Resumo: O presente artigo teve o intuito de discutir de forma crítica sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Em especial, buscou conceituar ou delimitar o que seria “Preceito Fundamental”. Com embasamento nas pesquisas realizadas, foi feita uma análise dos entendimentos doutrinários e decisões da Suprema Corte a respeito do tema, afim de definir o que seriam os Preceitos Fundamentais, o tema suscita calorosas discussões, mas feitas essas análises doutrinárias e jurisprudenciais, e verificando o confronto dos argumentos de ambas as vertentes levou à conclusão de que os Preceitos Fundamentais englobam todos os princípios constitucionais ligados diretamente aos valores essenciais do ordenamento constitucional.
Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Supremo Tribunal Federal. Preceito Fundamental.
Abstract: The purpose of this article was to critically discuss the Argument of Non-Compliance with Fundamental Precept. In particular, he sought to conceptualize or delimit what would be "Fundamental Precept". Based on the research carried out, an analysis was made of the doctrinal understandings and decisions of the Supreme Court on the subject, in order to define what would be the Fundamental Precepts, the subject arouses warm discussions, but made these doctrinal and jurisprudential analyzes, and verifying the confrontation of arguments on both sides led to the conclusion that the Fundamental Precepts encompass all constitutional principles directly linked to the essential values of constitutional order.
Keywords: Constitutionality Control. Argument of Non-compliance with Fundamental Precept. STF. Fundamental Precept.
Sumário: Introdução. 1. Controle de Constitucionalidade. 1.1. O Sistema Brasileiro. 1.1.1 Controle Difuso. 1.1.2 Controle Concentrado. 2. Ações do Controle Abstrato de Constitucionalidade 2.1. ADI 2.2 ADC 2.3 ADPF 4. Conceito de Preceito Fundamental e a visão do STF. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, veio um conjunto relativamente amplo de inovações ao controle de constitucionalidade, entre elas: a ampliação do rol de legitimados ativos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (artigo 103) para propositura da ação direta de inconstitucionalidade; a introdução da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, §2º) e o mandado de injunção (artigo 5º, LXXI); a representação de inconstitucionalidade (artigo 125, §2º) e a previsão da arguição de descumprimento de preceito fundamental (artigo 102, §1º).
O debate que se propõe a enfrentar diz respeito ao que poderia ser considerado “Preceito Fundamental”. Diante dessas considerações, buscou-se desenvolver pesquisa para responder aos seguintes questionamentos: O que são Preceitos Fundamentais?
Parte-se do pressuposto de que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, prevista no artigo 102, §1º da CRFB/88, por ser de eficácia limitada, necessitava de regulamentação, o que somente veio a acontecer após onze anos, com a edição da Lei n. 9.882/99.
Esta ação é cabível para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental por ato do Poder Público e também para resolver relevante controvérsia sobre ato ou lei federal, estadual ou municipal, inclusive aquelas anteriores à Constituição, porém, o legislador não definiu e tampouco delimitou o que seria Preceito Fundamental, sendo ainda um conceito bastante aberto e indeterminado.
O tema em discussão é diariamente discutido no mundo jurídico, sendo assim, requer um estudo, a fim de possibilitar maiores esclarecimentos. Buscar-se-á identificar o conceito de Preceito Fundamental, com considerações acerca do surgimento das ações diretas de controle de constitucionalidade, fazendo um breve relato sobre o procedimento da ADPF. Buscar-se-á, ainda, analisar o que seria Preceito Fundamental, sob a visão da Doutrina e sob a ótica do Supremo Tribunal Federal.
1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle de constitucionalidade é um mecanismo de verificação de compatibilidade entre um ato normativo e a Constituição, em seu aspecto formal e material. Assim, ele impede a eficácia de normas que não estão de acordo com a Lei Maior, ou seja, o controle permite afastar a aplicação de uma norma incompatível com a Constituição e pode, ainda, retirá-la do ordenamento jurídico, ao garantir, por fim, sua supremacia.
O controle de constitucionalidade tem como pressupostos uma Constituição formal e rígida, a supremacia constitucional e a atribuição de competência a um órgão, o qual resolverá os problemas de constitucionalidade.
1.1 O SISTEMA BRASILEIRO
O sistema brasileiro adota como regra o controle jurisdicional, cabendo ao Poder Judiciário a interpretação da Constituição. Porém, há algumas hipóteses em que o Poder Executivo e o Legislativo atuam no controle de constitucionalidade. Uma das hipóteses da participação do Chefe do Poder Executivo no processo legislativo é a possibilidade de veto a projeto de lei aprovado pela Casa Legislativa, considerado por ele inconstitucional. É o chamado veto jurídico previsto no §1º, do artigo 66 da Constituição, veja:
“Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 1º – Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.”
No âmbito do Poder Legislativo, as Comissões de Constituição e Justiça, quando analisam a compatibilidade de projetos de lei e de emenda constitucional com a Constituição Federal ou Estadual, estão exercendo um controle preventivo de constitucionalidade. Deve-se ter em mente que o pronunciamento dessas Comissões é passível revisão pelo plenário da casa legislativa.
A doutrina ainda aponta como hipótese do controle de constitucionalidade pelo Poder Legislativo, a sustação de ato normativo do Executivo, a rejeição do veto do Chefe do Executivo, o juízo prévio acerca das medidas provisórias, a aprovação de emenda constitucional superadora da interpretação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, a possibilidade de propositura de ação direta por órgãos do Legislativo e a possibilidade de revogação da lei inconstitucional (BARROSO, 2016).
1.1.1 Controle Difuso
O controle judicial incidental, também conhecido como controle por via de exceção, faz parte do controle de constitucionalidade brasileiro desde a Constituição de 1891. Ele ainda é a única alternativa do cidadão comum para a tutela de seus direitos subjetivos constitucionais. O controle difuso é realizado por qualquer juízo ou tribunal do Poder Judiciário. Vale salientar que, quando se fala qualquer juízo ou tribunal, devem ser observadas as regras de competência processual. Esse controle verifica-se em um caso concreto e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de forma incidental, prejudicialmente ao exame do mérito.
