A evolução histórica do princípio da igualdade jurídica e o desenvolvimento nas constituições brasileiras

Resumo: O artigo demonstra que o princípio da igualdade permeia a evolução dos povos. Cada grupo, cada nação apresenta sucessivo processo de transformação, tornando, assim, flexível o conceito de igualdade para atender as necesidades de cada época. É demonstrado que o progresso da isonomia divide-se em etapas, tais quais, a primeira em que a regra era a desigualdade; a segunda, a idéia de que todos eram iguais perante a lei; e a terceira, de que a lei deve ser aplicada respeitando-se as desigualdades dos desiguais ou de forma igual aos iguais. O objetivo é propor uma análise da evolução do princípio para bem entender o seu respectivo desenvolvimento dentro do bojo da Constituição Federal Brasileira e na convivência democrática do país.


Palavras-chave: Princípio da Igualdade, História, Constituições Brasileiras.


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Sumário: Introdução. 1. A evolução histórica mundial. 2. O desenvolvimento do princípio nas constituições brasileiras. Conclusão


INTRODUÇÃO


“A igualdade constitui o signo fundamental da democracia”[i]. Pode-se afirmar ainda, que é o tronco, a espinha dorsal de uma sociedade democrática. O princípio da isonomia, por sua vez, é advento do cotidiano humano e, portanto, reflexo dos valores costumeticamente construídos pelos grupos sociais no transcorrer da existência humana. Em verdade, as sociedades estão em sucessivos processos de transformações, tornando, assim, mutável o conceito de igualdade tanto em relação à época, ou em relação a determinado grupo. Diante dessa mutabilidade, o que se entende como igualdade jurídica em determinado país pode não ser da mesma forma entendida em outro país e ainda, a isonomia de tempos passados pode não equivaler ao que se entende por igualdade hodiernamente e tampouco servir como parâmetros efetivos para calcar previsões do que será ela em tempos vindouros.


É válido ressaltar também que o princípio da igualdade reveste-se de grande importância social e jurídica. Destarte, é imperioso admitir que a modernidade demanda estudos e transformações concretas na cultura da sociedade, contrapondo a idéia de que no presente “o direito de igualdade não tem merecido tantos discursos como a liberdade”.[ii]


O Direito, como se constata, se utiliza dos critérios isonômicos para atingir a justiça, determinando o equilíbrio, ou mesmo o desequilíbrio, uma vez que há desigualdades provenientes de divergências políticas, econômicas, geográficas, culturais, enfim, desigualdades humanas, que privam muitos até de ter as suas necessidades básicas supridas.


1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA MUNDIAL


Para se entender a noção exata do princípio da igualdade deve-se, inicialmente, compreender a sua evolução histórica, com destaque das principais contribuições dos povos que influenciaram a construção deste princípio, uma vez que a igualdade como ideologia sempre foi discutida em todas as regiões, em todas as épocas, por todos os indivíduos.


O progresso da isonomia divide-se em três etapas: a primeira em que a regra era a desigualdade; a segunda, a idéia de que todos eram iguais perante a lei, denotando que a lei deve ser aplicada indistintamente aos membros de uma mesma camada social; e na terceira, de que a lei deve ser aplicada respeitando-se as desigualdades dos desiguais ou de forma igual aos iguais.[iii]


O primeiro momento é definido da seguinte forma:


“[…] a sociedade cunhou-se ao influxo de desigualdades artificiais, fundadas, especialmente, nas distinções entre ricos e pobres, sendo patenteada e expressa a diferença e a discriminação. Prevaleceram, então, as timocracias, os regimes despóticos, asseguraram-se os privilégios e sedimentaram-se as diferenças, especificadas em leis. As relações de igualdade eram parcas e as leis não as relevavam, nem resolviam as desigualdades.”[iv]


A sociedade, como se observa, adotava a desigualdade fundamentando este sistema nas leis, que a legalizava, e deste modo propiciava a quem mais detivesse poder e riqueza mais privilégios e, ao contrário, aos indivíduos de classes inferiores restavam os resultados caóticos do desequilíbrio.


Os privilégios dos poderosos eram aceitos normalmente e a existência da escravidão não era contestada, era ‘absorvida’ pelo silêncio imposto aos escravizados. Como se constata o entendimento supra-destacado, a sociedade antiga legitimava a diferenciação entre ricos e pobres e não se preocupava em igualar os desiguais.


