Autoras: Natalia Ferreira Lehmkuhl Cenci – Advogada, Pós-Graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Candido Mendes; Aluna especial de Mestrado na UPF Passo Fundo-RS. e-mail: [email protected].
Thaís Fernanda Silva – Advogada, Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Legale. Aluna especial de Mestrado na UPF – Passo Fundo-RS; e-mail: [email protected].
Resumo: O presente artigo tem por finalidade analisar o direito de acesso à justiça como direito fundamental previsto na Constituição Federal e a efetivação da prestação jurisdicional. Neste cenário, se busca explorar o conceito e evolução histórica do acesso à justiça, bem como, a eficácia do judiciário, em âmbito qualitativo, no atendimento das demandas. Posteriormente, pontuar os obstáculos que obstam o efetivo acesso à justiça, principalmente para a população menos favorecida economicamente. Além disso, expor as propostas de Mauro Cappelletti e Bryant Garth através de ondas renovatórias que tragam funcionalidade ao sistema para garantir o efetivo amparo jurídico. Por fim, sendo possível concluir que o acesso à justiça e a efetivação jurisdicional é deficitária por existirem inúmeras limitações que inviabilizam um acesso igualitário da justiça e as políticas pública atuais não são suficientes para garantir mecanismos eficientes. O estudo foi desenvolvido a partir do método hipotético-dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica.
Palavra-chave: Acesso à justiça, Direitos fundamentais; Garantias, Constituição.
Abstract: The purpose of this article is to analyze the right of access to justice as a fundamental right provided for in the Federal Constitution and the effectiveness of the jurisdictional provision. In this scenario, seeks to explore the concept and historical evolution of access to justice, as well as the effectiveness of the judiciary, in the context of quality, in the fulfillment of demands. Subsequently, punctuating the obstacles that hamper the effective access to justice, especially for the less favored population economically.In addition, exposing the proposals of Mauro Cappelletti and Bryant Garth through renovatórias waves that bring functionality to the system to ensure effective legal protection. Finally, being possible to conclude that the access to justice and the enforcement jurisdiction is deficient because there are numerous limitations that precludes an equal access to justice and public policies are not sufficient to ensure efficient mechanisms.
Keywords: Keywords: Access to Justice, Fundamental rights and guarantees, the Constitution.
Sumário: Introdução. 1 O acesso à justiça como Direito Fundamental no âmbito histórico e jurídico 2. Os obstáculos que assolam o efetivo acesso à justiça e a efetivação jurisdicional. 3. Os movimentos que contribuíram a efetivação ao acesso à justiça segundo Mauro Cappelletti e Bryant Garth. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente artigo propõe uma análise ao sistema judiciário quanto ao efetivo acesso à justiça, expondo as limitações da sociedade ao buscar certos direitos garantidos por lei, quando se deparam com obstáculos de diversas origens, sendo culturais econômicos ou sociais, mas todos dificultam ou impedem o pleno exercício deste direito.
O ponto central desta pesquisa reside em analisar se os recursos disponíveis atualmente são suficientes para garantir um acesso justo e igualitário a toda população; bem como efetivar a prestação jurisdicional com qualidade nos processamentos de demandas judicias, tanto em aspecto de qualidade das decisões como na agilidade da resolução do litigio.
A presente pesquisa encontra-se estruturara em três partes. A primeira parte esta relacionada ao acesso à justiça como Direito Fundamental no âmbito histórico e jurídico, realizando uma analise geral da evolução do conceito e sua aplicabilidade.
Em um segundo momento, busca-se delimitar os obstáculos que assolam o efetivo acesso e de que forma estão expostos na sociedade, bem como quais as principais barreiras econômicas e socioculturais que obstam a busca por seus direitos.
A terceira e última parte, visa expor os movimentos considerados como ‘ondas renovatórias’ pelos autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth, qual identificaram mudanças no cenário jurídico que visaram a busca pela efetivação do acesso à justiça. O método utilizado para a realização do presente artigo foi o hipotéticodedutivo, através de pesquisa bibliográfica.