Observa-se este tipo de controle quando se pede algo ao juízo, fundamentando-se na inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ou seja, a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual e não o pedido. Neste sentido, a alegação de inconstitucionalidade não é a demanda principal, mas constitui uma questão prejudicial, porque ela será decidida previamente, como pressuposto necessário da solução do problema principal. São legitimados a suscitar a questão de constitucionalidade todos aqueles que fazem parte, na qualidade de partes, ou de terceiros, da relação processual e ainda o Ministério Público. Nas palavras de Luís Roberto Barroso (2016):
“A questão constitucional pode ser levantada em processos de qualquer natureza, seja de conhecimento, de execução ou cautelar. O que se exige é que haja um conflito de interesses, uma pretensão resistida, um ato concreto de autoridade ou a ameaça de que venha a ser praticado. O controle incidental de constitucionalidade somente pode se dar na tutela de uma pretensão subjetiva. O objeto do pedido não é o ataque à lei, mas a proteção de um direito que seria por ela afetado. Havendo a situação concreta, é indiferente a natureza da ação ou procedimento. O que não é possível é pretender a declaração de inconstitucionalidade da lei em tese, fora de uma lide, de uma disputa entre as partes. Para isso existe a ação direta de inconstitucionalidade, para cuja propositura a legitimação ativa é limitada. A matéria é de longa data pacífica na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”
A cláusula de reserva de plenário, prevista no artigo 97 da Constituição Federal, exige a manifestação da maioria absoluta dos membros dos tribunais para a declaração de inconstitucionalidade. Assim, nenhum órgão fracionário tem competência para declarar a inconstitucionalidade de uma norma, a não ser que essa norma já tenha sido objeto de pronunciamento do respectivo órgão especial ou do plenário do Supremo Tribunal Federal. Caso não se trate de nenhuma dessas exceções, a questão deve ser levada ao órgão especial, pela via de arguição de inconstitucionalidade.
Por outro lado, se a matéria chegar ao Supremo Tribunal Federal, por via recursal e a lei for declarada inconstitucional, esta decisão terá eficácia inter partes, competindo ao Senado Federal, por meio de resolução, suspender a execução da lei, para dar eficácia erga omnes à decisão do STF, nos termos do inciso X do artigo 52 da Constituição Federal.
1.1.2 Controle Concentrado
Conhecido como sistema austríaco ou por via de ação, o controle concentrado de constitucionalidade consiste na atribuição da guarda da Constituição a um único órgão ou a um número limitado deles. Por meio do controle concentrado, pretende-se obter a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, independente da existência de um caso concreto, visando-se à obtenção da invalidação da lei ou ato normativo. Com isso, busca-se garantir a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais.
Assim, se verifica que o controle de constitucionalidade concentrado não desvincula um cidadão em um processo específico em relação ao cumprimento de determinada lei, como acontece no controle difuso. O que ocorre é a declaração de inconstitucionalidade da lei em tese, por ser inadequada ao ordenamento jurídico. O processo instaurado nesses casos tem natureza objetiva, ou seja, não há partes, e se destina apenas à defesa da Constituição.
2. AÇÕES DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle abstrato de constitucionalidade em âmbito federal é exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal por meio de cinco ações: a) Ação Direta de Inconstitucionalidade; b) Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; c) Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva; d) Ação Declaratória de Constitucionalidade e; e) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
2.1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Sabe-se que a Ação Direta de Inconstitucionalidade foi introduzida no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional n° 16 de 06 de dezembro de 1965. Até então, o Supremo Tribunal Federal só conhecia o controle pelo método convencional, ou seja, pela via recursal. Assim, a partir daí, o Brasil começou a praticar o chamado Controle Concentrado de Constitucionalidade.
Essa ação é prevista no artigo 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal e é regulamentada pela Lei n° 9868/99. O objetivo principal da ação é a declaração de inconstitucionalidade, ou seja, quando se ajuíza essa ação, o que se pretende é extirpar definitivamente do ordenamento jurídico, a lei ou ato normativo eivado de vício (seja formal ou material).
Quanto à competência, trata-se de atribuição do Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originalmente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, quando alegada contrariedade à Constituição Federal. O sistema de constitucionalidade vigente no Brasil também prevê a possibilidade de controle abstrato no âmbito estadual.
Sobre a legitimidade para a propositura da ADI, a matéria está disciplinada no artigo 103 e incisos da Constituição Federal.
Quanto ao objeto da ADI, sabe-se que são as leis e atos normativos federais, estaduais ou até mesmo do Distrito Federal, se tiver sido editado no desempenho de sua competência estadual. Importante lembrar que, no controle de constitucionalidade, tem sempre que se verificar se há conformidade entre a norma objeto de impugnação e o texto parâmetro.
Quando proposta a ADI, assim como a ADC, não se admite desistência, pois estas ações são regidas pelo princípio da indisponibilidade. Além disso, a finalidade delas é a segurança jurídica e não apenas o interesse do legitimado em questão, mas de toda a sociedade. Em relação ao pedido é importante ressaltar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, de que, ao julgar a ADI, não está condicionado à causa de pedir, mas, em regra, ao pedido do autor, não se vinculando, portanto, a qualquer tese jurídica deduzida na ação. Os Ministros podem decretar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos daqueles argumentados pelo autor. Porém, o STF vem admitindo a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade de outras normas que não foram impugnadas pelo autor da ação, ou seja, em casos especiais, o STF não estaria vinculado nem mesmo ao pedido do autor.
No âmbito processual da ADI, o Advogado-Geral da União será citado para defender a norma impugnada, no prazo de 15 dias. Em seguida, o Procurador-Geral da República deverá emitir parecer sobre a matéria dispondo também de 15 dias para tanto. No que tange à decisão em sede de ADI, esta somente é possível se presente, pelo menos, a maioria absoluta dos Ministros.
Já sobre os efeitos da decisão, esta possui efeitos erga omnes, ou seja, em relação a todos e, em regra, terá efeito ex tunc, isto é, a lei ou ato normativo declarado inconstitucional, será considerado nulo desde a sua criação, não podendo, desde então, ter produzido nenhum efeito. Porém, em alguns casos, o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a segurança jurídica ou o interesse social, poderá – por maioria de 2/3 de seus membros – restringir os efeitos desta declaração, dando à decisão o efeito ex nunc, a ser considerado a partir do trânsito em julgado da decisão, ou de qualquer tempo que entender oportuno. Essa é a chamada modulação dos efeitos, prevista no artigo 27 da Lei nº 9868/99. Terá, ainda, efeito vinculante, pois a decisão vinculará todos os demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, nas três esferas de governo, federal, estadual e municipal, que não poderão desobedecer a decisão proferida pelo Supremo. Lembre-se que não atingirá o próprio STF, já que poderá alterar sua posição em outra ação.
Vale ressaltar que a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação Declaratória de Constitucionalidade têm caráter dúplice ou ambivalente. Assim, se a ADI for julgada improcedente, o STF estará afirmando a constitucionalidade da norma. Se for julgada procedente, o STF estará afirmando que a norma é inconstitucional.
Importante mencionar a ADI interventiva e a ADI por omissão. A primeira é uma ação em que a Constituição permite a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal, conforme prevê o artigo 34 e nos Municípios localizados em Território Federal, nas hipóteses do artigo 35. Já os Estados poderão intervir em seus Municípios, conforme prevê o artigo 35. Ou seja, quando forem violados os “princípios sensíveis”, será permitida a intervenção, lembrando-se que esse rol é taxativo.