Apesar do pensamento de Aristóteles: “a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”, não houve concretização nos povos antigos para deflagração do processo de igualdade, uma vez que a igualdade não era absoluta. Pode-se citar como exceção “a Lei das XII das Tábuas, pela qual consagra a igualdade entre patrícios e plebeus, o Edito Perpétuo que estende a igualdade às populações de outras etnias e o Edito de Caracalla ou Constitutio Antoniniana, que concede direito da cidadania de todos os habitantes do império.”[v]


A desigualdade atinge o seu ápice no período da Idade Média, haja vista que a sociedade cada vez mais cristalizava as diferenças, além de que o pensamento filosófico também as legitimavam. Este é o intervalo histórico em que os grupos sociais eram erigidos pelos suseranos e vassalos.


Neste sentido, bem ressalta Vicentino ao expor que:


“[…] a sociedade feudal era composta por dois estamentos, ou seja, dois grupos sociais com status fixo: os senhores feudais e os servos. Os servos eram constituídos pela maior parte da população camponesa, vivendo como os antigos colonos romanos – presos à terra e sofrendo intensa exploração. Eram obrigados a prestar serviços ao senhor e a pagar-lhe diversos tributos em troca de permissão de uso da terra e proteção militar”.[vi]


Em um segundo momento histórico há o progresso da igualdade e transformações sociais desencadeiam a gênese do Estado moderno. Surge a moeda, o comércio, por isso o sistema feudal entra em declínio, e, no mesmo compasso, há o aparecimento das cidades, e a burguesia surge como a nova classe social, que por sua vez, acumula riquezas através do comércio de mercadorias. Logo sobrevém a Revolução Industrial e os burgueses, enriquecidos culturalmente, reivindicam ainda que de uma forma conveniente à classe, tratamento igualitário a todos. Este momento histórico pode ser assim resumido:


“[…] a sociedade estatal ressente-se das desigualdades como espinhosa matéria a ser regulamentada para circunscrever-se a limites que arrimassem as pretensões dos burgueses, novos autores das normas, e forjasse um espaço de segurança contra as investidas dos privilegiados em títulos de nobreza e correlatas regalias no Poder. Não se cogita, entretanto, de uma igualação genericamente assentada, mas da ruptura de uma situação em que prerrogativas pessoais decorrentes de artifícios sociais impõem formas despóticas e acintosamente injustas de desigualação. Estabelece-se, então, um Direito que se afirma fundado no reconhecimento da igualdade dos homens, igualdade em sua dignidade, em sua condição essencial de ser humano. Positiva-se o princípio da igualdade. A lei, diz-se então, será aplicada igualmente a quem sobre ela se encontre submetido. Preceitua-se o princípio da igualdade perante a lei.”[vii]


Todavia, “quando surge a sociedade de classes, canonizando juridicamente o princípio liberal da igualdade de todos os cidadãos, este, contudo não logra nem pretende a anulação completa das desigualdades. Apenas não a contempla, firmando assim uma igualdade formal que se limita a desconhecer as desigualdades reais”.[viii]


Aqui, cabe também destacar Silva:


“[…] a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe, jamais postulou um regime de igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade. É que um regime de igualdade contraria seus interesses e dá à liberdade sentido material que não se harmoniza com o domínio de classe em que assenta a democracia liberal burguesa.”[ix]


É cabível admitir a veracidade do pensamento de Machado Neto e José Afonso da Silva, posto que as desigualdades originadas no regime combatido pela burguesia demandavam um combate por meio da proclamação da igualdade, ainda que incompleta, o que desencadeou um grande avanço.


Rousseau, filósofo iluminista[x], defendia que os homens eram iguais posto que pertenciam ao gênero do ser humano diferenciando-se apenas pelas condições físicas e psíquicas de cada um, sendo que outros tipos de diferenças deveriam ser rejeitadas pela sociedade.[xi]


“[…] o ideal de igualdade entre os homens guarda uma relação mais íntima com as idéias propugnadas por John Locke, especialmente na obra Segundo Tratado do Governo Civil, quando ele revela uma preocupação com a liberdade e os direitos naturais e individuais dos seres humanos, e sustenta que a ordem social não devia assentar-se em grupos, entidades ou aglomerações, mas em indivíduos autônomos e independentes, que são os verdadeiros responsáveis pelos próprios destinos e os únicos capazes de buscar a felicidade.”[xii]


É o que retrata Chevallier, ao exprimir o pensamento de Locke:


“[…] o estado de natureza é um estado de perfeita liberdade e também um estado de igualdade […] a razão natural ensina a todos os homens, se quiserem consultá-la, sendo todos iguais e independentes, nenhum deve prejudicar o outro[…]”.[xiii]


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A França e as colônias inglesas, no final do século XVIII, foram influenciadas pelos ideários de igualdade. Deste modo, houve a difusão das idéias e diversas Constituições normatizaram o princípio da isonomia.


