Os efeitos da decisão em Mandado de Injunção

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Resumo: O presente artigo visa demonstrar a evolução dos efeitos conferidos pelo Supremo Tribunal Federal à decisão proferida em sede de mandado de injunção, traçando breve estudo de suas origens e introdução em nosso sistema, como novel remédio constitucional, descrevendo paralelos com a teoria da eficácia das normas constitucionais e, por fim, delineando as posições não concretistas, concretista intermediária e concretista individual direta.

Palavras-chaves: direito constitucional, processo constitucional, mandado de injunção, inconstitucionalidade por omissão.

Sumário: Introdução. 1. Origem e Conceito 1.1 Delineamentos iniciais 1.2 Origem 1.3 Conceito 2.Requisitos 2.1 Direitos,liberdades e prerrogativas constitucionais protegidos 2.2 Ausência de norma regulamentadora 3.Legitimidade 3.1 Legitimidade ativa 3.2 Legitimidade passiva 4.Competência e Procedimento 5.Efeitos da decisão em Mandado de Injunção na Interpretação do STF 5.1 Panorama geral 5.2 Posição não concretista 5.3 Posição concretista intermediária 5.4 O concretismo individual direto. Conclusão

Introdução

Sempre me causou perplexidade, durante os estudos da disciplina de Direito Processual Constitucional, a afirmação de que o Supremo Tribunal Federal havia feito do mandado de injunção mera letra morta constitucional. Intrigava-me a idéia da existência de uma ação constitucional inútil, indicando que ou o processo de elaboração de nossa Carta Maior havia sido, na realidade, assistemático e caótico, ou o Supremo Tribunal Federal recusava-se teimosamente a compreender o mandado de injunção nos mesmos termos em que havia sido concebido pelo constituinte originário. Afinal de contas, a Constituição não é aquilo que o Supremo diz que ela é?

O presente Trabalho é o resultado dessa perplexidade. Visa demonstrar a evolução dos efeitos conferidos pelo Supremo Tribunal Federal à decisão proferida em sede de mandado de injunção, trilhando o longo caminho entre uma posição que fazia da ação a mera letra morta constitucional, e o mais recente entendimento jurisprudencial, que permitiu redescobrir a essência do pensamento do constituinte de 1988.

1. Origem e Conceito

1.1 Delineamentos iniciais

Entre os anos de 1964 e 1985 o nosso país esteve dominado por uma truculenta ditadura militar. Neste interregno cinzento da história nacional, as liberdades individuais foram restringidas por sucessivos Atos Institucionais que gradativamente solaparam garantias fundamentais e asfixiaram aspirações democráticas. Justificado pela doutrina da segurança nacional, o autoritarismo castrense fez prevalecer o arbítrio estatal, subproduto das circunstâncias da polarização gerada pela Guerra Fria.

Com o advento da redemocratização e a conseqüente convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, o parlamento viu-se diante da hercúlea tarefa de reconstruir a cúpula do ordenamento jurídico pátrio. Um dos grandes desafios que se impunham foi o de encontrar formas adequadas para dotar o cidadão e a sociedade de instrumentos que lhes garantissem a efetiva aplicabilidade da norma suprema. Importava introduzir no texto constitucional mecanismos processuais com o objetivo de proporcionar um meio eficaz de evitar que a concretização de determinados direitos restasse impossibilitada, feridos de morte em função da inexistência de norma regulamentadora.

O manado de injunção nada mais é que fruto desse intento, como se observa da redação do art. 5º inciso LXXI da Constituição Federal: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e a cidadania”. 

Trata-se, portanto, de ação constitucional que surgiu, assim como a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão, para atacar uma patologia jurídica denominada por doutrinadores modernos de síndrome de inefetividade das normas constitucionais (LENZA, 2008, p.738; MORAES, 2005, p. 418). Nesse sentido, aliás, cabe afirmar induvidosamente que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira constituição brasileira a tratar da inconstitucionalidade por omissão[1] (PIOVESAN, 2003, P. 187).

Quanto à tese da existência de normas constitucionais cuja eficácia dependa de posterior normatização, torna-se necessário remeter à teoria tricotômica da aplicabilidade das normas constitucionais, formuladas por José Afonso da Silva, na exposição de Flávia Piovesan (2003, p. 66):

As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas dotadas de aplicabilidade direta, imediata e integral, que não dependem de legislação posterior para a sua inteira operatividade. Isto é, por receberem do constituinte normatividade suficiente à sua incidência imediata, não exigem a elaboração de novas normas legislativas que lhe fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição dos interesses neles regulados. São normas que produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los). Na definição de José Afonso da Silva, são normas constitucionais de eficácia plena ‘aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular’.