A segunda ação foi uma novidade trazida com o advento da Constituição de 1988. O objetivo nesta ação é combater uma deficiência deixada pelo legislador no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, quando o legislador omitir-se em relação à regulamentação de uma norma de eficácia limitada, cabe ao interessado propor ADI por omissão para preencher a lacuna do ordenamento jurídico. Quanto às espécies de omissão, há a total e a parcial. É parcial quando há uma lei, porém, de forma insuficiente e é total quando não houve o cumprimento do dever de legislar, ou seja, quando não houver a lei.
2.2 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
Sob a vigência da Constituição de 1988, a Emenda Constitucional nº 3 de 17 de março de 1993, criou a Ação Declaratória de Constitucionalidade, mediante alteração e introdução de dispositivos no texto constitucional. Buscou-se, com esse mecanismo, o reconhecimento expresso do Supremo Tribunal Federal da compatibilidade entre uma norma infraconstitucional e a Constituição, em casos em que haja interpretações judiciais distintas, ou seja, que há controvérsia judicial (BARROSO, 2016).
A finalidade da Ação Declaratória, nada mais é do que “[…] afastar a incerteza jurídica e estabelecer uma orientação homogênea na matéria”, nas palavras de Luís Roberto Barroso (2016). Ela é uma ação, uma modalidade do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade. Assim, cabe ao Supremo Tribunal Federal processá-la e julgá-la, conforme prevê o artigo 102 da Constituição Federal:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.”
A Constituição não prevê expressamente a ADC em âmbito estadual, como faz em relação à representação de inconstitucionalidade (artigo 125, §2°). Porém, a doutrina majoritária tem admitido a possibilidade, tendo por objeto lei ou ato normativo estadual ou municipal.
Quanto à legitimidade para propor a Ação Declaratória, a Emenda Constitucional de 45/2004 outorgou a todos os legitimados para propositura da ADI, a legitimidade para também propor ADC, conforme se verifica no artigo 103 da Constituição. Um ponto importante sobre o objeto da ADC é a comprovação, na petição inicial, da controvérsia judicial, ou seja, a existência de um estado de incerteza gerado por dúvidas ou controvérsias sobre a legitimidade da lei. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2010, p. 1295) afirmam que:
“Embora o texto constitucional não tenha contemplado expressamente esse pressuposto, é certo que ele é inerente às ações declaratórias, mormente às ações declaratórias de conteúdo positivo. Assim, não se afigura admissível a propositura de ação declaratória de constitucionalidade se não houver controvérsia ou dúvida relevante quanto a legitimidade da norma. Evidentemente, são múltiplas as formas de manifestação desse estado de incerteza quanto à legitimidade da norma. A insegurança poderá resultar de pronunciamentos contraditórios de órgãos jurisdicionais diversos sobre a legitimidade da norma poderão criar o estado de incerteza imprescindível para a instauração da ação declaratória de constitucionalidade. Embora as decisões judiciais sejam provocadas ou mesmo estimuladas pelo debate doutrinário, é certo que simples controvérsia doutrinaria não se afigura suficiente para objetivar o estado de incerteza apto a legitimar a propositura da ação, uma vez que, por si só, ela não obsta à plena aplicação da lei”
Foi positivado na Lei n° 9868/99 a exigência quanto à existência de controvérsia judicial relevante. Assim, se não restar configurada controvérsia judicial relevante sobre a legitimidade da norma, o Supremo Tribunal Federal não deverá conhecer a ação proposta.
Quanto ao objeto da ADC, este segue o mesmo da ADI. Para o direito federal, deve ter como objeto lei ou ato normativo federal autônomo devidamente promulgado, mesmo se não estiver em vigor. Assim, caberia ADC em face de lei complementar, lei ordinária, medida provisória, emenda constitucional, decreto legislativo, entre outros, lembrando que a ADC não pode ter como objeto ato normativo revogado (MENDES, COELHO e BRANCO 2010).
O procedimento da ADC se assemelha ao da ADI. Porém, é necessário ressaltar que: a) não é necessária a citação do Advogado-Geral da União tendo em vista que não há nenhum ato ou texto impugnado e o objetivo nesta ação é a confirmação de que a norma é absolutamente constitucional; b) O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido, emitindo parecer; c) A intervenção de terceiros é vedada, assim como a desistência da ação; d) é possível a participação do amicus curiae quando o relator julgar necessário e; e) a decisão é irrecorrível, ressalvada a possibilidade de oposição de embargos de declaração, não podendo ser objeto de ação rescisória.
Como na ADI, aqui também é possível medida cautelar. Esta possibilidade está prevista no artigo 21 da Lei n° 9868/99. Por fim, os efeitos da declaração de constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal, terão eficácia erga omnes, ou seja, contra todos, efeitos ex tunc e efeito vinculante, relativamente aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública federal, estadual, distrital e municipal.
2.3 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Com o advento da Constituição de 1988, além de outras inovações, foi prevista em seu artigo 102, § 1º, uma norma de eficácia limitada em que o Supremo Tribunal Federal tem competência para processar e julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, mecanismo específico que visa proteger princípios constitucionais, considerados fundamentais. Por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, esta depende de edição de lei, estabelecendo a forma como será apreciada.
Somente onze anos depois da Constituição de 1988, na qual veio prevista a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, foi que o Congresso Nacional editou a Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que regulou seu processo e julgamento e a incluiu como uma ação direta do controle concentrado de constitucionalidade. Além de ter deixado de dizer de forma clara o parâmetro de controle da ADPF, a lei também previa alguns dispositivos que foram atingidos pelo veto presidencial, o que alterou seu projeto original.
Na sua concepção original, prevista no Projeto de Lei n. 2.872/97, aprovado pelo Congresso Nacional, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental tinha dupla função institucional: a primeira, de instrumento de governo, já que permitia que o rol de legitimados do art. 103 da CRFB/88 levassem discussões sensíveis, envolvendo risco ou lesão a preceitos fundamentais ou relevante controvérsia judicial, ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal; a segunda, de instrumento de cidadania, ao admitir que qualquer cidadão lesado por ato do Poder Público poderia propor ADPF (BARROSO, 2016).
Este último dispositivo estava previsto no inciso II, do artigo 2º da Lei nº 9.882/99, porém, foi vetado pelo Presidente da República, impedindo que fosse estabelecida uma legitimidade aberta para a propositura da ADPF por qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público.
