O instituto da intervenção à luz do Pacto Federativo e sua abordagem na Constituição do Estado da Paraíba

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Resumo: A partir de uma visão global do instituto Da Intervenção, o estudo em comento, de forma preponderante, visa a analisar a constitucionalidade de dispositivo normativo da Constituição do Estado da Paraíba que estipula hipótese, não prevista na Carta da República, de intervenção do Estado em Municípios. Para tanto, analisar-se-á, neste ensaio jurídico, a importância do resguardo do Pacto Federativo, frente à ilegitimidade do Poder Constituinte Derivado Decorrente para ampliar o espectro de atuação da intervenção, que é um instrumento que, apesar de essencial à viabilização do próprio sistema federal, deve sempre ser entendido como uma via de exceção.


Palavras-chave: Intervenção estadual – hipóteses constitucionais – taxatividade.


Abstract: Out of a global view of the instute of the “Intervention”, the present paper, aims, preponderantly, to analyse the constitutionality of the legal precept of the Constitution of the State of Paraíba – federated entity of  Federative Republic of Brazil – wich states the hypothesis, not predicted in Brazilian’s Major Law, of Intervention, by the federate entity into the municipalities. To achieve it’s purpose, this juridical essay intends to analyse the importance of guarding the Federative Pact, upon the illegitimacy of the Constituent Power granted to the federated entities to ampliate the reach of the Intervention, device that, although essential to the viability of the Federative System itself, must be understood as a way of exception.


Keywords: Federate entity intervention – constitutional hypothesis – strictness. 


1 – Introdução


É cediço que uma constituição tem seu nascedouro, oriundo de um ato constituinte, com vistas a regrar condutas extremamente relevantes para a sociedade e, principalmente, definir a forma de existência política de um Estado.


Neste diapasão, GOMES CANOTILHO leciona que a Constituição é a norma das normas, a lei fundamental do Estado, o estalão normativo superior de um ordenamento jurídico. Daí resulta uma pretensão de validade e de observância como norma superior diretamente vinculante em relação a todos os poderes públicos.[1]


Portanto, sendo a Constituição a mais importante de todas as normas, bem como, sendo esta lei a origem da configuração organizacional do Estado, não é de difícil percepção que o modo de disposição do edifício administrativo estatal é a mais relevante de todas as regras estipuladas por um ordenamento jurídico.


No caso da Carta Constitucional brasileira, o instrumento informador da estruturação administrativa e política da República é o pacto federativo, que demonstra que a nossa Federação é uma pluralidade consorciada e coordenada de mais de uma ordem jurídica incidente sobre o mesmo território estatal, posta cada qual no âmbito de competências previamente definidas, a submeter um povo.[2]


Para o direito pátrio, o pacto federativo é de tamanha relevância que é considerado a pedra basilar do Estado. Assim, a estruturação político-administrativa estatal brasileira é uma cláusula pétrea, nos termos estipulados pelo art. 60, §4°, inciso I da Constituição da República. Outrossim, a forma federativa do Estado é mesmo tão enfatizada pela Lei Maior, a ponto de ser subtraída a possibilidade de ser alterada até mesmo por via de emenda constitucional[3].


Dentre estes microssistemas jurídicos distintos de uma mesma federação, há que se empregar uma destacada superioridade ao diploma legal oriundo do poder constituinte originário, sobre as demais instituições vigentes. Isso faz com que o produto do seu exercício, a Constituição, esteja situado no topo do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade de todas as demais normas[4].


Deste modo, frente à importância de resguardar a intangibilidade da Constituição Federal, bem como, considerando o pacto federativo a maneira pela qual se define a forma de um Estado, a proposta do presente estudo é demonstrar a invalidade jurídica de qualquer norma pretensa a se sobrepujar ao princípio federativo ou à supremacia da constituição.


Neste passo, a Constituição do Estado da Paraíba possui um dispositivo normativo que estipula hipótese de intervenção administrativa do estado em municípios, fora do contexto disciplinado na Constituição da República Federativa do Brasil, destarte, proceder-se-á com a demonstração que o constituinte paraibano ultrapassou os limites do seu poder decorrente derivado, e elaborou um dispositivo que é formalmente constitucional, todavia, materialmente inconstitucional.


