Breves Considerações Acerca do Neoconstitucionalismo

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Adriane Cristine Cabral Magalhães[1]

Resumo: Com a evolução constante a qual a ciência do Direito vem sofrendo novas formas de se encarar e interpretar o Direito. Destas mudanças, talvez, a mais efetiva se deu no Direito Constitucional, pois a partir do final da Segunda Guerra Mundial, voltou-se atenção aos direitos humanos e a formas de efetivar tais normas e valores, desta feita fez-se necessário repensar a maneira de interpretar as normas constitucionais, que à época tratavam-se mais de valores abstratos que de ato normativo. Assim sendo nasceu o Neoconstitucionalismo, como forma de refutar o positivismo jurídico, defendido por Kelsen. Este trabalho objetiva realizar uma breve análise quanto a origem do movimento, bem como sua importância no direito brasileiro.

Palavras-chaves: Direito Constitucional, Neoconstitucionalismo, Constitucionalismo, Interpretação, Positivismo.

 

Abstract: With the constant evolution that the science of Law has been suffering new ways to face and interpret Law. Of these changes, perhaps, the most effective occurred in Constitutional Law, since from the end of the Second World War, attention was turned to human rights and to ways of making such norms and values effective, this time it was necessary to rethink the way to interpret the constitutional norms, which at that time were more about abstract values than a normative act. Thus, Neoconstitutionalism was born, as a way to refute the legal positivism, defended by Kelsen. This work aims to carry out a brief analysis as to the origin of the movement, as well as its importance in Brazilian law.

Keywords: Constitutional Law, Neoconstitutionalism, Constitutionalism, Interpretation, Positivism.

 

Sumário: Introdução; 1 – Origens do Constitucionalismo; 2 – Neoconstitucionalismo; 2.1 – Origens do neoconstitucionalismo; 2.2 – Marcos evolutivos do neoconstitucionalismo; 2.2.1 – Marco Histórico; 2.2.2 – Marco Filosófico; 2.2.3 – Marco Teórico; 3 – A Constitucionalização do Direito e a Constituição Brasileira de 1988; 3.1 – Neoconstitucionalismo e a Constituição Brasileira de 1988; 3.1.1 – Reconhecimento da União Estável como entidade Familiar; 3.2 – Efeitos da constitucionalização nas relações sociais; Conclusão; Referências.

 

Introdução

Após a Segunda Guerra Mundial, muitos valores e entendimentos foram revistos. Pois o mundo estava traumatizado com os horrores da guerra e havia um anseio de que tais atos não se repetissem. Passou-se a encarar os direitos humanos de outra maneira.

Com esta maior afirmação dos direitos humanos, viu-se necessário haver meios para concretizar tais direitos. Neste cenário surge o movimento neoconstitucionalista, com uma proposta de rever a forma com a qual se encarra a constituição, colocando-a com status de norma de vinculação obrigatória e não mais um documento de aspirações.

Com esta mudança fez-se necessário uma nova forma de se interpretar o texto constitucional e por consequência o texto legal.

O presente trabalho busca realizar uma breve análise desta corrente doutrinária, bem como qual é sua influência no Direito Brasileiro.

Para a realização do presente trabalho utilizou a metodologia de pesquisa bibliográfica, utilizando-se como referência obras de Hans Kelsen, Luís Roberto Barros, Daniel Sarmento, Rodrigo Padilha dentre outros autores.

 

  1. Origens do Constitucionalismo

Desde a formação dos primeiros Estados, os cidadãos buscam além da proteção estatal, a fim de manter sua segurança e sua vida, buscam a tutela estatal para garantir direitos que hoje consideram-se como inerentes ao homem, tais como liberdade, propriedade privada e afins.

Existem relatos de modelos pré-constitucionais desde a antiguidade, exemplo disso é a Lei Hebraica, a qual muito embora perfazia consigo um regime primeiramente Teocrático, trazia em seu bojo noções de proteção estatal, neste sentido Theodoro (2015, p. 12) afirma:

“Desde o momento em que, em antigas eras, se chegou a conclusão de que não deviam os particulares fazer justiça com as próprias mãos e que seus conflitos deveriam ser submetidos a julgamento de autoridade pública, fez-se presente a necessidade de regulamentar a atividade da administração da justiça.”

É necessário entender as origens do constitucionalismo, pois este trabalho objetiva trazer a voga a apontamentos acerca do Neoconstitucionalismo, para que haja o real entendimento desta vertente filosófica do estudo do direito constitucional.

O direito constitucional foi evoluindo na esteira do desejo inato das pessoas em possuir liberdade, em ter a garantia por parte de um poder maior que terá segurança, sua propriedade garantida e tantos outros direitos considerados fundamentais para a vida em sociedade.