Por este entre outros vetos e fatos, a Lei nº 9.882/99 é alvo de críticas de muitos doutrinadores, inclusive sua constitucionalidade vem sendo questionada através da ADI 2231-8, que foi proposta pelo Conselho Federal da OAB, alegando que a lei ampliou o conceito constitucional contido no artigo 102, § 1º; ampliou a competência do Supremo Tribunal Federal ao incluir a ADPF como uma nova ação do controle concentrado de constitucionalidade, o que só poderia ser feito via emenda constitucional; instituiu uma espécie de ação avocatória, o que só poderia ser feito por reforma constitucional, entre outros motivos. Por isso, foi pedida a declaração de inconstitucionalidade de toda a lei impugnada.
Entretanto, mesmo com a grande alteração do projeto original ocasionada pelos vetos presidenciais, a Lei nº 9.882/99 trouxe grandes inovações para o controle de constitucionalidade brasileiro, ao permitir, por exemplo, o controle abstrato do direito pré-constitucional e do Direito Municipal. Assim, resta claro que a ADPF ampliou o controle concentrado de constitucionalidade, ao permitir que as controvérsias judiciais relevantes fossem levadas diretamente ao crivo do Supremo Tribunal Federal.
Ao analisar o artigo 1º e o parágrafo único, inciso I da Lei nº 9.882/99 pode-se extrair duas modalidades de arguição de descumprimento de preceito fundamental: a arguição incidental e a autônoma. A incidental é um mecanismo para levar a apreciação do Supremo Tribunal Federal quando for relevante a controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluindo aqueles anteriores à Constituição. A Autônoma é modalidade de processo objetivo e faz parte do controle abstrato de constitucionalidade.
Nos termos do artigo 2º da Lei nº 9.882/99: “Podem propor arguição de descumprimento de preceito fundamental os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade”, ou seja, o rol de legitimados do artigo 103, da CRFB/88: o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal, as Mesas das Assembleias Legislativas, os Governadores de Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e Confederação sindical e Entidade de classe de âmbito nacional.
Vale ressaltar que o Chefe do Poder Executivo vetou o inciso II, do artigo 2º da Lei nº 9.882/99, que admitia a legitimidade processual de qualquer indivíduo afetado por decisão do Poder Público.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental, em suas duas modalidades, incidental e autônoma, é de competência do Supremo Tribunal Federal, como prevê o artigo 102, §1º da CRFB/88 c/c artigo 1º da Lei nº 9.882/99.
Não foi previsto arguição no plano estadual, como foi prevista a ação direta de inconstitucionalidade, porém, como esta, pode ser instituída por uma Constituição Estadual, pelo princípio da simetria.
Além do requisito previsto na própria Constituição – o de descumprir preceito fundamental – a Lei nº 9.882/99 inseriu outros pressupostos que, se ausentes, a arguição de descumprimento de preceito fundamental não poderá ser conhecida. Primeiramente, deve haver um descumprimento de “preceito fundamental”, o qual nem o constituinte, tão pouco o legislador, definiu o significado e alcance da expressão, restando essa definição para a doutrina e jurisprudência, o que será visto no próximo tópico.
E em segundo lugar, ao analisar o artigo 4º, da Lei nº 9.882/99, que diz: “Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”, verifica-se que a ADPF têm caráter residual, ou seja, que foi instituído o princípio da subsidiariedade. No qual, é rejeitada a arguição sempre que possível enfrentar o ato por alguma ação ou recurso do controle difuso ou concentrado.
Importante ressaltar que o doutrinador Alexandre de Moraes (2001) diz que o cabimento da ADPF não exige a inexistência de outro mecanismo jurídico, mas seu prévio esgotamento sem real efetividade. Portanto, o caráter residual da ADPF consiste na necessidade de esgotamento prévio de todos os outros meios jurídicos eficazes para cessar a lesão ou ameaça a preceito fundamental.
E sobre o objeto da ADPF? Segundo o artigo 1º da Lei nº 9.882/99, a arguição de descumprimento de preceito fundamental tem por objeto “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”. Caberá também a ADPF “quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”. Ou seja, direito pré-constitucional e direito municipal são também objetos da ADPF.
No que diz respeito ao procedimento da ADPF, ele é regido pela Lei nº 9.882/99, com aplicação subsidiária da Lei nº 9.868/99, que rege a ação declaratória de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade.
Tendo em vista o amplo objeto de impugnação no âmbito da ADPF, o Tribunal, reconhecendo sua procedência ou improcedência, poderá declarar a legitimidade ou ilegitimidade do ato questionado. Se incidir sobre ato normativo, serão adotadas as técnicas de decisão do controle de constitucionalidade abstrato. Nesse caso, serão aplicadas integralmente as considerações desenvolvidas neste estudo a propósito das técnicas de decisão no controle de constitucionalidade da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade (MENDES, COELHO e BRANCO, 2010).
Quando o objeto for direito pré-constitucional, o Tribunal se limitará a reconhecer a legitimidade, ou seja, a recepção ou não da lei, em face da norma constitucional superveniente. Quando incidir sobre ato de efeito concreto (no caso, ato administrativo singular ou sentença), o tribunal afirmará sua ilegitimidade. Pode ser que o ato singular questionado, no caso uma decisão judicial, afirme a inconstitucionalidade de uma lei ou de uma dada aplicação ou interpretação do próprio texto constitucional. Nesse caso, reconhecida a procedência da ADPF, ter-se-á a declaração de ilegitimidade do ato questionado, com a afirmação da constitucionalidade da lei ou da aplicação constitucional discutida.
Como todas as decisões em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, a decisão do Supremo Tribunal Federal na arguição de descumprimento de preceito fundamental terá eficácia erga omnes e ex tunc, ou seja, eficácia contra todos, efeitos retroativos e vinculantes aos demais órgãos do Poder Público, conforme prevê o artigo 10, § 3º da Lei n. 9882/99. Quanto à eficácia erga omnes da decisão, não há dúvidas de que se trata de um processo de natureza objetiva, ou seja, trata-se de um processo sem partes, no qual se discute amplamente a tutela do interesse público de forma geral.
Porém, em alguns casos, como já foi dito anteriormente, o Supremo Tribunal Federal pode reconhecer igualmente a possibilidade de que – por maioria de 2/3 de seus membros, tendo em vista a segurança jurídica ou o interesse social, modular os efeitos da decisão, como prevê o artigo 27 da Lei n. 9868/99 – se declare a inconstitucionalidade da lei com eficácia ex nunc ou, com efeito, a partir do momento que venha a ser estabelecido pelo Tribunal.
3. CONCEITO DE PRECEITO FUNDAMENTAL E A VISÃO DO STF
Nos termos do caput do artigo 1º, da Lei nº 9.882/99, a arguição de descumprimento de preceito fundamental “terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Pública”. Muito se tem debatido sobre o alcance da expressão preceito fundamental. A resposta para isso não foi trazida pela Constituição Federal, nem pela Lei da ADPF, deixando essa tarefa para a doutrina e jurisprudência.
