A Centralização do Poder Brasileiro na Década de 30

The Centralization of  Brazilian Power in the 30’s

Autor: Adão Erivelton Sousa Filho – Acadêmico de Direito na Universidade Estadual do Piauí. ([email protected])

Orientadora: Natália de Andrade Magalhães – Mestre em Direito  pela Universidade Rio dos Sinos, Professora da UESPI. ([email protected])

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Resumo: Com a crise econômica e política no poder executivo, dominado pela oligarquia cafeeira nas primeiras décadas do século XX, movimentos sociais começaram a ganhar força em território nacional. Havia uma crise mundial dentro do aspecto Liberal da política e os anos 30 foram marcados  por golpes e governos interventores. Tudo começou com uma eleição conturbada, um assassinato  e a comoção popular de revolta ao status quo. Com a legitimidade popular dos ditos revolucionários, tomaram o poder em 1930. Com um Governo Provisório, foi inaugurada a era das constituições sociais outorgadas: O Estado buscando a regulação das relações entre particulares: como o trabalho, a macroeconomia e o direito mitigado da propriedade privada. Também foi inaugurado algumas das formas de controle das relações sociais: criações de ministérios, transferências de competências jurisdicionais e a criação do controle abstrato de constitucionalidade. Elegendo a maioria dos constituintes, o executivo conseguiu implantar um controle nos 3 poderes e assim centralizar todos à figura do presidente. Durante este período, houve 2 golpes de Estado, uma guerra civil no Brasil e uma ascensão popular de movimentos autoritários nacionalistas.

Palavras-chave: Centralização. Poder. Constituição. Getúlio Vargas

 

Abstract: With the economic and political crisis in the executive power, dominated by the coffee oligarchy in the first decades of the 20th century, social movements emerged to gain strength in national territory. There was a global crisis within the Liberal aspect of politics and the 1930s were marked by coups and intervening governments. It started with a troubled election, a murder and a popular commotion of revolution to the status quo. With the popular legitimacy of the so-called revolutionaries, seize power in 1930. With a Provisional Government, it was inaugurated in the era of granted social constitutions: The State seeking the regulation of private relations: such as work, macroeconomics and the mitigated right of private property . Some forms of control of social relations were also inaugurated: creation of ministries, jurisdictional solutions and the creation of abstract constitutionality control. By electing the majority of the constituents, the executive managed to implant a control in the 3 powers and thus centralize all the figure of the president. During this period, there were 2 coups d’état, a civil war in Brazil and a popular rise of authoritarian nationalist movements.

Keywords: Centralization. Power. Constituition. Getúlio Vargas

 

Sumário: Introdução. 1. Constitucionalismo na República Velha. 1.1. Governo Provisório 2. Constituição de 1934. 2.1 A transição de poder entre a constituição promulgada de 1934 e a outorgada de 1937. 3. Características da Constituição de 1937 – Estado Novo. Conclusão, Referências.           

 

Introdução

Este trabalho tem como propósito o estudo e a reconstrução de todo o histórico constitucional do período do fim da dita República do Café com Leite, passando pelo governo provisório até a formação do Estado Novo de Getúlio Vargas, com o enfoque na centralização constitucional do poder executivo pelo líder populista.

A questão política brasileira foi uma tendência política europeia, visto que o modelo federalista constitucional dos Estados Unidos da América não era mais o modelo a ser seguido. A partir dos anos 30, as constituições sociais e outorgadas europeias eram a principal inspiração do direito brasileiro, norteando por mais de uma década e tendo reflexos até hoje: a questão do estado paternalista, da constituição prolixa, do constitucionalismo abarcar além dos direitos de defesa e seguir além da organização do estado e separação dos poderes.

