Direitos humanos versus direitos fundamentais: dimensão axiológica no ordenamento jurídico brasileiro

Resumo: O entendimento ao que tange desmistificação entre os direitos humanos e fundamentais é de valiosa importância para saber se algumas dos respectivos direitos se sobressaem ao outro. Enquanto o primeiro diz mais a respeito da esfera internacional o segundo refere-se a esfera nacional. Todavia, a Constituição Federal de 1988 concede tratamento especial aos direitos e garantias internacionalmente consagrados ao estabelecer que os direitos fundamentais garantidos em tratados de proteção internacional em que o Brasil é parte passam a integrar direta e imediatamente o ordenamento jurídico interno, consoante o estabelecido no art. 5°, §2°. A explanação sobre a jurisdicionalização dos direitos fundamentais verificou que o Poder Judiciário serve para garantir e efetivar o pleno respeito aos direitos humanos fundamentais, sem que possa a lei excluir de sua apreciação qualquer lesão ou ameaça de direitos. A proteção aos direitos humanos no Brasil está vinculada, diretamente, à história das Constituições brasileiras, marcada por avanços e retrocessos. Entre todos os direitos positivados em um determinado ordenamento, os direitos fundamentais são os mais importantes e devem prevalecer frente aos demais.

Palavras-chave: Direitos humanos; Direitos fundamentais; Ordenamento jurídico; Constituição; Brasil.

Abstract: Understanding the terms demystification of human and fundamental rights is of valuable importance to whether some of their rights to stand each other. While the first is more about the international sphere the second refers to the national level. However, the 1988 Federal Constitution grants special treatment to the rights and guarantees internationally recognized to establish the fundamental rights guaranteed in international protection treaties to which Brazil is a party become part directly and immediately the domestic legal system, as established in article . 5 °, §2. explanação on jurisdictionalization fundamental rights found that the judiciary is to ensure and carry full respect for fundamental human rights, without which the law may exclude from its assessment any injury or rights threat. Among all rights positivized in a certain order, fundamental rights are the most important and should prevail compared to the others.

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Key-words: Human rights; Fundamental rights; law; Constitution; Brazil.

Sumário: Disposições preliminares. 2. Conceituação: direitos humanos e direitos fundamentais. 2.1. Dimensões dos direitos fundamentais. 2.2. Teorias dos direitos fundamentais. 2.2.1. Teoria liberal. 2.2.2. Teoria institucionalista. 2.2.3. Teoria jusnaturalista. 3. O protecionismo aos direitos humanos nas constituições brasileiras. Conclusão. Referências.

1 DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

A ideia de direitos humanos tem sua estrutura basilar ligado à necessidade de defesa do cidadão contra as intervenções do Estado, e também contra os excessos de poder e transgressões praticadas por entes privados. Com o intento de atender as necessidades dos cidadãos na esfera do direito, foi estabelecido um conjunto de valores intangíveis, os quais foram manifestados em ferramentas normativas internas, consubstanciados como imperativo os ordenamentos jurídicos contemporâneos, bem como as Constituições de cada Estado soberano.

Os Direitos Fundamentais são os direitos essenciais a todos os cidadãos, sendo direitos inerentes à pessoa humana e garantidos pela constituição. Por isso, a sua evolução e a positivação no ordenamento jurídico brasileiro são de absoluta importância, haja vista que sua efetivação foi conquistada por intermédio de luta e os direitos sendo garantidos a curtos passos. Assim, os Direitos Fundamentais passaram do particular, ao coletivo e deste à categoria de direitos de solidariedade.

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo é realizar uma análise acerca dos direitos humanos e direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, a partir de um exame de conceitos e dimensões, por assim dizer as teorias que os fundamentam, desse modo o intuito é verificar a dimensão axiológica na ordem jurídica nacional. Não oponente a grande importância dos mecanismos de proteção próprios da esfera internacional, a pesquisa será voltada ao fluxo histórico dos direitos humanos positivados, em outras palavras das garantias e direitos fundamentais elencados na constituição brasileira.