Quanto às normas constitucionais de eficácia contida, apresentam aplicabilidade direta, imediata, mas possivelmente não integral, porque sujeitas a restrições previstas ou passíveis de regulamentação que limita sua aplicabilidade. Observa José Afonso da Silva que as normas constitucionais de eficácia contida podem ter aplicabilidade restringida seja pela lei, seja por certos conceitos de larga difusão no direito público, tais como ordem pública, segurança nacional ou pública, integridade nacional, necessidade ou utilidade pública, perigo público iminente, dentre outros, que importam em limitação da eficácia normativa.

As normas constitucionais de eficácia contida, define José Afonso da Silva, ‘são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados’.

Para Michel Temer, as normas de eficácia contida são normas de eficácia redutível ou restringível, que podem ter reduzido seu alcance pela atividade do legislador infraconstitucional. Insista-se: sua aplicabilidade não fica condicionada a uma normação posterior, mas é passível de limites que ulteriormente se lhe estabeleçam, mediante lei, ou mediante a ocorrência de circunstâncias restritivas, constitucionalmente admitidas.

Por fim, as normas de eficácia limitada ou reduzida são todas as normas que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu sobre a matéria uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. “Apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade.”

Logo, o campo de atuação dos remédios destinados a atacar a omissão normativa inconstitucional é precisamente o universo das normas de eficácia limitada ou reduzida, pois são, por definição, aquelas que necessariamente devem ser complementadas por atos normativos posteriores, sem os quais não se materializam. Frise-se a utilização proposital da expressão omissão normativa, pois o mandado de injunção é um instrumento destinado a combater não só a omissão legislativa, que é uma espécie daquele gênero, como também o é a omissão regulamentar administrativa.

1. 2 Origem

Identificar as origens do mandado de injunção constitui-se árdua tarefa, pois grassa a controvérsia entre os autores que trataram do assunto.

José Afonso da Silva aponta a origem inglesa do mandado de injunção, afirmando que “O mandado de injunção é um instituto que se originou na Inglaterra, no séc. XIV, como remédio essencial da Equity. Nasceu, pois, do Juízo de Equidade. Ou seja, é um remédio outorgado , mediante um juízo discricionário, quando falta norma legal (statutes) regulando a espécie, e quando a Common Law não oferece proteção suficiente. A equidade, no sentido inglês do termo (sistema de estimativa social para a formulação da regra jurídica para o caso concreto), assenta-se na valoração judicial dos elementos do caso e dos princípios de justiça material, segundo a pauta de valores sociais, e assim emite a decisão fundada não no justo legal mas no justo natural. Na injunction inglesa como no mandado de injunção do art. 5º, LXXI, o juízo de eqüidade não é inteiramente desligado das pautas jurídicas. Não tem o juiz inglês da equity o arbítrio de criar norma de agir ex nihil, pois se orienta por pauta de valores jurídicos existentes na sociedade (princípios gerais de direito, costumes, conventions etc.). […] Mas a fonte mais próxima deste é o writ of injunction do Direito norte-americano, onde cada vez mais tem aplicação na proteção dos direitos da pessoa humana, para impedir, p. ex., violações de liberdade de associação e de palavra, da liberdade religiosa e contra denegação de igual oportunidade de educação por razões puramente raciais, tendo-se estabelecido mediante julgamento favorável de uma injunction (caso Brown v. Board IF Education of Topeka, 1954) o direito de estudantes negros à educação em escolas não segregadas; a Emenda 14 da Constituição norte-americana confere várias franquias inerentes à nacionalidade, à soberania popular e à cidadania, pois a proteção desses direitos e franquias tem sido crescentemente objeto de injunction, tal como agora se reconhece no Direito Constitucional pátrio”. (SILVA, 2008, p. 448)

Hely Lopes Meirelles,porém, rejeita peremptoriamente a tese que atribui a paternidade de nosso mandado de injunção ao writ of injunction norte-americano, afirmando persistir a similitude apenas no nome:

 “O nosso mandado de injunção não é o mesmo writ dos ingleses e norte-americanos, assemelhando-se apenas na denominação. É o que se infere dos publicistas nacionais que já trataram do assunto.