Destarte, a Constituição de Virgínia de 12 de junho de 1776 elencou topograficamente em seu art. 1º que “todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes”.


Na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, em seu art.1º cunhou o princípio de que os homens nascem e permanecem iguais em direito. Tal reflexo tornou-se a base do Estado moderno exercendo influência sobre todas as constituições posteriores.


Ocorre, entretanto, que este engatinhar do princípio da igualdade que levou a erigi-lo como norma constitucional, não foi o suficiente para garantir que as necessárias mutações que se sucedem na evolução da história dos povos fosse exteriorizada de modo igualitário, uma vez que o Estado liberal se pôs alheio a intervenções e designou aos operadores do direito a tarefa de tentativa de efetivação da isonomia. Não obstante, ainda que de forma lenta e gradativa, tendo por base a realidade de cada grupo social, em cada época, o princípio da isonomia começa a ter desdobramentos cada vez mais significativos e concretos.


Em 10 de dezembro de1948, com o intuito de promover grandes transformações sociais, é promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que difunde seus preceitos a inúmeras nações desde o preâmbulo até o bojo de seus artigos. Importante destacar na Declaração, o que se tem também como objeto deste estudo, a igualdade:


Art. 7º – Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação;


Art. 22 – Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país;


Art. 23, inciso I – Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego; inciso II – Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.”


Constata-se, que já em meados do século passado, era preocupação dos povos a legitimação da igualdade inclusive na seara trabalhista.


2. O DESENVOLVIMENTO DO PRINCÍPIO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS


Ao perscrutar as Constituições brasileiras desde sua gênese, a presença constante do princípio da isonomia. Entretanto, houve momentos em que a igualdade não ocorreu nem tampouco em sua acepção formal, porquanto na Carta de 1824 o princípio coexistia com a legitimação da escravatura. Há que se apontar também que nesta Carta, envolvida pela tendência mundial da época, a distinção era fundamentada nos méritos individuais.


Com o fim do regime monárquico e advento da República, na Constituição de 1891, visando ao princípio da isonomia, todos os privilégios de classes superiores foram extintos ou vedados. Todavia, com o decurso temporal, viu-se que o autoritarismo, os privilégios e os títulos, ainda que não escritos, foram mantidas sob a imposição das classes superiores.


Na Constituição de 1934 mantém-se a igualdade perante a lei, porém traz em seu bojo um novo elemento, que descaracteriza as distinções por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas, ou seja, assume que existem questões tradicionalmente desencadeadoras de desigualdade e formalmente as recrimina.


Contudo, com a Constituição de 1937, o elemento supracitado, que outrora era inovação, foi excluído. Neste ínterim, destaca-se a Consolidação das Leis do Trabalho, a qual tornou defesa a diferenciação nos rendimentos com base no sexo, nacionalidade ou idade.


Por sua vez, a Constituição de 1946 consolidou o princípio da igualdade e houve a proibição da propaganda de preconceitos de raça ou classe.


Sobre a Constituição de 1964, pertine relatar que o Brasil tornou-se signatário da Convenção nº111 da Organização Internacional do Trabalho, a qual definiu a discriminação como “toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha o efeito de anular a igualdade de oportunidade ou de tratamento em emprego ou profissão”.


No que alude à Carta Política de 1967, há que se mencionar que se deu a constitucionalização da punição do preconceito de raça. Um ano após, o Brasil ratifica a Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Racismo, ao dispor que “não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais”, admitindo a necessidade e a validade de ações para o progresso de determinados grupos.


A Constituição de 1969, em sua emenda nº1, proclamou apenas que não seria tolerada a discriminação.


Finalmente, a Constituição promulgada em 1988, no que pertine à igualdade, inovou desde o seu preâmbulo ao eleger a igualdade como valor supremo de uma sociedade pluralista e sem preconceitos.


No art. 3º, IV, há uma determinação para se mudar a realidade juntamente com os valores de um Estado do bem estar social. Objetiva-se “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.[xiv]


Há que se destacar o caput do art. 5º, que encampa direitos e garantias individuais, o qual se inicia com a previsão de que “todos são iguais perante a lei […] garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito […] a igualdade […]”.[xv]


Em verdade, a noção de igualdade não se apresenta apenas no bojo dos dispositivos supra mencionados. A igualdade permeia toda a Constituição, quer igualando ou desigualando para se garantir a todos a igualdade de oportunidades.