Com a evolução histórica, mesmo que tímida, a efetivação dos direitos humanos foi essencial para a afirmação do constitucionalismo. Neste sentido tem-se as afirmações de Couto Filho (2010):

“Outros atos do processo de afirmação podem ser citados, entre eles: (i) a Nova Constituição Merton, de 1236; (ii) a Petition of Right, de 1628; (iii) o Habeas Corpus Act, de 1679; (iv) a Bill of Rights, de 1689; e (v) o Act of Settlement, de 1701, mas tais atos tiveram menor importância sistemática do que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, que representou a primeira lista de regras jurídicas de direitos e garantias fundamentais com pretensões de eficácia em todas as nações do planeta. Assim, na França e nos países que a aceitaram, sua natureza era de direito positivo. Nos países que não a integraram formalmente aos seus sistemas jurídicos, a Declaração poderia ser invocada pelo cidadão como direito natural.

Apesar de não se poder esquecer a promulgação das dez primeiras emendas à Constituição dos Estados Unidos da América, ocorrida em 25 de setembro de 1789, a Constituição Francesa consolidou-se como marco inicial de surgimento do constitucionalismo moderno e bem sistematizado.”

Percebe-se que o termo constitucionalismo, de fato, teve início com o advento da constituição americana de 1787 e a constituição francesa de 1791.

Com a origem do constitucionalismo exposta tem-se a definição do mesmo, a qual na visão desta autora, é a mais acertada. Vejamos:

“Mais que uma categoria filosófica ou um conceito estritamente jurídico o Constitucionalismo é um movimento que traduz uma luta ideológica e politica. Trata-se da teorização e prática em torno à limitação da arbitrariedade estatal como instrumento para a proteção e salvaguarda dos direitos do ser humano. Esses debates se desdobram em questões como o papel das Constituições, a identificação dos valores e fins constitucionais e o desenvolvimento da Ciência do Direito Constitucional, compreendendo tanto os aspectos referentes a uma Teoria Geral como os atinentes a uma Dogmática singular e especializada. (ALARCÓN, 2017)”

Como já mencionado o constitucionalismo surgiu da necessidade das pessoas em buscar proteção por parte do Estado, sendo que para o ente estatal possa prover a proteção necessária aos cidadãos foi desenvolvido um meio sistematizado e ordenado de sistema garantidor.

Por mais que até os dias atuais muito se debata acerca do constitucionalismo o mesmo não é uma matéria “nova” e o direito é uma ciência “viva” constantemente gerando debates e novas teorias, dentre essas teorias está o neoconstitucionalismo.

Este trabalho objetiva expor e refletir acerca do neoconstitucionalismo, realizando ponderações iniciais acerca do tema, bem como destacar a importância do tema.

 

  1. Neoconstitucionalismo

2.1 Origens do neoconstitucionalismo

Até  o final da Segunda Guerra Mundial, o mundo era adepto do positivismo jurídico, o qual tinha como principal influência a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen (2000, p. XVIII), pois para ele “uma teoria do Direito que se limita à análise do Direito positivo como sendo a realidade jurídica”.

Para Kelsen o Direito é uma ciência a qual não deve ser interpretada, apenas aplicada da forma que o texto legal prevê, pois assim estaria esvaída de valor moral, devendo ocorrer a aplicação da norma de forma literal. Daí vem a expressão “é imoral mas não é ilegal”.

O positivismo jurídico de Kelsen, por exemplo, autorizou várias das atrocidades promovidas pelo regime nazista. Neste sentido Padilha (2011, p. 5) declara:

“As atrocidades cometidas por Adolf Hitler só foram possíveis graças a este entendimento; e.g., através de Decreto expedido em 07.04.1933, os Judeus foram afastados do funcionalismo público, do exército e das universidades; através da Lei publicada em 14.07.1933, foram retirados os direitos de cidadão dos Judeus imigrantes no Leste Europeu; a chamada ‘Lei da Cidadania’ tirou dos judeus alemães a cidadania alemã; a ‘Lei da Proteção da Honra e Sangue Alemão’ proibia os casamentos dos Judeus com não Judeus, proibia o emprego de judeus na Alemanha e proibia os Judeus de exibirem a bandeira alemã, entre outras medidas. Por fim, através de Decreto assinado pelo então presidente Paul Von Hindenburg, foram suspensas sete seções da Constituição de 1919 da República de Weimar, que garantiam liberdades individuais e civis ao povo.”

Desta feita, ao final da Segunda Guerra Mundial era necessária uma nova forma de se entender o direito, bem como garantir a defesa dos direitos humanos e evitar os horrores que ocorreram durante a guerra e o regime nazista.

Com vistas neste aspecto surgiu na Europa o movimento neoconstitucionalista ou constitucionalismo pós-positivista, o qual defende uma nova maneira de entender-se o direito, entretanto dentro da corrente há grande divergência de pensamentos. Sobre este tema Sarmento (2011), pontua:

“Ao reconhecer a força normativa de princípios revestidos de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, igualdade, Estado Democrático de Direito e solidariedade social, o neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral. É certo que aqui reside uma das maiores divergências internas nas fileiras do neoconstitucionalismo.