2 CONCEITUAÇÃO: DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

O termo “direitos humanos” é um dos mais utilizados na cultura jurídica e na política atual, pelos estudiosos do direito e pela população em geral. Pode-se dizer que é bem próximo da ideia de Direito Natural, presente nos séculos XVII e XVIII, uma vez que, tal qual este, funciona como uma garantia para a dignidade da pessoa humana e de igualdade entre os seres, além de ter a função reguladora da legitimidade dos sistemas políticos e ordenamentos jurídicos.

Os direitos humanos seriam dotados dos caracteres da universalidade e da generalidade, assim com amplitude para todos os homens, em todas as épocas por assim dizer. Contudo, tais características são de difícil realização e a inobservância se justifica em virtude da diversidade cultural. Os direitos humanos seriam conceituados como os direitos supra-positivos, ou seja, os que não resultam de uma concessão da sociedade política, mas constituem prerrogativas inerentes à condição humana.

Os direitos fundamentais surgiram da necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e da consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade. Tratam-se, assim, de um direito de proteção que visa salvaguardar os direitos dos seres humanos e não os direitos dos Estados.

Perez Luño (apud MORAES, G., 1997, p.23) apresenta-nos uma definição completa sobre os direitos fundamentais do homem, considerando-os “um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade, da solidariedade e da igualdade humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional”.

Na visão de Canotilho (1993, p.541), os direitos fundamentais “cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”. 

Costuma-se aceitar a utilização das expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais” como sinônimas. Destarte, Bonavides (1998, p. 16) enfatiza que “para maior clareza e precisão, o uso das duas expressões com leve variação de percepção, sendo a fórmula “direitos humanos”, por suas raízes históricas, adotada para se referir aos direitos da pessoa humana antes de sua constitucionalização ou positivação nos ordenamentos nacionais, enquanto “direitos fundamentais” designam os direitos humanos quando trasladados para os espaços normativos”.

Com os conceitos expostos extrai-se a diferenciação entre ambos os termos. Os direitos humanos se identificam com as aspirações morais ligadas ao indivíduo, que o acompanham independentemente do acolhimento do ordenamento, contudo, há que se ressaltar que, apesar dos direitos humanos constituírem direitos inerentes à própria pessoa humana, não se pode desconhecer a subordinação do indivíduo ao Estado como garantia de que eles operam dentro dos limites impostos pelo direito, uma vez que foram criados para reduzir a ação do Estado, não para servirem de salvaguarda de práticas ilícitas. Enquanto os direitos fundamentais, em contrário, são direitos cuja titularidade depende do reconhecimento jurídico dessas pretensões morais, por seu conteúdo e importância, e da articulação efetiva de mecanismos de proteção e garantia.

2.1 Dimensões dos Direitos Fundamentais

Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação dos direitos fundamentais em primeira, segunda e terceira gerações, mas para alguns doutrinadores são tratadas como dimensões, baseando-se na ordem histórica e cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos. Estas correspondem ao lema da revolução francesa: (i) liberdade, (ii) igualdade e (iii) fraternidade.

Segundo Agra (2002), a primeira geração dos direitos fundamentais é composta dos direitos de liberdade, os quais abrangem os direitos civis e políticos, igualmente chamados de direitos de resistência, de defesa e direitos negativos. A gênese dessa geração de direitos foi a resistência da classe burguesa contra o Estado opressor, contra os privilégios da realeza, contra o modelo feudal que oprimia a burguesia incipiente. Para a realização dos direitos de primeira geração, bastou o surgimento do Estado de Direito, em que a atuação dos entes estatais deveria ser feita mediante lei, suprimindo a vontade despótica do rei. 

A segunda geração dos direitos fundamentais elenca direitos que exigem atividades do Estado, no sentido de atender às necessidades da população. Na visão de Agra (2002, p.139), “os direitos de segunda dimensão produzem uma simbiose entre o Estado e a sociedade, propiciando que a igualdade saia da esfera formal e adentre na esfera material, garantindo direitos a todos, principalmente àquela parte da população que é carente de recursos”. 

Quanto a esses direitos de segunda geração, sintetiza Bonavides (2007, p. 564) “são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”. 

