BARELLI, Emilly de Figueiredo[1]
BERNARDO, Alexsandra de Souza Pereira[2]
Resumo: O objetivo central da presente pesquisa é analisar acerca da efetividade do acesso à justiça no município de Presidente Kennedy/ES, com fundamento na garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, tendo em vista a ausência da implantação da Defensoria Pública e o alto número de ações judiciais em trâmite na Comarca que dependem de assistência judiciária gratuita. Para a realização do estudo procedeu-se à coleta de dados junto ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, por meio de pesquisa descritiva, com método de investigação qualitativo, a fim de contextualizar e interpretar os dados que são objeto de estudo deste trabalho. Como resultado, inferiu-se que prejuízos são causados à população hipossuficiente local, frente à inefetividade do acesso à justiça, uma vez que a nomeação de advogados dativos, por si só, não é capaz de suprir a inexistência da instituição da Defensoria Pública, órgão essencial à função jurisdicional do Estado Democrático de Direito, havendo grave violação à promoção dos direitos humanos, individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Defensoria Pública. Presidente Kennedy/ES.
Abstract: The main objective of this research is to analyze the effectiveness of access to justice in the municipality of Presidente Kennedy / ES, based on the constitutional guarantee of the jurisdiction’s unfeasibility, considering the absence of the Public Defender’s Office and the high number of lawsuits pending in the District that depend on free legal aid. In order to carry out the study, data were collected from the website of the Court of Justice of the State of Espirito Santo, through descriptive research, with a qualitative research method, in order to contextualize and interpret the data that are the subject of study of this work. As a result, it was inferred that losses are caused to the local low-income population, given the ineffectiveness of access to justice, since the appointment of dative lawyers, by itself, is not able to supply the inexistence of the institution of the Public Defender, an organ essential to the jurisdictional function of the Democratic Rule of Law, with a serious violation of the promotion of human rights, individual and collective, in an integral and free way, to the needy.
Keywords: Access to justice. Public defense. President Kennedy/ES.
Sumário: Introdução, 1. A Prestação Jurisdicional e o Acesso à Justiça. 1.2. O Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição e o Direito de Ação. 1.3. O Acesso à Justiça Frente as suas nuances Constitucionais. 2. A Defensoria Pública como Função Essencial à Justiça. 3. A Integração das Comarcas no Estado do Espírito Santo como obstáculo à Efetivação do Acesso à Justiça. 4. Metodologia. 5. Resultados. Conclusão. Referências.
Introdução
O princípio da inafastabilidade da jurisdição, como sendo uma garantia fundamental prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna de 1988, mantém estreita correlação com o acesso à justiça, que a todos deve ser oferecido, uma vez que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). Nesse sentido, o presente artigo almeja estudar acerca das nuances da efetiva aplicação dessa prerrogativa constitucional na Comarca de Presidente Kennedy/ES, ante a ausência da instituição de Defensoria Pública no local.
Considera-se que o Poder Judiciário da Comarca de Presidente Kennedy/ES, na falta da instalação da Defensoria Pública, nomeia advogados dativos nos processos em tramitação e nas ações novas, a fim de representar em juízo as partes hipossuficientes. No entanto, ocorre que o respectivo foro recebe inúmeros pedidos de assistência judiciária gratuita, o que sobrecarrega o andamento processual e viola a celeridade elementar do conceito de justiça. Consta ainda que, até mesmo nas audiências, as partes comparecem sem advogado constituído, sendo-lhes nomeado defensor dativo para o ato.
Dessa forma, o presente estudo buscou trazer conceitos basilares referentes à temática apresentada, com tópicos atinentes ao princípio da inafastabilidade da jurisdição e o direito de ação, o acesso à justiça, a Defensoria Pública como função essencial à justiça, além da atual discussão acerca da possível integração das Comarcas do Estado do Espírito Santo. Toda a abordagem se fez com pesquisa descritiva, utilizando-se do método qualitativo, fundamentado na revisão bibliográfica e documental, além da coleta de dados no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo para corroborar com o aprofundamento do tema.
Discute-se, portanto, acerca dos impasses que a ausência da instalação da Defensoria Pública tem causado ao acesso à justiça daqueles que são hipossuficientes na Comarca de Presidente Kennedy/ES. Não raras as vezes, há excessiva demora no atendimento prestado pelo advogado dativo nomeado, pois após o prazo de publicação da intimação do patrono, ainda há severas dificuldades no contato deste com a parte.
Nesse ínterim, a presente pesquisa tem a finalidade de ressaltar a importância da implantação da Defensoria Pública, além de frisar os constantes dilemas que a Comarca de Presidente Kennedy tem enfrentado para garantir o acesso à justiça aos jurisdicionados.
Ademais, cabe analisar a instituição da Defensoria Pública como meio essencial para a eficaz aplicabilidade do princípio da inafastabilidade da jurisdição, atentando-se no sentido de que a implantação do respectivo órgão pode ser uma solução para garantir a efetividade do acesso à justiça aos necessitados.
- A Prestação Jurisdicional e o Acesso À Justiça
A Carta Constitucional de 1988 expõe em seu arrolamento de direitos e garantias fundamentais, mais precisamente no artigo 5º, inciso XXXV, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o qual direciona ao Poder Judiciário todas as honrarias de aplicar o direito aos casos concretos, assim sendo, cabe ao Poder Judiciário o exercício da função jurisdicional.