Esse artigo vem demonstrar todo o passo a passo da trajetória brasileira dentro dessa tendência política e jurídica europeia por meio de uma pesquisa bibliográfica, tendo como apoio as obras Direito Constitucional – Teoria, História e Métodos de Trabalho de Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (2012) e A História das Constituições Brasileiras, de Marco Antônio Villa (2011), que de contam de maneira detalhada todos os processos constitucionais das nossas 7 constituições federais, dá imperial de 1824 até a CF de 88. Entretanto, o enfoque deste artigo são o fim da constituição de 1891, os golpes de estado de 1930 e 1937 e a constituição outorgada de 1937, suas justificativas, pretextos e processos legislativos de cada evento.

Além, é claro, ressaltar as discussões acerca de suas inspirações dentro do âmbito do direito comparado, como a associação feita por juristas e historiadores entre a CF de 1937 à constituição fascista da Polônia de 1935 ou a comparação da CF de 91 em suas inspirações da Constituição Americana de 1787. O Direito comparado ajuda a compreender melhor o contexto histórico jurídico de cada país em determinadas circunstâncias, além de apontar efeitos que subsistiram com o passar o tempo.

O direito comparado e a história do direito são alicerces importantes do direito constitucional e nos proporciona uma análise jurídica de temas relevantes ainda em pauta na academia e sociedade como um todo.

O presente trabalho utilizou do método histórico, de forma que foi construída a partir da referência bibliográfica alhures mencionada uma linha histórica que melhor permita compreender esse relevante momento da história pátria.

 

  1. Constitucionalismo no fim da República Velha

Apesar de ser tachada por liberal por alguns, a vida da segunda constituição brasileira se mostrou centralizadora e autoritária. O poder executivo com frequência declarava estado de sítio, intervenções federais e outros abusos de poder. O judiciário, que parecera se tornar mais forte depois da constituinte de 1891, obedecia  sem muita dificuldade aos mandos e desmandos do executivo, mesmo tendo o poder do então criado controle de constitucionalidade de leis.

Houve apenas uma Emenda Constitucional, em 1926 no governo Artur Bernardes, e ela foi apenas mais uma amostra do teor centralizador da República Velha: ela proibiu o controle judicial do estado de sítio, aumentou as hipóteses de intervenção federal, atos praticados em sua vigência e outras medidas (BRASIL, 1926). Também foi limitado o cabimento de habeas corpus no caso de constrangimento ou ameaça do direito de ir e vir, além da possibilidade de perda de mandatos políticos. Mesmo com inspirações no federalismo americano e sua fama de pregar por liberdades individuais, ou seja, direitos de defesa contra arbítrios do Estado, na prática, o Estado Brasileiro se mostrava autoritário e centralizador, um prelúdio para o que estava por vir.

A crise institucional e política foram acentuadas pela crise econômica mundial dos anos 20, o Brasil era um país unicamente exportador e foi seriamente afetado por isso. É válido ressaltar que tal crise não afetou os Estados Unidos por muito tempo, diferente da famigerada Grande Depressão de 1929. O Governo Americano, diferente das ações do New Deal, diminuiu extremamente seus gastos, a dívida caiu pela metade e em pouco tempo (WOODS, 2010). Já em territórios brasileiros, a crise econômica transformou em insatisfação em algumas áreas da sociedade e movimentos revoltosos contra a elite agrária que governava o país, a mais intensa entre os militares. A crise de 29, a segunda em 10 anos, acabou acentuando mais ainda uma frágil economia e gerando uma onda de desemprego e insatisfação, que desencadeou diversos acontecimentos controversos que resultaram o golpe de 30.

A crise política dentro do governo conhecido como Café com Leite foi o rompimento deste pacto de indicação entre Paulistas e Mineiros dentro da esfera eleitoral. O presidente paulista acabou por lançar Júlio Prestes (paulista) para o próximo pleito, e como reação os mineiros se uniram ao gaúcho Getúlio Vargas. Conforme leciona Souza e Sarmento:

 

