Resumo: O presente trabalho tem como objetivo estudar, partindo da descoberta do Brasil as violações ocorridas contra os povos indígenas demonstrando a falta de cumprimento dos direitos indigenistas constantes nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, bem como em Tratados e Convenções internacionais, com enfoque principal na demarcação de terras indígenas regulado pelo Decreto de nº. 1775 de 8 de Janeiro de 1996. No Brasil a demarcação de terras indígenas não respeita o prazo de cinco anos estabelecido no artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Um problema notório é a mora do executivo em demarcar as terras indígenas. O método utilizado foi o hipotético-dedutivo, consistindo em uma pesquisa aplicada e explicativa, cujo procedimento bibliográfico fundou-se de livros, revistas eletrônicas, monografias, artigos da internet, leis, doutrinas e o que mais se conseguiu e foi necessário. Os procedimentos adotados na pesquisa foram o método monográfico e histórico, enfatizando os aspectos históricos, políticos, econômicos, sociais e antropológicos. Tem como Objetivo geral, analisar o Decreto 1.775/96 e verificar os motivos da demarcação não ser concluída no prazo estabelecido. Os objetivos específicos são o de conhecer o direito originário dos índios sobre as terras tradicionalmente ocupadas, direito este que independe de demarcação; levantar o reconhecimento de direito desses povos tradicionais em âmbito internacional; e conhecer o procedimento adotado para demarcar as terras desde 1973[1].
Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Originário. Demarcação de terras – indígenas. Índios.
Abstract: The present work has as objective to study, breaking of the discovery of Brazil the occurred breakings against the aboriginal peoples demonstrating the lack of fulfilment of the constant indigenous rights in articles 231 and 232 of the Federal Constitution, as well as in Treat and international Conventions, with main approach in the aboriginal land landmark regulated by the Decree of nº. 1.775 of 8 of January of 1996. In Brazil five year the aboriginal land landmark does not respect the established stated period in article 67 of the Act of Constitutional Provisions Transitory (ACPT). A well-known problem is the deferred payment of the executive in demarcating aboriginal lands. The used method was the hypothetical-deductive one, consisting of an applied and explanatory research, whose bibliographical procedure was established of books, electronic magazines, monographs, articles of the Internet, laws, doctrines and what more it was obtained and it been necessary. The procedures adopted in the research were for monographic and historical method, emphasizing the historical aspects, politicians, economic, social and anthropological. It has as Objective generality, to analyze Decree 1.775/96 and to verify the reasons of the landmark not to be concluded in the established stated period. The specific objectives are to know the originary right of the indians on traditionally busy lands, right this that not depend of landmark; to raise the recognition of right of these traditional peoples in international scope; e to know the procedure adopted to demarcate lands since 1973.
Keywords: Constitutional Law. Originally Law. Land landmark – aboriginal. Indians.
Sumário: 1. Introdução; 2. Índios do Brasil; 2.1. Antes da invasão; 2.2. Tratado de Tordesilhas; 2.3. Período colonial; 2.4. Direito indígena na constituição de 1988; 2.5. Direito originário sobre as terras; 2.6. Ocupação domínio e a posse de terras por não índios; 3. Proteção indígena no direito internacional; 3.1. Povos indígenas como sujeitos de direito internacional; 3.2. Tratados e convenções; 3.2.1. Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho; 3.2.2. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas; 4. Demarcação de terras indígenas no Brasil; 4.1. Competência para demarcar; 4.2. Procedimento administrativo; 4.3. Demarcação judicial; 4.4. Demarcação nos tribunais; 4.5. Mora do executivo em demarcar as terras indígenas; 5. Considerações finais; Referências;
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto de estudo, analisar o procedimento administrativo da demarcação de terras indígenas a fim de responder em que parte do procedimento ocorre mora na demarcação de terras indígenas ou o que faz as terras indígenas não serem demarcadas até os dias atuais.
O objetivo geral é então, analisar o Decreto 1.775 de 08 de Janeiro de 1996, com a finalidade de esclarecer os pontos que dificultam a demarcação das terras indígenas. Este tem como objetivos específicos o de esclarecer, desde sua origem, como se deu a violação do direito desses povos, explicando também porque o direito internacional não é de fato aplicado, tendo em vista não ter penalidades eficazes ao Estado pela falta de concretização desse direito, e por fim examinar o Decreto 1.775/96 a fim de descobrir o que vem causando atraso nas demarcações.
Para a realização deste trabalho, o procedimento adotado para a pesquisa foi por método monográfico e histórico, enfatizando os aspectos históricos, políticos, econômicos, sociais e antropológicos, necessitando assim uma grande quantidade de material literário e jurisprudencial para fundamentar a pesquisa. Desta forma, o levantamento bibliográfico partiu de livros, monografias, artigos da internet, leis, doutrinas e o que mais se conseguiu e foi necessário. O método de abordagem foi o hipotético-dedutivo, analisando a questão com a legislação atual e buscando rever novos problemas e conceitos sobre o tema.
A luta dos índios esta presente em toda a história do Brasil, desde os primórdios até os dias atuais. A violação do direito desses povos tradicionais ocorre em todos os aspectos, tanto em âmbito interno quanto internacional, violando questões básicas e já reconhecidas como os direitos humanos, a consulta prévia, livre e informada sobre os atos e medidas que os afetarem diretamente e principalmente ao reconhecimento do direito originário sobre as terras que habitam tradicionalmente.
Importante perceber que antes a luta era pelo reconhecimento do direito, hoje a luta dos índios busca a aplicabilidade e efetivação desses direitos já reconhecidos. O enfoque deste trabalho será a demarcação das terras indígenas, por ser esta de cunho fundamental para a existência, crescimento desses povos e, por conseqüência, para efetivar a concretização de todos os direitos reconhecidos nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal.
O prazo para demarcar as terras indígenas foi estabelecido desde 1973 no Estatuto do índio, e, reafirmado em 1988 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabelecendo que as terras indígenas devessem ser demarcadas no prazo de 5 (cinco) anos, prazo este não cumprido pela União. O procedimento administrativo da demarcação de terras foi regulado pela primeira vez por Decreto em 1976 e é regulamentado atualmente por Decreto de nº. 1.775/96.
É de suma importância expor que, apesar de ser um assunto que raramente é abordado em livros e monografias, se faz sempre presente em nosso cotidiano, resultando frequentemente em mobilizações por organizações e indígenas frente às violências praticadas contra estes e, principalmente, como um clamor para a efetivação e homologação das terras com o procedimento demarcatório administrativo concluso.
O trabalho é composto de três capítulos, conforme segue, brevemente comentados.
O primeiro capítulo discorre sobre a fase que antecede o descobrimento do Brasil e que atos permitiram a invasão dos europeus a essas terras, e como conseqüência deste, as atrocidades ocorridas no decorrer do tempo. Seria imprescindível não tratar neste capítulo o reconhecimento do direito dos povos indígenas na Constituição Federal de 1988, bem como do direito originário que esses povos possuem sobre as terras tradicionalmente habitadas.
A Constituição Federal de 1988 inovou consagrando um capítulo ao direito dos povos indígenas, regulando desde preceitos básicos, como também o direito originário, a demarcação e os procedimentos de ordem econômica e de interesse público que somente o Congresso Nacional pode autorizar nessas terras. Porém, a falta de aplicabilidade da norma faz com que, em todos os aspectos, ocorra até hoje uma constante violação de direitos desses povos tradicionais.
O segundo capítulo mostra em que período da história os índios passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direito em âmbito internacional, bem como quais tratados e convenções internacionais são aplicados aos indígenas e principalmente a importância da efetivação da consulta livre, prévia e informada constante na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e na Declaração das Nações Unidas sobre os povos indígenas.
A proteção do índio no direito internacional surgiu após as duas grandes guerras mundiais, a fim de aplicar inicialmente a estes povos tradicionais a universalização dos direitos humanos como uma garantia de proteção. No entanto, surgiram também os tratados e convenções a que se refere o parágrafo anterior, fazendo com que fossem reconhecidos e garantidos os direitos intrínsecos desses povos, tais como a educação, saúde, organização social e o direito de resguardar a cultura, religião, crenças, línguas, práticas, princípios e a garantia das terras tradicionais. Neste capítulo, a principal violação do direito desses povos em âmbito internacional é a que refere as terras indígenas.
No terceiro e último capítulo, abordou-se a demarcação de terras indígenas. É importante salientar e ressaltar o correto procedimento que deve ser tomado pela Fundação Nacional do Índio, este regulado pelo Decreto n.º 1.775/96, bem como de quem é a competência de cada procedimento demarcatório e que procedimento terceiros, que se acharem prejudicados pela demarcação, podem tomar frente aos órgãos do Judiciário.
Não há como não falar sobre a mora do ato homologatório, cuja competência é exclusiva da União, pois frequentemente têm os povos indígenas suas terras reconhecidas, porém não homologadas, tendo em vista vários processos administrativos já conclusos ficarem a mercê do Chefe do Executivo para reconhecer aos índios a posse formal dessas terras.
2. ÍNDIOS DO BRASIL
Com base nos dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), atualmente o Brasil é composto aproximadamente por duzentos e sessenta e três etnias indígenas, são comunidades, cuja maior concentração está espalhada na parte Norte do País. São populações ou minorias que têm constantemente seus direitos violados, apesar de serem amparados pelo Estado, onde as leis vigentes estão praticamente em desuso e o que advêm do direito internacional não é de fato aplicado. Cabe salientar que uma das principais discussões entre o Estado e os índios é sobre as terras em que habitam, as quais para a sobrevivência destes são necessárias e fundamentais com o fim de garantir o direito à vida e aos direitos humanos. Neste capítulo será exposto historicamente como surgiu essa discussão. .
2.1. ANTES DA “INVASÃO"
Neste tópico, a chegada dos portugueses ao Brasil não será considerada como uma descoberta, mas sim como uma invasão, tendo como base os ensinamentos de Francis Jennings (1975 apud CUNHA, 2012, p. 18). A história ensina que os portugueses descobriram o Brasil, porém não se pode descobrir o que já era habitado por numerosos milhões de populações em que famílias já haviam se formado, com princípios próprios, com línguas naturais desta terra, cultura, e acima de tudo, direitos pré-definidos, este último independente de norma regulada pelo direito, como hoje é estabelecido.
A história que antecede a invasão dos europeus às terras habitadas por índios no Brasil é totalmente desconhecida, apesar de existir teorias sobre o surgimento dos índios em nenhuma delas se tem exatidão. Por ser desconhecida, até hoje ouvimos falar em sociedades frias, ou seja, sociedades sem história, populações sem fundamentos de que continente descendem, isso ocorre por existir um presente etnográfico e a ilusão de que o Estado brasileiro é virgem agrada a sociedade. A história se reduz a etnografia, fazendo com que a sociedade tenda imaginar que os índios de hoje são os mesmos índios que aqui viviam antes da “descoberta” do Brasil (CUNHA, 2012, p. 11).
A única coisa de que se tem certeza sobre a história dos índios antes da invasão dos europeus ao Brasil é que a terra lhes pertencia como se fosse um bem sagrado, pois todas as coisas de que dela surgiam eram para a sobrevivência da população existente. Também se sabe que não existiam normas ou regulamentos, apenas costumes que, por ventura, são trazidos e aplicados até hoje na vida dos índios, atualmente chamado de sistema de normas indígenas, onde este fazia e faz suas próprias normas de acordo com costumes e a própria necessidade, mantendo a paz, a ordem e o crescimento populacional dentro de cada terra indígena.
Inicialmente a terra e todos os bens advindos dela era dos índios por direito de ocupação e tão somente deles, por serem os únicos habitantes do atual Brasil. No entanto, algo extremamente novo chegou, o conquistador, e lentamente da terra foi tomando posse como se os donos fossem, desta conquista veio o surgimento de guerras entre os novos conquistadores que aos poucos iam surgindo e os índios, gerando o extermínio de populações pertencentes a este País (BORGES, 1981 apud MIRANDA, 2006, p. 325).
A sociedade contemporânea que hoje habita o Brasil herdou dos romanos a influência e amplo conceito de propriedade individual, porém antes do conquistador chegar não se tinha noção do que fosse a propriedade individual, pois viviam e vivem em comunidades. Salazar deduz que deve ter ocorrido um “choque dialético de civilizações”, tendo em vista que os índios tinham a propriedade como um conteúdo coletivo com a finalidade de “produção para consumo individual das civilizações indígenas pré-colombianas e não de valor de troca ou de economia acumulativa capitalista dos povos do Velho Mundo” (MIRANDA, 2006, p. 326).