 

De um lado, figuram os positivistas, como Luigi Ferrajoli, Luiz Prietro Sanchís,. Ricardo Guastini e Suzana Pozzolo, que não aceitam a existência de uma conexão necessária entre Direito e Moral, mas reconhecem que pode haver uma ligação contingente entre estas esferas, sempre que as autoridades competentes, dentre as quais se inclui o poder constituinte originário, positivem valores morais, conferindo-lhes força jurídica. Do outro, alinham-se os não-positivistas, como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Carlos Santiago Nino e seus seguidores, que afirmam que Moral e Direito têm uma conexão necessária, e aderem à famosa tese de Gustav Radbruch, de que normas terrivelmente injustas não têm validade jurídica, independentemente do que digam as fontes autorizadas do ordenamento. Dentre estes autores, há quem insista na idéia de que o Direito possui uma “pretensão de correção”, pois de alguma maneira é da sua essência aspirar à realização da justiça. Contudo, na medida em que as constituições contemporâneas entronizam com prodigalidade os valores morais, este debate teórico perde bastante em importância, pois mesmo os neoconstitucionalistas que se afirmam positivistas reconhecem a penetração da Moral no tecido jurídico, sobretudo pela via dos princípios constitucionais. Trata-se do chamado positivismo inclusivo.

 

Neste quadro, embora me pareça exagerado falar em superação da eterna querela entre jusnaturalistas e positivistas pela via do neoconstitucionalismo, não há dúvida de que a relevância prática da desavença é consideravelmente diminuída. É verdade que, para os positivistas inclusivos, o fundamento das normas revestidas de conteúdo moral será sempre um ato de autoridade, validado por uma regra de reconhecimento aceita pela prática da comunidade política. No final das contas, eles não se afastam do brocardo hobbesiano de que autoritas non veritas facit legem. Já para os não-positivistas, a vigência dos princípios morais não decorrerá de um “teste de pedigree”, mas de exigências da própria Moral, acessíveis à razão humana. Porém, para ambas as linhas os valores morais incluídos nas constituições são jurídicos e devem produzir efeitos no mundo concreto.”

Percebe-se não ser tarefa fácil definir o neoconstitucionalismo, entretanto é possível afirmar que esta nova forma de encarar o direito trouxe novamente à voga a ligação intrínseca entre o direito, a moral e os valores. Neste diapasão Dirley da Cunha Junior discorre:

“foi marcadamente decisivo para o delineamento desse novo Direito Constitucional, a reaproximação entre o Direito e a ética, o Direito e a Moral, o Direito e a Justiça e demais valores substantivos, a revelar a importância do homem e a sua ascendência a filtro axiológico de todo o sistema político e jurídico, com a consequente proteção dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana”.

Embora seja tarefa árdua definir o neoconstitucionalismo, esta autora o vê como um meio de encarar, analisar, interpretar e até mesmo de originar as constituições e leis. É uma vertente filosófica com origem no pós guerra, buscando valorizar os direitos humanos e assegurar a defesa dos direitos fundamentais, principalmente aos inerente à pessoa, trazendo em seu bojo princípios que valorizam o ser humano a exemplo da dignidade da pessoa humana.

 

2.2 Marcos evolutivos do neoconstitucionalismo

Entendido o conceito básico do que é o neoconstitucionalismo, deve-se entender os seus marcos evolutivos. Neste sentido Luís Roberto Barroso (2005) os define da seguinte maneira: (a) marco histórico; (b) marco filosófico e; (c) marco teórico. Analisar-se-á estes marcos.

 

2.2.1 Marco Histórico

Para Barroso (2005) o marco histórico se dá no pós guerra, como já mencionado, neste período houve intensa transformação no modo de se encarar o direito e as normas dele emanadas. Barroso (2005) destaca:

“A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a 2a • Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das idéias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático. Seria mau investimento de tempo e energia especular sobre sutilezas semânticas na matéria.

A principal referência no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemãs), de 1949, e, especialmente, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir daí teve início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque é a da Constituição da Itália, de 1947, e a subseqüente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional.”

É deveras importante ressaltar que este movimento chegou ao Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 (CF/88), verificar-se-á a influência desta corrente doutrinária no direito brasileiro mais adiante neste trabalho.

 

2.2.2 Marco Filosófico

Barroso (2005) define o marco filosófico como sendo o pós-positivismo, ou seja, o debate entre o jusnaturalismo e o positivismos, superando, assim, os modelos puros de interpretação do direito, como afirmava Kelsen, sendo tal debate agrupado e rotulado, genericamente, como pós-positivismo.

Barroso (2005) pontua:

“A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito. sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto: procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. esse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia.”

Para Barroso a discussão gerada pelo pós-positivismo traz uma reaproximação do Direito e da Filosofia, duas matérias que apesar de distintas andam juntas, pois tentam responder ao questionamento parecidos, tratando em suma do comportamento humano na vida em sociedade.

 

2.2.3 Marco Teórico

Barroso (2005) define este marco por três grandes evoluções, sendo a primeira delas o reconhecimento da força normativa da constituição, pois até meados do século XX a constituição não possuía status de norma, mas sim de um documento político, em sua essência, servindo de convite para os Poderes Políticos atuarem, não havendo obrigatoriedade muito menos vinculação ao cumprimento dos desejos e anseios nela expressos.