O estopim da Revolução de 1930 foi a sucessão do Presidente Washington Luís. Pela ‘política dos governadores’, seria a vez de Minas Gerais indicar o próximo Presidente, mas o acordo fora rompido por Washington Luís, que lançou o paulista Júlio Prestes como seu candidato. Em reação, Minas se une ao Rio Grande do Sul e à Paraíba, formando a Aliança Liberal, e lançando a chapa integrada por Getúlio Vargas, como candidato à Presidência, e João Pessoa, para a Vice-Presidência. (SARMENTO; SOUZA 2012, p. 89)

 

A derrota da aliança liberal foi conturbada por uma forte polêmica em relação à lisura do pleito, sob acusações de fraude. Depois da morte do candidato à vice-presidência João Pessoa, relacionada a problemas regionais com seu rival político regional João Dantas, Getúlio Vargas teve a legitimidade popular e militar que o possibilitou tomar o poder, encerrando a chamada República Velha.

Daniel Sarmento e Souza Neto (2012) descrevem que o constitucionalismo na República Velha é totalmente descolada da realidade, no texto liberal e democrático era antítese do país autoritário.

 

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1.1 Governo Provisório

Assim como em 1889, de acordo com as palavras de Marco Antônio Villa (2011) “era necessário refundar o Brasil”. Mas, ao invés de romper com o autoritarismo, os revolucionários instauraram um governo provisório centralizador e ditatorial. O poder legislativo foi extinto, foram cassados mandatos de câmaras municipais, governadores e aposentaram compulsoriamente ministros do STF.

O que regulamentava todas essas ações foi o decreto 19.398, que vigorou até a Constituição Federal de 1934. Referido decreto regulamentava que o Governo Provisório detinha o poder “discricionariamente, em toda a sua plenitude, as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo”. A nomeação de interventores nos estados foi o traço mais marcante deste decreto. Mas houve outros feitos sob o vigor do mesmo, como por exemplo a criação do código eleitoral e a priori “permitindo” o voto feminino, que não era proibido na constituição anterior.

Na realidade, em 1891, na constituição da República Velha, nenhuma mulher tinha direitos políticos na Europa, entretanto, em território brasileiro, elas não estavam proibidas, não havia o veto, tanto é que em  1928, no Rio Grande do Norte foi permitido o alistamento eleitoral feminino (VILLA, 2011). Contudo, apesar da possibilidade o número de mulheres eleitoras foi mínimo pois a sociedade da época era tão patriarcal que mesmo com uma constituição liberal, não se preocupava com o veto do voto feminino.

As garantias constitucionais estavam suspensas devido ao decreto e não houve muita resistência do Supremo Tribunal Federal. Como foi antecipado, foram aposentados compulsoriamente 6 ministros da suprema corte, com a alegação da idade. Entretanto, houve ministro de 61 anos aposento e outros acima de 70 que se mantiveram, reforçando a tese de que a aposentadoria compulsória se deu para evitar atritos com possíveis represálias do poder judiciário.

Dentro do âmbito das relações particulares era claro o ideal intervencionista do Governo Provisório liderado por Vargas. Além da Justiça Eleitoral, foram criados os ministérios da saúde, do trabalho, da indústria e do comércio, da educação. Os anos 30 foram a década das constituições interventoras e nacionalistas, assunto que vamos aprofundar mais na frente, principalmente sobre inspirações europeias nas constituições de 34 e 37.

A chamada República Velha já havia sido superada, magistrados, legisladores e governadores já foram retirados ou substituídos. Agora, restara a promessa de uma nova assembleia constituinte e refundar de vez o Brasil, contudo a demora do Governo Provisório em abrir as eleições de constituintes gerou o início da revolta de uma guerra civil. Havia um temor popular de que as eleições não se realizariam e que o Governo recém-tomado ficaria interminavelmente no poder e  diante desses fatores somados ao fato da insatisfação relacionada com os interventores indicados em São Paulo e outras parcelas de público insatisfeitas, deu-se início a Revolução Constitucionalista de 1932.