2 – A Constituição e o cerne do Federalismo


Conforme já dito, o princípio federativo define a forma de gerência estatal. Federação é a própria forma de Estado que se constitui a partir de uma união indissolúvel de organizações políticas autônomas, instituída por uma Constituição rígida (a Constituição Federal), com o fim de criar um novo Estado (o Estado Federal). A esse propósito, as coletividades reunidas (Estados Federados), sem perderem suas personalidades jurídicas, despedem-se de algumas tantas prerrogativas, em benefício do todo (Estado Federal). A mais relevante delas é a soberania.[5]


Federação, etimologicamente, vem de foedus, foederis, significando aliança, pacto, união, consórcio, uma vez que é da aliança entre Estados que ela nasce.[6]


O ponto crucial para a compreensão da forma federada de um Estado, reside na autonomia das entidades que, juntas, formam o Estado Federal, entretanto, há que se alertar que estas autonomias individuais são mitigadas frente à soberania de um poder supremo, um poder maior e independente, que é o próprio Estado Nacional.


O mencionado poder máximo conferido pela Constituição Federal é supremo na ordem interna, porque inexiste qualquer outro que lhe sobrepaire. É independente na ordem externa, porque é igual aos outros poderes soberanos de outros Estados. A soberania funciona como um poder unificador de uma ordem jurídica estatal. Em face dela, o Estado é, no plano externo, uno e indivisível, pouco importando que seja, no âmbito interno, centralizado ou descentralizado politicamente, ou seja, se o Estado tem forma unitária ou federal.[7]


Quanto a esta autonomia conferida aos Estados-membros pela Constituição Federal (art. 18), tem-se que se interpretar com certas restrições, principalmente, quando há um potencial abalroamento de interesses ou competências entre Entes Federados distintos.


Neste tom, a partir da distinção entre os conceitos e aplicações práticas de autonomia e soberania, cumpre destacar qual será o critério adotado para evitar efetivas colisões de interesses entre os entes, bem como, apontar qual terá a prerrogativa da primazia.


Nas Federações, como a nossa, a Soberania Nacional é da União, que a exerce interna e externamente. Os Estados-membros e os Municípios auferem parcelas da Soberania Interna da União, mas não são soberanos, visto que recebem, apenas, por outorga da Constituição, determinados poderes políticos e administrativos, necessários à composição de seu governo e à gestão de seus negócios internos.[8]. Portanto, sendo a República Federativa do Brasil resultado desta aliança, o casamento entre os Estados-membros  é soberano para o Direito Internacional, ao passo que os Estados federados são autônomos para o Direito Doméstico.


Dito isto, bem como, realçando mais uma vez a importância do princípio federativo que é uma das vigas mestras sobre as quais se eleva o travejamento constitucional, vê-se que é melindroso e delicado o funcionamento de um Estado Federal, porque, a todo momento, podem surgir conflitos desse sutil mecanismo,  já  que o seu funcionamento implica em duas ordens jurídicas convivendo lado a lado, sendo aplicadas sobre o mesmo território e sobre os mesmos indivíduos[9].


Mister ressaltar que diante da relevância do Pacto Federativo previsto na Constituição da República, bem como, para evitar uma possível vulnerabilidade de sua pujança, resta imprescindível inseri-lo nos dogmas inafastáveis do Princípio maior da Supremacia da Constituição.


Quando ao tema, saindo do plano da teoria geral e das considerações metajurídicas, a supremacia constitucional, em nível dogmático e positivo, traduz-se em uma superlegalidade formal e material. A Superlagalidade formal identifica a Constituição como a fonte primária da produção normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores. E a superlegalidade material subordina o conteúdo de toda a atividade normativa estatal à conformidade com os princípios e regras da Constituição[10].