Consoante as menções de Moraes (1998, p. 197), o Poder Judiciário tem o dever de agir e prestar a tutela jurisdicional requisitada pela parte, tendo como princípio regente da jurisdição a indeclinabilidade, tendo em vista que a violação de um direito ocasionará uma ação relacionada ao fato que motivou o pedido de prestação judicial, independentemente de lei especial que a aprove.
Nesse sentido, é de extrema importância que o indivíduo tenha garantido o seu direito de acesso à justiça nos processos judiciais nos quais são demandados ou desejam demandar. Sendo assim, de acordo com Cappeletti e Garth (1988, p. 08) o direito de acesso à justiça tem dois principais objetivos, quais sejam: reivindicar os direitos dos indivíduos e resolver suas demandas. Segundo os autores, o acesso à justiça deve produzir resultados individuais e justos a cada cidadão.
Para Robert e Seguin (2000, s.p.) o acesso à justiça não está restrito somente ao contato com magistrados, processos físicos e idas aos Tribunais, mas sim, com o exercício da justiça levando em consideração leis e valores fundamentais e inerentes ao indivíduo. Nesse mesmo sentido, o direito de acesso à justiça previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, não trata somente do direito à ação, buscando a satisfação de um pedido, mas, também, a busca por uma decisão justa e legal.
De acordo com Souza (2013, p. 19), o acesso à justiça é mais do que possibilitar o acesso de todos ao Judiciário, assim sendo, ele descreve que “[…] o conceito de acesso à justiça não pode ser examinado sob o enfoque meramente literal. Em outras palavras, não se pode concebê-lo como se significasse apenas o direito de postulação perante o Estado-juiz, como se fosse a mera “porta de entrada” dos tribunais” (SOUZA, 2013, p. 19).
O direito de acesso à justiça é inerente ao princípio constitucional do direito de ação e, nesse passo, ensina Nery Junior: “assim, pelo princípio constitucional do direito de ação, todos tem o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada, não sendo suficiente, portanto, o direito à tutela jurisdicional. É necessário que essa tutela seja adequada, sem o que estaria esvaziado o conteúdo da garantia. Deve-se garantir o acesso digno” (NERY JÚNIOR, 2002, p. 265).
Notoriamente, é indispensável a presença do advogado na maioria dos procedimentos com a finalidade de solucionar lides ou requerer direitos, portanto Cappelletti e Garth (1988, s.p.) concordam que para que o acesso à justiça seja, de fato, garantido, é necessária a assistência judiciária aos pobres, não se tratando, apenas, a assistência gratuita, mas, também, ter acesso ao advogado para representá-lo e defendê-lo. Nesse seguimento, a Constituição Federal, em seu inciso LXXIV, do art. 5º determina que “o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (BRASIL, 1988, s.p.).
Importa evidenciar que a Defensoria Pública desempenha um papel extremamente importante para efetivar o disposto na legislação no que se refere aos direitos e garantias fundamentais. Tal órgão é voltado para a população mais carente financeiramente, desempenhando um papel fundamental no direito brasileiro. De acordo com a Constituição Brasileira, art. 5º, inciso LXXIV, à Defensoria Pública cabe a defesa dos direitos humanos e a defesa, em todos os níveis de jurisdição, dos direitos e garantias individuais e coletivos de forma não onerosa (BRASIL, 1988, s.p.).
Na tentativa de garantir o direito de acesso à justiça do indivíduo, diversos Estados passaram a instituir a Defensoria Pública. Porém, como afirma Gustin (2009, s.p.), a instalação desse órgão vai muito mais além da sua própria estrutura física e organizacional, uma vez que leva em conta a capacidade, o direito propriamente dito, os recursos e valores humanos presentes em cada defensor público.
Vê-se que o acesso à justiça é um direito que tem sido dificultoso e moroso. Dessa forma, é importante destacar que o Brasil assinou o Pacto de São José da Costa Rica, comprometendo-se a cumprir todos os artigos, desde que não entrem em conflito com a Constituição Federal. Sendo assim, salienta-se o artigo 8º, 1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o qual dispõe que “[…] toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza […]” (BRASIL, 1992, s.p.).
Atualmente, no Brasil, existem diversas Defensorias Públicas atuando em todo o território nacional. De acordo com informações do Ministério da Justiça (BRASIL, 2017, s.p.), são criadas defensorias de acordo com estudos de faixa etária da população, características históricas, composição, valores da sociedade e demais aspectos particulares e relevantes de cada população.
Apesar de existirem diversas Defensorias Públicas por todo o território nacional, muitas comarcas ainda sofrem com a falta desse órgão tão importante e fundamental para o exercício do direito à justiça de cada cidadão. Como exemplo, tem-se a cidade de São Paulo que, mesmo com a sua vasta extensão territorial e numerosa população, somente foi agraciada com a Defensoria Pública no ano de 2006. No mesmo patamar, o estado de Santa Catarina somente recebeu a Defensoria Pública no ano de 2012 (BRASIL, 2017, s.p.).
É importante enfatizar que a inaplicabilidade do acesso à justiça é real, sendo comum em muitos Estados, principalmente, nos locais em que a maioria dos habitantes residem em localidades rurais. Sendo assim, pode-se observar que “na região noroeste, em Cotriguaçu (950 km de Cuiabá), município de 15 mil pessoas, onde praticamente a metade vive em assentamentos rurais, os vereadores destacaram a grande importância da atuação da Defensoria Pública, principalmente devido ao estado de carência da população, que mal tem recursos para se sustentar. Sem o benefício da justiça gratuita, a busca pelos seus direitos se mostra impossível devido às custas judiciais e honorário advocatícios, com os quais deveriam arcar” (DEFENSORIA PÚBLICA DO MATO GROSSO DO SUL, 2011, p. 01).
