Hierarquia entre lei complementar e lei ordinária

Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de analisar a existência de hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária. Por ser uma questão controvertida entre os doutrinadores, coube uma análise detalhada dos argumentos de cada linha de pensamento, com intuito de verificar qual a posição que melhor se adapta aos preceitos constitucionais do sistema jurídico brasileiro. Durante o estudo, foi levantado que é possível uma norma aprovada como lei complementar ter parte de seu texto revogado por uma lei ordinária, sob o argumento que a parte revogada não deveria ter sido tratada por norma complementar e sim ordinária.


Palavras-chave: Lei complementar. Lei ordinária. Hierarquia material. Hierarquia formal.


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Sumário: 1 Introdução. 2 As Normas Jurídicas a Partir de 1988. 3 Processos Legislativos das Leis Complementares e das Leis Ordinárias. 4 Lei Complementar. 5 Lei Ordinária. 6 Comparações entre a Lei Complementar e a Lei Ordinária. 7 Sobre a Hierarquia. 8 Conclusão. Referências.


1 INTRODUÇÃO


O artigo tem a finalidade de analisar a existência de hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária, no nosso ordenamento jurídico.


A análise será feita com base nas doutrinas divergentes e na jurisprudência existente sobre a matéria. Independente dos recentes julgados, que tendem a admitir a não existência de hierarquia entre ambas, a doutrina não é pacífica quanto ao tema, tendo vários defensores da existência ou não da hierarquia.


Esse tema traz uma discussão quanto à possibilidade de uma norma de conteúdo ordinário, mas que teve um processo legislativo de lei complementar, ser revogada ou inovada por uma lei ordinária, sob o argumento da não existência de hierarquia sobre ambas. Sendo verdade que, tal norma, passou por um processo legislativo mais dificultoso, que enseja maior credibilidade da mesma.


Por isso, é importante uma análise bem detalhada da doutrina para entender se essas recentes decisões têm ofendido ou não o ordenamento jurídico.


2   AS NORMAS JURÍDICAS A PARTIR DE 1988


A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), constituição cidadã, estabeleceu as diretrizes para o novo Estado Democrático de Direito que surgia. Dentre as várias inovações jurídicas, que procuravam atender aos legítimos anseios da sociedade, estava o novo processo legislativo e as respectivas normas jurídicas possíveis, com a finalidade de evitar Governantes com excesso de poder e fazer valer o princípio da segurança jurídica e da legalidade.


Os tipos de normas jurídicas foram pormenorizados na carta constitucional, na Seção VIII do Capítulo I do Título IV que, a teor do art. 59 traz:


Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:


I – emendas à Constituição;


II – leis complementares;


III – leis ordinárias;


IV – leis delegadas;


V – medidas provisórias;


VI – decretos legislativos;


VII – resoluções.


Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.”


Esse dispositivo trouxe os tipos de normas jurídicas que podem ingressar no nosso ordenamento jurídico a partir da entrada em vigência da Carta Magna.


Essa sistematização, prevista pelos arts. 59 e seguintes da Carta Magna, regulados pela Lei Complementar nº 95 de 1998, trouxe o procedimento pelo qual deveriam ser editadas tais normas jurídicas.


A seguir, será explanado sobre o processo legislativo e sobre as peculiaridades da lei complementar e da lei ordinária.  


3   PROCESSOS LEGISLATIVOS DAS LEIS COMPLEMENTARES E DAS LEIS ORDINÁRIAS


A norma legal para ser inserida no mundo jurídico, deve seguir determinadas regras procedimentais que estão determinadas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88).


A Lei Complementar (LC) nº 95, de 1998, alterada pela LC nº 107, de 2001, traz em sua ementa a sua finalidade:


“Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.”


Podemos dividir esse processo em três fases: iniciativa, constitutiva e complementar.


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A fase da iniciativa é a que deflagra o início de todo procedimento, sendo necessário que seja preenchido os requisitos previstos na CRFB/88, juntamente com os previstos na Lei Complementar nº 95.


