Resumo: Tem por objetivo o estudo acerca da área Direitos Fundamentais, realização Jurídico-Política dos Direitos fundamentais, que trata sobre direitos essenciais inerentes ao ser humano e de conteúdo fundamental à norma jurídica, apresentando como escopo a problemática da representação política de líderes religiosos no campo político no atual contexto histórico atinente à recente atuação do Congresso Nacional, visualizando-os na prática como atuação propagadora dos interesses distintos dos políticos, em detrimento do princípio da laicidade estatal[1] e antagônicos à maior efetividade dos direitos fundamentais, principalmente os de ação negativa abarcados principalmente no Título II, capítulo I, art. 5, da Constituição federal brasileira, tal como nos dispositivos 7, 8, 9, do mesmo diploma.
Palavras-chave: direitos fundamentais, Constituição federal, representação política, líderes religiosos.
Abstract: The object of the study cover the fundamental rights, Jurididical and Political of these, that focus about essencial rights intrisic to the human being and about the juridical norm”s fundamental submiting as scope the problematic of the political representation of religious leaders in the political scenario of the actually historical contexto associated to the acting of the National, envisions in practice as propagation action of interests of the politicians to the detrimento of secularism’s principle and antagonistic to the best effective of fundamental rights, negative action mainly embracing the title II, chapter I, art. 5, of the Federal Constitution, and normas 7, 8, 9, of the reffered.
Key-words: fundamental rights, Federal Constitution, political representation, religious leaders
Sumário: Introdução 1. Breve análise histórica da religião como interventora política e os seus efeitos sócio-culturais 2. Breve análise histórica dos direitos fundamentais 3. O atual conceito e importância dos direitos fundamentais: ênfase nos direitos de ação negativa 4. Estado Laico e Estado laicista: figuras vigentes no Estado brasileiro 5. Atribuições do Congresso Nacional como órgão legislativo e órgão político 6. Conclusão:
INTRODUÇÃO
Atualmente, é cediço que a religião e política se encontram teoricamente em planos distintos, porém na realidade, se observa a intervenção religiosa, seja de maneira direta ou indireta, como uma prática convencional propulsionada pelos costumes e convenções sociais.
Ou seja, da mesma maneira, que se verifica a participação efetiva de líderes religiosos, ora autoridades carismáticas[2], na formação ética da sociedade, também se nota nas casas do Congresso Nacional, especialmente na Câmara Deputados. Importante ressaltar que na referida casa atualmente existe a “Bancada Evangélica” como representante dos direitos referentes aos interesses desta camada religiosa. Entretanto, não seria desigual tão somente a comunidade neo-protestante[3] ser representada de modo tão abertamente declarado? A referida participação é viável aos fins políticos ou tão somente à tentativa de preservar interesses de natureza puramente morais? Quais são os efeitos dessa participação nos entendimentos legislativos, uma vez que afetam diretamente os posicionamentos jurídicos e os futuros fatos sociais? É visualizada a necessidade do Estado, ora legislativo, se abster em se tratando de regulamentações invasivas aos direitos fundamentais de ação negativa?
Destarte, os pontos serão esclarecidos em conformidade à atual conjectura das decisões de cunho curiosamente retrógrado dos congressistas analisadas no processo legislativo brasileiro no presente período do ano de 2015, afinal, “o mar é uma coisa insondável, bem mais que os propósitos do nosso governo[4]”.
Segundo análise histórica, a religião contribuiu de forma efetiva no desenvolvimento sócio-cultural desde muito antes dos primórdios da instituição do Estado[5].
1. BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DA RELIGIÃO COMO INTERVENTORA POLÍTICA E OS SEUS EFEITOS SÓCIO-CULTURAIS
Tem-se o posicionamento de que a religião surgiu de acordo com a necessidade do homem primitivo de ter uma crença, logo observam-se desde pinturas rupestres à confecção de ornamento físico com o objetivo de adoração de animais e divindades.
Ressalta-se que a popular Idade Média, um dos períodos onde houve maior intervenção religiosa na política é conhecida como Idade das Trevas e o termo é perfeitamente viável, ao modo que descreve o quão assustadora a estagnação cultural, científica e social este período gerou.
Consoante lição de Sahid Maluf[6]:
“O Estado medieval que emergiu das invasões bárbaras cristalizou-se em torna da Igreja romana. Sobreviveu esta ruína do poder temporal, ostentando, vigorosa, a força do seu prestígio, como refúgio para o espírito dos homens nos momentos mais graves da história da humanidade. Como acentua Pedro Calmon, a Igreja cristã “pelo batismo dos bárbaros, pelo poder dos Bispos e pela influência da fé sobre os guerreiros convertidos, contrapôs ao Estado marcial o religioso, à força bruta a teologia, à violência heroica dos invasores a disciplina moral do clero ascético”.