Ao voltar na história é possível perceber, claramente, que as terras aqui encontradas por portugueses já tinha seus verdadeiros donos, por este motivo, podemos afirmar que a chegada dos europeus não foi uma descoberta, mas sim uma verdadeira invasão. É perceptível que este fato foi o primeiro desafio encontrado pelos índios no que refere as terras habitadas por estes.
2.2. TRATADO DE TORDESILHAS
Antes de iniciarmos a história do Brasil no período colonial é necessário conhecer os motivos que definiram as terras brasileiras como de Portugal e Espanha. Em 1460, ocorria uma grande disputa econômica e territorial, porém para evitar conflitos e desavenças entre Portugal e Espanha eram feitas negociações de forma diplomática entre os dois Estados. Por volta de 1494, por ato juridicamente legal foi o Atlântico dividido em duas zonas de influência imaginárias, sendo as delimitações a oeste para a Espanha e as delimitações a leste para Portugal. Importante observar que apenas em 1498 o Brasil foi então invadido, quando o navegador Duarte Pacheco Pereira atingiu o litoral brasileiro, à altura dos atuais estados do Amazonas e Maranhão.
Em 07 de junho de 1494 foi firmado um tratado, antes mesmo dos portugueses chegarem ao Brasil. Foi definido que as terras que aqui, eventualmente encontrassem, seriam de Portugal e Espanha. O acordo foi denominado de Tratado de Tordesilhas por ter sido assinado na cidade de Tordesilhas na Espanha. Por se tratar de um acordo entre duas grandes potências econômicas, este foi reconhecido pela igreja e também como ato jurídico perfeito (STEFANINI, 1978 apud MIRANDA, 2006, p. 328).
Manuela Carneiro da Cunha (2012, p. 110, 111) ensina:
“Os direitos específicos dos índios fundamentam-se numa situação histórica igualmente específica: eles eram os senhores destas terras antes dos colonizadores. Se isso é coisa que pouco se invoca hoje, existe, no entanto, uma sólida tradição jurídica que o sustenta: Frei Francisco de Vitória, dominicano espanhol do século XVI considerado um fundador do direito internacional, não só argumentava que os índios eram “verdadeiros senhores [de suas terras] pública e privadamente”, mas até que o papa não tinha autoridade para atribuir os territórios da América a Espanha e Portugal.”
Atualmente o Tratado de Tordesilhas não seria considerado como um ato jurídico perfeito, ou seja, não seria válido, tendo em vista, que o principal Estado envolvido não tinha ciência do domínio de suas terras por terceiros e tão pouco poderia a autoridade da Igreja decidir sobre tais questões, porém os donos e habitantes das terras de que dispunha o Tratado não tinham condições de decidir ou opinar em matéria não sabida.
Nos ensinamentos de Ignácio Barbosa Machado (1725 apud CUNHA, 2012, p. 8) os índios eram “destituídos de razão, não trataram de Escritura, ou de outros monumentos em que se recomendassem à posteridade as suas Histórias para que dela víssemos os seus principados […]”. A “falta de razão” dos índios é o que justifica o ato internacional ser considerado como perfeito, pois, por serem considerados como irracionais não poderiam ser considerados como sujeitos detentores de direitos.
Sobre serem considerados ou não como sujeitos de direito:
“Conforme conceito da época, as terras eram desabitadas, pois os silvícolas não eram considerados como sujeitos de direito – sem civilização, não há de se falar em direito. Os fatos de os portugueses encontrarem esses naturais nas terras, não foi nenhum embaraço ao domínio lusitano, apenas, algum incidente no exercício da efetiva possessão” (STEFANINI, 1978 apud MIRANDA, 2006, p. 328).
Percebe-se que na época ainda não ouvia se falar na teoria de que todo ser humano ao nascer já pode ser considerado como um ser dotado de razão, por esse motivo, os índios não eram considerados como sujeitos de direito, ou seja, não eram dotados de razão ao ver dos europeus. É possível entender também que os europeus desconheciam qualquer tipo de cultura diferente da que estavam acostumados e viviam, os indígenas apenas adotavam uma cultura, um modo de vida diferente da maioria, e, por sinal, desconhecido na época. O único empecilho, então encontrado pelos europeus, foi as guerras que ocorriam antes de cada tomada de posse de terras ocupadas por índios.
2.3. PERÍODO COLONIAL
Historicamente, os grupos indígenas originaram-se no império europeu e na colonização a partir do século XVI, estes eram chamados de povos aborígenes, autóctones, nativos, vermelhos ou peles vermelhas. O Brasil tem como habitantes os povos indígenas muito antes do que seu próprio descobrimento, este é um fator importante e não deve ser esquecido na aplicabilidade de novas leis e nas leis vigentes pertinentes a Constituição Federal Brasileira no que se refere ao direito originário (MONTANARI JUNIOR, 2013, p. 26).
Historicamente, Villares (2009, p. 95) explica que:
“O Brasil nasceu da expansão territorial e da exploração capitalista da sociedade européia. Essa expansão não ignorou a ocupação territorial que já existia anteriormente à chegada da etnia européia. Ou seja, a nova ocupação territorial foi realizada pela conquista, seja ela pacífica ou violenta, dos territórios e agrupamentos indígenas já existentes”.
O período pós-colonização do século XVI teve inicio na ocupação do território brasileiro, a começar por territórios litorâneos nos atuais Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Recôncavo Baiano, Pernambuco, Paraíba e Alagoas. As comunidades indígenas que ali habitavam foram as primeiras a sentir os efeitos da ocupação por não índios, tiveram seus povos exterminados por etnias inimigas dominadas por europeus que tinha como principal intuito dominar a população para a conquista de território e capital (VILLARES, 2009, p. 95).
Neste contexto, percebe-se que os povos indígenas eram os únicos habitantes e de certo modo, donos do atual Brasil, naquele tempo já havia brigas entre outros povos também indígenas e entre outras etnias, mas nada se compara a chegada dos europeus a essas terras. Para todos os autores o domínio de terras ocorreu inicialmente no litoral brasileiro e, por conseguinte, os povos indígenas que habitavam o território litorâneo foram os primeiros a ter que abandonar seus territórios, por este motivo, a concentração de terras indígenas está em maior parte localizada no Norte do País.
A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha (2012, p. 14) explica o que ocorreu com a chegada dos colonos ao Brasil, neste período muitos povos de diferentes etnias indígenas foram extintos com o encontro do chamado Antigo e Velho Mundo. O que ocorreu foi um verdadeiro “morticínio”, resultado de micro-organismos trazidos da Europa para a América do Sul, disseminando doenças em que os indígenas eram os únicos não imunes e da violência humana traduzida em “ganância e ambição” por expansão territorial, passando a ser chamado de capitalismo mercantil. O resultado desses fatores de extermínio foi de uma população entre milhões de índios reduzirem para aproximadamente 800 mil índios que hoje habitam o Brasil.
Os dados quantitativos da população indígena do Brasil são demonstrados nas estatísticas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI):
Cunha (2012, p. 15) aponta que nesta época aconteceu uma catástrofe demográfica na America do Sul, tal catástrofe ocorreu com a disseminação de doenças, matando centenas de índios. Além disso, a autora diz que os índios foram escravizados, pois preferiam trabalhar para os povos inimigos a ter que morrer a míngua, também foram mortos em guerras de conquista por fome e destruição social. Com a invasão dos europeus, restou aos povos indígenas apenas duas alternativas, ou fugiam para outras regiões ainda não dominadas ou enfrentavam os europeus.
Alguns povos indígenas que lutavam por suas terras, para preservar suas vidas tiveram que se interiorizar para outros territórios mais distantes daqueles que estavam sendo dominados por povos europeus. Após a concreta ocupação e domínio do território litorâneo pelos europeus, estes também se interiorizaram em busca de mais terras e capital, esta interiorização ocorreu para o Sul, pelo Vale do Rio São Francisco e pelo interior do Nordeste. Para sobreviver em territórios diferentes dos quais viviam, e para aumentar o capital em terras ainda não exploradas, os europeus optaram pela atividade agropastoril com a criação de gado, o qual foi a peça chave para o desenvolvimento desses povos em terras brasileiras (VILLARES, 2009, p. 96).
É notório que existia um controverso de ideais entre índios e europeus, bem como ainda há hoje entre índios e não índios. Nesta época o índio procurava recuar sempre que seus direitos eram violados, buscando preservar o grupo das fatalidades ocorridas, direito este reconhecido apenas pela comunidade indígena e diferenciada de etnia para etnia, pois nada havia de ser da lei escrita por ser totalmente desconhecido por estes povos, diferente dos dias atuais que são assegurados seus direitos na Constituição Federal, no Estatuto do Índio (Lei n°. 6.001/73), decretos e em tratados internacionais.
Os povos indígenas não queriam perder suas terras, pois necessitavam delas para sobreviver e é aqui que a disputa por terras se intensificou, pois ambos queriam a mesma coisa, expandir suas terras, e os europeus além da expansão de seus territórios buscava também o capital. Os primeiros a serem dominados por europeus foram as mulheres e posteriormente o restante da população. A princípio a criação do gado era o que movimentava o capital dos europeus, estes queriam substituir os índios por cabeças de gado.
De acordo com Villares (2009, p. 96):
“O índio era apenas um obstáculo a ser vencido, que concorria diretamente pelo domínio dos campos naturais, impedindo sua substituição por cabeças de gado. As queimadas necessárias para a formação do pasto também eram outro ponto de conflito, já que exterminavam a caça tão cara à sobrevivência da população indígena.”
A intenção dos portugueses era a de expandir seu território com a descoberta, ocupação e conquista de novas terras, sobretudo, com o interesse de crescimento econômico. No Brasil o crescimento econômico se deu inicialmente com a criação de gado e posteriormente com a venda do pau-brasil e a cultura da cana-de-açúcar, nesta época, servindo de escravos os índios. Para os índios os interesses, em parte eram iguais, mas por outro lado eram bastante controversos dos interesses dos europeus, pois não lutavam por interesses econômicos, mas apenas territoriais, para eles a terra era e é até os dias atuais algo fundamental para sobreviver.
2.4. DIREITO INDÍGENA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O ordenamento jurídico brasileiro nada mais é que a aplicação e normatização dos fatos ocorridos no decorrer da história e claramente com a cultura trazida pela sociedade. Villares (2009, p. 19) ensina que a norma é “resultante do choque de poderes e aspirações, cristalização das forças sociais temporalmente no texto normativo”, diz o autor que existe um controverso, onde ao mesmo tempo em que se quer manter as bases que se fundamentam na história, quer-se também propor modificações.
A história influenciou na constitucionalização de um capítulo referente aos povos indígenas, conforme descreve Villares (2009, p. 19, 20):
“Não é uma ordem neutra que se coloca com a constituição. A descrição do texto constitucional é uma escolha de relações e aspirações de uma sociedade em seu tempo histórico. Tanto é assim que a Constituição brasileira de 1988 destina um capítulo aos índios, que faz sentido apenas para a sociedade brasileira, cuja história revela uma relação com os povos indígenas peculiar, inclusive com a compreensão de que mudanças nessa relação são desejadas, que reconhece a relevância do indígena em sua composição. Numa outra sociedade, que não a brasileira, o índio sequer é mencionado no respectivo ordenamento ou, quando existe um tratamento legal específico dele, como nos demais países americanos, as regras são diferentes das brasileiras, pois diversas foram e são as realidades que ampararam a idealização feita pelo direito”.
Sabe-se que a Constituição Federal, somente em 1988 constitucionalizou entre outros artigos um capítulo exclusivo ao direito dos povos indígenas, sendo normas que se aplicam apenas a essas minorias étnicas. Buscou-se preservar a cultura, a autodeterminação dos povos indígenas, normatizou a exploração de bens dentro das terras em que habitam essas populações e até mesmo a educação. No que se refere à educação, tendo em vista ser um direito fundamental exposto inclusive no artigo 5ª da Carta Magna não necessitaria ser constitucionalizado como um direito específico do índio, pois o artigo 5º é norma aplicável a todos, sem distinção de raça, cor ou qualquer especificação que distingue os homens um dos outros com base no princípio da universalização do direito.
Nos ensinamentos de Silva (1998, p. 813), a Constituinte inovou em normas que efetivamente protegesse os direitos dos índios, tais como a “propriedade das terras ocupadas pelos índios, a competência da União para legislar sobre populações indígenas, autorização congressual para mineração em terras indígenas, relações das comunidades indígenas com suas terras, preservação de suas línguas, usos, costumes e tradições”, porém não foi de maneira satisfatória, não preenchendo assim a garantia de direitos fundamentais e tradicionais dessas comunidades.