Os direitos de terceira geração são identificados, de forma geral, como sendo o direito à fraternidade, abrangendo o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente equilibrado, direito ao patrimônio histórico, artístico e cultural e à autodeterminação dos povos. Esses mesmos direitos são chamados de difusos, e seu nascedouro é a da própria sociedade. Eles representam um status civitatis onde o Estado deve agir, não podendo ficar omisso, pois devem satisfazer necessidades humanas.

A respeito desses direitos Bonavides (1997, p. 523) afirma que “os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificadamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. (…) Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade”.

Mello (apud MORAES, A., 1998, p.45) apresenta as seguintes conceituações conjuntas das três gerações aqui já descritas “enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades reais, positivas ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de um essencial inexauribilidade”.

Por fim, há uma corrente que defende a existência de direitos de quarta geração, não sendo, porém, seguida por todos os doutrinadores. Tais direitos seriam resultantes do processo de globalização dos direitos fundamentais, correspondendo à fase de institucionalização do Estado Social. Em termos gerais são os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo e têm por escopo integrar o cidadão nas decisões políticas tomadas pelos entes governamentais, intensificando o grau de democracia, e representam um status ativo, visto que o cidadão pode participar da formação da vontade política do Estado. A Constituição de 1988 alarga o elenco dos direitos e garantias ao incluir como direitos fundamentais não apenas os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais.

O texto constitucional prevê expressamente a existência dessas gerações, estabilizando em um único ordenamento grande parte dos direitos fundamentais, visto que o art. 5°, § 2°, da Carta Magna determina que não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Os direitos de segunda geração são os elencados no art. 5° – direitos e deveres individuais e coletivos; os de terceira geração – direitos sociais – encontram-se nos arts. 6° a 11 e os de quarta geração nos arts. 12 a 17.

2.2 Teorias dos Direitos Fundamentais

Diversas teorias surgem com o objetivo de justificar e esclarecer o fundamento dos direitos humanos. Por meio delas, permite-se a fundamentação dos direitos inerentes à pessoa humana, determinando o sentido, o significado e o alcance dos direitos fundamentais.

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Porém, destaca Canotilho (apud MORAES, G., 1997, p. 83) que “a abordagem dos direitos fundamentais não deve, porém, ser aprisionada por teorias ou sistemas fechados, impondo-se antes uma dogmática aberta em que o pensamento problematizante sobreleve as exigências da dogmática pura”.

As principais teorias que a doutrina identifica são: (i) a liberal; (ii) a institucionalista e; (iii) a jusnaturalista, possuindo, cada uma, características que lhes são peculiares.

2.2.1 Teoria liberal

A teoria liberal foi desenvolvida a partir dos valores legitimadores do Estado liberal, possuindo a ideia de participação da cidadania na formação da vontade soberana e explanando o pensamento limitante da ação do Estado nas estruturas autocráticas do poder, todavia a liberdade do cidadão é ilimitada e assim não sendo passível de mensuração, impondo como centro de gravidade dos direitos fundamentais o seu titular. A teoria liberal tem em vista tornar mais eficaz e segura a proteção da liberdade do ser humano perante o Estado, erigindo como princípio superior dos direitos fundamentais a constitucionalidade, ao tratar a garantia da liberdade como nível constitucional, uma vez que nenhuma norma detém poder superior a constituinte. Todavia, essa teoria é alvo de críticas, pois entende que a utilização e efetivação dos direitos fundamentais dependeriam unicamente da vontade de seus destinatários, o que realmente não acontece, pois necessitam da intervenção do Poder Público.

2.2.2 Teoria institucionalista

A teoria institucional nega uma dimensão subjetiva e insere os direitos fundamentais em uma instituição, colocando-os ao lado de outros bens dotados de valor constitucional, com os quais nutrem relação de condicionalidade. É nesta teoria que o conceito de direito fundamental sobressaísse, menos pela subjetividade individual do que pela objetividade material e social, pois dilata a normatividade destinada à proteção desses direitos. Isso ocorre ao modificar a lei em uma ferramenta positiva que não só possibilita como promove a liberdade a determinado objetivo.

2.2.3 Teoria jusnaturalista

A teoria jusnaturalista defende que os direitos humanos não são criações dos legisladores, tribunais ou juristas, mas decorrentes de uma ordem superior. Assim, são anteriores e superiores ao desejo estatal.

