Resumo: A questão presente neste estudo é refletir sobre o papel dos operadores do direito em relação aos remédios constitucionais aplicados na vida jurídica do novo século. Este artigo tem como objetivo analisar a importância dos remédios constitucionais de nossa democracia participativa, sugerindo-se para o futuro a implementação de um novo remédio constitucional: o instrumento do impeachment. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica com o objetivo de ampliação dos direitos protegidos constitucionalmente, para que se possa considerar o instrumento do impeachment como um remédio constitucional protegido na carta magna, especialmente no sentido de se evitar eventuais desmandos políticos no Brasil contemporâneo. Concluiu-se ser possível dar ao impeachment as mesmas garantias dos demais remédios constitucionais, tais como: mandado de segurança, mandado de injunção, habeas corpus e habeas data. Dessa forma, protege-se o país de eventuais desmandos políticos por meio do instrumento jurídico analisado no presente artigo.
Palavras-chave: Remédios Constitucionais. Democracia Participativa. Constituição. Impeachment.
Sumário: 1. Introdução. 2 . Fundamentação Teórica. 3. Considerações Finais
1. Introdução
O presente estudo pretende a revisão estrutural dos remédios constitucionais previstos na legislação nacional vigente, com fins de inclusão do instrumento do impeachment no Brasil, a partir do século XXI. A importância do presente estudo atinge os novos anseios da democracia participativa típica da constituição de 1988; especialmente a definição dos instrumentos jurídicos hábeis ao controle constitucional da corrupção, em sentido amplo.
Dessa maneira, o impeachment poderá ser compreendido como uma evolução dos remédios constitucionais aptos a proteger a coletividade de eventuais crimes praticados pelos Chefes do Poder Executivo, na contemporaneidade. Para o cumprimento desse objetivo, é essencial a investigação da estrutura jurídica dos remédios constitucionais previstos na carta magna de 1988, sob a ótica da democracia participativa. Sendo assim, o estudo da viabilidade jurídica de se adotar o instrumento de impeachment como remédio constitucional da contemporaneidade: um novo instrumento de solução constitucional de defesa do Brasil frente à corrupção.
O estudo realizado no presente artigo atinge a real contribuição jurídica para o efetivo resguardo da legalidade dos poderes públicos frente à corrupção que atinge a integridade política de nosso país, por meio do reconhecimento do impeachment como remédio constitucional.
Representa-se, dessa maneira, um avanço jurídico na interpretação do atual sistema constitucional, bem como contribui para uma sociedade protegida em relação ao desmando do Poder Público: uma sociedade democrática e participativa como pretende a Constituição de 1988.
2. Fundamentação Teórica
O estudo da Constituição democrática aponta para o interesse jurídico na evolução da democracia participativa, ampliando-se os direitos dispostos na carta de 1988. Sendo assim, o presente artigo científico proposto pretende uma forma de ampliação de direitos protegidos nesse sentido para a consideração do impeachment como instrumento hábil a ser considerado remédio constitucional frente a eventuais desmandos políticos no país, tendo-se em vista que já foi exercido duplamente em nossa história política.
Preliminarmente, é importante analisar brevemente os remédios constitucionais previstos na nossa Constituição, para que possamos evoluir para a análise do instrumento do impeachment no Brasil, como um dos futuros remédios constitucionais cabíveis.
A Constituição de 1988 traz a garantia ao direito de exercer os remédios constitucionais previstos em seu texto. O termo garantia pode ser compreendido como “norma de conteúdo assecuratório”, sendo um exemplo o instrumento de habeas corpus, que assegura a liberdade. Já o termo direito pode ser compreendido como “norma de conteúdo declaratório”, sendo um exemplo o direito à liberdade.
A garantia jurídica expressa uma ação prática, traduzida nos remédios constitucionais previstos, de tutelar alguns dos direitos fundamentais mais caros ao ser humano: são eles, na ordem expressa definida pela Constituição de 1988:
É importante notar que o habeas corpus é considerado uma ação constitucional, que protege a garantia ao direito de locomoção do ser humano. Foi instituído no país pela Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil[1] em 1891, em seu artigo 72. Atualmente é regulado pelo artigo 5º, LXVIII[2] da Constituição de 1988, como direito e garantia fundamental de todos.