Segundo essa mesma fonte, o município de Colniza, do Estado de Mato Grosso, vivencia o problema em questão, considerando que “a ausência de Defensor Público tem provocado o acúmulo de processos que ainda nem haviam sido distribuídos ao Fórum, e também fez com que advogados sejam nomeados para acompanhar os processos, participarem de audiências e júris. O município tem aproximadamente 30 mil pessoas e a pobreza está acentuada devido à dificuldade encontrada atualmente em trabalhar com madeira, fonte de economia da região” (DEFENSORIA PÚBLICA DO MATO GROSSO DO SUL, 2011, p. 02).
O Defensor Público-geral André Luiz Pietro, a respeito das situações dos municípios do Estado de Mato Grosso, aduz que é preciso mais que apenas o fórum, o juiz e o Promotor de Justiça, enaltecendo, dessa forma, a importância da Defensoria Pública (PIETRO, 2011, p. 01).
Ainda em referência a amplitude da inaplicabilidade do acesso à justiça, tem-se, também, um exemplo no Estado de Goiás, que possui 84 Defensorias Públicas. No entanto, a Comarca de Luziânia não possui a instalação de Defensoria Pública, dessa forma, “[…] para tentar suprir a necessidade da população, a Defensoria faz mutirões de atendimento, que duram em torno de uma semana. No entanto, a demanda de hipossuficientes é alta para um evento que ocorre semestralmente ou anualmente, deixando a população desamparada” (SOBRAL, DAHER, 2010, s.p.).
No que tange ao Estado do Espírito Santo, objeto de apreciação do presente artigo, cabe ressaltar que este teve sua primeira Defensoria Pública instalada no ano de 1992. Todavia, muitas comarcas ainda necessitam da atuação deste órgão, uma vez que apresentam inúmeras demandas e os defensores dativos não conseguem suprir tal demanda, como é o caso da cidade de Presidente Kennedy (BRASIL, 2017, s.p.).
Mais especificamente, dentro do Estado do Espírito Santo, destaca-se o Município de Presidente Kennedy/ES, o qual é considerado Vara Única pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, apresentando cerca de 6 mil processos tramitando em toda a comarca, ou seja, um elevado número considerando o número de habitantes da cidade, 11.574 (IBGE, 2019, s.p.).
Entretanto, apesar do elevado número de processos em trâmite, a referida comarca não foi contemplada com uma Defensoria Pública, deixando a população hipossuficiente desamparada judicialmente, não efetivando e, ainda, violando, o princípio do acesso à justiça.
A título de exemplificação, cabe evidenciar que, conforme relação de processos distribuídos/redistribuídos na respectiva Comarca, durante o período de 01/01/2018 a 31/12/2019, foram ajuizadas 201 ações classificadas como “nomeação de advogado dativo”, consoante é possível comprovar da documentação acostada em anexo, retirada do próprio sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Este número tende a ser muito mais amplo se considerados os pedidos de assistência judiciária gratuita na respectiva Comarca, que serão apresentados posteriormente neste estudo (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2010, s.p.).
1.2 O Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição e o Direito de Ação
O direito de ação é um instituto protegido pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, constado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, que resguarda o direito de acesso à justiça. Este dispositivo estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Veja-se: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988, s.p.).
Esse princípio garante que o Poder Judiciário permaneça de portas abertas para receber suas demandas, sendo que não é obrigado a esperar que a lesão ao direito aconteça, considerando a parte do dispositivo em se refere a ameaça deste, condiciona-se que o Poder Jurídico possa agir liminarmente.
Vale lembrar que essa importante determinação se fundamenta no resguardo dos direitos de todos, sem distinção, como bem expresso no “caput” do art. 5º da Carta Magna. Outrossim, acrescenta-se que o conceito exposto acerca do princípio da inafastabilidade da jurisdição, foi elaborado após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com o intuito de garantir a proteção de direitos, de forma expressa, podendo esses direitos serem públicos, privados ou transindividuais.
De acordo com Watanabe (1988, p.135), o direito de acesso à justiça também diz respeito a uma justiça adequadamente organizada, e ao acesso a ela deve ser assegurado por instrumentos processuais aptos à efetiva realização do direito. É relevante relatar sobre a importância de uma justiça ética, sendo esta uma contribuição importante para uma sociedade jurídica e politicamente organizada.
Assim sendo, para a efetividade de um dos princípios constitucionais mais importantes, é válido ressaltar que a justiça, a ética, a verdade, são elementos essenciais para a realização desse direito. Reale muito bem aponta que, em se tratando de justiça, não se separa a compreensão subjetiva da objetiva, considerando que “a justiça deve ser completamente subjetiva e objetiva, envolvendo em sua dialeticidade o homem e a ordem justa que ele instaura, porque esta ordem não é senão uma projeção constante da pessoa humana, valor-fonte de todos os valores através do tempo” (REALE, 2000, p. 378).
Ressalta-se também que o Estado deve assumir os gastos da maioria que não têm plena condição do uso da justiça, pois, do contrário, existe uma restrição de uma garantia constitucional. Assim, nas palavras de Cappelletti (1988, p. 09), seria apenas um “acesso formal, mas não efetivo à justiça”.