2.3 Internacionalização dos Direitos Humanos

Na atualidade há uma forte tendência para a internacionalização dos direitos humanos, como maneira de assegurar a proteção do ser humano na esfera nacional e internacional. Como decorrência disso, existe a elevação do interesse pela aplicação dos instrumentos externos de proteção desses direitos em nosso direito interno.

Um dos motivos desse crescimento encontra amparo no fato da legislação internacional já se encontrar avançada, necessitando, todavia, dar efetividade no plano interno, vez que ambos têm como propósito a proteção da pessoa humana. As transformações internas dos Estados repercutem no plano internacional, e a nova realidade neste provoca mudanças no progresso interno e no ordenamento constitucional dos Estados.

Salienta Rothenburg (2000) que a internacionalização dos direitos humanos pode ser averiguada por intermédio do reconhecimento desses direitos pelas comunidades de Estados, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos; pela previsão de meios de proteção, especialmente a instituição de tribunais com jurisdição internacional ou o estabelecimento de procedimentos pertinentes e a determinação eficaz de sanções oriundas do poder de Estado. Com isso, a comunidade internacional passa a reconhecer que a proteção dos direitos humanos constitui questão de autêntica importância e preocupação internacional, o que provoca na noção de que a negação desses mesmos direitos impõe a responsabilização internacional do Estado violador.

A respeito das formas de responsabilização do Estado no âmbito internacional, quando as instituições nacionais se mostram omissas ou falhas na tarefa de proteção dos direitos humanos internacionalmente assegurados Piovesan (2002, p. 63) observa “ a partir do momento em que o Brasil se propõe a fundamentar suas relações com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo reconhecendo a inexistência de limites e condicionamentos à noção de soberania estatal. Isto é, a soberania do Estado brasileiro fica submetida a regras jurídicas, tendo como parâmetro obrigatório a prevalência dos direitos humanos. Rompe-se com a concepção tradicional de soberania estatal absoluta, reforçando o processo de flexibilização e relativização, em prol da proteção dos direitos humanos.

É alvo de bastantes discussões a respeito da internacionalização o que refere-se a hierarquia entre as normas de tratados e de direito interno, a fim de se saber quais devem ser aplicadas para proteger os direitos inerentes à pessoa humana. As soluções para a aplicação resultam de critérios valorativos e da discricionariedade dos constituintes nacionais, variando, de país a país.

Canotilho (apud PIOVESAN, 2002, p. 59 e 60) explica o sentido fundamental da aplicabilidade direta que um Estado não pode deixar de cumprir suas obrigações convencionais sob a alegação de dificuldades de ordem constitucional ou interna afirmando que “os direitos, liberdades e garantias são regras e princípio jurídicos, imediatamente eficazes e actuais, por via direta da Constituição e não através da auctoritas interpositio do legislador. Não são simples norma normarum, mas norma normata, isto é, não são meras normas para produção de outras normas, mas sim normas diretamente reguladoras de relações jurídico-materiais”.

Piosevan (2002) destaca que o direito exprimido no tratado internacional poderá: (i) reproduzir direito assegurado pela Constituição, robustecendo o valor jurídico de direitos constitucionais; (ii) inovar o universo de direitos constitucionalmente previstos, ampliando seu elenco; (iii) ou contrariar preceito constitucional, o que faz com que prevaleça a norma mais favorável à proteção da vítima. Contudo, em todas as hipóteses os direitos internacionais vêm aperfeiçoar e solidificar o grau de protecionismo dos direitos aplicados internamente.