Referida ação, no Direito Anglo-saxônio, tem objetivos muito mais amplos que no nosso, pois que na Inglaterra e nos Estados Unidos o writ of injunction presta-se a solucionar questões de Direito Público e Privado, sendo considerado um dos remédios extraordinários”. (MEIRELLES, 1995, p.172)

Francisco Antonio de Oliveira Machado lança algumas luzes a respeito da influência do direito constitucional português em nosso Mandado de Injunção:

Para Wander Paulo Marotta Moreita (op. cit., p.406) a nossa injunção, criada por inspiração do Sen. Virgílio Távora, de saudosa memória, não guarda nenhuma similitude com o instituto nos moldes franceses e italianos. Constata que em Portugal, os arts. 281 e 283 (art. 279 no texto primitivo) contemplam a regra da inconstitucionalidade por omissão, que guarda alguma semelhança com a nossa injunção, e que tem sido muito pouco aplicada. Lembra o autor que, para Adhemar Ferreira Maciel, ‘foi a primitiva inspiração do constituinte brasileiro, que foi buscar no seu texto a forma de realizar no direito constitucional brasileiro a sonhada fórmula para impedir a postergação indefinida, por falta de regulamentação, dos direitos consagrados na Carta’”. (OLIVIERA, 2004, p. 25)

Em que pese seja possível afirmar que o Mandado de Injunção fixe raízes remotas nos históricos writs do direito anglo-saxônico, pois foi sabidamente no direito insular que primeiro surgiram os meios destinados a salvaguardar direitos individuais, dos quais o Habeas Corpus é o exemplo de maior dignidade, é inegável possuir contornos próprios que o distinguem fundamentalmente daqueles institutos.  Oportuna a ressalva de Paulo Bonavides (2001, p.505) para o fato de que muito embora tenha nome e origem estrangeira, o instituto encontra-se em nosso direito tão modificado, tão permeado de caracteres próprios, que não seria facilmente reconhecido por um jurista anglo-americano.

Na verdade, múltiplas influências interagiram, amalgamando-se em uma identidade peculiar. Essa evidente singularidade leva autores do porte de Roque Antonio Carraza (2008, p. 407) a afirmar o seu ineditismo.

1.3 Conceito

Como inovação que é, o mandado de injunção oferece dificuldades conceituais relevantes, divergindo os autores em questões fundamentais. A leitura menos atenta do texto constitucional poderá induzir à conclusão de que contém o conceito do instituto. Mas a Constituição Federal apenas prevê a ação constitucional e as hipóteses de seu cabimento, não a conceituando, absolutamente. Como se depreende da investigação acerca das origens do mandado de injunção, inexiste no direito comparado ou na história constitucional brasileira outro instrumento que ofereça parâmetros satisfatórios dos quais se possam extrair elementos que conduzam a uma adequada conceituação. Ademais, muito embora conceituá-lo seja tarefa preliminar, acaba por adiantar questões que serão desenvolvidas mais pormenorizadamente nos tópicos adequados deste estudo.

A formulação de um conceito de mandado de injunção está umbilicalmente ligada aos efeitos que se atribuem à decisão que se obtém no curso de seu julgamento. Neste ponto cabe, em razão do poder de síntese, transcrever a lição de José da Silva Pacheco (2002, p. 382) sobre as posições doutrinárias a respeito:

Na análise do dispositivo constitucional, cinco hipóteses podem, em resumo, ser aventadas para exame:

a) A primeira considera que a ação de mandado de injunção e a respectiva sentença favorável visaria criar a norma legal omissa, substituindo, desse modo, a atividade do órgão competente para fazê-lo;

b) A segunda enfoca a ação e a sentença como tendo em vista obter a ordem ou mandamento ao órgão competente para baixar a norma, inclusive ao Legislativo, a fim de que elabore e baixe o ato regulamentador;

c) A terceira focaliza o mandado de injunção como instrumento propiciatório de sentença declaratória da omissão ou condenatória de obrigação de fazer; sujeita à ação comum;

d) A quarta vê o mandado de injunção como instrumento para obter do juiz a decisão no sentido de, atendendo ao pedido, proteger o direito reclamado, levando em conta os fins sociais e as exigências do bem comum e os princípios constitucionais e gerais de direito;

e) A quinta hipótese combina a segunda e a quarta, que não se repelem entre si, ensejando que o órgão competente, que não se resume no Legislativo, baixe a norma em certo prazo, ciente de que, se não o fizer, o juiz julgará o caso concreto submetido à sua aplicação.

José Afonso da Silva conceitua o mandado de injunção partindo do pressuposto de que este se presta para obter diretamente a fruição do direito estorvado: “Constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição. Sua principal finalidade consiste assim em conferir imediata aplicabilidade à norma constitucional portadora daqueles direitos e prerrogativas, inerte em virtude de ausência de regulamentação”. (SILVA, 2008, p. 448).

Alexandre de Moraes fundamenta-se em posicionamento diverso. Acata a tese de que a impetração do mandado de injunção objetiva precipuamente a edição da norma faltante, somente reflexamente propiciando a concretização do direito, liberdade ou prerrogativa: “O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou prerrogativa prevista no Constituição Federal”. (MORAES, 2005, p.418).

Para o desenvolvimento presente estudo adotaremos a definição de Alexandre de Moraes, a qual permite maior adaptabilidade quando se trata de analisar a evolução jurisprudencial de nosso tribunal constitucional quanto à natureza jurídica da decisão.