Nesse sentido, se entende que o legislador fez certo ao não arrolar taxativamente os preceitos fundamentais, que poderá acomodar com mais facilidade mudanças no mundo dos fatos, bem como a interpretação evolutiva da Constituição Federal. Assim, caberá ao Supremo Tribunal Federal definir tal conceito, sempre se baseando na consideração do dado axiológico subjacente ao ordenamento constitucional (SARMENTO, 2001).
Preceito, derivado do latim praeceptum, traduz a idéia de regra, conselho, mandamento, diretriz, linha de conduta. Nesse sentido, significa a razão em que se firmam as coisas ou em que se justificam as ações. Porém, foi previsto o alcance dessa expressão no ordenamento jurídico, seja como normas, princípios ou regras. Tendo em vista que alguns princípios são mais relevantes para o Direito, pode-se elencar um rol de normas consideradas fundamentais, como alguns princípios fundamentais que serão comentados mais adiante.
Entende-se como fundamental, o preceito que seja imprescindível, essencial ou basilar. Dessa forma, pode ser considerado como fundamental os princípios constitucionais quando agregarem à sua condição a natureza da fundamentalidade. O mesmo se pode dizer das regras que tem qualidade de preceito fundamental, quando se mostrarem dentro do ordenamento jurídico, como acontece com o conjunto normativo que assegura os direitos humanos. Assim, os preceitos fundamentais são aqueles que formam a essência de um conjunto normático-constitucional. Luis Roberto Barroso (2016) afirma que a violação de determinadas normas, inclusive mais princípios do que regras, traz maiores consequências para o sistema jurídico como um todo e esses seriam os chamados preceitos fundamentais.
Pode-se afirmar, então, que a norma ou preceito jurídico é parte essencial da ordem jurídica e os preceitos fundamentais são como as vigas do texto constitucional. Não há dúvida de que esses preceitos deverão ser extraídos explícita ou implicitamente da Constituição, posto que dela decorrem. Mas, antes de tentar delimitar quais dispositivos constitucionais podem ser considerados preceitos fundamentais, deve-se buscar uma definição da expressão. Algumas posições doutrinárias podem fornecer uma referência nesse sentido. Nesse aspecto, André Ramos Tavares (2002, p. 51) diz que:
“[…] logo no primeiro de seus títulos, a Constituição abriga o que denominou “Dos Princípios Fundamentais”. Ora, em matéria de tal relevância, apresentada desde o pórtico dos direitos da nação, seria de causar espécie que o constituinte, pretendendo referir-se novamente ao mesmo conjunto de normas, viesse a empregar termo diverso daquele já empregado em posição de grande destaque, ou seja, seria insustentável que houvesse optado deliberadamente, e sem maiores esclarecimentos, pela equivocidade. Certamente que pretendeu açambar entre os preceitos fundamentais também os princípios (quando fundamentais). Não é menos certo, porém, que pretendeu ir além, para alcançar outras normas não principiológicas (as regras, quando fundamentais), e mesmo excluir alguns princípios, por não serem fundamentais (mas apenas dotados de certo grau de abstração). Em uma palavra, os termos preceitos e princípios são inconfundíveis.”
Luís Roberto Barroso (2016) entende também que preceito fundamental não corresponde a todo e qualquer preceito da Constituição. Para o autor, a expressão “preceito fundamental” é uma típica hipótese de conceito indeterminado, assim, poder-se-á lançar mão da interpretação evolutiva, que consiste na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor, em razão de mudanças históricas ou de fatores sociais e políticos. Ou seja, o que hoje é considerado preceito fundamental, haja vista a dinamicidade do ordenamento jurídico, pode amanhã não o ser, e futuramente o que não era fundamental para o ordenamento, poderá ter seu status elevado a preceito fundamental, pois o texto constitucional não pode ficar imóvel, evitando-se, assim, o seu engessamento.
A Lei n° 9.882 fala apenas em preceito fundamental, porém, a compreensão de um conjunto limitado de preceitos constitucionais adveio de uma interpretação conforme a Constituição. Qualquer tentativa de prefiguração seria sempre parcial ou excessiva e a restrição seria agravada pela interpretação restritiva que um rol taxativo recomenda. Diante do exposto, o que pode ser considerado como preceito fundamental na Constituição Federal? É interessante verificar a posição de alguns doutrinadores. Sobre o rol dos preceitos fundamentais dispõe Daniel Sarmento (2001, p. 91):
“Entre os preceitos fundamentais situam-se, sem sombra de dúvidas, os direitos fundamentais, as demais cláusulas pétreas inscritas no artigo 60, §4°, da Constituição da República, bem como os princípios fundamentais da República, previstos nos arts. 1° ao 5° do Texto Magno.”
Já Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2010, p. 1333) afirmam que:
“[…] ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais (art. 5°, dentre outros). Da mesma forma, não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do artigo 60, §4°, da CF: o princípio federativo, a separação de Poderes e o voto direto, secreto, universal e periódico. Por outro lado, a própria Constituição explicita os chamados ‘princípios sensíveis’, cuja violação pode dar ensejo à decretação de intervenção federal nos Estados-membros (art. 34, inciso VII).”
Segundo Nagib Slaibi Filho (2006) são fundamentais os valores consagrados no artigo 1°: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político. André Ramos Tavares (2001) elenca os princípios contidos nos artigos 1° ao 4°, ou seja, os direitos fundamentais, as regras de estruturação do Poder Político, as cláusulas pétreas e os princípios sensíveis. No ponto de vista de José Afonso da Silva (2008, p. 562):
“‘Preceitos Fundamentais’ não é expressão sinônima de ‘princípios fundamentais’. É mais ampla, abrange estes e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito Federal, e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais (Título II).”
Já Alexandre de Moraes (2017) não cria um rol de preceitos fundamentais, mas deixa claro seu entendimento de que estes englobam os direitos e garantias fundamentais.
Por fim, Uadi Lammêgo Bulos (2011) faz uma lista extensa e que merece ser mencionada. Segundo o autor pode ser considerado preceito fundamental as diretrizes insculpidas no artigo 1°da Constituição de 1988, quais sejam, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e o pluralismo político.