Desenvolvimento
1 O acesso à justiça como Direito Fundamental no âmbito histórico e jurídico
O conceito de acesso à justiça experimentou, ao longo do tempo, uma série de transformações que evidenciaram a amplitude de sua definição. Uma das abordagens deste instituto, foi realizada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth que realizam uma análise:
“A expressão “acesso à Justiça” […]serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos”i.
A investigação deste conceito merece amparo também na sua concepção histórica tendo em vista a evolução do seu significado, é cediço que por muito tempo a resolução dos conflitos não eram aparadas pelo Estado, “aqueles que se vissem envolvidos em qualquer tipo de conflito de interesses, deveriam resolvê-lo entre si e do modo que fosse possível, prevalecendo, na maioria das vezes, a força física em detrimento da razão jurídicaii”. Essa forma de resolução foi se modificando e logo os conflitos passaram a ter a intervenção de uma terceira pessoa, desinteressada e imparcial, eleita para solucionar o litígio.
O conceito de acesso à justiça sofreu uma transformação importante na passagem dos Estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, que tinham procedimentos para a solução de litígios com caráter individualista, para as sociedades modernas, nas quais as ações e relacionamentos assumiram caráter mais coletivo, visto que passaram a reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduosiii.
Mauro Capelletti e Bryant Garth apontam a transformação do conceito:
“Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outrosiv.”
Dessa forma, a atuação positiva do Estado passou a ser necessária para assegurar o gozo desses direitos sociais básicos e o direito ao acesso efetivo à justiça ganhou corpo à medida que as reformas do Estado de bem-estar social procuraram conceder aos indivíduos novos direitosv.
Portanto, antes desse período (século XVIII e XIX) o acesso à justiça era compreendido apenas pela a acessibilidade ao judiciário, que só era obtida por aqueles capazes de suportar seus custos, tratando-se de mero aspecto formal, sem aplicação efetiva.
Na medida em que as sociedades cresceram e se reorganizaram, o conceito de acesso à justiça teve que ser igualmente modificado, representando agora não apenas o ingresso com uma demanda judicial, mas também a eficácia dos meios de acesso e a efetividade jurisdicional ao amparo do direito pleiteado.
O Estado passou a agir como interventor nessas relações, devendo ser o guardião dos direitos fundamentais e possuidor do dever de garantir a eficácia do acesso à justiça, resguardando os limites da intervenção jurisdicional. Devendo, portanto, a entidade estatal funcionar como o guardião dos direitos do jurisdicionado garantindo a tutela jurisdicional adequada, em tempo razoável. Além disso, prestar serviços de forma eficiente disponibilizando instrumentos capazes de superar barreiras sociais e econômicas que impeçam ou dificultam o seu pleno exercício. Ao tratar das dimensões garantísticas e dimensões prestacionais, J.J. Gomes Canotilho ensina que:
“A garantia do acesso aos tribunais perspectivou-se, até agora, em termos essencialmente defensivos ou garantísitcos: defesa dos direitos, através dos tribunais. Todavia a garantia do acesso aos tribunais pressupõe também, dimensões de natureza prestacional na medida me que o Estado deve criar órgãos judiciários e processos adequados (direitos fundamentais dependentes da organização e procedimento) e assegurar prestações (apoio judiciário, patrocínio judiciário, dispensa total ou parcial de pagamento de custas e preparos), tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios econômicos (CRP, artigo 20º). O acesso à justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade de oportunidadesvi.”
A complexidade da eficácia dos meios que garanta um acesso à justiça digno é de ser observado conforme lecionado por Waldo Wanderley:
“Ao se referir ao movimento universal de acesso à Justiça, é de se observar que “acesso à Justiça” tem significado peculiar e abrangente. Não se limita à simples entrada, nos protocolos do judiciário, de petições e documentos, mas compreende a efetiva e justa composição dos conflitos de interesses, seja pelo judiciário, seja por forma alternativa, como são as opções pacíficas: a mediação, a conciliação e a arbitragemvii.”