Podemos ter os seguintes tipos de iniciativas: geral, concorrente, privativa, popular, conjunta e a proposta pela maioria absoluta de qualquer das Casas do Congresso Nacional (art. 67 CRFB/88).


Tanto a lei complementar quanto a lei ordinária seguem essas regras de iniciativa. Não há diferenças de iniciativa. Dessa forma, elas têm a mesma possibilidade de origem.


A segunda fase, a constitutiva, é a que tem maiores diferenças entre ambas.


Nessa, teremos a atuação do Poder Legislativo e do Poder Executivo. O primeiro irá discutir e votar. O segundo irá sancionar ou vetar o projeto de lei. O poder legislativo, por representar o povo (Câmara dos Deputados) e os Estados (Senado), irá trabalhar os anseios da sociedade, devendo os seus representantes deliberar sobre os interesses naquele momento histórico.


No Brasil, no âmbito Federal, temos o bicameralismo, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Todo processo legislativo federal, dessa forma, deve ter apreciação em ambas as casas. O processo será iniciado em uma casa e será revisto pela outra. A casa iniciadora dependerá de quem propôs a iniciativa da lei.


A casa iniciadora normalmente é a Câmara os Deputados e a casa revisora o Senado Federal. Quando a iniciativa for proposta por um Senador ou por uma Comissão do Senado, teremos exceção a regra acima, devendo a casa iniciadora ser o Senado Federal e a Câmara dos Deputados a casa revisora.


Primeiramente, o projeto de lei passará, dentro das casas do Congresso, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que tem o dever de analisar sobre a constitucionalidade da norma. Em seguida, esse projeto será encaminhado a uma das Comissões Temáticas que emitirá um parecer sobre o assunto. Esse procedimento se repetirá tanto na casa iniciadora quanto na casa revisora.


Após o projeto ter passado pelo crivo inicial das comissões de determinada casa, será enviado ao plenário para discussão e votação, sendo necessário um quorum mínimo para instalação da Sessão, bem como um quorum mínimo para aprovação da norma, sendo este último, variável de acordo com a norma jurídica a ser editada.


O Regimento Interno da Casa, em alguns casos específicos, tem autorizado as Comissões Temáticas aprová-los sem a participação do Plenário, desde que não seja interposto recurso por um décimo da Casa.


O passo seguinte, se a norma for aprovada, será o encaminhamento a Casa Revisora, que seguirá um procedimento similar ao anteriormente descrito.


Em qualquer das Casas, se o projeto de lei for rejeitado, será arquivado. Mas, se for aprovado em ambas, seguirá para a terceira fase. Caso seja emendado na Casa Revisora, esse ponto será apreciado novamente pela Casa Iniciadora.


Na última fase, a constitutiva, haverá a deliberação do Chefe do Poder Executivo. Ele poderá sancionar ou vetar o projeto de lei total ou parcialmente.


Sancionado, o projeto de lei passará para a fase complementar. Mas se for vetado, deverá ser enviado ao Congresso Nacional para que este aprecie em sessão conjunta o veto, podendo derrubá-lo por voto da maioria absoluta, em escrutínio secreto. Caso seja derrubado, o projeto de lei deverá ser reenviado ao Presidente da República para ser promulgado.


A fase complementar será dividida em promulgação e publicação. A promulgação atestará a validade e a executoriedade da lei. A publicação será após a promulgação é tem o condão de dar vigência à norma jurídica, levando-a a conhecimento de todos.


Em suma, esse é o processo de inclusão de uma lei no nosso ordenamento jurídico. Os argumentos aqui apresentados são de grande importância na diferenciação entre a lei complementar e a lei ordinária. Abaixo seguiremos nosso estudo para diferenciá-las.


4   LEI COMPLEMENTAR


A Lei Complementar (LC) tem o propósito de complementar a constituição: explicando, adicionando ou completando determinado assunto na matéria constitucional.