Cita alguns exemplos: o princípio do Estado Democrático (art. 1° caput); princípio da separação dos Poderes (art. 2°); princípio presidencialista (art. 76); princípio da legalidade (art. 5°, II); princípio da liberdade (art. 5°, incisos IV, VI, IX, XIII, XIV, XV, XVI, XVII etc.); princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5°, inciso XXXV); princípio da autonomia das entidades federadas (art. 1° e 18); princípio do juiz e do promotor natural (art. 5°, incisos XXXVII E LIII); princípio do devido processo legal (art. 5°, inciso LIV); princípio do contraditório (art. 5°, inciso LV); princípio da publicidade dos atos processuais (art. 5°, inciso LX, e 93, inciso IX); princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput); princípio da impessoalidade (art. 37, caput); princípio da moralidade (art. 37, caput); princípio da publicidade (art. 37, caput); princípio da ocupação de cargos através de concurso público (art. 37, inciso II); princípio da prestação de contas (arts. 70, parágrafo único, 34, inciso VII, d e 35, inciso III); princípio da independência funcional da Magistratura (arts. 95 e 96); princípio da capacidade contributiva (art. 145, III); princípio da defesa do consumidor (art. 170, inciso IV); princípio da autonomia universitária (art. 207), entre outros.
Diante das posições doutrinárias, constata-se há uma ausência de uniformidade quanto ao entendimento do que é preceito fundamental, especialmente quanto à delimitação de quais preceitos seriam tão relevantes ao ponto de justificar a propositura da arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Em sede jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal ainda não firmou orientação a respeito. Como exposto anteriormente, sabe-se que cabe ao STF conceituar e delimitar o que seria preceito fundamental, diante de sua prerrogativa de intérprete e guardião da Constituição da República. Para analisar o processo de delimitação do conceito, através de discussões jurídicas no Tribunal, foram escolhidos alguns julgados de ADPF, devido à sua importância, ou seja, buscou-se analisar os votos e debates durante o julgamento de algumas Arguições de Descumprimento.
Sabe-se que o instituto da ADPF é bastante novo, já que, mesmo estando no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1988, somente foi regulamentado em 1999, com a Lei n° 9.882. Além disso, apenas em 2000 a primeira ADPF foi ao plenário do Supremo Tribunal Federal para análise de admissibilidade. Ou seja, houve um hiato de 1988 até 2000, o que revela ser um novíssimo instituto.
A primeira vez que o Supremo debateu sobre o tema foi no julgamento da ADPF 1, cujo relator era o Ministro Néri da Silveira. Naquela ação, o Partido Comunista do Brasil impugnou o veto do Prefeito do Município ao artigo 3° da Emenda Legislativa ao Projeto de Lei de n° 1713-a/1999, da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. A exordial apontava como descumprimento de preceito fundamental a separação de poderes, previsto no artigo 2° da Constituição Federal.
Em seu voto, o Ministro Néri da Silveira mencionou que:
Guarda da Constituição e seu intérprete último, ao Supremo Tribunal Federal compete o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental, cujo desrespeito pode ensejar a arguição regulada na Lei n° 9.882, de 3.12.1999. Nesse sentido, anota o Ministro Oscar Dias Corrêa, in ‘A Constituição de 1988, contribuição crítica’, 1ed. Forense Universitária, 1991, p.157: ‘Cabe exclusivamente e soberanamente ao STF conceituar o que é descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, porque promulgado o texto constitucional é ele o único, soberano e definitivo intérprete, fixando quais são os preceitos fundamentais, obediente a um único parâmetro – a ordem jurídica nacional, no sentido mais amplo. Está na sua discrição jurídica indicá-los.’ Noutro passo, observa: ‘Parece-nos, porém, que desde logo podem ser indicados, porque, pelo próprio texto, não objeto de emenda, deliberação e, menos ainda, abolição: a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de poderes, os direitos e garantias individuais. Desta forma, tudo o que diga respeito a essas questões vitais para o regime pode ser tido como preceitos fundamentais. Além disso, admita-se: os princípios do Estado democrático, vale dizer: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho, livre iniciativa, pluralismo político; os direitos sociais; os direitos políticos; a prevalência das normas relativas à organização político administrativa; a distribuição de competências entre a União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios; entre Legislativo, Executivo e Judiciário; a discriminação de rendas; as garantias da ordem econômica e financeira, nos princípios básicos; enfim, todos os preceitos que, assegurando a estabilidade e a continuidade da ordem jurídica democrática, devem ser cumpridos. (STF – ADPF: 01 QO, Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA. Data de Julgamento: 03/02/2000, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 07/11/2003) (grifo nosso).
Outra discussão relevante sobre o assunto ocorreu durante o referendo à medida liminar concedida na ADPF 33/PA, cujo Ministro Relator era Gilmar Ferreira Mendes. Na mencionada ação, Governador do estado do Pará pedia a declaração de não recepção do Regulamento de Pessoal do Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará – IDESP, adotado pela Resolução 8/86 do Conselho de Administração e aprovado pelo Decreto Estadual 4.307/86. O referido dispositivo legal tratava da remuneração do pessoal daquela autarquia, extinta e sucedida pelo respectivo Estado-membro, que vinculou o quadro de salários ao salário mínimo.
No caso da ADPF 33, o arguente invocou o inciso IV do art. 7° da Constituição, que versa sobre o salário mínimo e a proibição de vinculação e utilização como indexador, além do princípio da autonomia estadual, insculpido no artigo 60, §4°, inciso I da Constituição.
Em seu voto, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes afirmou que, embora alguns dos preceitos estejam enunciados de forma explícita no texto constitucional, tais como os insculpidos no artigo 5° da Constituição Federal, as cláusulas pétreas e os princípios sensíveis, que ensejam decretação de intervenção federal nos Estados-Membros também mereciam serem incluídas no conceito de preceito fundamental as regras que confiriam densidade normativa ou significado específico aos princípios. Vale transcrever um trecho do voto:
“[…] ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais (art. 5°, dentre outros). Da mesma forma, não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, §4°, da Constituição, quais sejam, a forma federativa de Estado, a separação de poderes e o voto direto, secreto, universal e periódico”. (STF – ADPF: 33/PA, Relator: Min. Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 07/12/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 27/10/2006).
O voto do Ministro Carlos Britto foi contra o entendimento de fixação de um conceito extensivo de preceito fundamental que alcançasse as normas básicas contidas no texto constitucional. Em seu voto, afirmou que preceitos fundamentais são apenas aqueles que a própria Constituição denomina, ou seja, os direitos e garantias fundamentais e as regras que estão a serviço dos princípios fundamentais da República.