Tal alteração iniciou-se no pós-guerra com os movimentos de reconstitucionalização dos estados europeus que sofreram com a guerra. Barroso (2005) destaca acerca do novo valor atribuído à constituição neste cenário:

“Vale dizer: as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas. e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado. A propósito, cabe registrar que o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial na matéria não eliminou as tensões inevitáveis que se formam entre as pretensões de normatividade do constituinte, de um lado, e, de outro lado, as circunstâncias da realidade fática e as eventuais resistências do status quo.”

No Brasil essa evolução começou a ser notada a partir da década de 1980, gerando-se, por fim, a CF/88, a qual após sua promulgação f          oi fundamental para a efetivação dos direitos humanos e fundamentais, não sendo somente um documento cheio de promessas e aspirações, mas um instrumento para a efetivação do direito.

A segunda grande evolução, segundo Barroso (2005), foi a expansão da jurisdição da constituição. Verifica-se que na Europa até a década de 1940 o modelo político que imperava era uma espécie de Parlamentarismo, ou como os franceses denominavam imperava a vontade geral.

A partir daí verificou-se uma guinada no modelo político dos estados europeus, ficando mais parecido com o estadunidense, ao qual imperava a “vontade da constituição” também chamado de Supremacia da Constituição.

Com esta guinada cada país passou a adotar seu próprio sistema de controle de constitucionalidade. Acerca do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro Barroso (2005) discorre:

“No Brasil, o controle de constitucionalidade existe, em molde incidental, desde a primeira Constituição republicana, de 1891. A denominada ação genérica (ou, atualmente, ação direta), destinada ao controle por via principal – abstrato e concentrado -, foi introduzida pela Emenda Constitucional n° 16. de 1965. Nada obstante, a jurisdição constitucional expandiu-se, verdadeiramente, a partir da Constituição de 1988. A causa determinante foi a ampliação do direito de propositura. A ela somou-se a criação de novos mecanismos de controle concentrado, como a ação declaratória de constitucionalidade e a regulamentação da argüição de descumprimento de preceito fundamental

No sistema constitucional brasileiro, o Supremo Tribunal Federal pode exercer o controle de constitucionalidade (i) em ações de sua competência originária (CF, art. 102, I), (i i) por via de recurso extraordinário (CF, art. 102,111) e (iii) em processos objetivos, nos quais se veiculam as ações diretas De 1988 até abril de 2005 já haviam sido ajuizadas 3.469 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIn), 9 ações declaratórias de constitucionalidade e 69 argüições de descumprimento de preceito fundamental. Para conter o número implausível de recursos extraordinários interpostos para o Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucional n° 45, que procedeu a diversas modificações na disciplina do Poder Judiciário, criou a figura da repercussão geral da questão constitucional discutida, como requisito de admissibilidade do recurso.”

A terceira grande evolução, segundo Barroso (2005), trata-se de uma nova forma de se realizar a interpretação constitucional. Salienta que a forma tradicional de se realizar a interpretação não está totalmente vencida ou superada.

Pode-se dizer que a forma tradicional de realizar a interpretação das normas jurídicas, a qual basicamente se dividia em dois questionamentos a serem respondidos, quais sejam qual o papel da norma (lei)? e; qual o papel do juiz? Devendo utilizar-se dos elementos tais como gramatical, histórico, sistemático e o teleológico.

Tal método ainda é válido e mostra-se capaz de solucionar muitos dos conflitos jurídicos existentes, entretanto, como já mencionado por ser uma ciência “viva” o Direito está em constante evolução sendo necessário ultrapassar estes elementos para que haja a correta interpretação do texto constitucional e legal.

Discorrendo sobre esta evolução, Barroso (2005), pontua:

Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico. voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador. ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.

Estas transformações noticiadas acima, tanto em relação à norma quanto ao intérprete, são ilustradas de maneira eloqüente pelas diferentes categorias com as quais trabalha a nova interpretação. Dentre elas incluem-se as cláusulas gerais, os princípios, as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação.

Seguindo a linha de pensamento de Barroso (2005) verifica-se que a nova técnica de interpretação constitucional possui elementos próprios, o primeiro trata-se das cláusulas gerais, as quais fornecem o início da significação, deixando a cargo do intérprete o seu complemento utilizando-o no caso concreto. É necessário que o intérprete realize a valoração dos fatores, a fim de resolve o conflito.

O segundo elemento da nova interpretação trata das colisões de normas constitucionais, tais colisões podem ser tanto as de princípios como também as de direitos fundamentais e por serem inevitáveis no direito constitucional moderno, passaram a ser consideradas um fenômeno natural. Sendo possível o conflito entre um determinado bem jurídico e a efetiva proteção constitucional ou direito fundamental. Tem-se aí os conflitos de liberdade religiosa de um determinado cidadão ante a liberdade religiosa de outro, ou ainda livre iniciativa e a efetiva proteção ao consumidor. Barroso (2005) destaca que “Quando duas normas de igual hierarquia colidem em abstrato, é intuitivo que não possam fornecer, pelo seu relato, a solução do problema. Nestes casos, a atuação do intérprete criará o Direito aplicável ao caso concreto.” (grifo nosso)

O terceiro elemento citado por Barroso (2005) é a ponderação, o qual trata-se da análise minuciosa do caso concreto, pois apenas a arguição do óbvio não é capaz de resolver o conflito, neste caso o intérprete deverá ponderar as normas, bens ou valores envolvidos no caso concreto. Barroso (2005) esclarece qual deve ser a técnica para realizar-se a ponderação:

“Neste cenário. a ponderação de normas. bens ou valores (v. infra) é a técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele (i) fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, (ii) procederá à escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o princípio instrumental da razoabilidade.”