É importante ressaltar que, nem sempre as leis complementares, destinam-se a complementar diretamente o texto constitucional. Na verdade, o constituinte, originário ou reformador, reservou à lei complementar as matérias que julgou de especial importância ou polêmicas, para cuja disciplina seja desejável e recomendável a obtenção de um maior consenso entre os parlamentares.


Com tal medida, tem-se o escopo de se intensificar o comprometimento, o envolvimento e a participação dos congressistas, no processo de discussão e aprovação dos documentos legislativos, dos quais emanam intensas ressonâncias na ordem social, política ou econômica.


Vê-se que, a Lei Complementar tem seu campo material determinado pelo constituinte originário ou reformador, que procurou selecionar certas matérias consideradas mais relevantes à época. Ele optou por determinar um processo legislativo mais dificultoso que o processo da lei ordinária, de forma a possibilitar um exame mais exigente destas normas a serem criadas.


5   LEI ORDINÁRIA


A lei ordinária é uma norma jurídica primária que contém normas gerais abstratas que regram nossa vida em coletividade. É uma norma infraconstitucional, que tem competência material residual, ou seja, o que a Constituição Federal não determinou que seja tratado por norma jurídica específica, será tratado por uma lei ordinária.


6   COMPARAÇÕES ENTRE A LEI COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA


Embora o processo legislativo seja muito semelhante entre ambos os tipos de normas jurídicas, existem algumas diferenças que dão início a um questionamento sobre se há ou não a hierarquia entre as mesmas.


O primeiro ponto de diferenciação está no aspecto material trazido pela CRFB/88. O legislador originário, como foi dito anteriormente, procurou selecionar as matérias que achou mais sensíveis e importantes, naquela determinada época, indicando que este tema deveria ser trado por Lei Complementar. A intenção do Legislador era selecionar determinadas matérias.


Essa indicação está explicita, sendo indicado quando haverá a necessidade de lei complementar ou não. Como exemplos têm-se os seguintes artigos da CRFB/88: arts. 7º, I; 14, § 9º; 18, §2º, § 3º; 22, parágrafo único; 23, parágrafo único etc.


Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:


I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;”


No que se refere a lei ordinária, o seu campo material de atuação será alcançado por exclusão. Se a constituição não exige a elaboração de lei complementar então a lei ordinária será competente para tratar daquela matéria.


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O segundo ponto é verificado no aspecto formal. Refere-se ao processo legislativo de formação da norma jurídica.


A lei ordinária para sua aprovação pelo Poder Legislativo faz-se por maioria simples. Enquanto, a lei complementar tem sua aprovação apenas por maioria absoluta.


Primeiramente, verifica-se que a sessão deve ser iniciada com o quorum de instalação da sessão de votação, sendo necessário a presença da maioria absoluta de seus membros para que seja iniciada.


O que seria a maioria simples? A maioria simples é a maioria dos votos dos presentes na sessão de votação. Explicando numericamente temos:


– A Câmara dos Deputados é composta por 513 deputados federais;


– Para iniciar-se a Sessão é necessária a presença, no mínimo, da maioria absoluta de seus membros, que equivalem a 257 deputados;


– Se estivessem presentes à sessão, exatamente 257 deputados, seriam necessários 129 votos para aprovação de uma lei ordinária.


Vemos que a maioria simples está intimamente ligada ao número de presentes na sessão de votação iniciada. Enquanto a maioria absoluta refere-se diretamente ao número de componentes da Casa Legislativa. Ou seja, ele é estático, não varia, a não ser que se aumente ou diminua o número de representantes da respectiva Casa.  No exemplo acima, verificamos que o quorum de instalação da sessão também é a maioria absoluta.


Na Câmara dos Deputados considerada acima, a sessão teria início com 257 parlamentares, e a lei complementar só seria aprovada se obtivesse a maioria absoluta dos votos, ou seja, 257 votos.  Observa-se que a quantidade de votos necessários para a aprovação da LC é constante, dependendo exclusivamente do número de componentes da Casa.