A idéia do Constituinte foi a de buscar eficácia aos preceitos já estabelecidos em Lei específica, tal como o Estatuto do Índio. O autor concorda com os ensinamentos de Silva de que a nova Constituinte inovou grandemente ao direito dos índios e aduz ainda que a Lei rompeu com as tradições do Estado, reconhecendo aos índios direitos permanentes, neste caso, os índios e as suas comunidades não seriam mais obrigados a se integrar a sociedade não minoritária e o Estado já não poderia ser mais considerado como dizimador de populações indígenas, sendo reconhecido a organização social, crenças, costumes, tradições e outros preceitos que aqui serão mencionados (BARBIERI, 2008, p. 41).
O Estado sempre foi um grande violador de direitos indígenas, e apesar de reconhecer tais direitos na Constituição de 1988, ainda hoje tem a prática de violar o direito dos índios, tanto no âmbito internacional quanto no nacional. Essas violações, nada mais são do que a falta de preparo do Governo em questões públicas e políticas para atender as necessidades do restante da população, como se o primeiro citado pudesse abrir mão de suas necessidades de cunho fundamental para atender simplesmente interesses econômicos do restante da população, o que em prática tem acontecido.
No relatório de violência do Conselho Indigenista Missionário (2012, p. 6), Kläutler, Bispo do Xingu e também Presidente do CIMI diz que as violências e injustiças praticadas contra os povos indígenas atualmente e por quase toda a história ultrapassou os limites permitidos na Carta Magna e em todo o ordenamento jurídico internacional, diz ainda que os índios “estão cansados de ser tratados como resíduos humanos, ‘supérfluos e descartáveis’, jogados de um lugar para o outro, enxotados como animais e desprezados pela sociedade, pelos órgãos públicos e pelo governo”.
Também há que se falar sobre o direito vigente dentro das comunidades indígenas, o qual é o seu próprio e esses diferem de comunidade para comunidade, ou seja, cada uma delas adota direitos e deveres diferentes daqueles que a Constituição impõe para um todo, fazendo com que sejam atingidas de maneira indireta pelo Estado, com isso este passa a respeitar de fato o direito à diferença e à alteridade. Tal reconhecimento ocorreu por conta de grandes mobilizações movidas por interesses dos movimentos indígenas e das entidades de apoio as causas indígenas (BARBIERI, 2008, p. 40).
Montanari Junior (2009, p. 22, 23) assevera que, mesmo que isso sejam normas aplicada dentro de comunidades e etnias indígenas, não se pode falar em Direito, pois trata-se de sistema normativo específico que é aceito no Brasil como uma forma madura de reconhecer a esses povos o direito a autodeterminação, tendo em vista a complexidade e seu alcance limitado de conhecimentos específicos do legislador sobre essas minorias étnicas, onde esse sistema normativo nada mais é do que uma manutenção para o próprio direito.
Nos ensinamentos de Villares (2009, p. 22), o sistema jurídico indígena não pode ser desprezado, ignorado ou rebaixado, pois esse sistema acaba sendo mais eficaz e legítimo do que a própria norma do direito Constitucional. Descreve o autor que, essas normas são aplicadas “sem especialização do direito, sem os tribunais, sem o aparato estatal, o que torna ainda mais difícil a delimitação entre o que é a organização social e o sistema jurídico”.
O motivo da aplicação do direito próprio em comunidades indígenas ser aceitas não surgiu meramente por se tratar de populações originárias, para o Estado aceitar essas “normas” foi necessário aplicar a teoria do multiculturalismo, ou seja, apesar de certas práticas dentro de determinadas comunidades ferir os direitos humanos, isso é aceito no direito interno brasileiro, observando a cultura, religião, princípios e o próprio direito praticado dentro de cada comunidade e do Estado por conter culturas e demais preceitos diversos, com populações distintas, não podendo as normas que aqui são aplicadas a um todo punir esses povos.
Sobre a teoria do multiculturalismo:
“Reconhecer todos os grupos existentes dentro do Estado, respeitar as suas diferenças e permitir que floresçam num verdadeiro espírito democrático são ações de aceitação das diversas culturas e que previnem eventuais conflitos. O conflito cultural é alimentado quando determinados grupos dominantes, muitas vezes que comandam os Estados, impõe-se, formando uma unidade cultural que apenas reflete as perspectivas e interesses deles mesmos, e trabalham para impedir que outros grupos marginalizados e mais fracos consigam fazer valer seus pontos de vista e seus interesses” (MONTANARI JUNIOR, 2013, p. 31).
Para Barbieri (2008, p. 41) o fator mais importante que a Constituição de 1988 inovou, foi o de suprimir a figura da tutela que durante todos esses anos existiu. Esta, por sua vez, foi elaborada a favor do tutor, deixando de lado o principal afetado, o próprio índio. Enfatiza o autor que, “As políticas públicas não demonstraram sua capacidade na gestão dessas questões”, explica ainda que, “Eventualmente, ao longo da história, pouco se demonstrou, através de indigenistas sérios, o verdadeiro valor e objetivo da tutela”.
É importante ressaltar que quando violado o direito dos índios, estes podem ser partes legitimas para litigar em demanda processual, bem como as comunidades indígenas e sociedades organizacionais como a FUNAI, CIMI e outras entidade defensoras de Direitos Humanos espalhadas no Brasil, devendo intervir o Ministério Público em todos os atos processuais em ações de proteção ao direito indígena, direito constitucionalmente assegurado no Artigo 232.
O relatório de violência do CIMI (2012, p. 7) explica que não basta o direito indígena ser reconhecido na Constituição ou qualquer outra norma se não houver a aplicabilidade da lei de fato, salienta que a luta pelo direito indígena está mais forte e acirrada que antigamente, cita ainda o discurso de Sônia Guajajara, atual coordenadora da Organização Indígena da Amazônia Brasileira (COIAB): “Se antes lutávamos pelo cumprimento dos nossos direitos, hoje lutamos para não perder esses direitos reconhecidos na Constituição”.
A Constituição Federal de 1988, é então, algo para se vangloriar frente aos demais Estados que não possuem qualquer norma interna para regulamentar e garantir direitos a esses povos minoritários. A normatização do direito dos povos indígenas foi algo fundamental e essencial para a garantia de direito desses povos, apesar da demora, o reconhecimento dos direitos garantidos na Constituição fez com que a população se fortalecesse e até mesmo teve como conseqüência um aumento populacional considerável, porém não é o bastante, o desrespeito e a falta de concretização das normas estabelecidas na Constituição resulta no que ocorre hoje, a luta dos índios continua sendo pela busca do direito, não por não ser reconhecido, mas sim para que seja aplicada de fato e para que não haja a perda do direito frente a diversos projetos inconstitucionais que hoje estão no Congresso Nacional para votação.
2.5. DIREITO ORIGINÁRIO SOBRE AS TERRAS
No que diz respeito ao direito originário, a literatura afirma que o índio possui direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam, enquanto a isso o discurso é o mesmo para todos os autores consultados, pois a originalidade das terras tem efeito de direito adquirido, ou seja, o direito originário dos índios é anterior ao Estado, ao próprio direito por não existir na sociedade aqui encontrada na época do descobrimento e principalmente as leis vigentes neste País (MARÉS, 2006 apud SOUZA FILHO… et al., 2009, p. 13).
O histórico mais importante não diz respeito de que modo os povos indígenas eram conhecidos, que cultura e religião seguiam ou deveriam seguir, o fato é que o Brasil até então, possui uma história desconhecida anterior a sua descoberta e, os índios como habitantes naturais e originários do Brasil tiveram seus direitos violados, foram escravizados e parece que muita coisa não mudou até a atualidade, o Estado em vez de defender esses povos, que aqui são minorias, não dá a importância que deveria ser dada, em especial ao direito originário sobre as terras indígenas.
Sobre o Direito originário dos povos indígenas, esclarece a Constituição Federal:
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
Inicialmente é importante ressaltar que o que difere os povos indígenas da sociedade em si é o modo de vida e a cultura que durante anos preservam ou tentam preservar. “A sobrevivência para esses grupos depende do modo de vida próprio que, por sua vez, está sujeito ao acesso e ao direito às suas terras tradicionais com os respectivos recursos naturais delas advindos”. Esses povos aborígenes têm freqüentemente seus direitos violados de forma social, política e econômica com a determinação do governo em busca de resguardar o interesse da União (IWGIA; ACHPR, 2007 apud MONTANARI JUNIOR, 2013, p. 23).
Para Cavalcante Filho (2007, não paginado) as terras tradicionalmente ocupadas por índios são consideradas como bens da União, de acordo com o Artigo 20, inciso XI “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, são patrimônios da União, são propriedades que pertencem ao ente Federal, independente de serem terras tradicionalmente ocupadas por índios, constituindo-se em bens públicos de natureza especial, inalienáveis, indisponíveis e como todos os bens públicos, imprescritíveis os direitos sobre elas incidentes, porém, os índios e comunidades indígenas possuem o direito de usufruto sobre essas terras, garantindo a sobrevivência desses povos.
A União é proprietária a título derivado, tendo em vista que o direito de gozo e fruição cabe às comunidades indígenas, devendo o direito à posse permanente e o usufruto exclusivo das terras serem dos índios, como assegura o Artigo 231, §2º da Constituição Federal. São considerados direitos reais sobre coisa alheia pelo fator originário das terras por eles habitadas, ou seja, a terra não deixa de ser um bem da União, porém, os índios possuem os mesmos direitos sobre elas (CAVALCANTE FILHO, 2007, não paginado).
Seguindo o conceito de que as terras indígenas são bens da União, Rodrigues (2010, não paginado) diz que “as terras indígenas, como bens da União, não podem ser reduzidas para atender interesses tão-somente econômicos de particulares, em detrimento dos direitos coletivos indígenas e do patrimônio da União, reconhecidos constitucionalmente”. Deve ser atendida a opinião da nação em um todo, compreendendo assim índios e não índios, não podendo atender apenas uma parcela da sociedade.
Nos ensinamentos de Barbieri (228, p. 41) “a consolidação dos direitos indígenas à sua própria cultura, deva ser a existência do seu poder social, da sua vida em grupo, preservada a sua harmonia, cultura e seus direitos originários”. Esse foi um aspecto reconhecido na Constituição Brasileira, seguindo os preceitos de direitos fundamentais reconhecidos internacionalmente pelo Brasil. Tais aspectos competem a União demarcar as terras tradicionais, proteger e fazer respeitar todos os bens indígenas, desde crenças, línguas, costumes, e principalmente o direito originário sobre as terras habitadas.
Aprofundando o entendimento, as terras tradicionalmente ocupadas por populações indígenas formam uma constitucionalização de direito, ou seja, é um conjunto de normas e princípios de direitos fundamentais que tem como finalidade garantir o mínimo para a sobrevivência desses povos. Para que isso aconteça, é necessário que o Estado resguarde o direito dos povos indígenas sobre as terras habitadas, independente de ser bem da União, garantindo “as atividades produtivas, as imprescindíveis a preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, direito este garantido no §1º do Art. 231 da Constituição Federal.
O Ministério Público Federal da 3ª Região em 2007 interpôs Agravo de Instrumento contra decisão sobre ação de reintegração de posse que violava o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas por índios da etnia Terena. Este recurso foi provido, e dispôs que:
“[…] Na contraposição entre os valores envolvidos, como o interesse de grupos indígenas e o patrimônio particular de fazendeiros, deve prevalecer o primeiro, que envolve o coletivo. Não se pode olvidar que o direito à vida deve se sobrepor ao direito de propriedade. Cabe lembrar que o relacionamento dos índios com a terra não representa a mera exploração econômica. No caso, quase duas centenas de indígenas dependem do cultivo da terra que legitimamente lhe pertence para subsistência dos próprios membros e proteção aos seus costumes e tradições”. (TRF-3 – AG: 17161 MS 2003.03.00.017161-9, Relator: JUIZ ERIK GRAMSTRUP, Data de Julgamento: 30/08/2004, Data de Publicação: DJU DATA:18/09/2007 p. 323)
Por serem tradicionalmente ocupadas, as terras indígenas tem um significado diferente, não são apenas propriedades individuais que podem ser constituídas em qualquer lugar, este território abrange muito mais que apenas terras, mais também águas, mares, rios e todo e qualquer recurso que utilizam tradicionalmente. O meio ambiente em que vivem são as bases para a existência e continuidade de povos tradicionais habitantes desses territórios, isso faz com que não sejam extintos a cultura, costumes, língua, religiosidade e alimentos para a sobrevivência desses povos (VILLARES, 2009, p. 113).
Tratando-se de recursos tradicionais, que constituem para a sobrevivência desses povos, foi institucionalizado vedação à remoção dos grupos indígenas de suas terras, podendo esta remoção ser aplicada somente quando autorizado pelo Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco a população, ou no interesse da soberania do País, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco, de acordo com o Artigo 231, § 5ª da Constituição Federal.