O último elemento citado por Barroso (2005) trata-se da argumentação, pela qual após tudo ponderado, resolvido os conflitos entre normas e completado o significado das cláusulas gerais, o intérprete deve argumentar sobre o seu decisum expondo seus motivos e fundamentando. Novamente Barroso (2005) expõe a técnica a ser empregada:

“Para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua interpretação nessas situações, o intérprete deverá, em meio a outras considerações: (i) reconduzi-la sempre ao sistema jurídico, a uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento – a legitimidade de uma decisão judicial decorre de sua vinculação a uma deliberação majoritária, seja do constituinte ou do legislador; (ii) utilizar-se de um fundamento jurídico que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, que tenha pretensão de universalidade: decisões judiciais não devem ser casuísticas; (iii) levar em conta as conseqüências práticas que sua decisão produzirá no mundo dos fatos.”

Ante a todo o exposto pode-se afirmar que “O Neoconstitucionalismo teve três marcos fundamentais, quais sejam: o histórico, filosófico e teórico, e sua busca é a efetivação da norma constitucional.” (PIMENTA, 2018)

Pimenta (2018) ainda se arrisca a definir o neoconstitucionalismo da seguinte maneira:

“Assim, o que se tem com o neoconstitucionalismo é a consequência de uma constante transformação inerente à evolução interpretativa e valorativa do ordenamento, tomando-se por base a Constituição com seu caráter central e superior (aqui entendido como a supremacia constitucional), que ao longo dos anos tem abandonado o caráter retórico e se aproximado ao modelo normativo axiológico, valorando a Constituição frente às normas infraconstitucionais, enfatizando-se os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana.”

 

  1. A Constitucionalização do Direito e a Constituição Brasileira de 1988.

Ao ouvir esta expressão “constitucionalização do direito”, logo vem à mente um sistema normativo que está submisso a Supremacia da Constituição, tal afirmação está correta, entretanto carece de maiores esclarecimentos, tem-se a impressão de que lhe falta um significado maior.

Barroso (2005) defende que a ideia de constitucionalização do direito está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, ao qual seu conteúdo se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico.

Nota-se que aqui não se fala simplesmente em Supremacia da Constituição, tal afirmação seria demasiadamente vaga e por fim remeteria ao positivismo jurídico pregado por Kelsen, ao qual uma norma somente terá valor se emanar de uma norma com grau hierárquico maior. A ideia que está a se transmitir aqui é a de que os valores contidos na constituição imanem em todo o sistema jurídico vinculando-o para chegar-se ao fim expresso nos valores constitucionais.

Barroso (2005) ainda discorre sobre o efeito da constitucionalização da seguinte maneira:

“Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares. Veja-se como este processo, combinado com outras noções tradicionais, interfere com as esferas acima referidas.

Relativamente ao Legislativo, a constitucionalização (i) limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral e (ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais. No tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a ela deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário. Quanto ao Puder Judiciário, (i) serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ação direta), bem como (ii) condiciona a interpretação de todas as normas do sistema. Por fim, para os particulares, estabelece limitações à sua autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais.”

É perceptível que os valores constitucionais permeiam todos os Poderes limitando o exercício de suas competências com a finalidade de alcançar os objetivos buscados pela Constituição.

 

3.1 Neoconstitucionalismo e a Constituição Brasileira de 1988

Como já mencionado a corrente neoconstitucionalista se espalhou por todo o mundo, tendo diversos países aderido a mesma, passando a adotar um sistema onde ocorre a Supremacia da Constituição. No Brasil não foi diferente!

É possível identificar na CF/88 influências do neoconstitucionalismo, uma dica disso se dá pelo apelido que a Carta Magna de 1988 recebeu, “Constituição Cidadã”, pois, a mesma, contempla inúmeros temas acerca de direitos humanos e sociais, promovendo a proteção constitucional tão ansiada pela sociedade!

Verifica-se também que a CF/88 irradia em toda a legislação infraconstitucional seus valores, levando a constitucionalização do direito brasileiro. Prova disso pode ver verificado na edição do Código Civil de 2002, o qual, passa por uma filtragem constitucional, ou seja, muito embora seja um ramo do direito privado, veio a regulamentar e a tratar de temas expostos na CF/88.

Para melhor explanar este tema citar-se-á um ponto exposto na CF/88 que o CC/02, posteriormente veio a tratar e regulamentar, este é o reconhecimento da união estável como entidade familiar.