Com isso, observa-se a maior dificuldade de ser aprovada uma Lei Complementar, devido à necessidade de maior concordância entre os membros do Parlamento. Segundo Michel Temer, há a necessidade de uma manifestação de vontade mais qualificada, que enseja uma maior expressão do Poder Legislativo diante da matéria.


7   SOBRE A HIERARQUIA


Em um primeiro momento, deve-se entender o que é hierarquia para o direito. Para o direito, a hierarquia de uma norma é a subordinação desta a uma fonte geradora superior. Vemos, por exemplo, que todas as leis são hierarquicamente inferiores a Constituição Federal, pois encontram seu fundamento de validade na Carta Magna.


Então, haverá uma hierarquia entre duas normas jurídicas quando uma delas tiver sua origem e seu fundamento de existência na norma julgada hierarquicamente superior. É o caso do decreto regulamentar, que visa regulamentar disposição de lei. Nesse caso, o decreto tem sua existência dependente da lei, ou seja, se a lei for declarada inconstitucional, automaticamente o decreto perde a sua sustentabilidade, e será, também, contra a constituição.


No que diz respeito à existência ou não de hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária, a doutrina é divergente. Possuem excelentes argumentos para ambos os pensamentos, baseados em supedâneos técnicos na defesa de suas idéias. São argumentos relevantes, de doutrinadores conhecidos, que nos levam a uma reflexão mais pausada e detalhada.


Em uma primeira corrente estão doutrinadores que argumentam a existência de hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária, destacando-se: Wilson Acciolim, Manoel Gonçalves, Geraldo Ataliba, Haroldo Valadão, Pontes de Miranda e Alexandre de Moraes.


Representam o pensamento, da segunda corrente, contrário ao argumento que existe hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária, os seguintes doutrinadores: Celso Spitzcovsky, Celso Bastos, Michel Temer, Leda Pereira Mota e Pedro Lenza.


A primeira divergência surge quanto ao aspecto material taxativo. Demonstra-se interessante a elaboração de considerações acerca dessa discussão, que enseja conflitos doutrinários.


Na CRFB/88, em várias passagens de seu texto utiliza-se o termo “lei”, desprovido de qualquer qualificação. Para alguns juristas, isso implicaria na possibilidade do legislador, nos casos em que a “grandeza do tema” assim exigisse, fazer uma valoração axiológica e tratar a questão, através de lei complementar. Eles levam em consideração de que “quem pode mais pode menos”. Dessa forma, se a lei complementar é mais dificultosa, pode tratar de temas que não foram anteriormente assim considerados.


Para outros juristas, como Pedro Lenza, há um flagrante de desconsideração do requisito taxativo material, imposto pela CRFB/88, quando normas que deveriam ser tratadas por lei ordinária, passam a ser tratadas por lei complementar. Para este, a Constituição Federal foi taxativa. O legislador constituinte originário analisou todas as matérias julgadas relevantes, não cabendo ao legislador ordinário criar novas hipóteses de aplicação da Lei complementar.


Aqui nasce o primeiro dilema, pois segundo a primeira corrente, as questões que suscitam a formulação de lei complementar são resultados de uma avaliação axiológica por parte do legislador ordinário. Para a segunda posição, essa avaliação axiológica deriva do legislador constituinte, conforme já foi frisado, não podendo ser desenvolvida pelo legislador ordinário.


A segunda posição parece mais acertada, pois coube ao legislador originário a tarefa de prever, no texto do diploma legal máximo, os temas que, em face da importância dos mesmos para o ordenamento jurídico, seriam postulados, por meio de lei complementar. Não se confere ao legislador ordinário, nem ao intérprete da norma, o poder de ampliar a enumeração exaustiva dos casos que ensejam lei complementar, por meio de nova análise valorativa da matéria a ser regulamentada.