Com isso, é importante entender que existem dois institutos para atender aos que são hipossuficientes, quais sejam: a gratuidade da justiça e a assistência judiciária. A gratuidade da justiça possibilita aos indivíduos com condições financeiras inferiores que fiquem isentos dos gastos processuais, conforme exposto no art. 98 do Código de Processo Civil: “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei” (BRASIL, 2015, s.p.). E, ainda, a Constituição Federal prevê em seu art. 5º, inciso LXXIV, que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (BRASIL, 1988, s.p.).
Percebe-se que o instituto da gratuidade de justiça é mais restrito, sendo uma espécie do gênero da assistência jurídica, devendo ser comprovado pelo postulante no trâmite processual, convencendo ao magistrado sua carência econômica. Em contrapartida, a assistência judiciária gratuita é o instituto que fornece um defensor ao postulante, quando este não tem condições de arcar com as despesas advocatícias. Cahali ensina que: “a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo” (CAHALI, 2004, p. 778).
Comumente, a parte requerente pode não ter condições de arcar com as despesas advocatícias, carecendo da assistência judiciária gratuita, e, além disso, também não possuir condições para sustentar as custas e despesas processuais, gozando de ambos os benefícios. Também ocorrem situações em que o postulante é beneficiário da gratuidade da justiça, mas não o é da assistência judiciária gratuita. Desta feita, evidencia-se que tais benesses não são conceitos sinônimos: “o benefício da gratuidade judiciária é a dispensa das despesas judiciais que é exercida na esfera jurídica processual, perante o juiz que exerce a prestação jurisdicional. É instituto de direito pré-processual. A assistência jurídica é uma organização do Estado, que tem por finalidade a indicação de advogado ao indivíduo que pretende obter a tutela jurisdicional perante o Poder Judiciário e não tem condições financeiras de contratar um causídico particular. No entanto, trata-se de instituto de direito administrativo” (BASTOS, 1989, p. 191)
Porém, ainda que existam esses meios, os quais são muito importantes e essenciais para a prática do acesso à justiça, verificam-se falhas no Poder Judiciário. É evidente a ocorrência de mudanças na sociedade, a evolução desta, e, consequentemente, a complexidade no âmbito jurídico, mudando as formas de acesso. Nesse seguimento: “Tal mudança ocorre devido ao contexto político internacional do período e em virtude da pressão exercida pelos movimentos sociais que reivindicam ao lado dos direitos liberais (liberdade, propriedade e igualde formal), os direitos sociais que garantirão as condições materiais (igualdade substancial) para que os primeiros possam ser exercidos” (CAPELLARI, 2001, p. 14).
Importante lembrar que as mudanças jurídicas devem atender a todos de forma igual, não impossibilitando o acesso de nenhum indivíduo: “[…] o “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica” (CAPPELLETTI, 1988, p. 13).
E ainda, sendo observado isso, é de prioridade da justiça garantir a efetividade dos direitos humanos, ou seja, obedecer às normas e proporcionar as partes o pleno acesso à justiça de acordo com suas necessidades, também, conforme permitido em lei.
Uma vez falando de acesso à justiça, da inafastabilidade da jurisdição, ou direito de ação, não se pode deixar de falar do acesso ao Judiciário, considerando que este acesso é relevante para requisitar reparos a lesão ou a ameaça de direitos. Segundo Watanabe, “a problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgão judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa” (WATANABE, 1988, p.128). Com isso, é observável que o acesso à justiça depende do acesso ao judiciário que, para realização plena da cidadania, é necessário o acesso à ordem jurídica justa. Em regra, é o que deveria acontecer. A seguir: “[…] procurar-se-á analisar o acesso à Justiça como acesso ao Judiciário, tendo como pano de fundo o acesso à ordem jurídica justa, como forma de realização plena da cidadania. Isso porque o Judiciário torna-se; com o tempo, o prestador de serviços para uma determinada classe social ou um grupo social, antes que para outros, o que significa que parte da população não tem acesso aos serviços da Justiça” (OLIVESKI, 2013, p. 54).
A função do Poder Judiciário não está apenas em resolver conflitos, mas, além disso, tem como função essencial praticar a justiça, “a Constituição Federal de 1988 procurou fazer do Brasil um Estado de Justiça. Por isso inscreve na Ordem Constitucional uma série de valores que, agregados em regras e princípios (os princípios fundamentais), são suficientes para informar o conteúdo mínimo do direito brasileiro. Esse conteúdo mínimo corresponde aos standards de justiça, é a justiça deduzida de um Texto Constitucional que procura privilegiar a dignidade de pessoa humana. No sistema constitucional brasileiro atual é perfeitamente possível se advogar a inconstitucionalidade da lei injusta. Qualquer lei injusta, ofensiva dos standards definidos pelo Constituinte, será uma lei inconstitucional cuja aplicação pode ser perfeitamente negada pelo Juiz. O juiz deve, no atual momento histórico, ter um compromisso com a justiça normativamente inscrita na Constituição Federal” (CLÈVE, 1993, p. 301).
Contudo, são evidentes os problemas relacionados ao direito de ação: é explícito que há uma necessidade de plena efetivação da garantia fundamental que é o acesso à justiça. Há desigualdades, restrições, limitações a um direito que é, por igual, de todos, sendo a que a realidade de uns é diferente da de outros. Por isso se faz imprescindível a discussão desta temática para concretização das primícias constitucionais, frente à promoção da igualdade material.