Para Silva (1998, p. 278), todos os bens podem ser de propriedade pública, porém alguns por sua natureza são diretamente destinadas à apropriação pública, por ser de interesse nacional, não podendo ser de apropriação privada as vias de circulação, mar territorial, terrenos de marinha, terrenos marginais, praias, rios, lagos, águas de modo geral, no entanto, quando se tratar de terras indígenas, diz o autor “Dessa natureza são também as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, que, por isso mesmo, são terras públicas de propriedade da União, constitucionalmente vinculadas aos direitos originários dos índios sobre elas”.
Montanari Junior (2013, p. 110) diz que as terras indígenas, até mesmo as tradicionalmente ocupadas não pertencem aos índios, mas sim a União, tanto é que o mesmo foi constitucionalizado no art. 20, XI, com a intenção de responsabilizar o mais vigoroso ente público brasileiro por “demarcar, dirigir as políticas públicas, proteger, garantir e emprestar eficácia à norma constitucional em comento”, evitando ser legislado por políticas regionais e locais de cada Estado brasileiro.
Seguindo a explicação de Montanari Junior (2013, p. 111):
“Frisa-se ainda que a união detém somente o domínio, isto é, a posse indireta, porque a norma constitucional (Art. 231, §2º) preceitua que cabe ao índio o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos das terras indígenas, bem como o aproveitamento dos recursos hídricos, incluindo os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas que só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, desde que ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos respectivos resultados.”
Apesar de fazer parte dos bens públicos da União, é importante que essas terras sejam exclusivas de índios e comunidades indígenas, não podendo ser habitadas por não índios, direito este já garantido na Constituição Brasileira, porém, assegura ainda que, quando houver interesse nacional soberano sobre essas terras, deverá a União intervir para a proteção de todos, ou seja, são terras que por sua natureza devem ser demarcadas e ao mesmo tempo, quando necessário proteger a todos, neste contexto, incluindo índios e não índios.
Sobre o direito originário dos índios e a posse de terras por não índios:
“A garantia da posse das terras imemorialmente ocupadas pelos índios é assegurada desde a Constituição de 1934, valendo salientar que a ordem constitucional vigente estabelece que são nulos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas (CF, art. 231, § 6º). Daí ter o ato de demarcação administrativa índole meramente declaratória. Noutras palavras, os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são, conforme entendimento jurisprudencial sedimentado, constitucionalmente reconhecidos e não simplesmente outorgados, "com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de"originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como"nulos e extintos"(§ 6º do art. 231 da CF)" (STF, Pet 3388/RR, Rel. Min. Carlos Brito, DJe 25/092009; RTJ 212, pp. 49)
É dever do Estado, garantir como direito fundamental a demarcação de terras originárias dos índios, não tão somente isto, mas também têm o dever de garantir a todos, índios e não índios os preceitos do Artigo 6º da Constituição Federal, no que diz respeito aos direitos sociais, neste caso a educação, saúde, alimentação, trabalho, segurança e proteção à criança, porém não é o que acontece. O primeiro fator é o não reconhecimento de terras originais em que habitam, e quando demarcadas não são respeitados seus espaços naturais, imprescindíveis a sua sobrevivência, este é um dos grandes assoladores de extinção de indígenas e de discussões entre o Governo e Representantes Indígenas, no que refere à demarcação em terras originárias.
2.6. OCUPAÇÃO, DOMÍNIO E A POSSE DE TERRAS POR NÃO ÍNDIOS
Historicamente a ocupação, domínio e a posse de terras por não índios ocorreu, como já explicado, com a invasão das terras brasileiras por Europeus. Como se sabe, nesse período a posse de terras ainda não era constitucionalizado, pois para os índios não existia Lei formal ou material e tão pouco era de conhecimento dos Europeus as normas internas por índios aqui aplicadas. Desse ponto de partida, começou a ocupação de terras por populações não indígenas como Portugal e Espanha.
O Decreto n.º 1775/96 estabelece que a FUNAI tem o poder de polícia para fiscalizar e autorizar a entrada de terceiros em terras indígenas. A FUNAI regulamenta por meio de Instrução Normativa nº 001/PRES/1995, que:
“Art. 7° O órgão federal de assistência ao índio poderá, no exercício do poder de polícia previsto no inciso VII do art. 1° da Lei n° 5.371, de 5 de dezembro de 1967, disciplinar o ingresso e trânsito de terceiros em áreas em que se constate a presença de índios isolados, bem como tomar as providências necessárias à proteção aos índios.”
Também é importante salientar que a União é a responsável pela fiscalização de todas as terras já demarcadas e, por conseguinte homologadas, para que não haja a permanência de não índios nessas terras, seja a fim de morada, ou para pretensão de extrativismo de recursos naturais dessas terras por terceiros, exceto quando houver interesse público.
Atualmente sempre que ocorrer a ocupação, domínio e a posse de terceiros em terras indígenas, os atos praticados neste serão considerados como nulos e extinguíveis, como dispõe no § 6, do art. 231 da Constituição Federal:
“§ 6.º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.”
O capítulo dos índios deixou algumas lacunas a serem preenchidas com Lei Complementar no que concerne às terras em que habitam, neste sentido quando houver interesse público da União. Atualmente na Câmara dos Deputados há um Projeto de Lei Complementar 227 (PLP 227) de 29 de Novembro de 2012, com o intuito de regulamentar o § 6º do Art. 231 da Constituição Federal no que diz respeito aos atos de relevante interesse público da União para fins de demarcação de terras indígenas, porém o mesmo não atentou para os direitos desses povos.
Dessa forma o que deve ser estabelecido é um Regulamento de Consulta e Participação, conforme salienta o autor:
“Já no âmbito constitucional brasileiro, o princípio disposto no artigo 231 reconhece o caráter multiétnico e pluricultural do Brasil, e que dispõe sobre a obrigação estatal de reconhecimento, proteção e respeito aos direitos sociais, econômicos e culturais dos povos indígenas que habitam o território nacional, particularmente no parágrafo 3º do mesmo artigo que expressa “que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas”. Para o cumprimento deste dispositivo faz falta um Regulamento de Procedimentos de Consulta e Participação determinados por Lei” (SOUZA FILHO… et al., 2009).
Também existe hoje, uma grande mobilização referente a este projeto e a outros como a Proposta de Emenda à Constituição sob o numero 215 (PEC 215), o qual tem a finalidade de regulamentar a demarcação de terras indígenas submetendo ao Congresso Nacional a decisão final sobre as demarcações. Para muitos, os projetos são inconstitucionais e travam-se mais uma vez a discussão de terras entre mineradoras, o agronegócio e o Estado, caso em que o considere constitucional.
As buscas e expansões de terras continuam sendo a principal reivindicação entre índios e não índios na sociedade contemporânea, desde a invasão do Brasil. De um lado os índios lutam por suas terras em busca de satisfazer suas necessidades para a própria sobrevivência, do outro, a sociedade buscando satisfazer suas necessidades para as gerações futuras que, com o aumento populacional não suportado nas pequenas e grandes cidades tendem a se estender a territórios menos habitados ou até mesmo e principalmente em suprir suas “necessidades”, como a energia que é suprida com a construção de hidrelétricas, a qual é uma das principais discussões no Norte do País, bem como grandes e pequenas mineradoras próximas e dentro de terras indígenas, porém nessas não se pode falar de sobrevivência, mas sim de crescimento econômico e social. Por isso foi necessário a expansão do direito interno conjuntamente com o direito internacional.
3. PROTEÇÃO INDÍGENA NO DIREITO INTERNACIONAL
Antes do direito indígena ser reconhecido em âmbito internacional, existia o individualismo dos Direitos Humanos. Esse foi o principal motivo para que o desenvolvimento do Direito Internacional em matéria indígena surgisse de forma lenta e gradual a partir do século XX. Aprofundando o entendimento, o surgimento do direito internacional para a proteção dos povos indígenas foi reconhecido com a Declaração Universal de Direitos Humanos, a integração das políticas públicas e de acordos intergovernamentais (URQUIDI; TEIXEIRA; LANA, 2008, p. 200).
Barbieri (2008, p. 70) chama o englobamento de direitos internacionais envolvendo minorias étnicas de “Direito Internacional moderno”, onde teve a intenção de regular deveres e obrigações dos Estados que ainda estavam carregados de padrões colonialistas impostos pelos Europeus. Diz o autor que, o Direito internacional vem buscando manter a paz e o bem-estar do homem, reconhecendo e protegendo também a existência de grupos e minorias étnicas, com o intuito de objetivar o direito coletivo.
Percebe-se então, que o direito internacional foi uma atualização e universalização de direitos, inicialmente com a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, elaborada e aprovada após duas grandes guerras mundiais, porém de forma geral, abrangendo a todos e não como uma Declaração específica aplicada aos povos indígenas, quando este definiu que todos são iguais em dignidade e direitos sem distinção de raça, cor, sexo, religião ou de qualquer outra natureza. Os povos indígenas passaram a fazer parte do ordenamento jurídico internacional, de maneira direta, quando criado a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Tratados estes que serão expostos neste capítulo.
A problemática da proteção indígena deixou de ser um problema social e passou então a ser um problema de ordem política:
“A temática indígena é então um problema de ordem política, e não mais apenas uma questão étnica, antropológica ou social, a ser considerada pelos Estados dentro da formulação e implementação de políticas públicas. Por outro lado, no mundo contemporâneo, o direito dos povos indígenas não se restringe à política interna de cada país, mas vem se transformando em normas de ordem pública internacional que cada país deve aplicar em escala local” (CEPAL, 2006 apud URQUIDI; TEIXEIRA; LANA, 2008, p. 200).
Montanari Junior (2013, p. 30), explica que atualmente tem se notado que uma das principais discussões entre índios e não índios seria o conflito por terras, por esse motivo, este assunto se tornou pedra angular de reivindicações, alcançando assim as normas internacionais, acordos e tratados a todas as esferas internacionais e o objeto de cooperação internacional na seara ambiental para regulamentar o direito a terra, ao território e aos recursos naturais para a sobrevivência desses povos e de todos os outros por tratar-se de objeto de cunho fundamental para as gerações presentes e futuras.
A proteção indígena no direito internacional vem abrangendo todos os direitos a que se refere à proteção e crescimento social dos povos indígenas, tais como a educação, saúde, organização social e o direito de resguardar a cultura, religião, crenças, línguas, práticas e princípios como também, e principalmente, a garantia das terras tradicionais que vivem os povos indígenas, terras essas que necessitam para sobreviver, bem como os recursos advindos delas. São tratados e Convenções que tem a intenção de aplicar, sobretudo, a Estados que descendem de práticas colonizadoras como foi o Brasil após a invasão dos europeus.
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas por índios, estes ainda resistem fortemente organizados, buscando apoio no direito interno e quando esgotado este, buscam apoio em organismos internacionais, tal como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), desde a Revolução Francesa até as mais recentes, a fim de garantir os princípios básicos em todas as declarações internacionais pertinentes a seus princípios de igualdade, liberdade e fraternidade. Cita o autor sobre o princípio da igualdade “da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, de caráter universalizante, […] após a barbárie e atrocidades promovidas pela 2ª Grande Guerra, e que ainda deve nortear o nosso consciente com valores mais éticos e de igualdade” (BARBIERI, 2008, p. 46).
A garantia dos direitos humanos de modo universal foi o passo mais importante para o reconhecimento dos direitos às populações minoritárias, infelizmente foi necessário passar por duas grandes guerras que resultaram em milhares de mortes para reconhecer tais direitos. É importante ressaltar que a aplicabilidade do direito internacional no que refere aos povos indígenas também é uma questão que vem sendo debatida por defensores de direitos humanos, pois apesar de o Brasil ser signatário a tais normas, este não o põe em prática em sua totalidade, assim como o direito interno já salientado.
3.1. POVOS INDÍGENAS COMO SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL
Nos ensinamentos de Portela (2011, p. 748) os índios passaram a ser considerados sujeitos de direito internacional por fazer parte do ordenamento que universaliza os direitos humanos, ou seja, se uma parcela da humanidade são sujeitos de direito internacional por que os índios não seriam, diz ainda que tais preceitos sejam devidos por ser inerente a dignidade que esses povos têm e, pelo fator de que constantemente têm os índios seus direitos fundamentais violados, até mesmo no judiciário.
O Estado reconheceu e garantiu o direito à diferença, isso foi um grande avanço para que as minorias étnicas ganhassem voz e capacidade jurídica para postular como sujeitos de direito internacional. Afirma o autor que, apesar de serem reconhecidos como sujeitos de direito internacional, o Estado na maioria das vezes nega a condição de povo, fazendo com que não seja reconhecida a autodeterminação dos povos indígenas (LÉVI-STRAUSS, 1961 apud BARBIERI, 2008, p. 42).