Mencionou ainda que esse posicionamento decorre do artigo 29 da Constituição, que menciona preceitos, em contraposição a princípios, ou seja, que diz que preceitos não são princípios; estão a serviço dos princípios existindo um vínculo funcional imediato entre eles. Conclui o Ministro que considera preceito fundamental somente as normas densificadoras de princípios, mas não os princípios em si mesmos. Importante destacar um trecho de seu voto:
“Por que a Constituição chamou seu Título II de fundamentais? Porque ali estão consignadas regras que densificam, especificam, concretizam os princípios fundamentais. Há uma lógica na designação dos dois títulos. Então, tenho para mim que os artigos de 1° a 17 da Constituição são realmente densificadores dos princípios fundamentais, que vão do art. 1° ao art. 4° da Carta Magna. Daí insistir muito nesta distinção. Eu restrinjo o âmbito material da ADPF à defensa de preceitos que a Constituição designa por fundamentais, não princípios”. (STF – ADPF: 33/PA , Relator: Min. Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 07/12/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 27/10/2006).
O Ministro Eros Grau, no julgamento da ADPF 33, contestou o que foi dito pelo Ministro Carlos Britto. Entendeu o Ministro que preceito é gênero do qual princípio e regra são espécies. Já o Ministro Sepúlveda Pertence considera os direitos sociais como preceitos fundamentais, optando por um conceito mais restritivo.
Por fim, o Ministro Gilmar Mendes defendeu, em sentido contrário, a adoção de um conceito extensivo de preceito fundamental, que abrangesse tanto os princípios fundamentais, os direitos e garantias, as cláusulas pétreas e os princípios sensíveis, mas também as normas básicas contidas no texto constitucional que densificassem normativamente estes princípios.
Comparando-se o entendimento doutrinário e jurisprudencial, percebe-se que o tribunal tem admitido uma interpretação ampla da expressão “preceito fundamental”, conforme foi dito no voto do Ministro Gilmar Mendes, pelo que se pode inferir da admissão de ADPF´s que apontavam supostas lesões a preceitos insculpidos no artigo 1°, 5° e incisos, 6°, 7°, 60 §4°, 170, 193,196, 201 §11, 220 e 225.
Vale, ainda, ressaltar, o voto do Ministro Marco Aurélio no julgamento da ADPF 46, arguida pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição – ABRAED em face da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Os preceitos lesados indicados pela arguente foram os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, decorrente dos artigos 1°, inciso IV, artigo 5°, inciso XIII, artigo 170 caput, inciso IV e parágrafo único, todos da Constituição. O Ministro Marco Aurélio, relator do julgamento, reconheceu como preceitos fundamentais aqueles indicados pela arguente, veja-se:
“É de ressaltar, ainda, que os preceitos tidos por violados são essenciais à ordem constitucional vigente, configurando princípios e fundamentos da República Federativa do Brasil, como a livre iniciativa – comando este previsto no art. 1°, inciso IV, inserto no Título I, da Constituição Federal, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, também a liberdade no exercício de qualquer trabalho (art. 5°, inciso XIII), a livre concorrência (artigo 170, cabeça e inciso IV) e o livre exercício de qualquer atividade econômica” (artigo 170, parágrafo único)."
(STF – ADPF: 46/DF , Relator: Min. Marco Aurélio, Data de Julgamento: 05/08/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 26/02/2010).
No julgamento da ADPF 76, do estado do Tocantins, arguida pelo Conselho Federal da OAB, foi alegada lesão contra o princípio do "quinto constitucional" nos Tribunais: "O alegado preceito fundamental supostamente violado (item "a") é o disposto no art. 94 e parágrafo único, da Constituição Federal".
Na ADPF 101, ajuizada pelo Presidente da República, de relatoria da Ministra Carmem Lúcia, foi discutido se decisões judiciais que autorizam a importação de pneus usados ofenderiam os preceitos inscritos nos artigos 196 e 225 da Constituição Federal. Essa ADPF foi, no mérito, julgada parcialmente procedente, por maioria e nos termos do voto da Ministra Relatora Carmem Lúcia. Nesse julgamento, o Supremo Tribunal Federal considerou o direito à saúde (artigo 196) e o direito a um meio ambiente equilibrado (artigo 225) preceitos fundamentais a serem protegidos por meio de arguição de descumprimento.
Foram analisadas, aqui, as arguições de descumprimento de preceito fundamental cujos preceitos supostamente violados eram de grande importância, gerando assim debates jurídicos, por representarem de forma mais consistente a visão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema em estudo.
Após toda essa análise de doutrinas e jurisprudências sobre o tema, chegou-se ao entendimento de que devem ser considerados preceitos fundamentais:
– Os direitos individuais e coletivos previstos no artigo 5°;
– Os fundamentos da República Federativa do Brasil, elencados no artigo 1°: a soberania, cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político;
– Os direitos sociais previstos nos artigos nos artigos 6° a 11;
– Os direitos relativos à nacionalidade, conforme artigos 11 e 13;
– Os direitos políticos, disciplinados nos artigos 14 a 16;
– Os princípios constitucionais sensíveis, dispostos no artigo 34, VII;
– Os princípios regentes da Administração Pública – a legalidade, a impessoalidade; a moralidade, a publicidade e a eficiência – positivados no artigo 37, caput e incisos II, IV, XV, XVI, XVII e XIX;
– As cláusulas pétreas do artigo 60, §4°;
– As limitações constitucionais ao poder de tributar, consoante os artigos 150, 151 e 152.
Os direitos individuais e coletivos, os direitos sociais, os direitos relativos à nacionalidade, os direitos políticos, os princípios sensíveis, as cláusulas pétreas e os princípios fundamentais, são preceitos fundamentais explícitos, pela sua fundamentalidade e não necessitam de maiores explicações para serem classificados como preceitos fundamentais. A doutrina é praticamente unânime, ao apontar estes como basilares, fundamentais, como se fossem as vigas do texto constitucional. Eles representam os valores mais importantes da sociedade.
Consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as limitações constitucionais ao poder de tributar, previstas nos artigos 150, 151 e 152 da Constituição, pertencem de fato à categoria dos direitos individuais, por isso, enquadram-se como preceitos fundamentais.
Consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as limitações constitucionais ao poder de tributar, previstas nos artigos 150, 151 e 152 da Constituição, pertencem de fato à categoria dos direitos individuais, por isso, enquadram-se como preceitos fundamentais. Veja:
“EMENTA – Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei n. 8.200/91 (arts. 3. e 4.) – correção monetária das demonstrações financeiras das pessoas jurídicas – reflexo sobre a carga tributaria sofrida pelas empresas em exercícios anteriores – a questão das limitações constitucionais ao poder de tributar (titularidade, alcance, natureza e extensão) – periculum in mora não configurado, especialmente em face das medidas de contra cautela instituídas pela lei n. 8.437/92 – suspensão liminar da eficácia das normas impugnadas indeferida por despacho do relator. Decisão referendada pelo plenário do supremo tribunal federal. – o exercício do poder tributário, pelo estado, submete-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional que, de modo explicito ou implícito, institui em favor dos contribuintes decisivas limitações a competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributarias existentes. Os princípios constitucionais tributários, assim, sobre representar em importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos individuais outorgados aos particulares pelo ordenamento estatal. Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar do Estado, esses postulados tem por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete a imperatividade de suas restrições. – o princípio da irretroatividade da lei tributaria deve ser visto e interpretado, desse modo, como garantia constitucional instituída em favor dos sujeitos passivos da atividade estatal no campo da tributação. Trata-se, na realidade, a semelhança dos demais postulados inscritos no art. 150 da carta política, de princípio que – por traduzir limitação ao poder de tributar – e tão-somente oponível pelo contribuinte a ação do estado. – em princípio, nada impede o poder público de reconhecer, em texto formal de lei, a ocorrência de situações lesivas a esfera jurídica dos contribuintes e de adotar, no plano do direito positivo, as providencias necessárias a cessação dos efeitos onerosos que, derivados, exemplificativamente, da manipulação, da substituição ou da alteração de índices, haja tornado mais gravosa a exação tributaria imposta pelo estado. A competência tributaria da pessoa estatal investida do poder de instituir espécies de natureza fiscal abrange, na latitude dessa prerrogativa jurídica, a possibilidade de fazer editar normas legais que, beneficiando o contribuinte, disponham sobre a suspensão ou, até mesmo sobre a própria exclusão do crédito tributário. – controvérsia jurídica em torno do tema delineada nas informações prestadas pela Presidência da República”. (STF – ADI n° 712/DF, Relator: Min. Celso de Mello, Data do Julgamento: 07/10/1992, Tribunal Pleno, Data da Publicação: 19/02/1993) (grifo nosso).
Já os princípios regentes da Administração Pública – a legalidade, a impessoalidade; a moralidade, a publicidade e a eficiência – positivados no artigo 37, caput e incisos II, IV, XV, XVI, XVII e XIX, podem ser considerados como preceitos fundamentais por conferirem densidade normativa. Assim, têm-se os preceitos fundamentais em sentido estrito, intimamente ligados àquele núcleo, que forma uma verdadeira discussão na doutrina, de que são exemplos, entre outros, os direitos fundamentais e as cláusulas pétreas e os preceitos fundamentais em sentido amplo.
Neste sentido, aqui entrariam os princípios da Administração Pública, tendo em vista que o instrumento de concretização dos direitos fundamentais é a conduta dos agentes e autoridades públicas, no exercício legal da função administrativa.
Por fim, resta claro, que a função da Administração Pública é a realização daquilo que o Estado estipula como fundamental à sociedade. Como a gestão dos interesses públicos, seja através do poder de polícia, da intervenção econômica ou da prestação dos serviços públicos. Assim, conclui-se que a Administração Pública é, sem dúvidas, a via da concretização dos direitos fundamentais, sejam eles individuais ou coletivos.
CONCLUSÃO
Como foi visto, a norma constitucional que instituiu o novo mecanismo de controle abstrato, artigo 102, §1°, da CRFB/88, a chamada arguição de descumprimento de preceito fundamental, foi concebida com eficácia limitada, devendo ser regulamentada para a sua efetivação. Isto somente veio a ocorrer com a edição da Lei n° 9.882/99.
Resta claro que esse novo mecanismo aperfeiçoou o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que se mostra híbrido em todos os seus aspectos: sob a modalidade, é abstrato e concreto; sob sua funcionalidade, é declaratório e constitutivo. Por fim sob o aspecto subjetivo, é concentrado e difuso. Assim, pode-se dizer que a ADPF tem natureza de ação constitucional e faz parte do controle concentrado, nas modalidades abstrata e principal ou concreta e incidental.
Sabe-se que essa ação tem por objeto garantir a supremacia dos preceitos fundamentais decorrentes do texto constitucional vigente ou do direito pré-constitucional, protegendo sua integridade, caso seja violada por ato do Poder Público ou ato normativo editado por ele. Essa nova ação do controle abstrato de constitucionalidade possui a peculiaridade de proteger apenas uma categoria normativa de preceitos: os constitucionais fundamentais.
Nota-se, por oportuno, que, tanto a Constituição Federal quanto a Lei n° 9.882/99 deixaram em aberto a delimitação do que seja preceito fundamental, decorrente desta Constituição, permitindo, assim, uma ampla conformação desse instituto pela via jurisprudencial.
Acredita-se que os objetivos traçados nesse artigo foram obtidos. A discussão sobre o conteúdo e extensão dos preceitos fundamentais na arguição de descumprimento, como se sabe, já foi objeto de muitos estudos, não tendo sido encontrado, ainda, definição pelo Supremo Tribunal Federal, muito embora o entendimento de alguns doutrinadores e Ministros do Supremo, seja que os preceitos fundamentais englobam os princípios contidos nos artigos 1° ao 4° da Constituição Federal, os direitos fundamentais, as regras de estruturação do Poder Político, as cláusulas pétreas e os princípios sensíveis.
Como foi visto, os Ministros do Supremo Tribunal Federal não são pacíficos no que diz respeito aos preceitos fundamentais. Porém, a partir da apreciação das arguições o Supremo está aos poucos construindo um conceito para tal expressão.
Feitas as análises de algumas arguições de descumprimento, observou-se que, muitas vezes, no julgamento da ADPF, o Supremo não deixa claro o que é preceito fundamental, mas tão somente o que não pode ser considerado preceito fundamental. Ao julgar a admissibilidade de uma ADPF afirma que esta foi admitida por se tratar de lesão a preceito fundamental e, mais uma vez, não deixando claro o significado e alcance da expressão. Acredita-se que o conceito e alcance dessa expressão dependem de uma longa construção jurisprudencial, através dos julgamentos das arguições.
Porém, após o término do presente trabalho, concluiu-se, que os preceitos fundamentais englobam: os direitos individuais e coletivos previstos no artigo 5°; os fundamentos da República Federativa do Brasil, elencados no artigo 1°: a soberania, cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político; os direitos sociais previstos nos artigos nos artigos 6° a 11; os direitos relativos à nacionalidade, conforme artigos 11 e 13; os direitos políticos, disciplinados nos artigos 14 a 16; os princípios constitucionais sensíveis, dispostos no artigo 34, VII; os princípios regentes da Administração Pública – a legalidade, a impessoalidade; a moralidade, a publicidade e a eficiência – positivados no artigo 37, caput e incisos II, IV, XV, XVI, XVII e XIX; as cláusulas pétreas do artigo 60, §4° e, por fim, as limitações constitucionais ao poder de tributar, consoante os artigos 150, 151 e 152.
Informações Sobre o Autor
Luisa da Silva Marques
Bacharel em Direito UNIFOR Pós-Graduando em Direito Tributário FISIG Advogada