Portanto, a garantia de acesso à justiça não esgota em sim mesma, é imprescindível o devido processo legal, isto é, é preciso que um conjunto de outras garantias e de oportunidades previstas em lei venham acompanhas dela para servir de limite ao exercício do poder pelo juizviii.
Neste cenário, os mestres Mauro Cappelletti e Bryant Garth prosseguem afirmando: “A preocupação fundamental é, cada vez mais, com a “justiça social“, isto é, com a busca de procedimentos que sejam conducentes à proteção dos direitos das pessoasix”.
O acesso à justiça é, portanto, um direito inerte ao indivíduo que na condição de cidadão que busca no Estado a solução para seus conflitos jurídicos-sociais, tendo respaldo na Constituição Federal como direito garantidor destes direitos, possuindo o dever de fiscalizar e proporcionar sua efetivação.
Em um aspecto legislativo, este instituto está garantido por lei e contido no ordenamento jurídico pátrio desde a promulgação da Constituição Federal de 1946, quando o acesso à justiça passou a ser observado como direito fundamental no Brasil, o texto legislativo previa em seu artigo 141 §4º que: “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individualx.
Posteriormente, manteve-se na vigente Constituição de 1988 o referido texto normativo que prevê o direito ao acesso à justiça está inserido na Constituição Federal Brasileira em seu artigo 5º inciso XXXVxi.
No entanto, o texto sofreu alteração, o que antes era garantido apenas ao direito individual passou a abranger todo e qualquer direito, tal dispositivo constitucional não assegura apenas a proteção aos direitos violados dos cidadãos, como também à ameaça de violação de direito, portanto é um princípio de proteção judiciária. A eliminação da expressão “direito individual” da redação do inciso devese, fundamentalmente, à tentativa do constituinte de 1988 de ampliar os direitos a todosxii.
Mais tarde, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada no Brasil pelo Decreto 670, de 6-11- 1992, também é contemplada a garantia do acesso à justiça. Nos termos do art. 8º da referida Convenção (BRASIL, 1992)xiii. Após a ratificação do Brasil nesta convenção os aspectos que envolvem o acesso à justiça e a efetividade jurisdicional são aprimorados, é previsto o instituto de duplo grau de jurisdição a nível de tratado internacional, que garante o direito de recorrer a instancia superior. Além disso, foi o primeiro diploma legal a reconhecer a razoável duração do processo como direito fundamentalxiv.
Com o Estado de bem-estar social, o direito de “acesso à Justiça” passou a ser requisito para a garantia e a efetividade dos demais direitos da cidadania, pois sem a possibilidade de reivindicar os direitos da cidadania ao Estado, torna-se ineficaz a sua garantia legal/formalxv. De acordo com Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, o princípio do acesso à justiça não representa apenas a admissão ao processo e a possibilidade de se propor demandas judiciais. O princípio, na verdade, se materializa na medida em que vem para garantir a todos a observância das regras do devido processo legal e a possibilidade de atuação na formação do convencimento do juiz, com fins de se obter uma tutela jurisdicional do Estado justa e coerentexvi.