A igualdade entre as camadas sociais, perante a lei, é conhecida na doutrina como igualdade formal. Vê-se que igualdade está vinculada ao princípio da dignidade humana, em que uma vez dotados de humanidade, todos os indivíduos são sujeitos de direito, devendo obter tratamentos de maneira igualitária. Porém, a denominada isonomia formal caracterizou-se em sua ineficácia.


Bem explicita Rocha ao mencionar que:


“[…] esta interpretação da expressão iguais perante a lei propiciou situações observadas até a muito pouco tempo em que a igualdade jurídica convivia com a separação dos desigualados, vale dizer, havia tratamento igual para os igualados dentro de uma estrutura na qual se separavam os desigualados, inclusive territorial e socialmente. É o que se verificava nos Estados Unidos em que a igualdade não era considerada desrespeitada, até o advento do caso Broen versus Board of Education. Até o julgamento deste caso pela Suprema Corte norte-americana, entendia-se nos Estados Unidos da América que os negros não estavam sendo comprometidos em seu direito ao tratamento jurídico igual se, mantidos em escolas de negros, fossem ali tratados igualmente.”[xvi]


Observa-se que há o fim do Estado Liberal e nasce o Estado do Bem-estar Social, que se inaugura expressamente em 1917 na Constituição do México, e em 1919 na Lei Fundamental de Weimar. Este novo modelo, por sua vez, procurou reduzir as desigualdades ocorrentes na sociedade. O constitucionalismo com relação ao princípio da igualdade não deve estar limitado à igualdade perante a lei. Se antes, com o Estado Liberal, não se vislumbrava como realizar a igualdade, a norma agora, com o Estado Assistencialista, desiguala os desiguais para atingir a igualdade implicando em dinamicidade e flexibilidade ao princípio da isonomia.


É notável a especificação de Menezes:


“[…] o ponto comum dessas tendências foi o de abstrair o conteúdo negativo do princípio da igualdade. O Estado, a partir de então, passa a ser reconhecido como a instituição, legítima e adequada, para nivelar as desigualdades sociais.”[xvii]


Com isso, surge a chamada discriminação positiva ou reversa, visando à supressão de desvantagens impostas às pessoas em razão de religião, sexo ou cor de pele.


As constituições brasileiras, desde sua primeira formação, baseando na afirmação da Declaração dos Direitos do Homem, já mencionado alhures, cuidaram de dar guarida ao princípio da isonomia e assim enunciam que a igualdade ocorre perante a lei, demonstrando a acepção formal apenas.


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Entretanto, “a compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que se aferi-lo com outras normas constitucionais […], e especialmente, com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social”.[xviii]


A visão material da igualdade vem complementar a sua visão formal. O art. 5º, caput, é considerado “como isonomia formal para diferenciá-lo da isonomia material, traduzido no art. 7º, XXX e XXXI”.[xix]


Além disso, é válido ressaltar que a Constituição Federal traz em seu bojo outras formas expressas de igualdade material, tais como o art. 3º, o art. 5º, I, XXXII, LXXIV, o art. 170, VII, art. 193, art. 196, art. 205 etc.


Por conseguinte, não basta a lei declarar apenas que todos são iguais, deve propiciar instrumentos e mecanismos eficazes para a construção da igualdade. “A Constituição procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei”. [xx]


Neste diapasão, Canotilho preleciona que:


“[…] a obtenção da igualdade substancial, pressupõe um amplo reordenamento das oportunidades: impõe políticas profundas; induz, mais, que o Estado não seja um simples garantidor da ordem assente nos direitos individuais e no título da propriedade, mas um ente de bens coletivos e fornecedor de prestações”.[xxi]


Vê-se que a sociedade moderna não vive mais um conceito passivo de igualdade e sim se vincula a uma realidade de tentativa de igualdade ativa.


Porém, há de se entender que o legislador, sob pena de criar uma norma inconstitucional, ao elaborar uma norma não pode criar situações que discriminem sem motivo. Deste modo, leciona o Mello:


“Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:


I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura indeterminada;


II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator tempo – que não descansa no objeto – como critério diferencial;


III – A norma atribui tratamento jurídicos diferentes em atenção ao fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados;


IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses protegidos constitucionalmente.


V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita”.[xxii]


Mais uma vez, em comparação à outrora, nota-se a dinamicidade e flexibilidade do atual princípio da igualdade, que focaliza a consecução do equilíbrio entre os cidadãos e o benefício de toda a coletividade.