1.3 O Acesso à Justiça frente às suas nuances Constitucionais
Em se tratando do acesso à justiça, o Poder Judiciário é o meio mais crucial para que este direito seja devidamente garantido. No entanto, vem sofrendo crises em sua efetividade, acarretando o abarrotamentos de processos e dificuldades em seu acesso. Consequentemente, esses fatores violam tal direito.
Na medida em que esses direitos fundamentais não são realizados, seja pela estrutura do Poder Judiciário ou por falta instrumentos que garantam sua efetividade, a função judicial vai se tornando falha, afastando-se do objetivo e essencialidade que é o seu acesso, profanando um princípio constitucional. De acordo com Migliavacca, “a morosidade do processo, problema que preocupa a todos os operadores do Direito, acarreta a descaracterização de um processo justo, marcado pela violação de um dos valores mais elevados na prestação jurisdicional: a efetividade da jurisdição” (MIGLIAVACCA, 2012, s.p.).
No mesmo sentido, Santos aduz que “a morosidade sistemática é aquela que decorre da burocracia, do positivismo e do legalismo. Muitas das medidas processuais adotadas recentemente no Brasil são importantes para o combate à morosidade sistêmica. Será necessário monitorar e ver se essas medidas estão a ter realmente a eficácia. Mas há a morosidade ativa, pois consiste na interposição, por parte de operadores concretos do sistema judicial (magistrados funcionários ou partes), de obstáculos para impedir que a sequência normal dos procedimentos desfechem o caso” (SANTOS, 2007, p. 42).
Sendo assim, é possível observar que a vagarosidade mencionada está correlacionada aos procedimentos adotados pelo judiciário, ou, na falta de meios que poderiam contribuir na efetividade do Poder Judiciário. É necessário ressaltar que o acesso à justiça, apesar de novos mecanismos, ainda é carente de mais efetividade. Dentre os mecanismos mais novos, como por exemplo, a resolução de conflitos por meio da conciliação e mediação, os mais clássicos ainda são necessários, tal como a Defensoria Pública, a fim de que todos os sejam alcançados de acordo com sua vontade.
Em um país marcado por extremas desigualdades econômicas, sociais e culturais, os preceitos relativos à igualdade e a inclusão poderiam soar como pura abstração ou como componentes de uma carta de intenções. A possibilidade real, contudo, de transformação de mandamentos igualitários em realidade concreta encontra na Defensoria Pública o motor mais importante na luta pela efetivação dos direitos e pela prevalência de igualdade (SADEK, 2014, p. 26).
Porém, apesar de serem evidentes a indispensabilidade de mudanças, de novas implantações, de garantias das prestações da tutela jurisdicional para a garantia direito essencial de acesso à justiça, também existe uma falta de atenção acerca dessa necessidade. Sendo assim, pode-se dizer que, a inefetividade das normas constitucionais é causada em sua grande parte por ausência de vontade política e jurídica.
Não é difícil de entender que a Constituição inteligentemente prevê uma justiça regularmente desenvolvida, a fim de que suas normas sejam efetivadas para a garantia de um Estado Democrático de Direito. Portanto, o Poder Judiciário precisa se revestir de mecanismos que possibilitem a real efetivação do direito de acesso à justiça, respeitando as normas constitucionais.
Considerando isso, é válido ressaltar que a constituição não opina acerca de uma postura, ela ordena, e a violação desta tem como consequência certas sanções. Contudo, a falta de efetividade do Poder Judiciário, ocasionada por problemas estruturais, de organização e qualificação da jurisdição, são os motivos causadores da violação ao direito fundamental de acesso à justiça. Por isso, caso não sejam tomadas as medidas adequadas, como meio de suprimir a inefetividade do Poder Judiciário, este estará cada vez mais longe de sua essencial função.
2 A Defensoria Pública como Função Essencial à Justiça
A Defensoria Pública tem sua importância prevista no art. 134 da Constituição Federal, o qual expõe que o referido órgão é “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV” (BRASIL, 1988, s.p.). Detalha-se abaixo que “a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal” (BRASIL, 1988, s.p.).
De acordo com Dinamarco (2002, p. 706), a respeito das Defensorias Públicas, “são organismos que exercem funções essenciais à justiça e cujos encargos naturais é a orientação e defesa dos necessitados perante órgãos judiciários de todos os graus de jurisdição”. O órgão em comento muito diz respeito ao direito fundamental de acesso à justiça, haja vista que o Estado tem o dever de prestação judiciária gratuita a favor daqueles que são hipossuficientes, garantindo, dessa forma, um amplo acesso à justiça.
Além disso, a instituição da Defensoria Pública se enquadra em um dos direitos fundamentais arrolados na Constituição, considerando sua essencialidade e ligação ao princípio do acesso à justiça. Sendo assim, é clara a evidência do quão importante é a função da Defensoria Pública para a garantia de direitos fundamentais. Giudicelli menciona que “o direito de acesso à Justiça faz parte do assim chamado mínimo existencial, núcleo essencial do princípio da dignidade humana, não podendo de forma alguma ser suprimido mediante reforma constitucional” (GIUDICELLI, 2015, s.p.).