É interessante perceber como o instrumento é democrático: permite a impetração por pessoa independentemente de cidadania (incluindo-se os estrangeiros e os incapazes nessa categoria) para o benefício de qualquer pessoa independentemente de ser relacionada ou interessada. Dessa forma, não faria sentido exigir presença de advogado para o exercício desse tipo de instrumento democrático, já que o objetivo do legislador é ampliar a proteção da garantia de locomoção[3].
O Mandado de Segurança é o remédio constitucional previsto para o preenchimento de lacunas em relação a direitos não protegidos pelos instrumentos de habeas corpus ou habeas data, sendo essa uma importante demonstração legislativa contemporânea no interesse em proteger a democracia[4]. Essa característica de “preenchimento de lacunas” traz ao mandado de segurança a característica de ser um instrumento subsidiário, considerado residual em relação aos outros remédios constitucionais.
Nota-se que houve o cuidado legislativo em proteger a democracia de direitos em relação a pessoas específicas revestidas de “caráter público” em suas funções, como os casos de: autoridades públicas e pessoas jurídicas no exercício de funções públicas.
Esse remédio constitucional restringe seu exercício para o titular do direito que se encontra violado, e exige advogado para assistência, porque estamos tratando de um instrumento aplicado contra determinada pessoa física ou jurídica, que também possui direito de defesa. Dessa maneira, evitam-se abusos praticados por quaisquer das pessoas envolvidas no exercício desse remédio constitucional tão essencial para a democracia participativa de nosso país na contemporaneidade.
Como se trata de remédio constitucional de regras mais rígidas em relação aos demais instrumentos protetores, o mandado de segurança segue o prazo decadencial do direito; sendo de 120 (cento e vinte) dias do conhecimento do ato que provocou lesão ao direito da pessoa interessada. Já que existe previsão jurídica para mandado de segurança preventivo ou repressivo, observa-se que o prazo legal se refere ao direito já violado (mandado de segurança repressivo).
Outra peculiaridade do instrumento é sua maior complexidade em relação a outros remédios constitucionais; foi necessária a edição da Lei Nº 12.016 de 2009 para disciplinar o mandado de segurança nas formas individual e coletiva. Isso porque havia previsão constitucional para o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX da CR/88), mas apenas em 2009 o instrumento foi devidamente regulamentado.
Em relação ao mandado de segurança coletivo, portanto, é interessante notar que ele protege três categorias de direitos: direitos difusos, direitos meta-individuais e direitos transindividuais. Esses direitos são aqueles relacionados a partidos políticos (desde que representados no Congresso Nacional), organizações sindicais, entidades de classe e associações (essas legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano).
Já o Habeas Data, previsto constitucionalmente como instrumento garantidor do acesso à informação[5], essa informação garantida nem sempre foi protegida pelo legislador. O período ditatorial brasileiro gerou uma série de bancos de dados alimentada com informações pessoais que não tinham caráter público e, consequentemente, não eram de acesso da coletividade. A partir da democratização nacional e da participação popular, firmou-se o entendimento de que todas as informações pessoais seriam liberadas para consulta de seu interessado, até para que sejam alteradas da forma correta. Dessa maneira, a correção dessas informações passou a ser possível pelo instrumento do habeas data, a partir de 1988
Observa-se que o direito de informação não se amplia de forma total e absoluta no Brasil contemporâneo: apenas os dados pessoais dispostos em bancos pessoais de caráter público são protegidos pelo remédio constitucional em questão. Dessa maneira, cumpre esclarecer a dúvida comum da coletividade sobre o Sistema de Proteção ao Crédito – SPC, não incluído no rol considerado público, não sendo amparado pelo habeas data
É instrumento que necessita de assistência de advogado para seu exercício, uma vez que engloba a análise de bancos de dados públicos ou de natureza pública, exigindo-se também a negativa do acesso à informação na instância administrativa para que o habeas data seja exercido
O mandado de injunção tem por característica o interesse primordial da Constituição democrática em dar eficácia às normas estabelecidas, uma vez que busca o complemento das normas constitucionais de eficácia limitada, trata dos direitos não regulamentados na Constituição de 1988[6]. O exemplo mais significativo da real implementação desse remédio constitucional é a omissão legislativa em regulamentar o direito de greve em nosso país.