Uma solução para o legislador ordinário seria utilizar-se do recurso da emenda constitucional, se entendesse que determinado tema deveria ser tratado por lei complementar, e não se encontrasse previsto explicitamente na Carta Magna. Somente depois da Constituição ser emendada e a norma constitucional exigir que a matéria seja tratada por lei complementar, o legislador ordinário poderia dar início ao processo legislativo da mesma.  Embora não seja uma alternativa boa, pois frente ao extenso número de emendas e da patente desproporcionalidade, na situação em estudo, entre os esforços necessários para a alteração do texto constitucional e o resultado prático decorrente.


Outro ponto conflitante surge quando o legislador ordinário no exercício da atividade legislativa para a criação de lei complementar, ao traçar os ditames legais norteadores de determinada matéria, usualmente, incide sobre questões que não são próprias da temática principal. Verificando hipóteses em que matérias, diferentes das previstas na Constituição para serem tratadas por lei complementar, são abordadas no conteúdo da mesma.


A primeira corrente considera que todas as espécies normativas primárias retiram seu fundamento da CRFB/88, inclusive a própria emenda constitucional.


Essa corrente apóia-se no que chama de própria lógica, dizendo que se o processo legislativo da lei complementar é mais dificultoso, é sinal certo, chegando a ser óbvio, a maior ponderação que houve para a edição da citada norma. Apóiam-se no princípio que um ato somente poderá ser desfeito por outro que obedeça a mesma forma. Não achando a melhor conduta, revogar uma norma que teve um processo mais dificultoso, por uma norma que teve seu trâmite mais abrandado, indicando uma menor discussão em cima do tema.


Dessa forma, não admite que uma norma aprovada por maioria absoluta (lei complementar), possa ser revogada por uma norma aprovada por maioria simples (lei ordinária), mesmo que a dita norma jurídica na CRFB/88 estivesse prevista para ser tratada como lei ordinária. Eles defendem que o aspecto formal da lei complementar se sobrepõe sobre o aspecto material, pois o direito não é uma ciência estanque, sendo possível que uma matéria reservada a lei complementar possa colidir com outra matéria residual a ser tratada por lei ordinária.


Eles alegam que isso seria desprestigiar o legislativo na formação da lei complementar, pois reduz o âmbito de sua supremacia devido ao processo que leva, comprometendo a segurança jurídica.


Os adeptos da segunda corrente dizem que os preceitos correlatos que foram tratados na lei complementar devem ser considerados como norma ordinária. Em decorrência disso, os dispositivos de lei ordinária posterior podem revogar os preceitos da lei anterior, mesmo que esteja no “corpo” de uma lei complementar, naquilo que esta disponha de forma diversa daquela. Consideram que esta norma nunca foi de lei complementar, estando apenas dentro do texto desta, mas continuando com suas características ordinárias.


Tratando essas normas, que estão dentro da lei complementar, como ordinárias, poderão, no caso em tela, serem revogadas por uma norma ordinária superveniente.


Eles argumentam que uma norma para ser caracterizada como lei complementar, deve vincular-se às imperativas adequações de forma e de conteúdo. No aspecto formal, o processo legislativo diferenciado. No aspecto material, a taxatividade da constituição. Na falta de um desses aspectos não será considerada norma de lei complementar.


Geraldo Ataliba asseverava que a lei complementar poderia disciplinar matéria própria das leis ordinárias, mas não gozaria de qualquer superioridade. Dizia que, fora do setor delineado pela constituição, a lei complementar seria tratada como lei ordinária, inclusive podendo ser revogada ou alterada por esta.


Podemos até concluir que, o direito constitucional brasileiro tem um escalonamento normativo: 1º) normas constitucionais (Constituição, emendas, o ADCT e os tratados internacionais sobre direitos humanos, celebrados pelo Brasil até a promulgação da atual Constituição – art. 5º, § 2º); 2º) normas infraconstitucionais (leis complementares, leis ordinárias, os demais tratados internacionais, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções; 3º) normas infralegais (regulamentos, portarias e outros atos normativos de grau equivalente).


Entende-se que para se estabelecer gradação hierárquica entre modalidades de instrumento legal, faz-se imprescindível a inserção, na universalidade de preceitos da norma proeminente, das diretrizes que conferem validade à espécie normativa subjugada.