Sobre a autodeterminação dos povos:
“Reconhecer-se que a autodeterminação, seria simplesmente o direito de os povos disporem sobre si mesmos, como dito no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, consagrando duas vertentes de raciocínio, uma quando, a partir das organizações sociais estatais, significaria o povo do Estado, apesar das diferenças como um só” (SOUZA FILHO, 1998 apud BARBIERI, 2008, p. 69).
O princípio da autodeterminação dos povos é um dos mais importantes para o reconhecimento das minorias étnicas no direito internacional, tanto é que o mesmo foi reconhecido na Constituição Federal de 1988 e afirma que as relações internacionais são regidas com base no princípio da autodeterminação dos povos. Além deste, o legislador incluiu outros princípios como a prevalência dos direitos humanos, igualdade entre os Estados e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Conforme dispõe o Artigo 4º da referida Constituição que diz respeito aos princípios que regem o Brasil nas relações internacionais.
Apesar do princípio da autodeterminação ser reconhecido em nossa Constituinte, Silveira (2010, p. 31) ensina que, os povos indígenas vivem em um território único e por não serem dominantes o Estado os vêem como “minorias invisíveis”. Para o Estado a autodeterminação dos povos tradicionais significa “[…] entronado em território específico significa a constituição de novo ente estatal e ameaça a soberania nacional”, o resultado disso é que os povos indígenas não conseguem exercer de modo pacífico a autodeterminação.
Como qualquer outra população, os povos indígenas são sujeitos de direito internacional, com base no princípio da universalidade de direitos a eles foi reconhecido o direito a diferença e a autodeterminação, este foi um grande passo para a elaboração de Convenções e Tratados específicos aos povos indígenas, os quais serão expostos em subtítulos posteriores.
3.2. TRATADOS E CONVENÇÕES
Os Tratados e Convenções internacionais sobre os povos indígenas surgiram quando, efetivamente, uma resolução do Conselho Econômico da Organização das Nações Unidas encaminhou um estudo para ser elaborado pelo embaixador Martinez Cobo, iniciando-se em 1971 e término em 1983. Desse estudo constaram cinco volumes e foi eleito um dos melhores trabalhos a tratar sobre a vida e o status dos indígenas, pois foi considerado um trabalho sério e extremamente importante, onde passou a ser utilizado em demandas e apoio à causa indígena. Porém, para o Brasil a questão era meramente considerada como assunto interno e não aceitava que os povos indígenas fizessem parte do ordenamento jurídico internacional, negando o status de autodeterminação desses povos (BARBIERI, 2008, p. 71).
Ocorreram diversas conferências internacionais sobre o estudo de Cobo, cuja finalidade era a de desenvolver o direito das populações indígenas com a possibilidade de serem aderidos por Estados membros que ainda construíam uma história violenta sobre os indígenas, além disso, tinha a idéia de estabelecer um padrão internacional, para isso foi necessária uma Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas aprovado pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em 2007 (BARBIERI, 2008, p. 71).
O estudo de Cobo, por ser fortemente criticado e em virtude do Grupo de Trabalho da ONU, foi decidido que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) revisasse a Convenção n.º 107, com o fundamento de estar desatualizada:
“Em decorrência do Grupo de Trabalho da ONU na iniciativa de desenvolver estudos sobre os indígenas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) procurou rever a convenção n.º 107, que datava de 1957, que vinha sendo alvo de constantes críticas do segmento, por estar desatualizada, principalmente, por seu caráter ainda integracionista pelas sociedades nacionais ou envolventes. O encontro firmado para a revisão da Convenção n.º 107, data de 1986, no Encontro denominado “Encontro de Especialistas”, realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovado no novo texto em 1989, denominado de Convenção n.º 169, conferência denominada “Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais em países independentes” (BARBIERI, 2008, p. 71).
Percebe-se então que o Grupo de Trabalho da ONU foi um marco para a causa indígena, bem como as críticas sobre o trabalho de Cobo, ambos de maneira positiva, tendo em vista a atualização da Convenção n.º 107 para a Convenção n.º 169 da OIT, que regula de maneira indireta o status de povo aos indígenas, fazendo com que este tenha o direito de consulta prévia e também para a aprovação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, porém neste último o Brasil ainda não é signatário, conforme dispõe o tópico posterior.
Barbieri (2008, p. 111) “traduz” a responsabilidade dos Estados que aderem os tratados e Convenções da seguinte maneira:
“[…] Declaração Internacional não é um acordo ou instrumento legal obrigatório, é uma manifestação acerca do que os Estados membros acreditam ser direitos, através de uma exposição genérica de valores e princípios fundamentais, que deveriam ser respeitados por todos os governos, mais não possuem força de lei. Mesmo assim, tem uma importância enorme, pois, no âmbito da ONU, é adotada por consenso dos Estados que somam quase a totalidade dos países do mundo, e esta socialização, para a causa é muito benéfica, pois coletiviza cada vez mais os direitos humanos, dos quais os indígenas fazem parte, firmando entre os países os conceitos éticos e morais, comprometendo os governos que ratificam os Tratados e Declarações” (BARBIERI, 2008, p. 111).
Entende-se então que os Tratados e Convenções em que o Brasil faz parte são cumpridos tão somente de forma moral e ética, tendo em vista não ser de cunho obrigatório, motivo pelo qual se verifica o não cumprimento e a constante violência aplicada contra os povos indígenas pelo Estado. O Brasil, por diversos assuntos foi denunciado a CIDH e a OEA e dentre diversas recomendações poucas foram cumpridas, ressalvando aquelas que por um curto período foram cumpridas, porém não na sua integridade.
Podemos exemplificar com a recomendação feita pela CIDH (2011, não paginado) sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, após medida cautelar outorgada em favor das populações atingidas, a qual dispõe:
“MC 382/10 – Comunidades indígenas da Bacia do Rio Xingu, Pará, Brasil.
Em 1º de abril de 2011, a CIDH outorgou medidas cautelares em favor dos membros das comunidades indígenas da bacia do rio Xingu […]. O pedido de medidas cautelares alega que a vida e a integridade pessoal dos beneficiários estaria em risco pelo impacto da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. A CIDH solicitou ao governo brasileiro que suspenda imediatamente o processo de licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte proposto e impedir a execução de qualquer execução de item de trabalho até que sejam satisfeitas as seguintes condições mínimas: (1) realizar processos de consulta, em cumprimento obrigações internacionais do Brasil, no sentido de que a consulta prévia, livre, informada, de boa fé, culturalmente adequada, e com o objetivo de chegar a um acordo em relação a cada uma das comunidades indígenas afetadas, beneficiários destas medidas de precaução […]”
Importante observar que a recomendação da OEA sobre a UHE de Belo Monte, também diz respeito ao não cumprimento do artigo 6º da Convenção 169 da OIT e o §3º do artigo 231 da Constituição, onde não foi feita a consulta prévia e informada sobre as terras habitadas por povos indígenas tradicionais. O fato demonstra que os Tratados e Convenções não têm força de lei, sendo apenas recomendações ou princípios a serem seguidos pelos Estados, tendo em vista que a UHE de Belo Monte está sendo construída frente a diversos impedimentos internacionais.
Os Tratados e Convenções internacionais que o Brasil faz parte são extremamente importantes para a aplicabilidade do direito internacional em âmbito interno sobre os povos indígenas, porém a não obrigatoriedade faz com que esses deveres e obrigações do Estado continuem sendo violados por este. A grande conquista foi a atualização da Convenção n.º 107 para a Convenção n.º 169 da OIT, principalmente no que diz respeito à consulta livre, prévia e informada, garantindo assim o direito de serem informados sobre possíveis medidas a serem praticadas em terras que habitam, garantindo também o direito a se manifestarem sobre tais medidas a fim de objetivar acordo entre as partes.
3.1.1. Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
A Convenção 169 da OIT, assinada em 1989 conforme Decreto 5.051, de 19/04/2004, no que diz respeito aos povos indígenas, “prevê as garantias necessárias para o reconhecimento das sociedades indígenas, dentro da ordem jurídica dos países”, esta convenção é uma das mais importantes, pois determina que seja aplicada nos Estados a proteção e garantia das propriedades, identificação dos territórios, a consulta prévia quando forem atingidos por Estado em proposição de projetos econômicos próximos ou em suas terras e por qualquer medida legislativa ou administrativa sempre que essas afetarem seu modo de vida (SOUZA FILHO… et al., 2009, p. 19).
Sobre a finalidade da Convenção 169 da OIT:
“[…] A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que teve por mérito primeiro substituir o integracionismo pelo respeito ao pluralismo étnico-cultural, garantindo o direito dos indígenas de viverem e desenvolverem-se como povos diferenciados, reconhecendo o seu direito à integridade cultural, aos recursos naturais e à própria terra, sem embargo da participação destes povos nas decisões referentes às questões que lhes dizem respeito” (SILVEIRA, 2010, p. 44).
A finalidade da Convenção 169 da OIT faz com que este seja regido pelo princípio da não-discriminação, que no artigo 3º da Convenção dispõe “os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdade fundamentais” (PORTELA, 2011, p. 752). Não poderá então ocorrer qualquer discriminação ou impasse na aplicação da convenção no Direito brasileiro, conforme princípios já averbados presentes no artigo 4º da Constituição Federal.
Vale salientar que esta Convenção tem o conteúdo semelhante à Declaração das Nações Unidas em relação aos Direitos dos Povos Indígenas, abordando sobre os direitos de comunidades tradicionais inclusive as tribais de países independentes, incluindo direitos relacionados ao labor. Para o autor a Convenção 169 da OIT, foi uma preocupação com a melhoria de vida do ser humano, por meio de situações que possam contribuir, proteger e promover a dignidade humana (PORTELA, 2011, p. 752).
O autor ensina que deve ser aplicado aos índios o direito universal, porém, deve também ser respeitados em suas diferenças:
“[…] a Convenção parte do princípio de que os povos indígenas ainda não gozam dos direitos humanos fundamentais no mesmo grau que o restante da população dos Estados onde moram e ainda vêem os valores característicos das respectivas comunidades sendo progressivamente abalados. Por outro lado, a Convenção reconhece “as aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados em que morram”. (PORTELA, 2011, p. 752).
É importante observar que a presente convenção trata sobre a prevalência dos direitos humanos e direitos fundamentais como um todo, com o intuíto de promover e resguardar o direito a igualdade, liberdade e oportunidade, bem como a garantia dos direitos sociais, econômicos, e culturais desses povos. Porém, aqui será exposto a violação do Estado a que se refere a falta de consulta prévia e informada quando aplicado e adotado medidas legislativas ou administrativas sempre que estas os afetarem diretamente.
Dispõe o artigo 6º da Convenção 169 da OIT:
“a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) criar meios pelos quais esses povos possam participar livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem;
c) estabelecer meios adequados para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas próprias desses povos e, quando necessário, disponibilizar os recursos necessários para esse fim.”
É notório que entre todos os Estados que fazem parte da Convenção 169 da OIT, o Brasil é o principal violador de direitos dos povos indígenas quando se trata de consulta prévia e informada, principalmente por conter vários planos de aceleração e crescimento (PAC), o qual é considerado como organismo de interesse público e por não respeitar o estabelecido no artigo 6º da Convenção da OIT, por este motivo, existem várias denúncias na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. As denuncias são feitas quando o Estado deixa de consultar as populações afetadas e quando a consulta é feita, porém não é considerada a necessidade dos povos indígenas sobre suas terras ou quando há condicionantes acordadas e não cumpridas, mesmo que estes territórios sejam demarcados.
No que diz respeito a finalidade do PAC, (CARVALHO, 2010 apud NASCIMENTO, 2011, p. 78), ensina:
“No âmbito mais direcionado ao Brasil, temos uma espécie de “contraparte brasileira” da IIRSA, o PAC, que também detém seus esforços na ampliação de investimentos privados e públicos destinados à recuperação e construção da infraestrutura, com o intuito, segundo o próprio programa, de “alavancar o crescimento do País e, junto com isso, gerar empregos e distribuir a renda” (PAC 2, 2010, p. 6). A integração também está presente como um dos objetivos do PAC, só que não diferente de outros tempos na Amazônia, ela passa pela “função” primordial de garantir não somente o “[…] acesso de grandes empresas aos recursos naturais existentes na região, através da construção de estradas, hidrovias”, mas também de garantir a oferta de energia necessária à reprodução de atividades eletrointensivas (CARVALHO, 2010, p. 17). Uma das principais obras do PAC já está em estagio avançado. Trata-se do complexo de hidrelétrica do rio Madeira, com as usinas de Jirau e Santo Antônio em curso”.