 

3.1.1 Reconhecimento da União Estável como entidade Familiar

A CF/88 inovou ao reconhecer a União Estável “entre o homem e a mulher como entidade familiar” (BRASIL, 1988).

Tal reconhecimento ocorre no artigo 226, § 3º da Carta Magna e tem o claro viés protetivo, pois com este reconhecimento efetivam-se inúmeros direitos. Quais sejam a sucessão, a partilha dos bens em caso de dissolução da união estável, o devido reconhecimento da prole dentre tantos.

O tema é abordado no CC/02 nos artigos 1.723 a 1.727. Ao falar da união estável Tartuce (2015, p. 956) diz que é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública (no sentido de notória), contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (animus familae).”

Tartuce (2015, p. 956) continua:

“Como se pode notar, as expressões pública, contínua, duradoura e objetivo de constituição de família são abertas e genéricas, de acordo com o sistema adotado pela atual codificação privada, demandando análise caso a caso. Por isso, pode-se afirmar que há uma verdadeira cláusula geral na constituição da união estável. (grifo nosso)

Perceba que nesta fala de Tartuce, o mesmo identifica os elementos caracterizadores da união estável como cláusula geral, ou seja, emprega-se a técnica já mencionada de Barroso (2005) para a correta interpretação deste tema irradiado pela constituição de 1988. É inegável a vertente neoconstitucionalista neste ponto do CC/02.

Outro ponto que merece destaque na efetivação da proteção que o reconhecimento da união estável como entidade familiar é a proteção patrimonial, uma vez que o artigo 1.725 do CC/02 tem a seguinte redação:

“Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”

Neste sentido Tartuce (2015, p.963) observa:

“O CC/2002 encerra polêmica anterior prevendo expressamente que o regime legal da união estável é o da comunhão parcial de bens. Assim, não se cogita mais a prova de eventual esforço comum para a comunicação de bens. Nesse sentido, o Enunciado n. 115 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, pelo qual há presunção de comunhão de aquestos na constância da união mantida entre os companheiros, sendo desnecessária a prova do esforço comum para se comunicarem os bens adquiridos a título oneroso durante esse período.”

O CC/02 deixa claro a proteção constitucional aos envolvidos na união estável, pois todo o patrimônio construído em sua vigência pertence ao casal.

Posterior a tudo isso houve recentemente o reconhecimento da união estável homoafetiva, efetivando outro ponto da CF/88, o princípio da igualdade, bem como o respeito a liberdade de orientação sexual descritos no artigo 5º da CF/88.

Esta efetivação ocorreu quando o Poder Judiciário, pelo Supremo Tribunal Federal, realizou o julgamento do ADPF 132/RJ e da ADI 4.277/DF em 05 de maio de 2011 e estendeu a aplicação de todas as regras da união estável hetroafetiva para a união estável homoafetiva, este mesmo tribunal, cita Tartuce (2015, 967) publicou o Informativo625, segue trecho deste informativo, extraído da obra de Tartuce (2015, p. 967 – 968):

“Relação homoafetiva e entidade familiar – 1. A norma constante do art. 1.723 do Código Civil — CC (‘É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família’) não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade familiar apta a merecer proteção estatal. Essa a conclusão do Plenário ao julgar procedente pedido formulado em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas, respectivamente, pelo Procurador-Geral da República e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. Preliminarmente, conheceu-se de arguição de preceito fundamental — ADPF, proposta pelo segundo requerente, como ação direta, tendo em vista a convergência de objetos entre ambas as ações, de forma que as postulações deduzidas naquela estariam inseridas nesta, a qual possui regime jurídico mais amplo. (…). No mérito, prevaleceu o voto proferido pelo Min. Ayres Britto, relator, que dava interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do CC para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Asseverou que esse reconhecimento deveria ser feito segundo as mesmas regras e – – com idênticas consequências da união estável heteroafetiva. De início, enfatizou que a Constituição proibiria, de modo expresso, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre a mulher e o homem. Além disso, apontou que fatores acidentais ou fortuitos, a exemplo da origem social, idade, cor da pele e outros, não se caracterizariam como causas de merecimento ou de desmerecimento intrínseco de quem quer que fosse. Assim, observou que isso também ocorreria quanto à possibilidade da concreta utilização da sexualidade. Afirmou, nessa perspectiva, haver um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher: a) de não sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta conformação anátomo-fisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; e c) de, nas situações de uso emparceirado da sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo, ou não. (…). Em passo seguinte, assinalou que, no tocante ao tema do emprego da sexualidade humana, haveria liberdade do mais largo espectro ante silêncio intencional da Constituição. Apontou que essa total ausência de previsão normativo-constitucional referente à fruição da preferência sexual, em primeiro lugar, possibilitaria a incidência da regra de que ‘tudo aquilo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido’. Em segundo lugar, o emprego da sexualidade humana diria respeito à intimidade e à vida privada, as quais seriam direito da personalidade e, por último, dever-se-ia considerar a âncora normativa do § 1.º do art. 5.º da CF/1988. Destacou, outrossim, que essa liberdade para dispor da própria sexualidade inserir-se-ia no rol dos direitos fundamentais do indivíduo, sendo direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e até mesmo cláusula pétrea. Frisou que esse direito de exploração dos potenciais da própria sexualidade seria exercitável tanto no plano da intimidade (absenteísmo sexual e onanismo) quanto da privacidade (intercurso sexual). Asseverou, de outro lado, que o século XXI já se marcaria pela preponderância da afetividade sobre a biologicidade. Ao levar em conta todos esses aspectos, indagou se a Constituição sonegaria aos parceiros homoafetivos, em estado de prolongada ou estabilizada união – realidade há muito constatada empiricamente no plano dos fatos –, o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heteroafetivos em idêntica situação (…). Após mencionar que a família deveria servir de norte interpretativo para as figuras jurídicas do casamento civil, da união estável, do planejamento familiar e da adoção, o relator registrou que a diretriz da formação dessa instituição seria o não atrelamento a casais heteroafetivos ou a qualquer formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Realçou que família seria, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada, o que a credenciaria como base da sociedade (CF/1988, art. 226, caput). Desse modo, anotou que se deveria extrair do sistema a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganharia plenitude de sentido se desembocasse no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família, constituída, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade (CF/1988, art. 226, § 3.º: ‘Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’). Mencionou, ainda, as espécies de família constitucionalmente previstas (art. 226, §§ 1.º a 4.º), a saber, a constituída pelo casamento e pela união estável, bem como a monoparental. Arrematou que a solução apresentada daria concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da proteção das minorias, da não discriminação e outros” (…) (STF, ADI 4.277/DF e ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, j. 04 e 05.05.2011)  (grifo nosso).

