O partido dos justos: a politização da justiça

Resumo: A atividade jurisdicional e a do Ministério Público têm, cada qual, extrapolado de suas órbitas constitucionais? Em que medida tal comportamento pró-ativo tem acrescentado ou subtraído aos anseios de concretização dos direitos e garantias fundamentais?

Palavras-chave: atividade jurisdicional, Ministério Público, órbitas constitucionais, pró-ativo, direitos e garantias fundamentais.

Abstract: Is the judicial activity and the Public Prosecutor's activity extrapolated from their constitutional orbits? To what extent has such proactive behavior added or subtracted from the aspirations for the realization of fundamental rights and guarantees?

Keywords: jurisdictional activity, Public Prosecutor's Office, constitutional orbits, proactive, rights and fundamental guarantees.

Sumário: Sinônimo de heroísmo ou de ameaça à democracia?. Referências.

SINÔNIMO DE HEROÍSMO OU DE AMEAÇA À DEMOCRACIA?

À sua própria história está cada país vinculado. Uma das formas de prestigiar essa história e conhecer um pouco mais do espírito daqueles nacionais consiste em observar o progresso, no sentido temporal, de suas instituições. O autor em voga elege para tanto o Ministério Público para explicar o Brasil.

O ponto que mais lhe interessa é com relação à existência d’uma “legitimidade histórica” do referido instituto, pois evidente é seu poderio quando não se vincula necessariamente, ao menos, não hierarquicamente a nenhum dos Poderes do sistema político brasileiro, e traz consigo a reputação de representante da “sociedade”. “Esta” em si fora tutelada pelo governo durante a recém-acabada ditadura militar, e vem agora rezado na nova Carta Constitucional de  1988 a burocrática participação da sociedade em questões sociais, no sentido mais latu, diante da representação imediata perpetrada pelos Promotores, em obediência à Constituição, e à dificuldade da satisfação por outros meios. A crítica do autor se atém tanto ao instituto (personae) eleito para tal tarefa, tal como ao modo como a referida missão é realizada pelo mesmo (actiones).

O procurador/promotor é derivado de dado “curioso personagem que aparece na Europa por volta do século XII” e se apresenta “como o representante do soberano, do rei ou do senhor”, pois é de quando se registra o surgimento das monarquias e as contestações passam a se submeterem a um poder exterior às partes, diferentemente da era romana, carolíngia ou feudal; sua função, portanto, era de assumir o lugar da vítima, reproduzindo a voz do soberano, diante de lesão à ordem daquele reino. O simples dano assume característica de infração, e passa ser fato gerador de multas e confiscos jurídicos, enriquecedores dos monarcas.

Entre o século XV e XVIII, deu-se a fase evolutiva do Estado alcunhada pelo autor de administrativo-absolutista. Nesta primeira fase da consolidação dos Estados nacionais o “procurador do Rei vai fazer o mesmo que os visitantes eclesiásticos faziam nas paróquias, dioceses e comunidades. Vai procurar estabelecer por inquisitio, por inquérito, se houve crime, qual foi e quem cometeu.”. Tanto procuradores como juízes eram tidos como “soldados do rei”, pois tal como perseguiam bruxas a mando da auctoritas-divino, realizavam confiscos em atendimento aos interesses do rei, em quem estava concentrado auctoritas e potestas.  Nesta fase, porém, era comum a delegação da administração da justiça aos juízes, diante do ímpeto capitalista, o que acaba por estimular a revolução democrática-burguesa, pelo fato óbvio de o ato de delegar poder ocasionar o compartilhamento do mesmo, d’onde, finalmente, o magistrado volta a exercer atividade análoga à do “pretor romano, titular da jurisdictio e do poder de dar ordens aos cidadãos”, recebendo nova alcunha de “oficial do direito”.

 Menção volta a ser feita à figura central, em etapa seguinte dessa narrativa sequencial da história dos agentes do direito. Em plena Revolução francesa, o promotor jacobino Fouquier-Tinville, na função de acusador público, “Diabolus na língua teológica”, foi o que mais encaminhou pessoas à guilhotina aliado ao petit juge, quando do combate ao despotismo e seu Ancien Regime, quando resta clara a enorme fração de poder que o controle do poder jurídico fornece àquele que o controla, pois enquanto o mandamus da lei é geral e abstrato, a condenação judicial é singular e concreta, profícua em eras de conflitos extrapolados. O trágico que fora sucedido pela farsa, a alavancada de um soldado plebeu ao poder, Napoleão Bonaparte. E são outros exemplos em que “soldados do direito” justificam suas investidas atrozes na aplicação positiva da lei,  burocratas.

O Iluminismo assentou o mito revolucionário da “lei como expressão da vontade geral (imanentemente justa), servindo de base teórica a espalhados atos de rompimento com a soberania monárquica, período transcorrido do século XVIII ao XX caracterizador da segunda fase da  evolução do Estado, de Direito Legislativo, data-se daí o surgimento das Constituições, direitos fundamentais básicos de primeira dimensão, de liberdade burguesa. Nesta etapa a independência da magistratura em relação ao poder tem sua essência correlacionada na dependência do magistrado com relação à Lei.

 Carl Schmitt pondera, segundo o autor, que saiu de cena a soberania da lei e esta retorna transvestida, desconecta-se de um “senhor absolutismo” e assume uma roupagem de “absolutismo de mil cabeças”. A burguesia estabelece critérios orgânicos próprios de um Estado de Direito, como o estabelecimento do princípio da legalidade da Administração, a Constituição passa a ser a lei fundamental, independência judicial  para controle dos pleitos penais e civis privados, controle judicial da Administração. O Estado  passa a se basear numa conformação judicial, convertendo-se em Estado  Judicial, que prepondera a Supremacia da Lei.