Entre os Constitucionalistas revoltosos estavam alguns grupos bem diferentes unidos contra o governo vigente. Havia constitucionalistas de fato, separatistas paulistas, membros da elite oligárquica que queria novamente o status quo. Militarmente, a revolução foi rápida e fracassada, mas que gerou um banho de sangue. Conforme escreve Marco Antonio Villa:

os quase três meses de luta, que mobilizaram mais de 150 mil homens, morreram mais do que o triplo de soldados durante a campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália, na Segunda Guerra Mundial (VILLA 2011, p. 32)

 

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Apesar do banho de sangue e dos combates da Revolução Constitucionalista de 1932, os primeiros passos para uma nova Assembleia Nacional Constituinte foi dado antes do início da guerra civil. Em 14 de maio de 1932, o governo editou o decreto 21.402 que fixou o dia 3 de maio de 1933 para a eleição dos futuros constituintes. Além disso, criou a comissão para elaborar o anteprojeto que futuramente guiaria os trabalhos dos eleitos para a constituinte. A mesma comissão foi regulada pelo decreto 22.040, que confirmava o intuito da própria: a elaboração do anteprojeto constitucional. A conhecida como “Comissão do Itamaraty” reuniu pessoas de perfis ideológicos diferentes. De acordo com Sarmento e Souza:

Havia liberais, como Afrânio Mello Franco e Carlos Maximiliano; integrantes mais próximos ao pensamento social de esquerda, como João Mangabeira e José Américo de Almeida, e pensadores que aderiam a um autoritarismo nacionalista de direita, como Oliveira Vianna.(SARMENTO; SOUZA 2012, p. 91)

 

Em abril de 1933 outro decreto foi editado, estabelecendo a Constituinte, seu regimento interno e data. Foi marcada para o dia 15 de Novembro daquele ano e os trabalhos de elaboração na próxima constituição partiram do anteprojeto da comissão. É válido ressaltar que diferentemente de outras na história do Brasil, a assembleia não tomou poder de legislatura ordinária, somente de elaboração da constituição federal e da eleição indireta.

Finalmente instalada a Constituinte, foi instaurada uma comissão de 26 membros para aprovar o anteprojeto do Itamaraty. Esses membros eram representantes dos estados, território do acre e representantes de classe. A Comissão deu o parecer substitutivo ao anteprojeto e sobre ele foi feito o resto dos trabalhos da assembleia constituinte, até a promulgação da terceira constituição da história do Brasil, em 16 de julho de 1934.

 

  1. A Constituição de 1934

No paradigma da Constituição de 1934 estava oficialmente inaugurada a era das Constituições Sociais no território brasileiro. Se já era perceptível pelos decretos do governo provisório, a atuação interventora na relação entre Estado e particulares estava definitivamente constitucionalizada. A CF de 1934 disciplinava sobre os mais variados temas, como relação de trabalho, família e cultura, e por consequência, ser bem extensa. Foram 187 artigos, somados às 26 disposições transitórias. Mais que o dobro de artigos da constituição anterior: 91. Dentro do âmbito da organização do Estado, ela manteve a forma federalista, a tripartição do poder e o regime presidencialista que já era previsto antes. Só que dentro das instituições, houve reformas relevantes.

O conceito de segurança nacional foi introduzido no campo do direito brasileiro, foram reservados 9 artigos. Tal conceito foi supervalorizado pela carta, um bom exemplo é o artigo 163 § 2º, que afirmava “nenhum brasileiro poderá exercer função pública, uma vez provado que está quite com as obrigações estatuídas em lei para com a segurança nacional” (BRASIL, 1934).

O Federalismo brasileiro foi muito comparado à República de Weimar: modelo cooperativo, com competências privativas e concorrentes ao poder executivo. O Estado forte, centralizado e cultuado como o grande protetor da sociedade era tendência na sociedade da década de 30. O Brasil já viva uma certa centralização executiva, como já foi exposto, mas agora era constitucionalizado. Dentro daquela realidade, não havia mais espaço para constituições liberais com direitos de defesa perante os arbítrios do Estado.