2 Os obstáculos que assolam o efetivo acesso à justiça e a efetivação jurisdicional
Na busca da efetivação do direito ao acesso à justiça, alguns obstáculos podem ser encontrados; muitos podem obstar por completo o acesso, outros, no entanto, dificultam o processamento da demanda e a análise de mérito. Assim, existe uma necessidade de se constituir e concretizar referidos instrumentos capazes de remover estes obstáculos, principalmente aqueles impostos aos hipossuficientes, em analise a realidade brasileira a qual, Keila Rodrigues Batista ao criticá-la, destaca que:
“O acesso à justiça tem se revelado carente no sistema jurídico brasileiro. Se se sopesar o texto constitucional em consonância com a realidade processual em tela, pode-se concluir que existem vários obstáculos que se antepõem ao diligente pleito dos direitos oferecidos pelo Estado de Direito, que são a morosidade processual, pobreza e o desconhecimento do direito.xvii”
Aliado a isto, o poder judiciário, ao longo dos anos, vem sofrendo um sobrecarga processual, a demanda de processos aumentou significativamente gerando o que um déficit de atendimento e garantia aos direitos pleiteados. Isto porque, pode ocorrer uma demora demasiada, muitas vezes o litigante não alcança seu direito a tempo de usufrui-lo. Para muitos doutrinadores, o judiciário apresenta uma crise funcional, ante a incapacidade de o Estado exercer, de forma plena e exclusiva, a função que lhe foi atribuída de solucionar os conflitos sociais, na mesma forma ocorre com a (in) disponibilização dos serviços judicias que confrontam diretamente com o efetivo acesso à justiça.
O problema do acesso à justiça e da crise do Poder Judiciário quanto à tutela na prestação jurisdicional tem sido bastante debatido. “Ninguém desconhece a existência de sérios obstáculos impeditivos do referido acesso. Ninguém desconhece, também, que muitas medidas têm sido sugeridas para a ultrapassagem desses obstáculosxviii ”
O movimento por “acesso à Justiça” tem representado, nas últimas décadas, a mais importante expressão de uma transformação do pensamento jurídico e das reformas normativas e institucionais dos países que procuram resposta para a crise do Direito e do Judiciário. No Brasil, o tema tem sido objeto de inúmeras discussões e reflexões nos últimos anos.
Expressões como: “obstáculos (barreiras) ao acesso à Justiça”, “falta de acesso à Justiça”, “descrença (desilusão) na Justiça”, “inflação e insuficiência da atividade jurisdicional”, bem como a “crise do Judiciário”, com a necessidade de reformas, são palavras bastante veiculadas entre os profissionais da áreaxix.
Cappelletti e Garth (1988) apontam os obstáculos que dificultam o alcance do efetivo “acesso à Justiça” em dois grandes núcleos: o primeiro é o de ordem econômica, o segundo é de natureza sociocultural. Esses obstáculos comprometem o “acesso à Justiça” de maneira significativa e acompanham a evolução do direito e de sua estrutura sistêmicaxx.
Da mesma forma Figueiredo (2001) apresenta como fatores que obstaculizam o acesso à justiça e cita exemplos: fatores econômicos (custas judiciais e custas periciais para a produção de provas); fatores sociais (duração excessiva do processo, falta de advogados, juízes e promotores, dificuldade de acesso físico aos fóruns, pobreza, exclusão e desigualdade social); fatores culturais (desconhecimento do Direito, analfabetismo, ausência de políticas para a disseminação do Direito); fatores psicológicos (recusa de envolvimento com a justiça, medo do Poder Judiciário, solução de conflitos por conta própria); fatores legais (legislação com excesso de recursos e lentidão na prestação jurisdicional)xxi.
Alguns obstáculos de ordem econômica estão mais presentes na sociedade contemporânea que podem obstar o acesso ao judiciário, estes fatores podem tanto barrar o ingresso de uma demanda como ter uma representatividade processual de qualidade, podendo prejudicar o interesse do cidadão e consequentemente seus direitos.
As custas judiciais, por exemplo, são um dos fatores que impedem boa parte da população de reivindicar judicialmente um direito, estas custas não envolvem apenas as aquelas despesas iniciais do processo, mas também envolvem o risco de sucumbência, custas com perícias, diligências, honorários advocatícios, etc. O fato de ser necessário o custeio dessas despesas acaba criando uma barreira impeditiva de acesso.