A legalidade legitimadora dos atos estatais encontrou seu ápice na experiência nazista, que absolutamente em nada transgrediu o trâmite legislativo. No entanto, como é sabido por todos, nos anais da história se tem registrado uma das maiores tragédias já executadas pelo ser humano, com total espaldo legal, onde juízes e promotores eram “soldados do direito”.

O Legislativo havia sido o primeiro, dentre os modernos 3 poderes, a revolucionar, através de enfrentamento direto, o sistema mundial, ao sobrepor o Executivo à Lei, de criação daquele Poder. Diante da norma geral e abstrata, distante da realidade, a tarefa do Judiciário torna-se a de referendar/moldar a Lei em tese à realidade, o aplicador da Lei torna-se o legislador (positivo/negativo) na dinâmica dos fatos, o “supremo guardião” da Constituição.

Contudo, houve o retorno do Executivo, como aludido, na Alemanha nazista, e, no caso mais impactante tupiniquim, a era ditatorial militar, quando o Judiciário se amedrontou e serviu de fantoche, aplicando a Lei de positiva e injusta, como no caso do Brasil, as Comissões Gerais de Investigação. É o que o autor chama da farsa formal após a tragédia da tortura, da desumanidade sob qualquer vestimenta.

Com a derrocada do Direito Positivo na sua péssima experiência, o Jusnaturalismo retoma à frente, sedimentando o Estado de direito jurisdicional-legislativo em diversos pontos do Globo, incluindo o Brasil. Junto à ascensão da magistratura, uma figura originariamente criada para representar o Rei ganha novos poderes nesse novo cenário, o procurador.

A terceira etapa da evolução estatal surge no início do século XX, o Estado de direito jurisdicional-legislativo, por uma simples razão de não ser o Constituinte capaz de prever todos os fatos da vida que serão submetidos à apreciação judicial, o que concede ao magistrado a propriedade de ser pensante, liberdade de fundamentar decisões na sua própria convicção, não sendo em absoluto escravo da lei, manipulado pela burguesia, do contrário, manteve suas ações, inclusive ampliando-as até este momento de ascensão.

O Ministério Público brasileiro passa a atuar insubordinadamente à qualquer Poder, contando com a aliança da mídia. Esta que promove julgamentos morais muito mais céleres que o próprio procedimento judicial, trazendo a face dos promotores como aquela pertencente aos defensores da sociedade, da verdade, elevando o status social/político dos mesmos. Contudo, isto traz duras máculas aos Princípios do Direito, muitas das vezes incriminando inocentes, que, numa sociedade digna, deve se ter como o pior erro estatal. Não há Promotoria com poderes equivalentes ao do caso brasileiro.

A grande questão democrática resvala-se na instituição do concurso público. Seria o concurso a ferramenta mais republicana e democrática de fato? Os cargos à disposição não são para todos, logicamente, e, ainda, aqueles que os alcançam adquirem segurança tal que, ao exercerem funções públicas (que trarão efeitos a toda coletividade), apenas respondem ao Órgão ao qual pertençam, ou à Administração do Poder ao qual se está relacionado. Além disso,  a condenação é a aposentadoria compulsória.

Mesmo diante de questionamento da postura do MP por estudiosos, é fato que a massa populacional apoia as ofensivas da Promotoria, principalmente quando diante de políticos (“os traidores da nação da Diretas Já!”), com gigantesca repercussão na mídia, atingindo altos picos de audiência, além do furor da coletividade. Ainda, devemos lembrar que o promotor pode se candidatar, somente se licenciando do cargo, o que permite a geração de exacerbado interesse particular.

No momento em que se encerra o texto, o autor reflete acerca dos limites da esfera jurídica, e tenta encaixar os órgãos máximos jurídicos em seu local ideal. Então pergunta retoricamente quanto à questão das relações interpessoais, se o direito teria a capacidade de abarcá-las ininterruptamente no decorrer da história, tarefa esta que caberia à sociologia e cuja resposta não é lá tão difícil de se presumir. Há-se muita particularidade nas relações em si, nem sempre sendo justa a intervenção, pois esta acaba por se tornar impositiva na sua concretização quando se intenciona “panjurizar” a sociedade, abarcar a sociedade da ciência do direito na intenção de não afastar a apreciação do judiciário. O papel do MP passa a ser inquisidor, sempre à caça de um culpado para apresentar sua “cabeça aos aldeões” e estes se regozijarem, entoarem o nome do promotor, o justo. A tirania da maioria elege uma vítima e descarrega sua fúria, e a máquina estatal serve de farsa para atender a este anseio social, exercendo uma atividade intrinsecamente política, no sentido de acatar e agradar o furor social, trazendo rápida resposta e promovendo a aquietação.  Daí os agentes são gratificados, promovidos, seus status se elevam, sua fama igualmente, contudo, a teleologia do sistema é abandonada. E, para o tribunal, são levadas questões para se instrumentalizar/legitimar uma injustiça. É como o autor fecha sua reflexão.

 

Referência
BARROS, José Manoel de Aguiar. O Partido dos Justos: A politização da   Justiça. Porto Alegre: SAFE, 2002

Informações Sobre o Autor

Weverton Paraguassú Teixeira

Graduado em Direito UNIVERSO Goiânia Pós- graduando em Direito Constitucional pelo IDP DF


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