3 O PROTECIONISMO AOS DIREITOS HUMANOS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Dimoulis e Martins (2007) apresentam uma visão bem minuciosa ao que tange o protecionismo aos direitos humanos na evolução histórico-constitucional, descrevem que a primeira Constituição do Brasil, a Constituição Imperial de 1824, proclamou os direitos fundamentais nos 35 incisos de seu art. 179. Apesar de outorgada, mostrou-se uma Constituição liberal, dispondo direitos semelhantes aos encontrados nos textos constitucionais dos Estados Unidos e da França, pregando a inviolabilidade dos direitos civis e políticos. A efetivação de tais direitos foi prejudicada pela criação do Poder Moderador que concedia ao imperador poderes constitucionalmente ilimitados, centralizando assim o poder nas mãos de um único indivíduo, o que acarretaria em interferências no exercício dos demais poderes, dado que sua vontade era soberana e onipotente.  A Constituição Republicana de 1891 manteve, em seu art. 72, composto de 31 parágrafos, os direitos fundamentais especificados na Constituição de 1824. Além disso, no rol de direitos e garantias fundamentais, previu o instituto do habeas corpus, anteriormente garantido tão somente em nível de legislação ordinária, e com a rígida separação entre o Estado e a Igreja houve intensa liberdade de culto a todas as pessoas.

Uma lista de direitos fundamentais, semelhante àquela especificada na Constituição de 1981, pode ser encontrada na Constituição de 1934. Destaque-se importante inovação ocorrida: com a ruptura da concepção liberal do Estado, foram positivados nos textos constitucionais elementos sócio-ideológicos, típicos da segunda dimensão. Foram instauradas normas de proteção ao trabalhador, dentre elas: a proibição de diferença de salário em razão de sexo; idade; nacionalidade ou estado civil; proibição de trabalho para menores de 14 anos de idade; repouso semanal remunerado; limitação da jornada a 8 horas diárias; estipulação de um salário mínimo, entre outras. Bem como foram criados os institutos do mandado de segurança e da ação popular (art. 113, incs. 33 e 38).

Já a inspiração Constituição de 1937 é oriunda da Carta ditatorial polonesa de 1935, na qual instaurou o Estado Novo, reduziu os direitos e garantias individuais, empreendendo a desconstitucionalização do mandado de segurança e da ação popular, os quais foram restaurados e ampliados com a Constituição de 1946, bem como os direitos sociais. Em seguida, a Constituição de 1946 foi derrubada com a ditadura e a próxima Carta, a de 1967, trouxe inúmeros retrocessos, extinguindo a liberdade de publicação, tornando restrito o direito de reunião, estabelecendo foro militar para os civis, mantendo todas as punições e arbitrariedades decretadas pelos Atos Institucionais, etc. No âmbito dos direitos sociais, o constituinte de 1967 continuou retrocedendo, a saber: (i) reduziu a idade mínima de permissão para o trabalho para 12 anos; (ii) restringiu o direito de greve; (iii) acabou com a proibição de diferenciação de salários por motivos de idade e de nacionalidade; (iv) recompensando o trabalhador com ínfimas vantagens, como por exemplo, o salário-família. A partir de 17 de outubro de 1969, a Constituição brasileira de 1967 sofreu significativa e substancial reforma, através de emendas aditivas, modificativas e supressivas (BULOS, 2003).

Por fim, após o longo período ditatorial vivenciado no Brasil e o clamor dos cidadãos brasileiros a constituição de 1988, conhecida por “Constituição Cidadã”, veio para proteger os direitos do homem. Em seu artigo 5º, traz um extenso rol de direitos, prevalecendo as liberdades individuais, direitos do cidadão contra o Estado. Ao lado destes, prescreve também direitos coletivos e deveres individuais coletivos. O art. 6º define os direitos sociais a serem concretizados por todos os órgãos estatais. O art. 7º eleva os direitos dos trabalhadores a nível constitucional, o que traz relevantes consequências dogmáticas, como a incidência do dever estatal de tutela, sendo que a omissão ou não cumprimento deste dever pelo Estado dá azo a ações constitucionais (DIMOULIS; MARTINS, 2007).

Sarlet (2007, p. 77), descreve o seguinte entendimento sobre a Constituição de 1988, “a marca do pluralismo se aplica ao título dos direitos fundamentais, do que dá conta a reunião de dispositivos reconhecendo uma grande gama de direitos sociais, ao lado dos clássicos, e de diversos novos direitos de liberdade, direitos políticos, etc. Saliente-se, ainda no que diz com este aspecto, a circunstância de que o Constituinte – a exemplo do que ocorreu com a Constituição Portuguesa – não aderiu nem se restringiu a apenas uma teoria sobre direitos fundamentais, o que teve profundos reflexos na formação do catálogo constitucional destes”. 