Apesar da demonstração do interesse coletivo em sua aplicação nos casos concretos, o mandado de injunção não pode ser impetrado coletivamente, mas apenas pelo titular do direito não regulamentado.
Por fim, acerca da decisão em relação aos casos abarcados pelo mandado de injunção, observa-se que seus efeitos têm natureza concreta, e não apenas de comunicação ao Poder Legislativo sobre a omissão ocorrida. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, que preza pela Constituição e seus efeitos na coletividade.
A Ação Popular é o remédio constitucional[7] que talvez mais se aproxime dos desejos de eficácia de nossa constituição democrática, pois visa proteger interesses públicos de grande relevância para a Constituição democrática: patrimônio público, meio ambiente, patrimônio histórico e cultural, e moralidade administrativa.
No cumprimento desse objetivo, a ação popular pode ser ajuizada por qualquer cidadão, assim considerada a pessoa física que detenha plenos direitos políticos no Brasil, ou seja, pessoa acima dos 16 (dezesseis) anos que tenha exercido o direito de voto com regularidade eleitoral.
Institucionalizada por meio da Lei Nº 4.717/65 no país, a legislação que regulamenta a ação popular vem sendo atualizada no Brasil contemporâneo, para atingir melhor e de maneira mais eficaz toda a gama de direitos essenciais à proteção da coletividade, sendo um instrumento de bastante aplicação no Brasil desde então.
Sabe-se que o impeachment é um instrumento jurídico aplicável aos Presidentes da República brasileiros que incorrem em crimes de responsabilidade. Esses crimes são definidos expressamente na Constituição de 1988, pois são crimes de grande impacto para nossa democracia participativa, gerando alto risco para a segurança brasileira. Conforme o disposto no artigo 85 da Constituição de 1988:
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.”
Nota-se, preliminarmente, que os crimes de responsabilidade mais comuns que encontramos na prática da pesquisa sobre o impeachment brasileiro recaem sobre os incisos V e VI do artigo 85 da CR/88: questões de orçamento e questões de probidade administrativa. A história brasileira demonstrou que os motivos políticos relacionados à corrupção são os aspectos mais sensíveis no que se refere à prática de crimes de responsabilidade no Brasil, são os crimes mais praticados por Presidentes brasileiros, historicamente.
Contudo, o instrumento do impeachment não é exclusivo do Brasil; aliás, o Brasil aproveitou a experiência de outros países, até porque a expressão não se traduz no vernáculo nacional, sendo copiada de países anglo saxões conforme o Jornal Folha de São Paulo no seguinte endereço eletrônico http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/12/1715472-nascido-da-inglaterra-o-impeachment-foi-usado-em-epocas-e-paises-diversos.shtml: “nascido na Inglaterra medieval e com o primeiro registro em 1376, o impeachment foi pensado para viabilizar punições pelo Parlamento inglês contra aqueles além do alcance da lei ou que nenhuma outra autoridade no Estado vai processar”.
O instrumento foi utilizado na história antiga de forma muito mais ampla do que é utilizada nos tempos modernos; qualquer pessoa envolvida com o Governo e a governabilidade poderia ser processada, sendo: homens e mulheres, participantes do parlamento, atuantes na política, conspiradores e quem interferisse de alguma forma no governo de forma irregular pelas leis de cada época.
Definido, portanto, que o impeachment não conta com uma legislação regulamentada internacionalmente, todos os países que desejam sua aplicação utilizam esse instrumento da forma adequada à sua forma de Governo e forma de Estado, cada país com suas peculiaridades. Foi nesse sentido que a Inglaterra observou o último processo de impeachment aplicado no Brasil contemporâneo, compreendendo as particularidades de nosso sistema parlamentar, por meio de matérias de jornais de grande circulação.