Isto posto, adotando o referido conceito Kelseniano de superlegalidade da fonte primária da produção normativa de um ordenamento jurídico, observa-se que, qualquer norma jurídica que tente se sobrelevar à Constituição Federal,  mesmo que  também seja oriunda de um outro poder constituinte, deve ser entendida como uma norma inconstitucional.


Este exacerbado rigor, apenas tem o intuito, justo e ousado, de resguardar a inviolabilidade da Constituição da República e forma federativa do Estado, uma vez que a autonomia inerente aos Estados-membros deve ser entendida como um instrumento político outorgado pela norma Superlegal no que concerne aos poderes e limites nela descritos. Isto posto, os poderes outorgados aos Estados-membros nunca poderão ser mais amplos que os poderes outorgantes pela Federação.


3 – O Instituto da Intervenção do Estado no Município e a sua abordagem na Constituição do Estado da Paraíba


O princípio federativo é a estirpe eficaz do exercício do poder no planejamento interno de um Estado, não obstante, a Federação ficaria refém se não houvesse instrumentos políticos hábeis para solucionar eventuais conflitos entre Entes distintos.


 Em razão disto, o texto constitucional trouxe em seu bojo instrumentos de resguardo do pacto federativo, dentre estes, o princípio da preponderância do interesse da União[11], e – o principal – o instituto da intervenção, alvo do trabalho em comento.


O instrumento da intervenção, seja federal ou estadual (ambos previstos na CRFB), é um modo de suspensão temporária da autonomia de determinado ente federativo, por via de exceção, visando a unidade e preservação da soberania do Estado Federal e das autonomias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.[12] Ou seja, a intervenção, quando utilizada, apesar de extirpar, temporariamente, a autonomia de um único Ente, tem por escopo, de forma augusta, manter incólume todo o condomínio federativo.


Portanto, entende-se por intervenção o ato político, fundado na Constituição, que consiste na ingerência de uma entidade federada nos negócios políticos de outra entidade igualmente federada, suprimindo-lhe, temporariamente, a autonomia, por razões estritamente  previstas na Constituição. Sua finalidade é assegurar a própria Federação e os valores sobre os quais ela se encontra edificada[13].


Na Constituição da República Federativa do Brasil, o instituto da intervenção é disciplinado nos artigos 34 e seguintes, entrementes, para nós, cabe aplicar especial sobressaliência apenas ao artigo 35, vez que, este é o fulcro da intervenção de Estado-membro em municípios, nos termos transcritos.


Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:


I – deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;


II – não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;


III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;


IV – o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.”


Sendo, pois, aparentemente, um instrumento abrupto, a intervenção representa um importante meio político de assegurar os valores sobre os quais se constrói a Federação, tanto que, o Pretório Excelso destaca que o instituto da intervenção, consagrado por todas as Constituições republicanas, representa um elemento fundamental na própria formulação da doutrina do federalismo, que dele não pode prescindir – inobstante a expecionalidade de sua aplicação -, para efeito de preservação da intangibilidade do vínculo federativo, da unidade do Estado Federal e da integridade territorial das unidades federadas[14].


Frente a tais incontestáveis dogmas, por outro enfoque, na Constituição Paraibana, ao se analisar o mesmo instituto da intervenção estadual no município, observa-se, de forma inusitada, hipóteses não contempladas no texto federal, ipsis litteris:


“Art. 15.  O Estado não intervirá em seus Municípios, exceto quando:


I – deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;


II – não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;


III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino;


IV – o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados nesta Constituição, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial;


V – confirmada prática de atos de corrupção e/ou improbidade no Município, nos termos da lei;


VI – para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes.”


Quanto às mencionadas regras estaduais, a partir de uma rápida leitura do fragmento normativo, poder-se-ia imaginar, prima facie, que se trata de um dispositivo auto-aplicável sem incongruências legais, posto que, em sua essência, este é texto constitucional. De âmbito estadual, é bem verdade, mas, não deixa de ser texto constitucional.


Não obstante, para a constatação de sua plena higidez jurídica e perfeita correspondência perante o ordenamento supremo, aquele contido na Carta Federal, é imprescindível a verificação se os textos legais confrontados são compatíveis entre si na seara substancial.