De acordo com Canotilho (1998) conclui-se que o constituinte de 1988 previu uma inovação, ao dispor, no art. 5º, § 2º que “Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte”. Havendo uma ampliação do bloco de constitucionalidade cuja intenção foi proteger os direitos humanos, ou seja, além dos que estão escritos no texto constitucional, incluindo-se os direitos decorrentes dos tratados, pactos, cartas, convênios, protocolos, entre outros.

CONCLUSÃO

Realizamos uma breve exposição acerca da definição dos direitos fundamentais, observando-se que se trata de direito de proteção que visam salvaguardar os direitos dos seres humanos e não do Estado e tem por finalidade básica o respeito à dignidade do ser humano. Posteriormente relatamos a sua evolução histórica, a qual se traduz em um processo sucessivo e cumulativo, identificado pelo advento de direitos fundamentais cujo conteúdo e a ordem histórica obedecem ao lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Ademais, foi feita realizada análise das teorias que justificam e esclarecem à fundamentação dos direitos humanos, quais seja, teoria liberal, institucionalista e jusnaturalista, apresentando suas peculiaridades.

Prosseguindo, elaborou-se uma explanação sobre a jurisdicionalização dos direitos fundamentais, verificando que o Poder Judiciário vem para garantir e efetivar o pleno respeito aos direitos humanos fundamentais, sem que possa a lei excluir de sua apreciação qualquer lesão ou ameaça de direitos (art. 5°, XXXV, CF). Observam-se, no corpo da Constituição, normas que enunciam direitos e normas que prescrevem os instrumentos para assegurá-los. Não raras vezes, encontram-se ambas inseridas em um mesmo dispositivo. Aliás, a Constituição de 1988 não separa com exatidão os direitos das garantias fundamentais, elencando-os, indistintamente, em seu Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). De modo que as garantias fundamentais correspondem às disposições que objetivam prevenir ou corrigir violações aos direitos fundamentais protegidos pelo ordenamento jurídico.

Por serem direitos intrínsecos à pessoa humana e por possuírem posição privilegiada em relação aos demais direitos, a doutrina apresenta como principais características dos direitos humanos a imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade. Destarte, os referidos direitos não se perdem pelo decurso do prazo, pois a natureza humana é imutável e, por isso, são imprescritíveis. Não há possibilidade de sua transferência, vez que ninguém pode abrir mão de sua própria natureza, e não podem ser renunciados; há a impossibilidade de desrespeito por determinações infraconstitucionais, sob pena de responsabilidade. Além disso, são tidos como universais por abranger todos os indivíduos indistintamente, devendo o Poder Público atuar no sentido de garantir a sua efetivação, não sendo suficiente com o simples reconhecimento abstrato. Por fim, os direitos humanos não podem ser analisados em sentido uno, mas de maneira conjunta com o intuito de alcance dos objetivos augurados pelo legislador constituinte.

A proteção aos direitos humanos no Brasil está vinculada, diretamente, à história das Constituições brasileiras, marcada por avanços e retrocessos. Entre todos os direitos positivados em um determinado ordenamento, os direitos fundamentais são os mais importantes e devem prevalecer frente aos demais, visto que todos os indivíduos merecem ter a sua dignidade respeitada e reconhecida, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, sendo um dos principais atributos dos direitos fundamentais a constitucionalização, objetivando qualificar a garantia do cidadão.

 

Referências
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
_______. Os direitos humanos e a democracia. In: SILVA, Reinaldo Pereira e (Org). Direitos humanos como educação para a justiça. São Paulo: LTr, 1998.
 _______. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2003.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Marx Limonard, 2002.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas características. 5 ed. rev. ampl. atual. Revista de Direitos Constitucional e internacional. São Paulo, ano 8, n. 30, p. 146-158, jan./março 2000.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

Informações Sobre o Autor

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Edna Firmino Rodrigues Fernandes

Acadêmica do curso de direito do Unipê; Bacharel em ciências econômicas pela UFPB e Tecnóloga em negócios imobiliários pelo IFPB


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