicidade, sem o que não poderá́ haver exação (LOPES FILHO, 2015, p. 09).
Quanto à aplicação do princípio da anterioridade, destaca-se que ela:
(…) é apenas anual quando da fixação de sua base de cálculo, não lhe sendo aplicada a anterioridade nonagesimal por expressa ressalva constitucional do art. 150, § 1º, da Constituição Federal. Entretanto, como o enunciado não excepciona mudança de alíquota, vem-se entendendo que, em tal hipótese, é devido o respeito à “noventena”, além da anterioridade de exercício. (LOPES FILHO, 2015, p. 10).
Acerca do princípio da capacidade contributiva, Lopes Filho destaca que:
Tal princípio também se mostra relevante na progressividade do imposto (…). Mesmo sendo o IPTU um imposto real, não mais se restringe à mensuração de sua capacidade contributiva em uma objetiva análise da coisa, sendo lícita sua perquirição em elementos pessoais do contribuinte. O tema se fez deveras relevante nas discussões sobre a progressividade, que, atualmente, é admitida sem maiores dúvidas. Ademais, não mais se resiste à pessoalização do IPTU, justamente em prestígio do princípio da capacidade contributiva. (LOPES FILHO, 2015, p. 10).
No mesmo sentido, o brilhante magistério de Sacha Calmon Navarro Coêlho:
(…) o “núcleo” da hipótese de incidência do IPTU é o direito real da pessoa e não a coisa. Pouco meditada a assertiva do ilustre Joaquim Castro Aguiar, lançada em livro sobre o sistema tributário municipal com o seguinte teor: “O pressuposto da incidência é o imóvel. O fato gerador do imposto é a propriedade, o domínio útil ou a posse. O tributo é, pois, real, não sendo lícito considerar-se, para o seu efeito, a qualidade ou condição da pessoa proprietária do imóvel transformando-o em imposto pessoal.” Em primeiro lugar, a diferença entre imposto real e pessoal não é jurídica. Em segundo lugar, quem paga o imposto é a pessoa e não a coisa. Em terceiro lugar, inexiste, no Direito brasileiro, disposição expressa ou implícita proibindo o legislador de levar em consideração a pessoa do proprietário. Pelo contrário, prestigia a pessoalidade (art. 145, § 1º). Em quarto lugar, o Código Tributário Nacional declara expressamente que o IPTU é um imposto sobre o patrimônio, e patrimônio é categoria jurídica a denunciar um direito, o de propriedade, objeto da relação jurídico-tributária do IPTU. Não existe direito sem titular. Tributa-se o direito do titular. Consequentemente, o fato gerador do IPTU é o direito de propriedade sobre bens imóveis situados em zona urbana. (COÊLHO, 2018, p.266)
E por fim, Lopes Filho discorre acerca da obediência ao princípio da vedação ao confisco, devendo os elementos da regra matriz de incidência tributária do IPTU respeitá-lo, “sob pena de ocasionar uma exação que finde por anular o patrimônio, fazendo o particular pagar aos cofres públicos quantia correspondente ao bem” (LOPES FILHO, 2015, p. 12).
6.1. A progressividade do IPTU
Depois de analisarmos a matriz de incidência do IPTU e a aplicação dos princípios constitucionais tributários, passaremos a analisar a progressividade do tributo em tela.
A progressividade do IPTU encontra fundamento constitucional em dois dispositivos da Carta Magna, primeiramente no §1º do artigo 156, com redação alterada pela Emenda Constitucional 29 de 13 de setembro de 2000, com caráter eminentemente fiscal:
Constituição Federal – Art. 156.