A imperatividade de verificação da correspondência material da norma estadual com a federal advém, justamente, da necessidade de observância do princípio da supremacia constitucional.


Nesta vereda, a Constituição Federal (art. 25), ao outorgar aos Estados-membros a prerrogativa de se organizarem segundo suas Constituições Estaduais, impôs uma limitação no tocante às diretrizes dos princípios da própria lei outorgante.


Deste modo, no exercício do poder de instituição da ordem jurídica estadual, há que se ter necessária obediência às limitações principiológicas balizadoras da organização administrativa e política federal.


Isto importa na elaboração de normas pelos Estados-membros que podem ser classificadas, segundo a doutrina[15], como regras de “imitações” ou “reproduções” do texto contido na Constituição Federal.


 Dentre esta classificação, não há que se confundir norma de reprodução com normas de imitação. As normas de reprodução resultam do caráter compulsório de disposição constitucional superior, ao passo que as normas de imitação revelam a adesão voluntária do constituinte estadual a uma determinada disposição do texto da Constituição da República[16].


Como, no caso em apreço, analisa-se o instituto da intervenção estadual no município, que é um assunto intrinsecamente correlato ao pacto federativo, não caberia ao constituinte estadual se afastar da forma como o assunto é abordado na Constituição Federal.


Deste modo, quanto à intervenção, o fruto do exercício do poder constituinte decorrente derivado paraibano, deveria ser uma “norma de reprodução”, nos mesmos exatos termos em que o tema é disposto no Diploma da República, ou seja, sem margem de discricionariedade legislativa estadual.


Diante do explicitado, com a constatação que o constituinte estadual ultrapassou sua margem de competência ao dispor de assunto que não lhe era afeto, verifica-se a inconstitucionalidade dos incisos V e VI do artigo 15 da Constituição da Paraíba, uma vez que, não se coadunam substancialmente com o teor da Constituição Federal.


Frente a tal premissa, é imprescindível destrinchar o tema do Poder Constituinte Decorrente Derivado e suas limitações materiais, a fim de demonstrar, cabalmente, que as hipóteses de intervenção descritas na Constituição Federal são, indubitavelmente, enumeradas por um rol hermético.


4 – Das limitações do Poder Constituinte Decorrente Derivado quanto à taxatividade das hipóteses do artigo 35 da Constituição Federal


O poder constituinte derivado decorrente, como sabido, é a atribuição conferida aos Estados-membros de se organizarem segundo suas próprias constituições, em razão de sua autonomia político-administrativa.


 Em virtude deste ser um poder derivado do originário, e por ele criado,  encontra nas regras estabelecidas pelo originário as  suas fronteiras intransponíveis de manifestação.


Pois bem, em relação à capacidade de auto-organização, prevista no artigo 25, caput, CRFB, o poder constituinte originário foi categórico ao definir que “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. Esta última parte do texto demonstra, claramente, o caráter de derivação e vinculação do poder decorrente em relação ao originário.


Vale dizer, os Estados têm a capacidade de se auto-organizar, desde que, é claro, observem as regras que foram estabelecidas pelo poder constituinte originário. Havendo afronta, estar-se-á diante de um vício caracterizador de inconstitucionalidade. [17]


Desta sorte, cumpre transcrever o artigo 25, caput, da Constituição Federal:


“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.”


Diante da leitura do dispositivo legal, é de bom alvitre realizar a seguinte pergunta: quais são os “princípios desta Constituição”, referidos neste artigo 25?


Com o auxílio da lição de BULOS, observa-se que um dos limites aos quais os legisladores constitucionais estaduais estão amarrados pelas limitações originárias são os princípios da Constituição da República de caráter estabelecidos (organizatórios), que são aqueles que limitam, vedam ou proíbem a ação indiscriminada do Poder Constituinte Decorrente. Por isso mesmo, funcionam como balizas reguladoras da capacidade de auto-organização dos Estados[18], e dentro os exemplo citados pelo autor, está o próprio princípio do pacto federativo[19], como modelo máximo e supremo da capacidade organizatória do Estado.