Nesse contexto social, a infame crise de 29 polarizou todas as vertentes políticas e isso influenciou diretamente o jurídico diante da constatação que “Os Estados Unidos não eram mais o modelo. A inspiração vinha da Europa, do totalitarismo” (VILLA, 2011),  Nessa época, viu-se a ascensão do nazifascismo na Itália e Alemanha, e do Franquismo e Salazarismo nos países ibéricos. Na Rússia, os Comunistas já haviam tomado o poder dos Czaristas desde a primeira guerra mundial, já nos Estados Unidos, o Keynesianismo também fazia parte do culto do Estado fortalecido no intervencionismo econômico e protetor da sociedade.

O Brasil da Era Vargas seguiu o modelo totalitário nazifascista, numa mescla com o sistema keynesiano americano, principalmente na Constituição de 1937, a do Estado Novo. Entretanto, já havia sinais na carta de 34, um bom exemplo é o artigo 174º § 5º: “Não será obstada a circulação dos livros, jornais ou de quaisquer publicações, desde que os seus autores, diretores ou editores os submetam à censura”. A censura poderia ser exercida pelo Estado até mesmo em tempo de paz, sem estado de sítio: “A publicação de livros e periódicos independe de licença do poder público. Não será, porém, tolerada propaganda de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social” (art. 113, § 9.º).

O ministro da justiça, quando indagado por um constituinte sobre os critérios da censura, afirmou que deveriam ser censuradas (VILLA, 2011):

  • Críticas ao governo, em termos acrimoniosos
  • Agressões e referências pejorativas em seus membros
  • Notícias que podem prejudicar a ordem pública e estimular subversões
  • Agressões pessoais
  • Críticas a governos estrangeiros e representantes
  • Informações que possam gerar alarme ou apreensões
  • Boatos

O nacionalismo era o grande norte constitucional, na terceira constituição brasileira, tivemos pela primeira vez artigos para a ordem econômica e social. Além da comparação com a República de Weimar, era nítida a inspiração na Constituição Mexicana de 1917, uma das precursoras da era nacionalista vivida naquele momento. No texto, se falava em nacionalização progressiva dos bancos e reserva legal para a nacionalização de fontes de energia, jazidas minerais e minas. As relações trabalhistas foram todas constitucionalizadas no art. 121, um longo dispositivo de 8 parágrafos e 10 alíneas, que apresentou um rol de direitos trabalhistas. Disciplina o caput: “A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País” (BRASIL, 1934).

Dentro da perspectiva nacionalista, se estabeleceram medidas contra trabalhadores estrangeiros no território nacional. O art. 113 §15° era claro: A união poderia expulsar “estrangeiros perigosos” à ordem pública ou interesses nacionais. Além disso, os naturalizados poderiam também perder esse direito caso exercessem  “atividade social ou política nociva”, isso no artigo 107.

Na Era Vargas, foram reprimidos e expulsos líderes operários estrangeiros. O nacionalismo xenófobo vedava até concentração de estrangeiros em qualquer área que a União tivesse jurisdição. Todas essas ações contra estrangeiros foram inspiradas na “literatura” de  Alberto Torres e Manoel Bonfim, pensadores que buscavam um controle colonial e devido a diferenças mentais, eram necessárias medidas de proteção para evitar a injeção de imigrantes e garantir o desenvolvimento natural da sociedade. Ou seja, o pensamento nacionalista xenófobo que guiou boa parte da Europa na década de 30 do século XX, onde governos totalitários temiam uma posse estrangeira do poder e da cultura

No que tange a separação de poderes, no Poder Executivo, foi suprimida a figura do vice-presidente,  o mandato seria de 4 anos, sendo vedada a reeleição, como consta no art. 52 (SARMENTO; SOUZA, 2012). Na prática, a questão da vedação da reeleição não foi levada a frente pelo golpe do Estado Novo, que será explorado mais à frente.  No poder legislativo houve grandes mudanças, começando com o sistema unicameral: o legislativo seria composto pela Câmara dos Deputados com a colaboração do Senado Federal. Além de ser um órgão consultivo do legislativo, o Senado seria responsável por essas funções:

 

promover a coordenação entre os poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura das leis e praticar os demais atos de sua competência” (BRASIL, 1934)

 

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A Câmara dos Deputados seria composta por representantes diretos do povo e representantes classistas: lavoura, pecuária, transportes, funcionários públicos, indústria, comércio e profissionais liberais. Com a exceção dos funcionários públicos, toda representação classista seria composta do representante dos empregados  (no caso, o sindicado laboral) com o representante do empregador (sindicato patronal).