Recentemente o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE/MT) propuseram ação civil pública de nº. 3947-44.2012.4.01.3600 postulando a suspensão do licenciamento da Usina Hidrelétrica Teles Pires para que fosse realizado a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas antes da concessão da Licença Prévia e a Licença de Instalação. Foi decidido na 2ª Vara da Justiça federal de Mato Grosso, em 26 de Março de 2012, que “Ante o exposto, e nos termos da fundamentação desenvolvida declaro inválida a Licença de Instalação nº 818/2011, porquanto emitida em violação ao artigo 231, §3º, da Constituição da República de 1988, bem como ao artigo 6º e 7º da Convenção 169 da OIT […]”.
Villares (2009, p. 87) explica a importância sobre o direito à informação e participação e diz que “Não se pode falar em democracia sem o profundo respeito pelo direito à informação e a participação dos cidadãos nas decisões políticas”. Salienta o autor que, não se pode entender a democracia apenas como um regime de Estado, se não se por em prática e respeitar os questionamentos da sociedade por meio de manifestações políticas, culturais e econômicas, e por serem povos da nação, os índios têm todo o direito de participação e informação sobre essas decisões, principalmente quando se tratar de medidas que envolvam as suas terras e o modo de vida que têm, devendo o Estado acatar e fazer valer o que dispõe o artigo 6º da Convenção.
Percebe-se então que o Brasil não adota a democracia como um todo de fato, diz-se democrata por tão somente dar o direito de escolha governamental a sociedade, incluindo os índios, porém dificilmente dá o direito de escolha aos atos tomados pelo governo. Recentemente foi proposto e efetivado um Plebiscito no Estado do Pará para os habitantes que compõe o Estado, por meio do voto se houvera ou não uma subdivisão em mais duas capitais “Tapajós e Carajás”. O fato é que, sempre que houver medidas legislativas ou administrativas que implicam na vida dos povos indígenas, sob a alegação de ser matéria de interesse Público, antes de qualquer decisão deveriam, primeiramente, ser consultadas previamente as populações afetadas e, porque não adotar Plebiscitos nacionais, já que se diz tratar-se de interesse público e finalmente a autorização do Congresso Nacional, se viável.
Sobre a participação de decisão dos povos indígenas, cabe ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo cumprir os compromissos adotados por este e outros institutos normativos de ordem internacional que integram as normas internas. Não podendo, os dois poderes acima mencionados, deixar ou abster-se de ouvir os interessados, neste caso, os índios a participação ativa em assuntos que lhes são pertinentes (SOUZA FILHO… et al., 2009, p. 19).
Completando o entendimento o autor diz que a questão de participação dos índios em relação a projetos ou qualquer interesse do Estado que modifique o modo de vida dessas populações, esta relacionado com o direito de gerir o direito de autodeterminação e a autonomia sobre os territórios, o sistema jurídico e o administrativo. Cita ainda que “entende como base para uma série de direitos específicos relacionados com o âmbito de decisões políticas, econômicas, sociais e jurídicas no interior das comunidades”, sendo aparado tanto no âmbito internacional como nacional, devendo o estado aplicar-lhes, reconhecendo assim as expressões de identidade dos povos indígenas (SOUZA FILHO… et al., 2009, p. 19).
3.1.2. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas
Na Organização das Nações Unidas existe um Grupo de Trabalho sobre populações indígenas, o qual elaborou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Coordenado pela Presidente Erica Irene Daes, composto também por representantes indígenas de todo o mundo juntamente com a participação de organizações, porém, inicialmente criticados, tendo em vista a não exigência de preceitos formais neste último, com a finalidade de abranger maior magnitude para revisar e sugestionar na elaboração da Declaração sobre os direitos dos povos indígenas. Esse estudo durou cerca de 20 anos de discussão para então, finalmente, ser aprovado no ano de 2007, apesar de ter havido o ano dos povos indígenas em 1994 e a década de 1995 a 2005, diz o autor que “muito se trabalha e pouco se realiza. Cabe aos resistentes a esperança e, sempre a cada instante, a busca do seu espaço” (BARBIERI, 2008, p. 110).
A Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou em 13 de setembro de 2007, a Declaração que dispõe sobre os direitos dos Povos Indígenas, tendo em vista e com o intuito de diminuir as violências ocorridas no decorrer da história e que se faz presente até os dias atuais. A Declaração diz que há uma “urgente necessidade de respeitar e promover os direitos e as características intrínsecas aos povos indígenas, especialmente os direitos às suas terras, territórios e recursos naturais”. Este será o principal tema a ser tratado aqui, pois é a principal violência ocorrida contra os povos indígenas no Brasil, tendo em vista serem as terras em que habitam, sendo quesito fundamental para a sobrevivência desses povos tradicionais.
Essa Declaração é considerada a mais autêntica e completa, conforme entendimento de Silveira (2010, p. 45):
“Recentemente, fomos brindados pela ONU com a aprovação da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas que se constitui no mais legítimo texto internacional sobre as questões indígenas até agora editado, não apenas por ter se tornado o único instrumento internacional que trata exclusivamente dos direitos daqueles povos, mas também porque se outorgou pela primeira vez aos seus representantes o direito de participar diretamente no processo de criação.”
Seguindo o entendimento do autor, apesar do Brasil ainda não ser signatário desta Declaração, alguns preceitos e princípios já fazem parte do ordenamento jurídico nacional, tal quais os direitos e garantias estabelecidos nos artigos 231, 232 e parágrafos da Constituição Federal, porém, quando de forma voluntária o Estado aderir esta Declaração, contribuirá de fato a uma forma mais profunda no que diz respeito à aplicabilidade dos direitos humanos e da universalização de direitos a esses povos tradicionais, que “sem prejuízo dos direitos individuais, permitirá aos povos indígenas a possibilidade de fazer respeitar as suas próprias pautas de direitos humanos” não podendo esquecer que sempre será observado também o interesse da sociedade como um todo (SILVEIRA, 2010, p. 46).
A presente Declaração estabelece que:
“Artigo 10. Os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios. Nenhum translado se realizará sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas interessados e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e equitativa e, sempre que possível, com a opção do regresso.”
Como salientado, esta Declaração ainda não foi adota para garantia de direitos indígenas no Brasil, porém, carrega fundamentos e princípios de direitos humanos prevalecidos na Convenção 169 da OIT e no Direito Interno, como por exemplo, o §5 do artigo 231 da Constituição, que proíbe à remoção dos povos indígenas, ressalvado a hipótese de catástrofe, devendo retornar as suas terras assim que possível. No entanto, no que diz respeito a consulta livre, prévia e informada é bastante vaga em nossa Constituição e o que advêm do direito internacional que o Brasil é signatário não é de fato cumprido, por isso, seria de grande importância a sua integração, por ser mais completa e para regularizar e evitar as violências causadas pelo Estado, a fim de ditar direitos, deveres e obrigações deste para com os índios.
4. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL
A demarcação das terras indígenas sempre foi uma atribuição do órgão de proteção aos índios, tanto da FUNAI quanto do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão este não mais existente. Importante ressaltar que os anos de 1964 a 1985, conhecido também como o período da ditadura militar, as demarcações foram “desviadas para instâncias que dificultavam e faziam um juízo político das demarcações”. Hoje a FUNAI é responsável pelo estudo antropológico das terras indígenas, reconhecendo e efetuando a demarcação física dessas terras que, seguindo a regra geral, são homologadas por decreto presidencial chamado de ato demarcatório (VILLARES, 2009, p. 127).
O direito dos índios, no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, por muito tempo, desde a invasão dos portugueses foi violado, e de fato aludido pela primeira vez no Estatuto do Índio. Com base nos dados da FUNAI, houve vários Decretos para regular o processo administrativo, o primeiro deles foi regulamentado três anos após a promulgação do Estatuto do Índio, pelo Decreto de nº. 76.999/76, dispondo que a demarcação de terras indígenas era elaborada por estudo antropológico e por meio de portaria a terra era demarcada pela FUNAI, porém a homologação dependia de assinatura do Chefe do Poder Executivo, sendo este o Presidente da República, para então ser levado a registro pelo Serviço de Patrimônio da União (SPU).
O decreto anterior foi modificado e atualizado por meio de novo Decreto sob o nº. 88.118/83. Importante perceber que tal modificação ocorreu em pleno período ditatorial e a regulamentação advinda deste dificultou de maneira discrepante do decreto anterior, definindo que a demarcação das terras tradicionais, habitada por povos também tradicionais, era de competência da equipe técnica da FUNAI, mas não tão somente isso, uma proposta era passado por diversos grupos federais e estaduais, bem como ministérios, alem disso este processo era encaminhado para os ministros do Interior e Extraordinário para assuntos fundiários, aprovado o processo, este era encaminhado para o Presidente da República para homologação e registro ao SPU.
Dois anos após a ditadura e o País ser declarado como um Estado democrata, ainda havia grandes resíduos de um período crucial do Brasil para com todos que aqui habitavam, sejam índios ou não índios. Um ano antes da nossa Constituição de 1988 surgiu um novo decreto de nº. 94.945/87, a fim de atualizar o procedimento demarcatório de terras indígenas, pouca coisa mudou, este continuou adotando o mesmo procedimento, acrescentando apenas a regulamentação das terras que em meio à fronteira se localizassem, sendo necessário um representante da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional, após a demarcação física da FUNAI e aprovado por todos os órgãos anteriormente mencionados, após a aprovação o processo era homologado pelo Presidente da República e registrado no SPU.
Antes de ser aplicado o Decreto atual que define o procedimento a ser tomado para a demarcação de TIs, houve o Decreto de nº. 22/91, com o processo bastante diferente do anterior, por ser posterior a nossa constituição que estabeleceu um capítulo inteiro referente ao direito dos povos indígenas. Este decreto, bem mais simples e eficaz, definia que a demarcação das terras indígenas deveria ser coordenada por antropólogo e a participação de índios era livre, não mais era passado por órgãos ministeriais, mas sim por aprovação do presidente da FUNAI e publicado no DOU, ao invés do processo ser repassado por órgãos ministeriais, este era encaminhado ao Ministro da Justiça que declarava, se aprovado, a terra como de posse permanente dos índios. O referido decreto definiu também que o INCRA deveria interferir e reassentar não índios que ocupassem essas terras para então ser homologada e registrada nos moldes dos decretos anteriores.
Villares (2009, p. 125) explica que a demarcação de terras indígenas está previsto no Art. 231 da Constituição Federal, o qual é um reconhecimento formal sobre as terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas, devendo a União demarcá-las. A demarcação de terras indígenas tem a função de definir os limites de uma determinada terra, esta definição, por sua vez, compreende marcas físicas, marcos artificiais, e os naturais que determinam onde é ou não a área de posse dessas comunidades, garantindo o mínimo e o necessário para a continuidade e crescimento dessas comunidades.
Para Souza Filho e outros (2009, p. 14), a importância da definição dos limites das terras indígenas por meio de demarcação, nada mais é que a garantia da segurança física e jurídica das comunidades que habitam esses territórios com o intuito de evitar o confinamento, onde neste impera intensos conflitos internos e externos, para evitar as conseqüências ocorridas em desfavor dos índios e o próprio confinamento, deverá ser revisada as demarcações, tendo em vista a necessidade de ampliá-las, observando a precisão dessas populações por áreas maiores.
Há quem diga que a demarcação de terra indígena é nada mais, do que um ato secundário, pois a simples ocupação tradicional nessas terras é suficiente para que as terras sejam protegidas pela União, conforme dispõe o artigo 231 da Constituição Federal, ou seja, independentemente de demarcação é dever da União proteger e fazer valer todos os bens nelas existentes. Nos ensinamentos do autor “o que define a terra indígena é a ocupação, ou posse ou o ‘estar’ indígena sobre a terra e não a demarcação”, porém, para efetivar o direito e garantia dos índios sobre as terras em que habitam é indispensável a demarcação (MARÉS, 2006 apud SOUZA FILHO… et al., 2009, p. 14).
Percebe-se que quanto mais tempo passava-se do prazo estabelecido, mais complicado se tornava o procedimento demarcatório. Atualmente o processo de demarcação das terras indígenas é regulado pelo Decreto nº. 1.775/96 (anexo) como procedimento exigido no artigo 231 da Constituição Federal, e no artigo 2º, inciso IX da Lei n° 6.001/73, e, é por este que se sustentará os próximos subtítulos.