CONCLUSÃO


Conclui-se que o princípio da igualdade formal permite que as pessoas, cada qual com seus próprios meios e condições construam as oportunidades de crescimento, seja ele pessoal, profissional ou financeiro, uma vez que todos nascem iguais, são humanos e dotados do mesmo potencial e condições. Frisa-se que o Estado não deve intervir na sociedade.


Todavia, a história mundial apresenta que a tentativa de abstenção estatal, não ensejou à igualdade entre os cidadãos, até porque não houve por parte do Estado tentativa de correção da própria história, de cada povo.  Diante disso, compreendeu-se que não bastava que a Constituição trouxesse formalmente descrito que todos são iguais perante a lei, proibindo tratamentos diferenciados, observou-se a necessidade de que a Constituição obrigasse o Estado a discriminar (positivamente) as pessoas de tal forma que implicasse na promoção de uma igualdade eficaz.


 


Notas:

[i] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 214.

[ii] Ibidem.

[iii] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990. p. 32 et seq.

[iv] Ibidem, p. 35.

[v] Ibidem, p. 30.

[vi] VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1997. p. 109.

[vii] ROCHA, opus citatum, p. 35.

[viii] MACHADO NETO, Antônio Luís. Sociologia Jurídica. 6ª ed. São Paulo, Editora Saraiva, 1987.

[ix] SILVA, loco citatum.

[x] Chamamos de Iluminismo o movimento cultural que se desenvolveu na Inglaterra, Holanda e França, nos séculos XVII e XVIII. Nessa época, o desenvolvimento intelectual, que vinha ocorrendo desde o Renascimento, deu origem a idéias de liberdade política e econômica, defendidas pela burguesia. Os filósofos e economistas que difundiam essas idéias julgavam-se propagadores da luz e do conhecimento, sendo, por isso, chamados de iluministas.

O Iluminismo trouxe consigo grandes avanços que, juntamente com a Revolução Industrial, abriram espaço para a profunda mudança política determinada pela Revolução Francesa. O precursor desse movimento foi o matemático francês René Descartes (1596-1650), considerado o pai do racionalismo. Em sua obra “Discurso do método”, ele recomenda, para se chegar à verdade, que se duvide de tudo, mesmo das coisas aparentemente verdadeiras. A partir da dúvida racional pode-se alcançar a compreensão do mundo, e mesmo de Deus.

As principais características do Iluminismo eram:

• Valorização da razão, considerada o mais importante instrumento para se alcançar qualquer tipo de conhecimento;

• valorização do questionamento, da investigação e da experiência como forma de conhecimento tanto da natureza quanto da sociedade, política ou economia;

• crença nas leis naturais, normas da natureza que regem todas as transformações que ocorrem no comportamento humano, nas sociedades e na natureza;

• crença nos direitos naturais, que todos os indivíduos possuem em relação à vida, à liberdade, à posse de bens materiais;

• crítica ao absolutismo, ao mercantilismo e aos privilégios da nobreza e do clero;

• defesa da liberdade política e econômica e da igualdade de todos perante a lei;

• crítica à Igreja Católica, embora não se excluísse a crença em Deus.

Pesquisa disponível em <http://www.saberhistoria.hpg.ig.com.br/nova_pagina_31.htm> elaborada pelo professor Edriano Abreu apud FILHO, Milton B. B. História Moderna e Contemporânea. São Paulo, Scipione.1993. Acesso em: 27/03/2009.

[xi]  CHEVALLIER, Jean-Jacques. As Grandes Obras Políticas de Maquiavel a nossos dias. 8ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1998. p.162-195 passim.

[xii] Frederick M. Watkins e Isaac Kramnic. A Idade da Ideologia: pensamento político de 1750 até o presente, p. 11-12 apud MENZES, Paulo Lucena de,. A ação afirmativa (affirmative action) no  direito norte-americano. 1ª ed. São Paulo: RT, 2001. p. 16.

[xiii] CHEVALLIER, opus citatum, p. 108.

[xiv] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Org Antonio Luiz de Toledo Pinto. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 03.

[xv] Ibidem, p. 05.

[xvi] ROCHA, opus citatum, p. 36.

[xvii] MENEZES, Paulo Lucena de. A ação afirmativa (affirmative action) no direito norte-americano. 1ª ed. São Paulo: RT, 2001. p. 24.

[xviii] SILVA, opus citatum, p. 217.

[xix] Ibidem, p. 218.

[xx] Ibidem.

[xxi] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995, p.306.

[xxii] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.47.


Informações Sobre o Autor

Alvaro dos Santos Maciel

Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná, possui especialização em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina e graduação pela Universidade Norte do Paraná. Advogado e Docente.


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