Ocorre que o obstáculo econômico foi está presente no acesso à justiça, impossibilitando que pessoas mais pobres pudessem ingressar uma ação no judiciário, devido aos gastos. Ainda há de se falar de tal obstáculo, atualmente, tendo em vista que muitas Comarcas não são agraciadas com a Defensoria Pública. O que não significa que não haverá a assistência judiciária. No entanto, a falta da referida instituição é um dos fatos que diminuem a efetividade da justiça e os meios utilizados não são eficazes e não atendem a todos.
Considerando que a Defensoria Pública tem como função o reconhecimento dos direitos, solução de conflitos extrajudiciais e judicias, e, ainda, é a instituição procurada pela maioria da população, é notória a sua eficiência quanto ao acesso à justiça, sendo necessário amparo do poder público para a disponibilização de recursos, a fim de que as demandas sejam devidamente prestadas. Com isso, é indiscutível a relevância da Defensoria Pública, ao se falar de efetividade dos direitos e garantia individuais, dos direitos humanos. Sendo tal instituição considerada guardiã da cidadania pelo constituinte. Cunha Junior aponta que “a defensoria pública órgão constitucional indispensável à promoção do acesso à justiça das pessoas pobres e, em consequência, instrumento fundamental de inclusão social, necessita de melhor estrutura e maiores garantias. Apesar dos avanços permitidos pela EC 45/04, que consagrou entre nós a autonomia da Defensoria Pública Estadual, é importante um tratamento constitucional mais ousado de ordem a possibilitar o fortalecimento institucional das Defensorias Públicas- da União, dos Estados e do Distrito Federal, que em última análise, importará no fortalecimento da própria cidadania e promoção da justiça social (CUNHA JÚNIOR, 2015, p. 978).
Não há como se falar de justiça, muito menos em seu acesso, quando não há a devida igualdade entre as partes e instrumentos que atenda a vontade de todos, garantindo-lhes regularmente seus direitos. Watanabe, em uma entrevista ao Conjur, reitera que “os cidadãos têm direito de ser ouvidos e atendidos, não somente em situação de controvérsias, mas em problemas jurídicos que impeçam o pleno exercício da cidadania, como nas dificuldades para a obtenção de seus documentos ou de seus familiares ou os relativos a seus bens” (WATANABE, 2019, s.p.).
Ante o exposto, infere-se que, conforme expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, a Defensoria Pública tem a imprescindível finalidade de defesa gratuita à população hipossuficiente, haja vista que possibilita o acesso à todos, considerando que existe uma maioria que não tem condições de arcar com as despesas advocatícias.
3 A Integração das Comarcas no Estado do Espírito Santo como obstáculo à Efetivação do Acesso à Justiça
O Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ/ES) aprovou em 28 de maio de 2020, por unanimidade, a integração de algumas Comarcas do Estado como possível meio de economizar gastos e efetivar o acesso à Justiça. Conforme o texto aprovado, o Estado contará com 41 (quarenta e uma) Comarcas, ao invés das 69 (sessenta e nove) que havia anteriormente, gerando uma economia anual de mais de R$ 12 milhões de reais. “A medida tem por objetivo promover a racionalização e maior eficiência na prestação jurisdicional, além de buscar adequar-se às perdas orçamentárias e investir no processo judicial eletrônico” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2020, s.p.).
Consta ainda que a decisão tomada pelos integrantes do colegiado acompanha o Conselho Nacional de Justiça nos autos registrados sob o nº 0000371-27.2019.2.00.0000, da Corregedoria Nacional de Justiça, que “identificou a necessidade de integração de comarcas como uma medida importante para atingir uma maior eficiência na prestação do serviço jurisdicional à população” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2020, s.p.).
Ocorre que a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Espírito Santo (OAB-ES) não se conformou com a decisão, apresentando pedido liminar para a suspensão da medida de integração de Comarcas no Estado, em 10 de junho de 2020. O Conselho Nacional de Justiça votou favorável ao petitório em 04 de agosto de 2020, confirmando, por unanimidade, a liminar concedida para a OAB-ES. Para a defesa de seu posicionamento, o Ministro Dias Toffoli citou que: “entre o desejo fiscal e a Justiça, eu fico com a Justiça” (TOFFOLI, 2020, s.p.).
Partindo dessa análise, sabe-se que os gastos do Poder Judiciário são altos, considerando, inclusive, os salários dos magistrados e servidores, e, por isso, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo visou como método para economia do Estado a integração das Comarcas. No entanto, ainda que o valor a economizar seja significativo, pode haver maiores prejuízos no que tange ao acesso à justiça, uma vez que o processo eletrônico, apesar de moderno e potencialmente célere, não faz parte da realidade da população de cidades menos desenvolvidas.
Deve-se lembrar que existe uma parte da população que não tem acesso aos meios eletrônicos e nem condições para percorrer certa distância, a fim de requerer ajuizamento de ação, ou até mesmo, participar de atos judiciais, como uma audiência. Portanto, é um tanto quanto duvidoso se a integração é realmente a solução para o Estado, levando em consideração que a população continuará sendo prejudicada.
O Fórum da Comarca de Presidente Kennedy, por exemplo, é um órgão que, em condições normais de serviço, tem uma movimentação muito grande de pessoas e processos todos os dias, inclusive ajuizamento de ações com prioridade de tramitação e processos urgentes. Considerando, ainda, que a cidade dispõe de transporte público gratuito, nos limites da cidade.