Verifica-se a forte presença bem arraigadas do neoconstitucionalismo nesta decisão proferida pela corte constitucional brasileira ao complementar a significação das clausulas gerais expressas na lei, resolver os conflitos normativos existentes, tudo ponderado e por fim argumentou-se no decisum realizando uma interpretação da norma irradiando nela os valores expressos na CF/88.

 

3.2 Efeitos da constitucionalização nas relações sociais

Tamanho é o efeito que a constitucionalização no direito possui chegando a, inclusive, afetar o cotidiano e as relações interpessoais e sociais. Pois o meio regulador das relações é o direito o qual é exercido em grande maioria pelo Poder Judiciário ao resolver os conflitos que podem ser gerados devido a convivência em sociedade.

Como já explanado no presente trabalho a função do intérprete da lei não é mais apenas a de fazer cumprir a lei no sentido estrito, ao pé da letra, mas sim utilizando-se de técnicas aplicar da melhor forma possível o ordenamento legal ao caso concreto com a finalidade de resolver o imbróglio.

Ressalta-se isso após todo o explanado, pois o ordenamento jurídico brasileiro é constantemente irradiado pelos valores constitucionais, desta feita quando há resolução de conflitos pela via judicial há sim a efetivação dos valores constitucionais, uma vez que a própria CF/88 garante o acesso a justiça a todos, conforme artigo 5º, incisos XXXIV e LXXIV.

Sobre este ponto Barroso (2005) destaca:

“Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário. Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação substantiva na relação da sociedade com as instituições judiciais, impondo reformas estruturais e suscitando questões complexas acerca da extensão de seus poderes.

Pois bem: em razão desse conjunto de fatores – constitucionalização. aumento da demanda por justiça e ascensão institucional do Judiciário -. verificou-se no Brasil uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final.”

Sob este prisma destaca-se que a atuação do Poder Judiciário é imprescindível à concretização dos valores expressos na CF/88.

 

Conclusão

O constitucionalismo tem seus primórdios desde a antiguidade remetendo-se ao povo hebreu. É um sistema baseado em um contrato social ao qual o Estado provê segurança aos indivíduos e estes ficam submissos ao poder do ente estatal.

Sob este conceito floresceram as primeiras sociedades, bem como os primeiros regimes de governo, sendo em sua maioria absolutistas.

Entretanto o Direito como a ciência “viva” que é moldou-se aos tempos e aos anseios sociais.

Com isso surge a figura da constituição primeiramente tida como carta de desejos a qual buscava guiar o Estado, leia-se governantes, na busca da segurança e garantia de direitos.

Tal modo de se considerar a constituição, apenas como símbolo ou carta de anseios, foi drasticamente alterada após a Segunda Guerra Mundial. Os Estados, principalmente os europeus, necessitavam se reestruturar, observando os direitos humanos, recém promulgados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Organização das Nações Unidas em 1948.

Neste cenário, com maior observância, dos direitos humanos, nasce uma nova forma de constituição, a qual privilegia os direitos humanos e uma nova forma de encarar a constituição, passando, a mesma, a ter força normativa como lei máxima de um Estado. Neste sentido passa a vigorar o sistema de Supremacia da Constituição.

Vários Estados passaram a adotar tal sistema, dentre eles o estado brasileiro.

Este trabalho objetivou verificar a como a corrente neoconstitucionalista influenciou o ordenamento jurídico brasileiro.