No âmbito do Poder Judiciário, foi mantida a forma federalista e o controle de constitucionalidade da constituição anterior, com algumas alterações: a primeira é a chamada reserva de plenário. De acordo com o artigo 179: “só pela maioria absoluta dos votos da totalidade dos seus juízes, poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder público” (BRASIL, 1934). Além desse princípio da reserva de plenário, também foi instituído ao Senado Federal, a competência para suspender a execução de normas consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte, atribuição que ainda é presente no Direito Brasileiro.

No corpo legislativo foi instituído os remédios constitucionais: Mandado de Segurança e a Ação Popular e constitucionalizou a Justiça Eleitoral e a do Trabalho, mesmo que tenha mantido a Justiça Trabalhista fora do poder Judiciário, mantendo na competência do Poder Executivo.

Quanto aos mecanismos de reforma e revisão constitucional, a CF de 1934 é categorizada pelo constitucionalismo como rígida e que demandava diferentes procedimentos complexos para sua alteração.          Conforme leciona Daniel Sarmento e Claudio Souza:

Na emenda, o procedimento começaria com proposta formulada pela quarta parte dos deputados ou senadores; ou por mais da metade das Assembleias Legislativas, no decurso de dois anos, cada uma delas manifestando-se pela maioria dos seus membros. Daí, a emenda precisaria ser aprovada pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, durante dois anos consecutivos, a não ser que obtivesse dois terços dos votos em ambas as casas, hipótese em que passaria a valer imediatamente. Já no caso de revisão, o procedimento começaria por iniciativa de dois quintos da Câmara ou do Senado; ou de dois terços das Assembleias Legislativas, por meio de deliberação por maioria absoluta em cada uma delas.” . (SARMENTO; SOUZA, 2012)

 

2.1 A transição de poder entre a constituição promulgada de 1934 e a outorgada de 1937

A constituição de 1934 teve vida breve: apenas três anos e quatro meses. Todas as tensões políticas estavam  em polvorosa com a ascensão de movimentos do aspecto extremo do espectro político. Dois movimentos se destacavam entre os de maior alcance popular: a Ação Integralista Brasileira, liderada por Plínio Salgado, que era semelhante ao fascismo italiano.

Do outro lado, os comunistas liderados pelo capitão Luís Carlos Prestes (que também foi o líder do tenentismo na República Velha) almejavam o poder. E claro, o governo Vargas, que buscava a sua perpetuação, e boa parte da elite política não era das mais entusiastas de uma democracia constitucional. O Ministro da Justiça à época, Vicente Rao uma vez disse:  “o doloroso anacronismo da liberal democracia que desarmava o Estado na luta contra seus inimigos” (VILLA, apud CAMPOS, 2012).

A Intentona Comunista de 1935 foi um grande facilitador do trabalho de Getúlio Vargas,  que começou uma propaganda de que a Constituição vigente era liberal demais e que dificultava o seu governo. O segmento comunista no Brasil possuía certa influência no exército, e por meio de rebeliões armadas buscou a insurreição, que por sua vez foi fracassada como objetivo, mas instaurou a questão da ameaça comunista. Muitos dos comunistas foram assassinados, outros presos, Luis Carlos Prestes foi condenado a 30 anos e a sua mulher, Olga Benário foi deportada para a Alemanha, onde morreu grávida em um campo de concentração.