A população tem a possibilidade de comparecer no fórum, pessoalmente, com maior facilidade quando é na sua respectiva cidade, até mesmo em dar entrada em ações que não necessitam de advogados, ou da nomeação deste, no caso do Juizado Especial Cível, nas causas de até 20 salários mínimos.
Leva-se em consideração, também, aqueles que cumprem medidas cautelares, que devem comparecer em juízo por um certo período para justificar suas atividades. Com a referida integração, o cidadão que se encontra na mencionada situação, deverá que encarar a distância para cumprir as medidas que lhe foram impostas, sendo que alguns desses cidadãos não têm condições de arcar com o deslocamento, ou, sequer tem acesso ao transporte público.
Diante disso, atenta-se ao princípio do acesso à justiça, o qual assegura a todos o direito de ação, o direito de acesso à justiça, haja vista que a integração de algumas comarcas lesará o direito de uma boa parte da população, tendo em vista que uma grande parte dos requerentes são hipossuficientes, os quais ficam gravemente desamparados, tendo em conta a distância, motivo que dificulta o acesso, e pode ocasionar uma maior delonga para solucionar lides, ou de garantir a eles seus devidos direitos.
4 Metodologia
Trata-se de pesquisa descritiva, a fim de proporcionar novas perspectivas acerca do Acesso à Justiça e a Inafastabilidade da Jurisdição, realizada por meio da coleta de dados do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, em especial na Comarca de Presidente Kennedy/ES, durante os anos de 2018 a 2019.
Cuida-se, inicialmente, de pesquisa bibliográfica, com ênfase na revisão de literatura, aproveitamento da doutrina brasileira, da legislação pátria acerca do tema, com o apoio de artigos publicados em sítios eletrônicos voltados para a temática abordada. A análise será voltada para a interpretação dos dados, articulando-os com a teoria. Possui abordagem qualitativa, articulando a tratativa dos dados com aprofundamento bibliográfico para o embasamento do estudo e levantamento das informações, utilizando-se, ainda, de pesquisa documental.
Vale ressaltar que o presente trabalho não tem por escopo esgotar o tema, haja vista que se objetiva analisar acerca da efetividade do acesso à justiça no município de Presidente Kennedy/ES, frente à garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, uma vez que, até o presente momento não houve a implantação da Defensoria Pública no Município, mesmo diante do alto número de ações judiciais em trâmite na Comarca que dependem de assistência judiciária gratuita.
5 Resultados
Atualmente, Presidente Kennedy/ES possui cerca de 11.574 habitantes, de acordo com o site do IBGE, sendo uma Comarca que contém, aproximadamente, 6.000 processos. Considerando isso, é nítido que a Comarca está saturada, tendo em vista a grande demanda para uma Vara Única. Veja-se a proporção em gráfico:
A referida Comarca não possui a instalação de Defensoria Pública. Sendo assim, nos casos em que o indivíduo não tem condições de arcar com as despesas advocatícias, é nomeado pelo Juiz de Direito um advogado dativo. Acontece que grande parte dos processos que tramitam na Comarca de Presidente Kennedy são requeridos por pessoas hipossuficientes, ou seja, dos 6.000 (seis mil) processos que tramitam na Comarca, há grande parte com nomeação de advogado dativo para a representação dessas partes. Por isso, existe uma falha ao garantir o acesso à justiça, mais especificamente, nesse caso, levando em conta a demora do contato do advogado dativo com a parte, ou a falta de resposta às intimações, deixando o requerente na espera e sem resposta, e pior, sem seu devido amparo judicial.
De acordo com os dados colhidos no sistema E-jud, sistema judicial oficial do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, entre 2018 a 2019, foram 201 (duzentos e um) processos específicos para a nomeação de advogado dativo, sendo que diversas pessoas estão esperando que seus direitos sejam amparados e protegidos por cerca de dois anos. Cabe também apresentar os números referentes aos “Processos com Assistência Judiciária solicitada” entre 01/01/2018 a 31/12/2019: “[…] constatei que, no período de 01/01/2018 a 31/12/2019, foram distribuídos/redistribuídos nesta Comarca um total de 3.635 (três mil seiscentos e trinta e cinco processos), sendo que, os classificados como nomeação de advogados dativos alcançaram o total de 201 (duzentos e um) processos, e, ainda, processos COM assistência Judiciária Gratuita solicitada conforme Acervo Geral, um total de 977 (novecentos e setenta e sete) processos, sendo as Cartas Precatórias o montante de 433 (quatrocentos e trinta e três) processos, não constando da presente certidão os processos que tramitam pelos sistemas do PJE (Juizados da Fazenda Pública, Cível e Criminal) e os do SIEP (Guias de Execução Criminal) (DA HORA, 2020, s.p.)”.
Referente aos dados apresentados, segue o gráfico para análise:
Com isso, é evidente que a cidade de Presidente Kennedy possui uma grande demanda em sua Comarca, o que necessita de mais atenção, e, sendo necessário, também, a instalação da Defensoria Pública para corresponder aos pleitos das partes requerentes.
É importante ressaltar que a Comarca possui uma lista de advogados dativos, pela qual é respeitada uma ordem de protocolo dos Advogados inscritos, para que seja feita a nomeação destes a fim de que representem as partes. De acordo com a consulta feita no e-Diário do Tribunal do Espírito Santo, foi publicado a lista dos 52 Advogados Dativos, em concordância com o art. 3º da Resolução nº 005/2018, no Edital nº 001/2018.