Por estas considerações, fica ainda mais cristalina a constatação da inconstitucionalidade material das normas constitucionais estaduais, em razão da contradição com limitações ao poder de instituição do Estado. Em conseqüência, na hipótese de contrariedade entre norma nacional e norma estadual, tendo a primeira regra constitucional veiculado limitações ao poder de instituição do Estado, há a configuração de inconstitucionalidade material da segunda regra constitucional, de acordo com o artigo 25 da CRFB.[20]


Por seu turno, não tendo o constituinte paraibano reproduzido, da mesma precisa forma, o disciplinado pelo constituinte federal no tocante ao instituto da intervenção, não há outra solução para o caso em comento, a não ser considerar inconstitucionais os mencionados incisos V e VI, artigo 15 da Constituição da Paraíba, elaborados, arbitrariamente, pelo poder constituinte decorrente derivado.


Assim, desde que respeitem certos princípios fundamentais que o direito federal prevê, os Estados definem a sua própria organização. A obrigação de respeitarem os princípios básicos do direito federal leva os Estados, forçosamente, a se organizarem segundo o modelo da União. Isso quer dizer que os Estados estão submetidos à Constituição da República, porém não estão submetidos ao governo da União[21]. Portanto, não paira dúvidas que o posicionamento mais sensato é de que deve ser rechaçada a aplicação de norma constitucional do Estado da Paraíba que cria hipóteses de intervenção estadual, por não ser compatível, materialmente, com o teor da Constituição da República.


Destarte, para que ocorra a possibilidade excepcional de decretação de intervenção – como um direito/dever da União nos Estados, respectivamente nos casos de intervenção federal e municipal – necessária a presença de uma das hipóteses, taxativamente descritas na Constituição Federal (CF, art. 34 – Intervenção Federal, CF art. 35 – Intervenção Estadual, pois constitui uma excepcionalidade no Estado Federal[22]


Em outras palavras, em razão da mitigação do poder constituinte derivado decorrente quanto à intervenção, por correlação ao princípio do pacto federativo, a doutrina brasileira é uníssona[23] ao opinar tela taxatividade das hipóteses de intervenção do estado em municípios contidas na Constituição Federal.


O próprio Supremo Tribunal Federal, aceitando que o rol debatido constitui numerus clausus, já interpretou que o mecanismo de intervenção constitui instrumento essencial à viabilização do próprio sistema federal, e, não obstante o caráter excepcional de sua utilização – necessariamente limitada às hipóteses taxativamente definidas na Carta Política -, mostra-se impregnado de múltiplas funções de ordem político-jurídico, destinadas (A) a tornar efetiva a intangibilidade do vínculo federativo; (B) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades federadas; (C) a promover a unidade do Estado Federal e (D) a preservar a incolumidade dos princípios fundamentais proclamados pela Constituição da República”[24].


Sendo assim, com a constatação de que o rol de hipóteses da aludida Constituição paraibana ultrapassou o limite que fora outorgado ao constituinte decorrente, a autonomia dos municípios não poderá ser retirada em virtude de causa não prevista na Constituição Federal, já que, por conta de sua situação de exceção e anormalidade, devem ser interpretadas restritivamente.[25]


5 – Das conclusões


O Brasil é um Estado Federado em que a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, todos igualmente autônomos, ocupam o mesmo escalão em termos de hierarquia, devendo, consequentemente, receber tratamentos idênticos – essa é a premissa básica do Pacto Federativo.


Outrossim, a regra é a autonomia dos entes federados, todavia, em casos excepcionais descritos pela Constituição Federal, poderá ser admitido o afastamento desta autonomia política, para evitar uma possível vulnerabilidade da força do princípio federativo.


Por derradeiro, assistimos inteira razão à Corte Suprema brasileira que vocifera que a intervenção estadual nos municípios tem a mesma característica de excepcionalidade da intervenção federal, pois a regra é a autonomia do município, e a exceção, a interferência em sua autonomia política, tudo isto somente ocorrerá nos casos taxativamente previstos na Constituição Federal (art. 35), sem qualquer possibilidade de ampliação pelo legislador constituinte estadual[26].