4.1. COMPETÊNCIA PARA DEMARCAR
A competência para demarcar as terras indígenas, apesar de não estar expresso no Decreto 1.775/96, está presente no artigo 231 da Constituição e diz que é atribuição exclusiva da União por ser o legítimo dono dessas terras, tendo os índios apenas a posse desses territórios tradicionalmente habitados. Importante frisar que a demarcação de terras que se encontram no limite do território nacional, ou seja, em limite de fronteiras, sobre estas a competência para demarcar continua a cargo da União, porém deve haver manifestação do Conselho de Defesa Nacional e o ato final recairá ao Congresso Nacional a responsabilidade de legislar sobre essas demarcações (MIRANDA, 2006, p. 350).
No que diz respeito à manifestação do Conselho de Defesa Nacional, quando a demarcação de terras estiver localizada em áreas de fronteiras, prevalecerá sobre este a competência da União, pois a aprovação do primeiro não é requisito de validade, conforme decisão:
“[…] Donde competir ao Presidente da República homologar tal demarcação administrativa. A manifestação do Conselho de Defesa Nacional não é requisito de validade da demarcação de terras indígenas, mesmo daquelas situadas em região de fronteira […]” (STF – MS: 24045 DF, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 28/04/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 05-08-2005).
Montanari Junior (2013, p. 110) explica que, por a União ter o domínio das terras indígenas como bens públicos, será responsabilidade desta o dever de “demarcar, dirigir as políticas públicas, proteger, garantir e emprestar eficácia à norma constitucional em comento”. Diz o autor que essa responsabilidade não pode ser atribuição dos Estados, tendo em vista, que cada um adotaria procedimentos e políticas diferentes.
A demarcação de terras indígenas é então atribuição exclusiva da União que tem o poder independente e próprio da Administração, devendo apenas os estudos antropológicos sobre as terras serem elaborados pela FUNAI. A demarcação de terras indígenas, se aplicado conforme entendimento dos Estados, seja regional ou local, ensejaria uma serie de discussões quanto a real aplicabilidade das normas e, neste caso, quanto à aplicação e eficácia do princípio da universalidade de direitos e da boa-fé não prevaleceriam no direito frente a questões políticas de cada Estado.
O Estudo da AGU (2005, p. 31), no que diz respeito ao artigo 231 da Constituição Federal, prevê a demarcação de terras indígenas como de competência da União:
“Depreende-se do artigo acima aludido que a competência para fixar os limites das terras indígenas é da União, em consonância com os arts. 20, XI e 22, XIV da própria Constituição Federal, os quais determinam, respectivamente, que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União e que a competência para legislar sobre diretos indígenas também é da União.”
A FUNAI é responsável por fazer o estudo antropológico das terras a ser demarcadas, sendo este considerado como procedimento administrativo, que demarca a área física, porém para que seja de fato efetivada é necessário proceder ao ato administrativo que é um Decreto homologatório de competência exclusiva da União, ato este a cargo do Presidente da República. O que dificulta a demarcação, o reconhecimento e a homologação das terras indígenas não é o procedimento que os Decretos estipulam, ou por mora do órgão indigenista, ou por estudos antropológicos e demográficos, mas sim por interesses políticos e econômicos.
4.2. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
O dicionário de Direitos Humanos, no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, define que:
“Procedimento administrativo de iniciativa da União visando a identificação e delimitação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, regulado pelo decreto nº 1.775 de 08 de janeiro de 1996, em obediência ao artigo 231 da Constituição Federal e artigo 67 do seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. […] é orientada pelo órgão federal de assistência ao índio, a FUNAI, comportando as seguintes fases: identificação e delimitação; aprovação e publicação; impugnação, decisão e demarcação propriamente dita, homologação e registro” (GRABNER, 2009 apud MARTINS, 2009, p. 27).
O procedimento administrativo deve ser aplicado em toda e qualquer demarcação de terras indígenas tradicionalmente ocupadas por índios, mesmo aquelas demarcadas antes da Constituição de 1988 que necessitam ser revisadas. É procedimento que pode ter a iniciativa ou pleito da FUNAI, dos índios, das organizações que representam esses povos ou até mesmo de entidades não-governamentais. O procedimento administrativo deve ser iniciado e orientado pelo órgão federal de assistência ao índio, neste caso a FUNAI, de acordo com o artigo 1º do Decreto nº. 1.775/96.
Villares (125, 126), ensina que:
“Bem, para demarcar é necessário, antes, conhecer quais são as terras indígenas e identificá-las. […] Como a Constituição de 1988 adotou novo paradigma para o reconhecimento de terras indígenas, todas as demarcações realizadas anteriormente devem ser revistas e readequadas, mesmo que confirmem seus limites. Contudo, cada vez menos povos indígenas não têm qualquer reconhecimento formal de parte das suas terras. Até agora, o Estado brasileiro fez um esforço inigualável, único no mundo, para garantir aos índios a posse e o usufruto de seus territórios. A demarcação de terras indígenas é uma política estatal para garantir os direitos dos povos indígenas às suas terras. Ela não pode ser substituída pela autotutela, ou autodemarcação, levadas pelos próprios povos indígenas, tanto legalmente, pois cabe à União essa competência, como faticamente, pela oposição violenta dos interessados na não-demarcação”.
A FUNAI, através de Portaria do Presidente, designará um grupo de trabalho que será coordenado por antropólogo qualificado para realizar estudos etno-históricos, sociológicos, jurídicos, cartográficos, ambiental e para levantamento fundiário necessários à delimitação que poderá ter a participação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA ou dos órgãos fundiários estaduais. Importante salientar que os índios poderão se fazer presentes em todas as etapas do procedimento administrativo, respeitando o disposto no § 3º do respectivo Decreto, tendo em vista trata-se de terras que são fundamentais para existência, crescimento e continuidade desses povos tradicionais.
Ao término dos estudos de identificação e delimitado da área a ser demarcada, o grupo técnico deverá apresentar relatório circunstanciado à FUNAI. Provado o relatório pelo órgão indígena responsável, deverá este ser publicado no Diário Oficial da União no prazo máximo de 15 dias, devendo este ser publicado também na sede da Prefeitura Municipal do local em que está sendo feita a delimitação da área indígena.
Importante observar que a este procedimento também será garantido o contraditório e a ampla defesa, como bem assegura o art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988. A decisão do STF esclarece essa garantia:
“Poder-se-ia cogitar de violação da ampla defesa se o decreto não estabelecesse prazo algum ou mesmo se estabelecesse um prazo exíguo para os interessados que tiveram seus processos de demarcação iniciados antes do advento do decreto de 1996. Não é o caso.
O direito à ampla defesa, como típico direito à organização e procedimento, concede uma margem maior de apreciação ao legislador, cabendo ao judiciário apenas controlar os casos em que fiquem patente violação do seu núcleo essencial. No caso, diante de situações fáticas não similares, o Presidente da República teve a cautela de conceder a todos os interessados o direito de se manifestar dentro de prazos razoáveis. O prazo de 90 dias, após a publicação do decreto, é suficiente para que os interessados se manifestem acerca da demarcação. Até se presume que, pelo fato de os processos de demarcação terem sidos iniciados antes do decreto, os interessados ao menos já se haviam mobilizado a fim de contestar aspectos referentes à demarcação” (MS 24.054-8 – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJ 05.08.2005).
É dado aos interessados o prazo de 90 dias para contraditar e se defender no processo demarcatório a fim de reivindicar terras que não sejam de posse tradicional indígena. As razões devem ser juntadas com todas as provas possíveis e encaminhadas ao órgão competente, neste caso a competência ainda é da FUNAI. A intenção do contraditório e da ampla defesa é para “pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais do relatório”, preceito este estabelecido no § 8 do Decreto 1.775/96, porém este jamais caberá quando a demarcação já tiver sido alvo de registro em cartório ou na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.
Após o prazo para contraditar, será contado 60 dias para que a FUNAI encaminhe o processo administrativo e os pareceres relativos às razões e provas para apresentar ao Ministro de Estado e Justiça, como ato de identificação das terras indígenas. Em até 30 dias, o Ministério de Justiça do Estado decidirá, por meio de portaria os limites da terra e determinará a demarcação, a denegação do pedido deverá ser fundamentada e com remissão do procedimento à FUNAI.
Aprovada a identificação, será levantada a presença de não índios que habitam essas terras tradicionais, devendo a FUNAI priorizar o assentamento desses não índios, com base no artigo 4º do Decreto. Após esse procedimento e homologada a terra, caberá ao órgão indigenista em até trinta dias registrar em cartório imobiliário da comarca e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.
O único problema notório que existe no procedimento administrativo, é então, o de não estabelecer prazo algum para que o Chefe do Executivo homologue tais terras com procedimento administrativo já concluído, esses procedimentos ficam “congelados” a espera do ato final, sem ao menos receber qualquer resposta que justifique a mora do reconhecimento dessas terras.
4.3. DEMARCAÇÃO JUDICIAL
É cabível, em caso de lide entre os que se dizem donos das terras habitadas por índios, litigar conflitos no judiciário por meio de ação petitória ou demarcatória, tendo em vista alguns princípios processuais. Ensina Miranda (2006, p. 355) que quando preenchido todos os preceitos do Decreto 1.775/96, poderá o mesmo ser questionado no judiciário, observando os inciso XXXV “a lei não excluirá da apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” observando o princípio do contraditório e da ampla defesa inserido no inciso LV e no que diz respeito à demarcação de terras também será assegurado o inciso LIV “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, estando os incisos presentes no art. 5º da Constituição Federal.
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INTERDITO PROIBITÓRIO. DEMARCAÇÃO DE TERRAS PELA FUNAI. LITISCONSÓRCIO DA UNIÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. 1. O art. 19, § 2º, da Lei 6001/73 (Estatuto do Índio), veda a utilização de interditos possessórios contra a demarcação das terras indígenas. No caso, as portarias mencionadas pelos autores dispõem sobre o estudo da área, que antecede uma futura demarcação. O rito adequado a ser seguido, em qualquer dos casos, é o da ação petitória ou demarcatória, como ressalva o mencionado dispositivo legal. Processo extinto pela inadequação da via eleita, quanto ao pedido referente à demarcação […]” (TRF-4 – AC: 95120 SC 2000.04.01.095120-9, Relator: TAÍS SCHILLING FERRAZ, Data de Julgamento: 28/05/2002, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 12/06/2002 p. 323)
Como se pode perceber é pacífico que toda e qualquer lide que ocorra contra as demarcações advindas do procedimento administrativo deve proceder via ação petitória ou ação demarcatória, tendo em vista o dispositivo do § 2º do artigo 19 do Estatuto do Índio “Contra a demarcação processada nos termos deste artigo não caberá a concessão de interdito possessório, facultado aos interessados contra ela recorrer à ação petitória ou à demarcatória”, ou seja, não se pode recorrer ao procedimento administrativo por meio de Ação de Reintegração de Posse ou Interdito Proibitório.
Sobre as ações petitórias, Villares (2009, p. 146) diz que:
“As ações petitórias possibilitam a discussão sobre o reconhecimento de um direito real. São modalidades de ação petitória as ações de reivindicação, negatória, confessória e de petição de herança. Ação demarcatória é uma designação específica para a ação anulatória cuja finalidade é anular o procedimento administrativo de demarcação, no todo ou em parte, por vício formal ou material.”
Importante salientar que a demarcação de terras indígenas só pode ser levada ao Judiciário quando o processo demarcatório estiver concluído, ou seja, quando observado todos os procedimentos constantes no Decreto 1.775/76 inclusive o ato homologatório do Chefe do Poder Executivo. Villares (2009, p. 147) ensina que “antes que a demarcação tenha sido definitivamente homologada, não há como recorrer a qualquer das ações petitórias ou declaratória de nulidade […]”, ou seja, cabe levar demanda ao judiciário somente quando o ato homologatório tenha sido formalmente reconhecido e acabado.
Aquele que se sentir prejudicado com a demarcação de terras indígenas poderá litigar no poder Judiciário, com o intuito de buscar e corrigir erros do ato administrativo já homologado, esta será possível por meio de ação petitória ou ação demarcatória, assegurando assim, os princípios aqui salientados constantes na Carta Magna.
4.4. DEMARCAÇÃO NOS TRIBUNAIS
A competência de demarcação de terras indígenas nos Tribunais foi aludida pela primeira vez no julgamento da Reclamação nº 2.833-0/RR, cujo relator foi o ministro Carlos Ayres Britto. Foi decidido que caberia àquela corte, neste caso o STF, julgar os conflitos que envolvessem questões de nulidade de processos demarcatórios, Mandados de Segurança, pedidos de liminar, de revisão de demarcação dentre todas as modalidades recursais possíveis e cabíveis. Como se percebe, no decorrer deste trabalho, foi reproduzido diversas decisões de Tribunais, todas com base e resguardo no artigo abaixo:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originalmente
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta”;
A decisão que julgou nulo o procedimento administrativo da demarcação da TI Raposa Serra do Sol, mostra que o STF, neste caso específico, teve total competência para julgar a lide, bem como determinar os procedimentos que deveriam ser feitos. O voto foi dado pelo Ministro Carlos Brito em julgamento da Petição sob o n.º 3.388 – 4 RORAIMA.