Apesar da grande quantidade de advogados dativos inscritos, nem todos correspondem às demandas, além de causar a espera das partes, fazem com que seja necessário o dobro de atenção a respeito dos prazos das intimações dos referidos advogados, tendo em vista que, a rejeição ou omissão do advogado nomeado, resulta em outra nomeação, tendo a parte requerente que esperar, novamente, pelo mesmo prazo.
Ante todo o exposto, é sabido que uma das garantias fundamentais resguardada pela Carta Magna é o acesso à justiça, amplamente defendia por vários doutrinadores e estudantes, bem como é conhecido pela maioria a ineficácia da jurisdição quanto a garantia do acesso à justiça.
Dessa forma, é observável, também, quanto a Comarca do Município de Presidente Kennedy, que essas garantias estão sendo limitadas, restringidas, ignoradas, tendo em vista o descompromisso com as partes, como pode-se observar nos dados descritos acima.
Mas, atenta-se que a situação da comarca é delicada, tendo em consideração o grande número de processos para uma vara única e poucos funcionários, ainda que o número e habitantes não seja elevado para a cidade supracitada, mas, os números de processos correspondem a mais da metade do números de habitantes.
Considerando a quantidade de processos que tramitam na referida Comarca, e, também, a quantidade de advogados nomeados, ressalta-se que, acerca de todos os gastos referente ao valor pago pelo Estado do Espírito Santo com os honorários de advogados dativos, seriam capaz de gerir e sustentar uma sede da Defensoria Pública, garantindo, dessa forma, um melhor acesso à justiça.
Contudo, fica perceptível que a Comarca da cidade de Presidente Kennedy está com uma sobrecarga processual, e consequentemente causando a morosidade no judiciário, não obtendo a presente Comarca meios mais eficazes de amplo acesso, ficando evidentemente relevante a instalação da Defensoria Pública como um dos meios mais eficazes, e que possa contribuir para o acesso mais amplo e justo.
Conclusão
O Acesso à justiça é declaradamente um direito de todos, como muito bem previsto na Constituição Federal, além disso, a própria Carta elabora meios para que esse alcance seja realmente realizado. O que falta, no entanto, é sua devida aplicação.
Dado os fatos expostos e analisados, percebe-se que há muito a se discutir a respeito da ineficiência do Poder Judiciário frente às suas grandes demandas, tendo em vista que muitos cidadãos encontram-se desamparados, ou em uma grande “fila de espera” para que sejam atendidos, amparados, como, de regra, deveria acontecer brevemente, assegurando, dessa forma, o direito fundamental resguardado pela Constituição Federal de 1988, o direito de todos ao acesso à justiça, o que, perceptivelmente, não é garantido da forma que deveria ser.
Visto isso, também foi exposto e apresentado a grande demanda que possui a pequena Comarca de Presidente Kennedy, a qual não possui instalação de Defensoria Pública e encontra dificuldades ao atender todas demandas, considerando a grande movimentação processual, e poucos servidores para o atendimento de todos os requerentes, bem como o cumprimento de todos os procedimentos.
Além disso, restou manifesta a importância da instalação da Defensoria Pública na Comarca, considerando seu amplo atendimento e autonomia, facilitando o acesso, e a procura de uma justa solução a fim de garantir aos cidadãos um meio mais eficaz a busca de seus direitos.
Desse modo, também foi possível analisar que a Comarca de Presidente Kennedy possui condições para sustentar uma Defensoria Pública, considerando os gastos com honorários dos advogados dativos. E, à vista disso, analisando-se o melhor meio para que as pessoas tenham o adequado acesso à justiça, seria mais que apropriado a instalação da Defensoria Pública.
A Comarca de Presidente Kennedy, considerada Vara única, e por isso, visada como se não tivesse a necessidade da instalação da Defensoria Pública. Mas, os números processuais, e as buscas constantes pelo Poder Judiciário faz-se deduzir que é de grande serventia e essencialidade a presença do mencionado órgão para atuar juntamente com o Poder Judiciário na referida Comarca.
Posto isso, diante da falta de acesso à justiça, mais especificamente na Comarca de Presidente Kennedy, tendo em vista o abarrotamento de processos, o que tem como consequência as delongas processuais, considerando, ainda, as nomeações de advogados dativos na maioria dos ajuizamentos de ações, ocasionando uma certa espera das partes requerentes, e, de acordo com os dados expostos, os vários pedidos sem respostas por mais de um ano, é essencial a instalação da Defensoria Pública no Município de Presidente Kennedy, a fim de um atendimento direto as partes, possibilitando a postulação do pedido o mais breve, tendo como resultado a garantia do acesso à justiça, no seu mais amplo conceito.
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ANEXOS
Cabe ainda ressaltar que seguem anexas a Declaração para realização da coleta de dados junto à Vara Única da Comarca de Presidente Kennedy/ES, assinada por Marcus Vinícios Coutinho Gomes, Coordenador do Núcleo de Trabalho de Conclusão de Curso, a Carta de Autorização para a pesquisa, fornecida pela MM. Juíza de Direito Dr.ª Priscilla Bazzarella de Oliveira, e, por fim, a Certidão expedida pela Chefe de Secretaria da respectiva Comarca, Ludmilla Vargas Gualberto da Hora.
[1] Professora Orientadora: Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2019-2020). E-mail: [email protected]
[2] Acadêmica de Direito da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim (FDCI). E-mail: [email protected]