(…)
- 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (BRASIL, 1988)
Acerca da progressividade de caráter fiscal, Harada assevera:
A progressividade fiscal, decretada no interesse único da arrecadação tributária tem seu fundamento no preceito programático representado pelo §1º do art. 145 da CF, segundo o qual, sempre que possível, o imposto será graduado conforme a capacidade econômica do contribuinte. É bem de ver que, no caso, só o valor venal do imóvel poderá ser tomado como parâmetro para a progressão das alíquotas, na medida em que apenas ele espelha, objetivamente, a capacidade econômica do proprietário-contribuinte. A consideração de qualquer outro fator ou elemento retira a natureza fiscal da progressividade. (…) Sabe-se que tanto as alíquotas como a base de cálculo (valor venal) integram o aspecto quantitativo do fato gerador, de sorte que, tratamento diversificado desses elementos desnatura o imposto previsto no art. 156, I, da CF, que é uno. (HARADA, 2018, p. 508)
No mesmo sentido, leciona Sacha Calmon Navarro Coêlho: “A progressividade fiscal do IPTU consta do art. 156, § 1º, I, podendo se dar em razão do valor do imóvel”. (COÊLHO, 2018, p. 271)
Em segundo lugar, no inciso II, §4º, do artigo 182, como instrumento de política urbana e com caráter extrafiscal:
Constituição Federal – Art. 182. (…)
- 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
(…)
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; (BRASIL, 1988)
É salutar para a compreensão do conceito de extrafiscalidade, sobre o qual está atrelado o IPTU progressivo no tempo, como instrumento de política urbana, destacarmos o discurso de Maria Angélica dos Santos:
A “extrafiscalidade” é mecanismo que viabiliza práticas tributárias que não sejam meramente arrecadatórias. Ao fazer uso de uma norma extrafiscal, o legislador adere, ao bojo normativo federal, estadual ou municipal, um mecanismo viabilizador de ideais constitucionais outros, que não são necessariamente ligados ao aspecto fiscal do ato de tributar.
O tributo é elemento cognitivo que se relaciona com o exercício de duas funções públicas, a função de arrecadar recursos para o Estado – função fiscal; e a função de promover justiça distributiva e igualdade através da regulação e inibição de práticas que permitem concentração indevida de riquezas na esfera privada – função extrafiscal. (SANTOS, 2007, p. 77)
No mesmo sentido o magistério de José Santos Carvalho filho:
O tributo tem caráter fiscal quando visa à arrecadação de recursos para que o Estado possa satisfazer as necessidades públicas, ao passo que se caracteriza como extrafiscal quando é empregado pelo Estado para intervir no domínio econômico ou social. Desse modo, o IPTU de caráter fiscal é a regra e o de fisionomia extrafiscal, a exceção.
Diante do exposto, é latente que o IPTU progressivo no tempo, com caráter extrafiscal, tem natureza jurídica de instrumento de política urbana, sendo denominado por Fiorillo, ao comentar o artigo 7º do Estatuto da Cidade, como “tributo ambiental”:
O art. 7º estabelece, de forma clara, tributo ambiental, ou seja, obrigação jurídica pecuniária decorrente do presente lei com amparo na Constituição Federal em face do que determina o art. 182, § 4º, II. O tributo, na hipótese ora comentada, tem como característica ser juridicamente instrumento vinculado aos denominados institutos tributários e financeiros do Estatuto da Cidade (art. 4º, IV, a, da Lei 10.257/2001), obedecendo a critério nele definido, a saber, instrumento da politica urbana adaptada às necessidades de tutela do meio ambiente artificial. O tributo apontado no art. 7º deixa de ser considerado única e exclusivamente instrumento jurídico de abastecimento dos denominados “cofres públicos”, passando a assumir caráter bem mais relevante, no sentido de estabelecer regra de conduta ao Estado fornecedor para que este, atuando em sintonia com as diretrizes maiores da Carta Magna, se utilize dos princípios gerais do sistema tributário nacional de acordo com os fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF). (FIORILLO, 2014, p. 145-146).
Para Carvalho Filho, o IPTU progressivo no tempo tem natureza de tributo extrafiscal sobre o patrimônio utilizado como instrumento sancionatório, nesse sentido, suas palavras:
(…) trata-se de sanção de natureza pecuniária pelo inadimplemento da obrigação de parcelar ou de edificar atribuída ao proprietário do imóvel urbano desajustado. A ilicitude geradora da sanção consiste na circunstância de o proprietário estar em situação ofensiva ao plano diretor da cidade. Por conseguinte, considerando-se esses elementos, temos que a natureza jurídica do IPTU progressivo no tempo, previsto na Constituição e no Estatuto, é a de tributo extrafiscal sobre o patrimônio aplicado como instrumento sancionatório de política urbana.