Nesse cenário, foram aprovadas três emendas constitucionais e a Lei de Segurança Nacional, que, em resumo, dava carta branca para a punição e perseguição de “subversivos às instituições sociais”. Houve perseguições, censuras e prisões de opositores. Durante as discussões do pleito de 38, se destacavam na corrida eleitoral o integralista Plínio Salgado, o tenentista José Américo e o liberal Armando Salles. E claro, um movimento de Getúlio Vargas para se perpetuar no poder.

A propaganda sempre foi uma área em que Getúlio foi mestre, vide o Movimento Queremista no fim do Estado Novo, o “Continuísmo” era um movimento que estava começando a ganhar um apoio popular. Em um ambiente instável politicamente, o General Goés Monteiro divulga um suposto plano de insurreição comunista: o Plano Cohen.

Não demorou para que as tropas da Polícia Militar, em apoio do Exército cercarem o exército e o Presidente Vargas anunciar pelo rádio medidas para uma suposta profunda invasão comunista dentro das organizações sociais e que a Constituição vigente não era suficiente para assegurar a paz e a segurança da nação. E assim era instaurado o Estado Novo e uma nova Constituição.

 

  1. Características da Constituição de 1937 – Estado Novo

Se as constituições anteriores (com a exceção da imperial) foram  promulgadas tecnicamente, voltamos a ter uma carta outorgada em 1937.  A outorga da carta tinha um pretexto: a ameaça comunista do plano Cohen nas instituições nacionais. No preâmbulo, escrito pelo próprio ditador brasileiro, falava na “Legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem” e para amenizar os efeitos da outorga, havia a promessa de um plebiscito no art. 187 (BRASIL, 1937). Esse plebiscito, não aconteceu, fazendo alguns juristas e historiadores afirmarem que a Constituição de 37 sequer teve validade, pelo país não ter cumprido algumas de suas promessas, além do fato de sempre viver em período de emergência, permitindo arbitrariedades. O próprio Ministro da Educação, Francisco Campos, que redigiu a Constituição, afirmou que era “conteúdo meramente histórico” (SARMENTO; SOUZA, apud MARTINS, 2012).

A característica mais marcante desta Constituição não poderia ser outra: o autoritarismo. Nesse clima de Estados extremamente autoritários, a maior inspiração na redação do texto foi a carta fascista da Polônia de 1935. Fato que aparentemente rendeu o famoso apelido: “Polaca”. Talvez entre os juristas e legisladores tenha sido mesmo, entretanto, para o resto da população, o termo “polaca” apelidado à constituição teve conotação negativa devido ao fato que as prostitutas oriundas leste europeu também tinham esse apelido (ARAÚJO, 2015). Então não é errado interpretar que a constituição do Estado Novo ficou marcada por ser a “prostituta” do fascismo europeu.

Nesse período, a centralização do poder foi a mais radical de todas: A Constituição do Estado Novo dissolveu todo o Poder Legislativo: União, Estados e Municípios e enquanto não fosse eleito novamente, caberia ao Presidente expedir decretos de competência legislativa e executaria suas funções. Quando eleitos,  o  Poder Legislativo seria composto pelos próprios parlamentares eleitos indiretamente em proporção à população do estado, também seria composto na legislatura o Conselho da Economia Nacional e o Presidente da República. Também era competente à Autoridade Suprema do Estado Brasileiro autorizar ou não o mandato de governadores e à nomeação de interventores. Foi decretado Estado de Emergência por tempo indeterminado, o que permitia dissolver a Câmara dos Deputados discricionariamente, quando não forem aceitas as medidas do poder executivo.