Segundo Santos:
“(…)A justiça é cara para os cidadãos em geral, mas revela, sobretudo, que a justiça civil é proporcionalmente mais cara para os cidadãos economicamente mais débeis. É que são eles fundamentalmente os protagonistas e os interessados nas ações de menor valor e é nessas ações que a justiça é proporcionalmente mais cara, o que configura um fenômeno da dupla vitimização das classes populares face à administração da justiçaxxii.”
Os obstáculos que podem ser enfrentados pela sociedade de natureza social e cultural, que impedem o efetivo acesso à justiça, estão diretamente relacionados ao desconhecimento dos seus direitos básicos ou de instrumentos efetivos que os garantam. Para Santos:
“(…)a sociologia da administração da justiça tem-se ocupado também dos obstáculos sociais e culturais ao efetivo acesso à justiça por parte das classes populares, e este constitui talvez um dos campos de estudo mais inovadores. Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem e que essa distância tem como causas próximas não apenas fatores econômicos, mas também fatores sociais e culturais, ainda que uns e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades econômicasxxiii.”
Não obstante, as custas judicias que surgem como barreira ao efetivo acesso à justiça, o tempo de duração do processo também serve como um entrave ao propensos litigantes. O relatório publicado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ divulgou o tempo médio de tramitação de um processo no Brasil é de 1 ano e 9 meses na fase de conhecimento, de 4 anos e 10 meses na fase de execução no 1º grau de jurisdição e de 8 meses no 2º grau. Em regra, a baixa ocorre logo após a sentença, mas o prazo de baixa pode chegar a ser inferior ao de sentençaxxiv.
Neste cenário, o exaustivo tempo em que passa um processo sem finalização no judiciário, aumente custos cada vez mais os custos da ação e pressiona os economicamente mais fracos a abandonar as causas, ou aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito.
Outro ponto impeditivo ou que dificulta o efetivo acesso à justiça é a desproporção entre os litigantes, ainda que de cunho cultural e social, este ponto também está relacionado a capacidade econômica das partes, eis que os chamados ‘litigantes habituais’ possuem vantagens em comparação aos ‘litigantes eventuais’. Cappelletti e Garth citaram em sua obra este conceito criado pelo professor Galanter, qual desenvolveu esta distinção baseado na frequência de encontros com o sistema judiciáriosxxv.
Aquelas organizações possuem certa assiduidade em demandas, possuem maior experiência judicial, economia de larga escala para processos em massa, pode testar estratégias e reduzir custos com honorários aja vista, na maioria dos casos possuir profissional já contratado e remunerado, para atuação nos litígios. Dessa forma, os riscos também ficam reduzidos aos litigantes habituais, o que pode intimidar aqueles esporádicos, pontuados como litigantes eventuais.
Cappelletti e Garth apontam que em uma análise dessas barreiras é revelado um padrão: os obstáculos criados por nossos sistemas jurídicos são mais pronunciados para as penas causa e autores individuais, especificamente aos pobres, tendo vantagem aqueles litigantes organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial em defesa de seus interesses.xxvi
3 Os movimentos que contribuíram a efetivação ao acesso à justiça segundo Mauro Cappelletti e Bryant Garth
Algumas formas de intervenção estatal pode ser utilizadas como instrumentos para facilitação do acesso à justiça, é certo que a eficácia destes instrumentos não é garantidora da eficiência com que serão tratadas as demandas. No entanto, podem aproximar o judiciário daquela população mais carente.
É cediço, que acesso à justiça, pode ser alcançado independentemente de judicialização, quando se fala de mecanismos auto compositivos, como mediação e conciliação, devido ao custo e prazo reduzidos. Desta feita, as próprias partes encontram a solução para o litigio sem a necessidade de um julgamento de mérito.
A mediação, enquanto espécie do gênero justiça consensual, poderia ser definida como a forma ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legalxxvii.