O jornal inglês BBC realizou uma matéria especial apenas para a explicação de como funciona o nosso sistema de impeachment por meio do texto “Path to Rousseff impeachment”, ou seja, “trajetória para o impeachment de Rousseff”, numa tradução livre. No presente artigo, disponível para consulta livre no seguinte endereço eletrônico http://www.bbc.com/news/world-latin-america-36028117, são explicitados todos os detalhes do processo brasileiro, inclusive com um interessante gráfico para a visualização rápida e simplificada de nosso sistema.
A nossa história política brasileira apresenta dois momentos importantes em que o instrumento de impeachment foi aplicado com sucesso no Brasil, ambos relacionados a crimes de responsabilidade envolvendo orçamento público e improbidade administrativa, em sua essência. O impeachment abrange, como técnica prevista constitucionalmente, muito mais do que punição contra a corrupção, no entanto: a própria segurança interna do país é protegida por esse instrumento.
Imaginar a segurança interna de um país sendo protegida constitucionalmente por um instrumento como o impeachment pode ser algo de difícil compreensão para o Brasil, país não envolvido com questões militares internacionais ou com a própria instabilidade interna de um país no sentido de “unidade soberana”. Contudo, percebe-se que essas questões são muito presentes em outros países que sofrem essas questões, como é o caso dos EUA – Estados Unidos da América, a partir das eleições presidenciais de 2016.
O Presidente Donald Trump, Presidente dos EUA – Estados Unidos da América e empresário de sucesso é uma figura representativa dos problemas internos que sofrem os EUA – Estados Unidos da América no momento: uma campanha que promete erradicação de imigrantes ilegais, garantia de emprego a todos e guerra declarada aos estados inimigos acabou dividindo a opinião pública sobre o empresário.
Para o setor menos favorecido da sociedade, um líder milionário e poderoso que busca um país melhor; para um setor social mais acadêmico e favorecido, um empresário sem base teórica na administração pública se aventurando com promessas perigosas para a segurança interna do país, lembrando-se que a segurança interna é expressamente uma causa justa para o impeachment no Brasil.
A segurança interna americana é um tema relevante para esse momento político internacional em que vivemos; isso porque ainda em fase de “governo em transição” de Obama para Trump, a coletividade percebeu que seu novo Presidente conta com mais de 70 (setenta) processos judiciais em curso sob as mais diversas infrações envolvidas com calúnias e injúrias, especialmente contra grupos específicos de pessoas que se sentem ofendidos em seus direitos humanos pelos discursos de Donald Trump em sua candidatura eleitoral.
Essa instabilidade política provoca a discussão sobre o impeachment do Presidente americano, as possibilidades jurídicas do instrumento atuar num momento em que os americanos estão divididos politicamente, em guerra com outros países e recebendo imigrantes ilegais a todo o momento.
3. Considerações Finais
Dessa maneira, observa-se que o Brasil sofre desmandos internos não envolvendo apenas a “administração falha” de seus líderes possíveis inaptos, mas sim de “administração corrupta” de seus líderes envolvidos com a falta de características humanas capazes de trazer transparência e eficiência à administração de um país.
Os remédios constitucionais têm importância essencial para a garantia da democracia brasileira, especialmente após a Constituição de 1988. Eles são dispostos de forma taxativa não no sentido de se evitar aplicação extensiva de direitos protegidos constitucionalmente, mas sim para se evitar que determinados Poderes Políticos pretendam suprimir esses direitos da coletividade em determinado momento.
O estudo da Constituição vem demonstrando o interesse dos operadores do Direito em manter a democracia participativa e até mesmo ampliar os direitos dispostos na carta constitucional, razão pela qual se pretende no artigo científico proposto, uma forma de ampliação de direitos protegidos nesse sentido para a consideração do impeachment como instrumento hábil a ser considerado remédio constitucional frente a eventuais desmandos políticos no país, tendo-se em vista que já foi exercido duplamente em nossa história política.
Informações Sobre o Autor
Simone Kangussu Marinho
Servidora Pública do Ministério Público do Estado de Minas Gerais