Ao modo que a sociedade fora evoluindo, a religião também evoluiu, uma vez que, em tese, andam em plano diretamente proporcional. Na antiguidade, se observa a predominância do paganismo nas culturas ao redor do mundo. Já na Alta Idade média, se observa a expansão da religião deísta, ora cristã, e a politização visivelmente religiosa, gerando a consequente normatização com fulcro em posicionamentos adotados pela Igreja Cristã, outrora, classificado em Estado teocrático.
O livro Martelo das feiticeiras[7] é um conhecido compêndio de regras de conduta medievais na qual se classificam pessoas naturais como hereges dependendo dos seus comportamentos, convívio e crenças adotados, ora motivados pelo conceito cristão de pecado.
Segundo lição de José Afonso da Silva[8] sobre a continuidade do pensamento cristão nos séculos seguintes e os efeitos retardatários à instituição de preservação de direitos fundamentais:
“(…) a interpretação do cristianismo que vigorava no século XVIII era favorável ao status quo vigente, uma vez que o clero, especialmente o alto clero, apoiava a monarquia absoluta, e até oferecia a ideologia que a sustentava, com a tese da origem divina do poder; o pensamento cristão vigente, portanto, não favorecia o surgimento de uma declaração de direitos do homem; o cristianismo primitivo, sim, continha a mensagem de libertação do homem, na sua afirmação da dignidade eminente da pessoa humana, porque o homem é uma criatura formada à imagem e semelhança de Deus, e esta dignidade pertence a todos os homens sem distinção, o que indica uma igualdade fundamental de natureza entre eles (…)”
2. BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Antes da Declaração de Direitos do homem de 1948, existem muitos outros documentos formalizando alguns direitos humanos, porém de maneira bem mais precária e com bem menos alcance. Tais como o Bill of Rights, o Petition of Rights, o Act of Settlement, a Declaração de direitos do bom povo da Virgínia, o Habeas Corpus Act, a Magna Charta Libertatum e etc. Pois, “muito embora os direitos há muito já existissem foi somente com as Declarações solenes que eles passaram a ser formalmente reconhecidos, ganhando dimensão jurídica”[9].
Uma vez que esses direitos “são naturalmente inerentes ao ser humano e, desse modo, anteriores e superiores a toda ordem jurídica positivada”[10].
No mesmo sentido, Sahid Maluf[11] destaca que:
“Os direitos fundamentais propriamente ditos referem-se aos atributos naturais da pessoa humana, invariáveis no espaço e no tempo, segundo a ordem natural estabelecida pelo Criador do mundo e partindo-se do princípio de que todos os homens nascem livres e iguais em direitos. Estendem-se, portanto, a todos os homens, sem distinção de nacionalidade, raça, sexo, ideologia, crença, condições econômicas ou quaisquer outras discriminações. São direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual, à propriedade etc”.
Apesar de não absolutos, se apresenta nessa prévia ao estudo a historicidade dos direitos fundamentais “(…) na medida em que estas não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e desconstrução”[12].
À medida que os direitos foram reconhecidos pelos instrumentos internacionais posteriores, os direitos fundamentais foram classificados em primeira, segunda e terceira geração. Por alguns doutrinadores até a quinta geração. E para outros, o termo geração é melhor substituído por dimensão evolutivas ou dimensões de direitos fundamentais.
No presente estudo, se utiliza o termo dimensão evolutiva e classificação de Noberto Bobbio. Logo, os de primeira dimensão são os direitos civis e políticos, precedido dos de segunda, sociais, econômicos e culturais e os de terceira são os direitos da solidariedade.
Logo, se verifica que as dimensões evolutivas ou gerações de direito dos direitos fundamentais “revelam a ordem cronológica do reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, que se proclamam gradualmente na proporção das carências do ser humano, nascida em função da mudança das condições sociais[13]”.
3. O ATUAL CONCEITO E IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: ÊNFASE NOS DIREITOS DE AÇÃO NEGATIVA
A função dos direitos fundamentais, preservados na Constituição Federal, subdivide-se nos planos jurídico-político e jurídico-subjetivo, abarcando a competência negativa de proibição do poder público atentar contra a esfera individual da pessoa e a liberdade positiva de exercer os direitos fundamentais e exigir omissões do poder público quando devidas, efetiva-se necessariamente na existência de objeto tangível ou intangível considerado essencial a ser protegido e em mecanismos para defender tais direitos.
Cabe enfatizar a função jurídico-política que diz respeito aos direitos fundamentais como direitos de defesa ou direitos de ação negativa.
Segundo Dirley da Cunha Júnior[14]:
“São todos aqueles que desempenham a função de tutela da autonomia individual, de seu âmbito afastando a ação abusiva do Estado. São o status negativus ou status libertatis que correspondem aos direitos de primeira dimensão (…) alguns deles – as liberdades fundamentais (locomoção, de pensamento, de consciência, de culto, de imprensa, de reunião, de associação, entre outras), a igualdade perante a lei, o direito à vida e o direito de propriedade”.