Em uma abordagem sobre mediação como instrumento de alcance da Justiça, é balizar a análise da obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, “Acesso à Justiça”, nesta obra os autores sugerem três “ondas” ou “movimentos” que contribuíram para a busca da solução dos problemas de acesso à ordem justa: assistência judiciária, representação jurídica para os interesses difusos e enfoque de acesso à Justiça.
A primeira “onda” teria sido a assistência judiciária, a segunda referiase à representação jurídica para os interesses difusos, especialmente nas áreas de proteção ambiental e do consumidor e, finalmente, a terceira “onda” que seria o “enfoque de acesso à justiça”, a qual compreendia os posicionamentos anteriores e tinha como objetivo enfrentar contundente e articuladamente, as barreiras ao acesso efetivo à justiça.
Há sistemas jurídicos em que a assistência jurídica é prestada por um corpo assalariado de profissionais, modelo conhecido como conforme apontam os professores Cappelletti e Garth:
“O modelo de assistência judiciária com advogados remunerados pelos cofres públicos tem um objetivo diverso do sistema judicare, o que reflete sua origem moderna no Programa de Serviços Jurídicos do Office of Economic Opportunity, de 1965 — a vanguarda de uma “guerra contra a pobreza”. Os serviços jurídicos deveriam ser prestados por “escritórios de vizinhança”, atendidos por advogados pagos pelo governo e encarregados de promover os interesses dos pobres, enquanto classexxviii.”
Em analise a proposta dos autores, é possível identificar que a primeira onda ganhou força no Brasil a Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, a qual estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. A Constituição Federal de 1988, por seu turno, catalogou a assistência jurídica integral aos que comprovam insuficiência de recursos, no rol dos direitos e garantias fundamentaisxxix.
No entanto, para que o sistema de assistência judiciária seja eficaz, seria necessário haver um grande número de advogados disponível e, portanto, altas fundos orçamentárias para suprir estas despesas.
A segunda onda tratou especificamente da representação dos direitos difusos, buscando refletir acerca das noções tradicionais do processo civil e das funções dos tribunais, mediante análise das ações governamentais e criação do advogado particular do interesse públicoxxx.
Para Mauro Cappelletti e Bryant Garth a concepção tradicional do processo civil não albergava os direitos difusos:
“O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava á solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares.Com os serviços judiciários gratuitos dos Juizados Especiais, é um grande exemplo de democratização do acesso ao Poder Judiciário: seu acesso é totalmente gratuito, independe de demonstração de pobreza, e pode ser acessado independente de quaisquer declarações de necessidade. A ideia de alternatividade ao modelo tradicional de jurisdição, portanto, passou a encontrar o caminho do microssistema de Juizados Especiais como alternativa que se vislumbrou, dentro do próprio ambiente oficial de resolução de disputas, para viabilizar o acesso gratuito por quaisquer cidadãos sem necessidade de advogadoxxxi.”
Na terceira e última onda de acesso à justiça, refere-se à reforma interna do processo, que conforme os autores, percorre “do acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla de acesso à justiça”xxxii. A criação dos Juizados de Pequenas Causas ou Juizados Especiais Cíveis e Criminais, também compõe essa onda, como medidas de efetivação dos direitos, quando implementados teriam como objetivo a Conciliação de demandas de menor complexidade.
Através da promulgação do Novo Código Processo Civil, o legislador estimulou a adoção dos meios adequados de solução de controvérsias, trouxe destaque essencial para a Mediação, a qual tem se revelado um importante instrumento de acesso à Justiça, onde as partes são as verdadeiras protagonistas do conflito.
A ideia seria uma reformulação completa do sistema judicial, através da modernização dos tribunais, adoção de procedimentos alternativos na resolução de conflitos incluindo a Arbitragem, Conciliação e Mediação. Buscando buscaria incentivo econômico para resolver questões fora dos tribunais e alcançando uma maior efetividade da prestação judicial, ampliando o acesso à justiça. Segundo Warat “a mediação é uma forma de resolução dos conflitos sociais e jurídicos; uma forma na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legalxxxiii.