Ante o exposto, considerando que na Constituição do Estado da Paraíba (incisos, V e VI do artigo 15) há hipóteses de intervenção do estado nos municípios fora do rol hermético descrito pela Constituição da Republica Federativa do Brasil, resta patente a sua não compatibilidade substancial, por potencial violação ao pacto federativo, no tocante à restrição imposta pelo artigo 25 da Constituição Federal, que outorga aos Estados-membros a capacidade administrativa-política de se organizarem segundo suas constituições.


Deste modo, no exercício do seu poder constituinte derivado decorrente, o legislador paraibano, apesar de seu nobre intuito de resguardar relevantes regras de conduta, olvidou-se de suas limitações principiológicas balizadoras da organização administrativa e política e, equivocadamente, elaborou um dispositivo normativo formalmente constitucional e, materialmente, inconstitucional.


 


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Notas:

[1] CANOTILHO, JJ Gomes, em Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Gráfica de Coimbra, 3ª edição, 1999, p. 824

[2] ROCHA, Carmém Lúcia Antunes, em República e Federação no Brasil, traços constitucionais da organização política brasileira, Editora Del Rey, 1996, p.171

[3] BASTOS, Celso Ribeiro, em Curso de Direito Constitucional, São Paulo, 2002. p. 469

[4] BARROSO, Luís Roberto, em Interpretação e Aplicação da Constituição. Editora Saraiva, São Paulo, 1996, p. 152

[5]  CUNHA JR, Dirley, em Curso de Direito Constitucional, Editora JusPodivm, Salvador, 2ª Edição, 2008, p. 488

[6] Idem.

[7] Ibidem, p. 489

[8] COSTA, Marcus Vinícius Americano da, em Institutos de Direito Constitucional, Editora Ciência Jurídica, Belo Horizonte, 1998, p. 291

[9] BASTOS, Celso Ribeiro, op. cit. p. 469 et. seq.

[10]  KELSEN, Hans, em Teoria Pura do Direito, 1979, p. 310, apud, CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. p. 141 e 972

[11] José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, 17ª edição, Rio de Janeiro, Ed. Lumen Júris, 2007, p. 703.

[12] MORAES, Alexandre, em Direito Constitucional, Editora Atlas, 17 edição, São Paulo, 2005, p. 286

[13] CUNHA JR, Dirley, op. cit., p. 844

[14] Supremo Tribunal Federal, MS n.° 21.041, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 13.03.92

[15] LENZA, Pedro, em Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo , Editora Saraiva, 12ª edição, 2008, p. 278

[16] GRUPENMACHER, Betina Treiger. Em Poder Constituinte Decorrente e Autonomia do Estado-membro no Direito Constitucional Brasileiro, em Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n.° 16, 1996, p. 282

[17] LENZA, Pedro, op. cit., p. 87

[18] BULOS, Uadi Lammêgo, em Constituição Anotada, Saraiva, São Paulo. 2000. p, 506-509

[19]  Idem, passim.

[20] MORAES, Guilherme Peña de, em Direito Constitucional – Teoria da Constituição, Editora  Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2003. P. 48

[21] TRIGUEIRO, Oswaldo. Direito Constitucional Estadual, 1ª edição,. Rio de Janeiro, Forense, 1980, p.70

[22] MORAES, Alexandre, op. cit., p. 286

[23] MORAES, Guilherme Peña de, op. cit., passim

[24]  Supremo Tribunal Federal, IF n. ° 591-9/BA – Rel. Min. Presidente Celso de Mello. DJ 16.09.1998, p. 42

[25] LENZA, Pedro, op. cit., p. 278

[26]  Supremo Tribunal Federal – Pleno – ADI n.°  558/RJ – Rel. Min Sepúlveda Pertence, DJ 26.03.1993. Apud. da SILVA, José Afonso, em Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros p.428 


Informações Sobre o Autor

Marcelo Martins de Sant’Ana

Advogado, pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior da Advocacia (ESA-OAB/PB) e pós-graduando em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera Uniderp


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