4.5. MORA DO EXECUTIVO EM DEMARCAR AS TERRAS INDÍGENAS
O Executivo está em mora com as demarcações de terras indígenas desde 1978, após ter se esgotado o prazo estabelecido na a Lei 6.001 promulgada em 1973, intitulada como Estatuto do Índio que dispôs no artigo 65 que “O poder executivo fará no prazo de 5 anos a demarcação das terras indígenas ainda não demarcadas” e como se sabe, o prazo não foi respeitado. Passando-se mais dez anos em mora, a Constituição Federal com a finalidade de reafirmar o prazo e por meio de nova política constitucional, em 1988 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) no Art. 67 estabeleceu que “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituinte”, passado 26 anos do prazo estabelecido, este foi mais uma determinação não cumprida pelo Estado, tendo em vista haver muitas terras tradicionalmente ocupadas por índios ainda não demarcadas.
O prazo que estabelece o ADCT e o Estatuto do Índio não é decadencial ou prescricional, tendo em vista a natureza da matéria, como bem salienta o ministro Marco Aurélio:
“Quanto ao prazo previsto no art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para a conclusão da demarcação de terras, atende-se para a circunstância de que não se mostrou peremptório, somente revelando ante a natureza da matéria – demarcação de terras -, o desejável implemento em espaço razoável. […] Excluo, assim, a tomada do prazo de cinco anos, previsto no art. 67do Ato das Disposições Constitucionais Transitória, como de decadência”. (STF – MS: 24566 DF, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 22/03/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 28-05-2004)
No mesmo sentido, Villares (2009, p. 128) explica que o prazo estabelecido pelo Estatuto do Índio e no ADCT não pode ser peremptório, mas sim norma pragmática, cuja finalidade é a de impor a União que demarque as terras em tempo razoável, podendo até mesmo se fazer um juízo de urgência e oportunidade para verificar a necessidade de demarcação das terras com pedidos e até mesmo procedimentos já concluídos.
Questões políticas fazem com que a demarcação de terras indígenas fique a mercê e em constante inércia do executivo para com a aplicabilidade do direito dos índios. O ano de 2012 constou no relatório de violência do CIMI (2012, p. 14) que apenas 7 terras foram demarcadas e que 44 processos concluídos de demarcação dessas terras estavam “engavetadas” esperando apenas providência do Chefe do Executivo para efetivar as homologações.
Percebe-se então que a demarcação de terras é apenas mais uma forma de atrasar o reconhecimento do direito originário sobre as terras habitadas e contra os preceitos de direitos humanos garantido no direito internacional e até mesmo pela Constituição, definindo que os índios têm direito as terras habitadas independente de ato demarcatório. Não se quer aqui dizer que a demarcação é algo desnecessário, ao contrario, é o que se quer em prazo hábil, porém esta é o simples ato de reconhecimento do Estado, onde informa a sociedade as medidas adotadas e as populações existentes naquele território definido e homologado. Importante salientar que a demarcação não é ato que define terra desconhecida e não habitada por populações indígenas, ou seja, os índios terão direito sobre as terras existentes e já habitadas tradicionalmente desde que não sejam de terras privadas, não podendo estes ser remanejados para terras desconhecidas.
O Brasil deixa que os povos indígenas se transformem em “minorias invisíveis”, como bem ensina Silveira (2010, p. 31). Talvez, esse seja um dos motivos de grandes mobilizações, e a principal causa é o atraso nas demarcações de terras e a falta da aplicação de direito interno e internacional para com os índios. Recentemente no Congresso Nacional houve uma suspensão das demarcações de terras indígenas, até mesmo as portarias declaratórias que reconhecem novas TIs estavam paralisadas, com a alegação de que devem ocorrer “mesas de diálogos” entre produtores rurais e índios com o intuito de evitar lide em processos judiciais.
Questões políticas e econômicas prevalecem frente ao direito de terras que garantem a sobrevivência dos povos tradicionais, o que neste caso prevalece são questões políticas que têm como intuito beneficiar os grandes proprietários de terras, o Chefe do executivo dificulta a demarcação de terras, a fim de beneficiar poucos que se destacam economicamente, e, como resultado viola o direito fundamental de uma coletividade que têm direitos tradicionais sobre tais terras, isto é muito parecido com o que ocorreu no período colonial, questões econômicas prevalecendo frente ao direito dos povos indígenas.
Neste sentido, não se pode passar despercebido frente os ensinamentos de Rawls (2000, p. 4):
“Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos tenham menos valor que o total maior das vantagens desfrutadas por muitos” (RAWLS, 2000, p. 4).
De nada adianta ser o ato homologatório de competência Federal, se o que prevalece neste são as imposições de interesses políticos e econômicos advindo de representantes do povo, que se submete aos interesses de pequenas parcelas econômicas, como é possível se deparar hoje com os processos homologatórios suspensos, a fim de prevalecer interesses de representantes do agronegócio e ruralistas. Neste caso não é o interesse público da União que esta prevalecendo ao direito dos índios, forma esta admitida na Constituição Federal, mas o que não se pode admitir e está acontecendo, é que as terras indígenas não são demarcadas por ser interesse de uma única parcela da sociedade, e mais, pode-se dizer que o Poder Executivo manipula as demarcações das TIs.
Abaixo, o numero de terras declaradas e homologadas nos seis últimos governos:
O número de terras homologadas é muito diferente de Governo para Governo, a clareza de interesses políticos e econômicos transparecem frente à discrepância de demarcações homologadas por cada um, independente do procedimento em vigência. O ideal seria passar o ato homologatório final das terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas para o Poder Judiciário, criando Varas especializadas de acordo com a demanda, respeitando sempre o procedimento administrativo e a viabilidade, tendo em vista o Judiciário ser um órgão serio e com melhores fundamentos para demarcar essas terras sem interesses políticos e econômicos sobre elas, devendo a União atuar como parte legítima já que as terras a ser demarcadas são bens da União.
O procedimento administrativo já concluído, que depende tão somente do ato homologatório do Chefe do Executivo, não pode ficar “congelado” sobre o poder deste a espera do ato final, violando garantias fundamentais a qual o Estado tem o dever de assegurar aos povos tradicionais, sendo assim, outra solução, seria estabelecer um prazo razoável para que o responsável homologasse tais terras, assim garantiria em tempo hábil ou no máximo proporcional a efetivação de todos os direitos fundamentais aqui já mencionados.
O que se pretende é justamente o que Rawls (2000, p. 4) ensina:
“Portanto numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais. A única coisa que nos permite aceitar um teoria errônea é a falta de uma teoria melhor; de forma análoga, uma injustiça é tolerável somente quando é necessária para evitar uma injustiça ainda maior.”
A falta de demarcação das terras habitadas por povos tradicionais em tempo hábil causam grandes danos a vida dos indígenas, não por causa dos procedimentos adotados por Decretos, mas sim por falta da aplicação da Justiça em forma ampla. A demarcação de TIs já é regulada pelo direito, o que se busca e se quer é que a esse direito seja aplicado à Justiça, porém, até que o ato final demarcatório seja responsabilidade e dever do Chefe do Executivo isso não será aplicado, pois o que prevalece são interesses políticos e econômicos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A terra é a principal reivindicação entre índios e não índios, tendo em vista ser matéria de cunho fundamental para sobrevivência de ambos, porém o segundo não se limita apenas a isto, mas sim visando interesse de crescimento econômico e social. O direito originário para os índios é então, preceito fundamental para a existência e continuidade desses povos tradicionais, o artigo 231 da Constituição Federal garante esse direito, porém para ser efetivado de fato é necessário que essas terras sejam demarcadas, para que assim sejam respeitados seus espaços naturais, imprescindíveis a sobrevivência, bem como a regularização para que não indígenas sejam retirados dessas terras tradicionais quando habitadas, respeitando assim a originalidade dessas terras.
Como demonstrado, somente em 19 de Dezembro de 1973 o Brasil adotou uma Lei específica (Estatuto do Índio) no que diz respeito ao direito dos povos indígenas e em 1988 foi constitucionalizado um capítulo sobre os índios, inovando grandemente ao reconhecimento do direito desses povos. Contudo, é perceptível que o Estado apenas reconheceu o direito dos índios, porém não são efetivados e de fato aplicados, isto explica as grandes mobilizações ocorridas nos últimos tempos, o que se quer é a aplicabilidade do direito já reconhecido, principalmente sobre a demarcação de terras.
A nossa Constituição é carregada de preceitos e princípios de âmbito internacional, ambos não são respeitados pelo Estado, pois os Tratados e Convenções Internacionais em que o Brasil faz parte, pouco é aplicado, principalmente em relação à consulta livre, prévia e informada que deve sempre prevalecer quando de forma direta afetar as populações indígenas, e, quando aplicado não respeita ou cumpre os acordos firmados.
Como salientado neste trabalho, existem dois tratados específicos aplicáveis aos povos indígenas, o primeiro é a Convenção 169 da OIT, o segundo é a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, porém a este último o Brasil ainda não é signatário. O que faz esses tratados serem violados em âmbito interno é a não obrigatoriedade de cumprimento, diversas denuncias são feitas a órgãos internacionais, mas estes apenas fazem recomendações para que seja de fato aplicado, porém a falta de norma obrigatória faz com que o Estado continue violando os Tratados e Convenções internacionais.
As lutas e mobilizações indígenas são entorno a falta de demarcação de terra, esta faz com que freqüentemente tenha os índios seus direitos fundamentais tanto de âmbito interno como internacional violados, pois a demarcação é o meio formal em que o Estado reconhece o direito originário dos indígenas sobre as terras habitadas, e adota a função de garantir que essas terras não sejam habitadas por não indígenas.
O Decreto 1.775/76 estabelece que a demarcação de terras indígenas deve ser feita por iniciativa da FUNAI e finalizadas pela União Federal por meio de decreto homologatório. Este trabalho mostra que não há dificuldades do órgão de proteção aos índios frente a questões políticas, econômicas, sociológicas ou antropológicas nos estudos de demarcação de determinada terra indígena, o que ocorre é que os procedimentos administrativos já concluídos pela FUNAI ficam estagnados no Congresso Nacional a espera de assinatura do Decreto homologatório que somente pode ser do Presidente da República.
Com as suspensões de demarcação das terras indígenas no ano de 2014, ficou claro que esses processos ficam a mercê do procedimento final da União por interesses econômicos e principalmente políticos por ter a frente grandes donos de terras, o agronegócio e ruralistas. Alguns autores dizem que o PAC também faz parte desse conjunto de interesses, porém não é verdade, tendo em vista que mesmo as terras demarcadas, por interesse público da União podem sofrer com apropriação do Estado frente os interesses econômicos, com base no §6 do artigo 231 da Constituição Federal.
Percebe-se então, que a mora do processo demarcatório não se justifica pelos diversos Decretos reguladores dos procedimentos demarcatórios, mais sim frente a interesses econômicos e políticos perceptíveis de Governo para Governo, deixando mais uma vez claro que o não cumprimento do prazo estabelecido no Estatuto do Índio e no artigo 67 do ADCT, de cinco anos, não é conseqüência das dificuldades enfrentadas pela FUNAI, porém é descumprimento da norma constitucional pelo próprio Estado, pois o ato final depende tão somente do Chefe do Poder Executivo.
Assim, conclui-se que a demarcação das terras indígenas em tempo hábil é a única maneira de diminuir as violações promovidas pelo Estado contra os povos indígenas, no que diz respeito aos direitos fundamentais, pois as terras em que habitam são garantias de todos os preceitos estabelecidos no artigo 231 da Constituição, os quais, o Estado reconhece aos índios frente ao restante da população a “[…] organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Não se pode deixar que essas demarcações sejam influenciadas por questões políticas e econômicas, assim sendo, para haver justiça ao direito vigente, seria ideal que o ato final das demarcações fosse atribuição do Poder Judiciário, respeitando o procedimento administrativo e a viabilidade, a fim de fazer valer o direito existente e a garantia dos preceitos reconhecidos na Constituição para com os povos indígenas, sem interferência política, ou que fosse estabelecido prazo para o chefe do Executivo executasse o ato final homologatório.
Nota:
Informações Sobre o Autor
Jessica Lorrane Barros Matos
Bacharel em direito