Para Serpa:
“(…)refere-se à mediação como: Um processo informal, voluntário, onde um terceiro interventor, neutro, assiste (a)os disputantes na resolução de suas questões. O papel do interventor é ajudar na comunicação através de neutralização de emoções, formação de opções e negociação de acordos. Como agente fora do contexto conflituoso, funciona como um catalisador de disputas, ao conduzir as partes às suas soluções, sem propriamente interferir na substância destasxxxiv.”
É cediço, que acesso à justiça, pode ser alcançado independentemente de judicialização, quando se fala de mecanismos auto compositivos, como mediação e conciliação, devido ao custo e prazo reduzidos. Desta feita, as próprias partes encontram a solução para o litigio sem a necessidade de um julgamento de mérito.
Frente a analise das ondas renovatórias descritas pro Mauro Cappelletti e Bryant Garth, é imperioso destacar que as mudanças já alcançadas tinham como objetivo não apenas a modificação das regras processuais, mas também da concepção do acesso à justiça visto pela sociedade e membros do judiciários. Apesar do objetivo não ter sido alcançado na sua totalidade, as modificações que ocorreram no âmbito jurídico e social para efetivar o acesso à justiça nos últimos anos, é bastante significativo.
CONCLUSÃO
A tutela jurisdicional quanto ao acesso à justiça, vem se demostrando essencial para a efetivação dos direitos fundamentais, não só pelo efetivo ingresso de demanda no judiciário, mas tanto pela qualidade do serviço institucional prestado.
O significado do efetivo acesso à justiça esta justamente no rompimento de obstáculos tanto de origem econômica como cultural, em que pese o direito fundamental estar garantido no texto Constitucional e em tratado Internacionais, é certo dizer que não existem meios de acessibilidade igualitária, eis que os aspectos sociais e econômicos distanciam a população hipossuficiente (tanto em recursos financeiro, quanto em conhecimento).
Desse modo, a análise ora realizada é quanto à efetividade das ‘ondas renovatórias’ citadas por Mauro Capelletti e Bryant Garth, demonstrando que muito já foi conquistado, mas ainda existe a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos processuais e sociais, para que se possa de fato efetivar o acesso à justiça a todos e garantir que a justiça seja acessível a todos os cidadãos de forma totalmente igualitária, independente de classe econômica ou social.
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ii WAMBIER, 2007, p. 37.
iii CAPPELLETTI e GARTH, 1998. p.9.
iv CAPPELLETTI e GARTH, 1998. p.9
v CAPPELLETTI e GARTH, 1998. p.9/11.
vi CANOTILHO, 2003, p. 501.
vii WANDERLEY, 2004, p.10
viii WANDERLEY, 2004, p.16/17
ix CAPPELLETTI e GARTH, 2002. p.93.
x Constituição Dos Estados Unidos do Brasil, de 1946.
xi Art. 5º inciso XXXV: A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça do direito
xii CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2003.p.81
xiii Art. 8.1 do Pacto de San Jose da Costa Rica: “Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, instituído por lei anterior, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
xiv Art. 5 Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
xv CAPPELLETTI e GARTH, 2002. p.93
xvi CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2003.p.14
xvii BATISTA, 2010, p. 63.
xviii CLÈVE, 2011, pág. 671
xix FERNANDES e PEDRON, 2008. p.1.
xx CAPPELLETTI e GARTH, 2002. p.93.
xxi FIGUEIREDO, Março/2002.
xxii SANTOS, 2003. p.168.
xxiii SANTOS, 2003. p.171/172
xxiv Conselho Nacional de Justiça. 2017
xxv CAPPELLETTI e GARTH, 2002. p.29
xxvi CAPPELLETTI e GARTH, 2002. p.28
xxvii WARAT, 1998,p.5.
xxviii CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p.202
xxix GASTALDI, 2013.
xxx CAPPELLETTI e GARTH,1988, p. 208.
xxxi CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 212.
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