O estudo, ao modo que traz a problemática, também faz análise dos direitos de primeira dimensão evolutiva, ou seja, direitos de caráter negativo por exigirem a abstenção estatal. Importante frisar que o direito à religião contempla a terceira dimensão evolutiva.
4. ESTADO LAICO E ESTADO LAICISTA: FIGURAS VIGENTES NO ESTADO BRASILEIRO
O Estado brasileiro é notoriamente laicista, visto que incentiva as religiões e cultos, em conformidade à imunidade tributária e outros privilégios, bem como protege a descrença nas abstrações em trato.
O art. 19, I, III, da Constituição federal contempla o princípio da laicidade estatal que dispõe que o Estado é proibido de estabelecer materialmente ou subjetivamente cultos religiosos, tal como, interdepender das referidas crenças de cunho abstrato no seio de seu funcionamento.
“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.
5. ATRIBUIÇÕES DO CONGRESSO NACIONAL COMO ÓRGÃO LEGISLATIVO E ÓRGÃO POLÍTICO
Importante frisar para maior percepção que o Poder Legislativo Federal é bicameral, logo é composto de duas Casas: o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. O primeiro, em tese, representa os entes federativos e o segundo representa o povo propriamente dito. Ademais, consagrando a representação da vontade nacional e dos estados membros e distritos.
É cediço que o Congresso detém a competência para a elaboração de leis, atuando, em regra, a Câmara dos Deputados como casa iniciadora e o Senado federal como casa revisora. Por conseguinte, o Congresso Nacional possui as atribuições dispostas precipuamente nos incisos do art. 48 e 49 da Constituição federal. Tal como competências distintas respectivas às duas casas visualizados nos arts. 51, 52 e demais da Constituição federal.
Conforme entendimento de Paulo Mascarenhas[15]:
“O Poder Legislativo Federal, como dissemos retro, é bicameral, vale dizer, é composto de duas Casas Legislativas, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. Esse bicameralismo decorre da forma federativa do estado brasileiro, onde o Senado representa, de forma paritária, todos os estados brasileiros e o Distrito Federal, consagrando o equilíbrio da Federação. Demais disso, reforça a idéia de que os estados membros são realmente partícipes ativos da formação da vontade nacional. O Congresso Nacional é dirigido por uma mesa, presidida pelo Presidente do Senado Federal, e os demais cargos serão exercidos, de forma alternada, pelos cargos equivalentes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Assim, o 1º Vice-Presidente do 142 Congresso será o 1º vice-Presidente da Câmara, o 2º vice, o 2º vice-presidente do Senado (…)”
6. CONCLUSÃO
Frisa-se a aprovação do Estatuto da família (PL 6.583/13) pela Câmara dos Deputados (posteriormente sujeita à aprovação do Senado federal), que delimita o conceito da família, dispondo que tão somente a família heterossexual e nuclear pode ser definida como a instituição em trato, tal como, aprovação dos projetos de crime de “heterofobia” (PL 7.382/2010) e proibição do aborto em qualquer caso (PEC 181/2015) pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados.
É notório que os referidos projetos de lei recaem diretamente na interpretação conservadora e antagônica à evolução sócio-intelectual da população brasileira no que diz respeito à efetividade e à essencialidade dos direitos fundamentais, especialmente os direitos à igualdade, vida, liberdade, intimidade e liberdade de expressão.
Trata-se de temática cujos efeitos são de grande repercussão e de profunda necessidade de discussão, visto que a crescente representatividade de líderes e figuras religiosas de apenas uma categoria no parlamentarismo brasileiro é diretamente proporcional de acordo com a realidade fática à utilização duvidosa do legislativo para promoção de interesses distintos dos políticos e, ademais, de apenas uma parcela dos religiosos, ocasionando situação privilegiadora. Por conseguinte, o atual panorama gera efeitos retrocessos às conquistas atinentes à intepretação consistente dos direitos fundamentais de acordo com a realidade fática atual, tal como, à necessidade de abstenção do Estado no que diz respeito a certas categorias de direitos (a maioria dos incisos do art. 5, 7, 8 e 9 da Constituição federal).
Havendo a problemática da representatividade política por tão somente uma categoria religiosa há contrassenso na representatividade política por líderes religiosos ao princípio da laicidade estatal e à efetividade de proteção dos direitos fundamentais no atual contexto sócio-político, analisando os efeitos da referida prática como um possível retrocesso à devida concretização de alguns direitos e garantias fundamentais tão importantes para o povo brasileiro e para a estrutura político-jurídica do Estado.
Informações Sobre o Autor
Greice Paula Miranda Serra
Advogada, pós-graduanda em Direito Público