Com este objetivo traçado, baseando-se no pensamento de Barroso (2005), verificou-se que o processo neoconstitucionalista é muito presente na CF/88, a qual carinhosamente é chamada de “Constituição Cidadã”, pois privilegia os direitos sociais, humanos e garante a proteção do Estado.

Barroso afirma que o papel do direito, ou melhor da interpretação do direito clássica, a qual respondia aos questionamentos qual é o papel do direito? E qual o papel do juiz?

Na interpretação clássica (positivista) não havia espaço para o juiz interpretar a lei, ele apenas poderia dizer a lei do caso, conforme a Teoria Pura do Direito de Kelsen, pois para ele “uma teoria do Direito que se limita à análise do Direito positivo como sendo a realidade jurídica”, não havendo espaço para adaptações da lei. Para Kelsen o Direito não é valor somente norma.

Para Barroso com o novo modo de se analisar a constituição, para que haja a devida interpretação uma nova técnica é necessária. O doutrinador então cria nova técnica interpretativa, a qual deve-se observar as cláusulas gerais do texto legal complementando os significados da lei, posteriormente resolvendo-se os conflitos normativos, após realiza-se ponderação de todos os aspectos do caso concreto e por fim ao decidir o intérprete, leia-se Magistrado, deve argumentar os fundamentos de sua decisum.

Com estes fundamentos o ordenamento jurídico brasileiro teve uma grande guinada para a corrente neoconstitucionalista, pois a CF/88 trouxe em seu bojo uma série de evoluções e garantias de para os indivíduos.

Segundo Barroso todo o ordenamento jurídico passou por um filtro constitucional, que afetou todos os ramos do direito brasileiro, quer seja público, quer seja privado.

Apresentou-se neste trabalho um exemplo de como a corrente neoconstitucionalista irradiou valores constitucionais nos ramos do direito, especificamente no direito civil.

Tal exemplo foi necessário, pois a corrente neoconstitucionalista irradiou os valores constitucionais em todo o ordenamento jurídico.

Neste sentido Pimenta (2018) tenta definir o neoconstitucionalismo como um movimento o qual trata a Constituição como elemento central de determinado ordenamento jurídico, o qual faz com que seus valores alcancem a todos os ramos do direito de determinado Estado.

Após tudo ponderado pode-se argumentar que o neoconstitucionalismo é a corrente doutrinária que melhor define o atual momento do constitucionalismo, essa corrente traz em seu bojo uma nova forma de encarar a Constituição, sendo esta a lei máxima do Estado. Sendo assim, deve-se mudar a forma de interpretar a lei, latu sensu, neste sentido, esta autora adere ao pensamento de Barroso. É oportuno ressaltar que tal pensamento é extremamente válido, uma vez que o doutrinador atualmente ocupa cargo de Ministro da Corte Constitucional Brasileira.

Demostrou-se que o Poder Judiciário neste aspecto tornou-se elemento central na resolução dos imbróglios, pois ele é quem detém o papel de intérprete da lei, sendo tal papel essencial na relações sociais.

Com isto percebe-se que o movimento neoconstitucionalista é de extrema importância na garantia de direitos humanos e sociais bem como a devida garantia de proteção do Estado. Trazendo para o direito brasileiro diversas inovações exemplo disso é o tema aqui exposto do reconhecimento da união estável como entidade familiar.

Esta autora entende tal movimento, muito embora complexo, como benéfico a evolução do direito brasileiro.

 

 

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KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4.ed. São Paulo: Martins fontes, 2000.

 

PADILHA, Rodrigo. Direito constitucional sistematizado. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

 

SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: SARMENTO: Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional e contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2009 P. 114.

 

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional.

 

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Rio de Janeiro. Revista Direito Administrativo. Nº 240. 2005. P. 1-42.

 

PIMENTA, Cleusa Cordeiro da Mata. Considerações sobre o surgimento histórico e orgânico do Direito Constitucional: Sistema constitucional antigo e sistema autopoiético. Revista Âmbito Jurídico. Ano XXI. Edição 174. 2018. Disponível : <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/neoconstitucionalismo/> Acesso em 16/08/2020 às 14h17min.

 

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TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

 

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Brasília. 2002. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso em 18/08/2020 às 15h35min

 

Curriculum da Autora

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Nilton Lins (2004). Mestranda em Direito pela Universidade Nove de Julho. Procuradora Adjunta Nacional de Defesa de Prerrogativas – CFOAB; Procuradora Geral Regional de Defesa de Prerrogativas – OAB/AM. ID Lattes: 7491519796382636.

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I hereby state that the paper content has not plagiarized any other writer’s copyright was followed by the respective acknowledgements / references. I have written the paper and fully examined it to strictly comply with the Copyright Laws.

Signature by Author:  Captura de tela 2022 03 01 171334

Date: Manaus, 07/12/2020

 

[1] Advogada. Mestranda em Direito pela Uninove. Procuradora Nacional Adjunta de Defesa de Prerrogativas do Conselho Federal da OAB. Procuradora Geral Regional de Defesa de Prerrogativas – OAB/AM. Mestranda em Direito pela UNINOVE. E-mail: [email protected]

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