Se a hierarquia é assim entendida, cabe nos concluir que, embora todos brilhantes argumentos contra, é preciso ressaltar que a lei ordinária não é subordinada a lei complementar. Pois, a lei ordinária não tem seu fundamento de validade em nenhuma lei complementar, mas diretamente na constituição.


Se não fosse assim, a lei ordinária seria uma espécie inferior que teria seus limites traçados pela norma superior.


Ambas, lei complementar e lei ordinária são espécies normativas, cujos contornos são ditados na Constituição, sendo que, não se insere no conteúdo, de nenhuma das mesmas, o fundamento de validade da outra.


Há, na verdade, campos de atuações diversos, nos quais o constituinte originário só quis dar maior valor a certas matérias. Matérias consideradas, por eles, mais relevantes na época, exigindo uma aprovação mais significativa.


8   CONCLUSÃO


O legislador originário indicou expressamente na Constituição, os temas a serem postulados, por meio de lei complementar. Tal conjunto de matérias não pode ser objeto de lei extravagante, sob pena de se recair em inconstitucionalidade.


No caso de invasão do campo destinado à legislação ordinária, por meio da edição de lei complementar, não é perceptível a inconstitucionalidade da norma, pois esta foi além do pedido, seguindo um processo legislativo mais dificultoso. O que a ditada norma não teria é a proteção de só ser revogada por uma lei complementar, tendo em vista que no aspecto material nunca deixou de ser norma ordinária.


Vê-se que os campos de atuação de tais modalidades normativas demonstram-se perfeitamente distintos. Tornando inviável suposto conflito entre tais espécies.


Assim, o que se prega é um rigoroso cumprimento da CRFB/88, verificando qual era a verdadeira intenção do legislador constituinte originário, ao diferenciar os tipos de normas jurídicas. Ele não quis criar uma forma hierárquica pura e simplesmente, mas sim, diferenciar o campo de atuação de cada norma, englobando cada uma nos três campos hierárquicos possíveis: constitucionais, infraconstitucionais e infralegais. Cada qual atuando dentro do seu campo de competência.


Dentro de cada conjunto desses, não há uma verdadeira hierarquia, mas sim, uma verdadeira separação de competência pela matéria a ser tratada.


Em suma, a lei complementar fora de seu âmbito de incidência, não é mais nada do que uma norma ordinária que passou por um processo legislativo mais debatido e dificultoso. Ela não tem supremacia sobre a lei ordinária, pois esta não tem seu sustentáculo naquela.


Dessa forma, qualquer matéria que venha a ser tratada fora dos limites constitucionais taxativos, vai tirar-lhe o requisito material, embora cumpra com o requisito formal. Não conseguindo entrelaçar os dois requisitos, a lei ordinária não perderá a sua validade (se atingir o requisito formal da lei complementar), mas ficará interpretada como ordinária e não como lei complementar propriamente dita, podendo, inclusive, ser revogada por outra lei ordinária superveniente.


 


Referências

BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.). Por Uma Nova Federação. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 1995.

CARVALHO, Roberta. Direito Constitucional. Brasília: Fortium, 2007.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 1995.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed. São Paulo: Editora Método, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2002.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.


Informações Sobre o Autor

Rodolfo Rosa Telles Menezes

Pós-graduação nível especialização em Direito Público 2008 Direito Penal 2009 Gestão de Polícia Civil 2010 Operações Militares na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais EsAO – 2006. Graduação em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras AMAN – 1998 e em Direito pelo Centro Universitário Euro-Americano UNIEURO – 2007. Curso de Operações na Selva CIGS 2005. Foi professor/instrutor na AMAN 2001-2003. Atuou como juiz-membro do Conselho Permanente de Justiça da 11 CJM. Tem experiência na área de operações militares logística licitações gestão financeira direito administrativo constitucional militar penal e processual penal. Atualmente exerce as funções de Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal e de Professor nas áreas de Direito Penal Processo Penal e Penal Militar.


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