O mandato presidencial seria de seis anos (art. 80), cujo presidente seria eleito por um colégio eleitoral em eleição indireta. O Colégio Eleitoral seria composto por:

  • Eleitores designados pelas câmaras municipais, proporcionais à população dos estados, limitados a no máximo 25.
  • 50 Eleitores indicados pelo CEN, divididos igualitariamente entre empregados e empregadores. O Conselho de Economia Nacional era composto por diversos representantes das mais diversas áreas da produção nacional.
  • 25 indicados pela Câmara dos deputados
  • 25 indicados pelo Conselho Federal, que era formado por indicados pelo Presidente da República e representantes dos Estados indicados pelas Assembleias Legislativas

O Poder Judiciário continuou sendo extremamente limitado diante da centralização ao Executivo. A Justiça do Trabalho continuou sendo parte do poder executivo, e além disso a Justiça Federal de primeiro e segundo grau e a Justiça Eleitoral foram suprimidas. E o artigo 172 ainda permitia o funcionamento de uma justiça para apurar crimes contra o Estado: o TSN. O Tribunal de Segurança Nacional trabalhou em ritmo industrial. Em nove anos de existência, condenou mais de 4 mil pessoas.  Entre suas regras processuais, a que mais se “destaca” é a que cada acusado não poderia ter mais de 2 testemunhas e que cada uma delas poderia ser ouvida por até 5 minutos. O advogado de defesa podia falar por até 15 minutos e a sentença seria proferida 30 minutos depois (VILLA, 2011). Claramente era um tribunal de exceção que tinha a censura constitucionalizada em prol do Estado Novo.

Como o Poder Legislativo não existia, “o Presidente da República arvorou-se à condição de constituinte originário” (SARMENTO, SOUZA, 2012). E assim Vargas, o ditador, expediu leis constitucionais, além de poder ou não suspender algum art. da Constituição, mostrando assim um caráter flexível da carta, pois não havia questão de procedimentos complexos legislativos para alteração de uma constituição.

Não é nem um pouco exagerado afirmar que Controle de Constitucionalidade era exercido à bela vontade do Presidente da República, numa espécie de ditadura constitucionalmente aceita.

 

Conclusão

Da análise de todo o exposto, vislumbra-se que embora o período narrado neste trabalho tenha sido de grandes avanços institucionais e sociais, também foi marcado por arroubos autoritários, os quais são parte indissociável de todo o período.

Nessa senda, mesmo momentos e documentos legais tidos popularmente como “liberais”, carregavam um ranço autoritário, típico da forma de manutenção do poder central que se almejava à época e também típico do momento histórico que diversos países passavam.

Ademais, cabe destacar que, ao se vislumbrar o todo do período ora analisado, observa-se que, em que pese a grande instabilidade, observou-se uma tendência homogênea, os quais refletem as tentativas de centralização de poder nas mãos de Vargas.

Assim, embora se trate de período amplamente documentado e estudado, observa-se que ainda há um amplo caminho para compreender a totalidade e as diversas facetas deste período histórico no que concerne à sua construção jurídica, ante a complexidade por ele contida, bem como ante as pseudo-contradições que representam as mudanças constitucionais, as quais embora aparentem caminhar por direções diferentes, encontram-se no espírito político de Vargas.

 

Referências

ARAÚJO, Taynara Mirelle do Nascimento de. “Madame Pommery”: a prostituição das polacas no Brasil. Entrepalavras, [s. l.], 8 nov. 2015.

 

BOMFIM, Manoel. O Brasil. São Paulo: Nacional, 1935, p. 337.

 

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GOVERNO PROVISÓRIO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Decreto nº 21.402, de 14 de maio de 1932. Fica o dia três de maio de 1933 para a realização das eleições à Assembléia Constituinte e cria uma comissão para elaborar e anteprojeto da Constituição. [S. l.], 14 maio 1932.

 

BRASIL. Emenda Constitucional nº S/Nº, de 3 de setembro de 1926. Substituição de artigos e paragraphos da Constituição. [S. l.], 1926.

 

BRASIL. [Constituição (1934)]. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. [S. l.: s. n.], 1934.

 

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SARMENTO, Daniel; SOUZA, Cláudio. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Editora Forum, 2012.

 

TORRES, Alberto. O problema nacional brasileiro. São Paulo: Nacional, 1978. p 22.

 

VILLA, Marco Antonio. A História das Constituições Brasileiras. [S. l.]: Leya, 2011.

 

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