Em sentido diverso, Sacha Calmon Navarro Coêlho o IPTU progressivo não possui natureza de sanção, haja vista que essa visão afronta o conceito legal de tributo, insculpido no artigo 3º do Código Tributário Nacional, qual seja: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Para o ilustre tributarista, o IPTU progressivo no tempo é um instrumento de coação, através do qual a municipalidade leva o proprietário a cumprir o ordenamento urbanístico. Para melhor ilustrar o posicionamento nos valemos de suas palavras:
(…) levantou-se a tese de que, na hipótese do art. 182, o tributo teria caráter de sanção, alterando, assim, o conceito doutrinário e positivo abroquelado no art. 3º do CTN. Não pensamos assim, caso contrário, a desapropriação prevista no inciso III do § 4º teria também o caráter de pena. Não tem. É forma originária de aquisição da propriedade. A questão é diversa. Trata-se apenas de remover óbice às políticas de ordenação urbana mediante a utilização extrafiscal de um imposto, cujo fato gerador é a propriedade (fato lícito). Não é o IPTU que tem por fato jurígeno o mau uso da propriedade, e sim a progressividade (por meio de alíquotas gravosas). A expressão “sob pena de” significa o rol de providências a que ficará sujeito o mau proprietário pela disfunção da propriedade.(…) A municipalidade, para administrar o proprietário de propriedade não edificada, em desacordo com a função social, contra o plano diretor, pode, pela ordem, determinar: (a) o seu parcelamento ou edificação. O proprietário, porém, não cumpre a determinação. O Município vai construir? Pode obrigar o proprietário a fazer a construção? Obviamente, não. Nesse caso, (b) adota a segunda providência: alíquotas radicalmente progressivas no tempo, (…) para tornar a manutenção da propriedade insuportável, pois, se for branda a progressividade, inócua se faz a sua utilização, pela suportabilidade do encargo, já que o IPTU é anual e “tempus fugit”. (COÊLHO, 2018, p. 272).
Aplicação do IPTU progressivo no tempo não pode se dar de maneira imediata, antes, se faz necessário observar o princípio do devido processo legal, em atenção ao contraditório e a ampla defesa, nos termos dos incisos LIV e LV, do artigo 5º da Constituição Federal. Pelo exposto, é necessária a observância de certos pressupostos para conferir legitimidade a sua aplicação, quais sejam:
1º. A promulgação de lei federal – já́ implementado pela edição da Lei nº. 10.257 de 2001, o autodenominado Estatuto da Cidade. Tal pressuposto tem que ser completado, como já expusemos anteriormente, com a edição da lei municipal específica para a área incluída no plano diretor, nos termos do artigo. 182, § 4º, II, da Constituição Federal.
2º. A configuração da situação fática e jurídica do imóvel urbano, em desatendimento ao plano diretor da cidade, sendo enquadrado em alguma das situações previstas em lei: imóvel não edificado, subutilizado ou inutilizado.
3º. O não cumprimento, por parte do proprietário dos prazos e condições referentes a obrigação de parcelar ou de edificar o imóvel, desde que, devidamente notificado na forma do art. 5º do Estatuto da Cidade, em regular processo administrativo.
Importante salientar que a atuação do município, em ocorrendo os pressupostos acima elencados, é de caráter vinculado, não havendo que se falar de discricionariedade para a atuação do gestor municipal, tal é o mandamento legal e o posicionamento de Carvalho Filho, como segue:
(…) não há qualquer discricionariedade para o administrador municipal no que toca à aplicação do tributo punitivo. Se o proprietário não adota as providências para cumprir a obrigação de parcelar ou de edificar, depois de notificado regularmente, há obrigatoriedade de aplicar o IPTU progressivo. O ente municipal, desse modo, atua de forma vinculada. O texto legal é claro em ressaltar a obrigatoriedade: não cumprida a obrigação, o Município “procederá à aplicação do imposto” (art. 7º). A norma é cogente e não admite opção de conduta por parte do Município. O fundamento reside em que cabe a essa entidade prover à ordem urbanística, não permitindo ofensa ao plano diretor da cidade. (FILHO, CARVALHO, 2013, p. 122).
No tocante a alíquota do IPTU progressivo no tempo, dispõe o Estatuto da Cidade, em seu artigo 7º “caput”, que haverá a sua majoração pelo prazo de cinco anos consecutivos, dispondo o §1º do mesmo artigo que seu valor, para cada ano, “será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento” (BRASIL, 2001).
Por fim, dispõe o §2º que, não sendo atendida, em cinco anos, a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o imóvel, “o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º” (BRASIL, 2001), qual seja a de realizar a desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
Importante destacar ainda, que o Estatuto da Cidade, no intuito de evitar abusos por parte do Município no tocante ao valor da alíquota, estabeleceu limites, anuais e um limite geral, conforme se depreende da redação do dispositivo legal: “O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano (…) não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento” (BRASIL, 2001).
Carvalho Filho faz uma importante observação, acerca da não ocorrência da afronta ao princípio do não confisco previsto no inciso IV, do artigo 150 da Constituição Federal, em suas palavras:
Não há qualquer indício de confisco no percentual máximo de 15% estabelecido para o tributo. Não se trata, pois, de tributo com efeito de confisco, hipótese vedada pela Constituição (art. 150, IV). Primeiramente, o imposto em foco tem, como vimos, natureza extrafiscal. Além disso, tem caráter sancionatório e objetiva compelir o proprietário a respeitar a política urbana traçada em favor da cidade. Ausente, pois, qualquer eiva de inconstitucionalidade (…). (FILHO, CARVALHO, 2013, p. 124-125).
No mesmo sentido o magistério de Navarro Coêlho:
(…) dizer que a progressividade, aqui, tem que ser suave, não podendo atingir o exercício da propriedade, é desdizer a eficácia do remédio. Primeiro porque o princípio do não confisco licencia a extrafiscalidade. Segundo porque, se a tributação não chegar às raias do insuportável, não há razão para a utilização da progressividade (como técnica extrafiscal), reduzida a mera figura de retórica. (COÊLHO, 2018, p. 272).
Por fim, destacamos a redação do §3º, do artigo 7º do Estatuto da Cidade, nestes termos: “É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo” (BRASIL, 2011).
Tal comando tem como fim evitar o esvaziamento do instituto da progressão do IPTU no tempo, uma vez que ambas se tratam de benefícios fiscais, e não há razão lógica para que se concedam benefícios a quem está descumprindo o ordenamento urbanístico. Salientando que a “anistia tributária diferencia-se da remissão porque esta dispensa o pagamento do tributo. A anistia dispensa o pagamento das multas que punem o descumprimento das obrigações tributárias” (COÊLHO, 2018, p. 651).
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, ficou evidente a importância que possui o IPTU progressivo no tempo como instrumento de política urbanística, pois se caracteriza como importante meio coercitivo do Município, no sentido de direcionar o proprietário para que efetive as ações necessárias ao cumprimento da função social da propriedade urbana, removendo os óbices “às políticas de ordenação urbana mediante a utilização extrafiscal de um imposto” (COÊLHO, 2018, p. 272).
A razão do instituto evidencia-se como um fator de direcionamento, através da imposição de uma carga tributária cada vez maior no tempo, conduzindo o proprietário no sentido de adequar-se a legislação urbanística.
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[1] Bacharel em Música, com habilitação em Regência pela Universidade do Sagrado Coração (USC) – Bauru/SP; Bacharel em Direito pela Faculdade Eduvale – Avaré/SP; Advogado, Especialista em Gestão Pública Municipal pela Faculdade Aliança Educacional do Estado de São Paulo – FAEESP – Itapevi/SP; pós graduando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas e em Direito Notarial e Registral pelo Centro Educacional Renato Saraiva – CERS.