2. Requisitos

Inicialmente, cumpre observar que não há uniformidade na terminologia utilizada para a análise dos pressupostos para a impetração do mandado de injunção. Os autores lançam mão de expressões como “condições” (PACHECO, p. 378), “requisitos” (LENZA, p. 738; MORAES, p. 418) ou “pressupostos” (THEODORO JÚNIOR, p. 526), indistintamente. Apesar da diversidade de denominações, há que se reconhecer o consenso doutrinário sobre quantos e quais seriam estes elementos.

Os requisitos para a impetração do mandado de injunção devem ser extraídos do texto contido no art. 5º, LXXI, da Constituição Federal:

a) A previsão de um direito constitucional, relacionado às liberdades fundamentais, à nacionalidade, à soberania ou à cidadania;

b) A ausência de norma regulamentadora, inviabilizando a fruição deste direito.

2.1 Direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais protegidos

Antes de passar à tarefa de identificar, partindo da previsão constitucional genérica, sobre quais direitos especificamente se estende o mando protetivo do mandado de injunção, já é possível estabelecer algumas premissas.

Pode-se assentar que o direito ou prerrogativa carente de regulamentação deve possuir previsão constitucional, não se admitindo cogitar do cabimento da impetração de mandado de injunção para obter a fruição de direito ou prerrogativa previsto em qualquer outra espécie normativa, como lei complementar ou ordinária. Se o direito, liberdade ou prerrogativa não recebeu dignidade constitucional, excluído está do âmbito de aplicabilidade da ação.

Da mesma forma, incabível a impetração de mandado de injunção nos casos de existência de norma, alegando sua inconstitucionalidade. Neste caso não se está a falar de inconstitucionalidade por omissão normativa, mas sim de norma inconstitucional, deduzindo-se logicamente que o sistema de controle de constitucionalidade tradicional é o meio adequado para tanto.

Tecidas as considerações acima, cumpre retomar o tema. Uma primeira abordagem possível consiste simplesmente em relacionar os direitos enumerados ao capítulo correspondente do Título II da Constituição Federal – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Topicamente, são aqueles previstos nos artigos 5º (Direitos Fundamentais), art. 6º a 11 (Direitos Sociais) e art. 12 (Cidadania). Já a localização tópica do direito constitucional relacionado à soberania é menos evidente que os demais, exigindo exegese:

De compreensão menos fácil parecem ser as prerrogativas de soberania, porque esta, com mais freqüência, é considerada como atributo do Estado, da Nação ou do Poder Constituinte, e não do indivíduo. Mas é possível pensar que o legislador tem em vista a soberania popular, a qual é referida no art. 14, com os meios de seu exercício, isto é, sufrágio universal, voto secreto e direto, com igual valor para todos, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular” (BARBI apud PIOVESAN, pg. 139).

O aprofundamento dos estudos doutrinários, porém, indicou direção diversa acerca de quais seriam os direitos constitucionais não regulamentados que se prestam ao cabimento do mandado de injunção. O espectro de incidência ampliou-se sobremaneira, de modo a abarcar todo e qualquer direito, liberdade ou prerrogativa constitucional.

Larga discussão jurídica se instaurou acerca do objeto do mandado de injunção. Apresentaram-se, basicamente, três correntes doutrinárias. A corrente mais restritiva sustenta que a parte final do art. 5º, LXXI, ao se referir a prerrogativas “inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”, restringe o alcance da expressão “direitos e liberdades constitucionais” a estes bens jurídicos. Uma segunda corrente restringe a expressão “direitos e liberdades constitucionais” aos direitos e garantias fundamentais do Título II do texto. A terceira corrente, a que se adota, entende que os direitos, liberdades e prerrogativas tuteláveis pela injunção não são apenas os constantes no Título II da Carta Maior, que se refere aos direitos e garantias fundamentais, mas quaisquer direitos, liberdades e prerrogativas, previstos em qualquer dispositivo da Constituição, tendo em vista que inexiste qualquer restrição no art. 5º., LXXI, do texto. Entende-se que o Mandado de Injunção protege os direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas, estas sim, inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (PIOVESAN, p. 140).

Portanto, qualquer direito previsto na carta magna que possua a natureza de norma de eficácia limitada – o que implica a integração por outra espécie normativa de hierarquia inferior – presta-se à atuação do mandado de injunção.  Conseqüentemente, incabível a utilização do mandado de injunção se a previsão constitucional possui eficácia plena.

2.2 Ausência de norma regulamentadora

Considerando que a norma jurídica trata-se de gênero composto por espécies distintas, cada qual com suas peculiaridades individualizantes, a expressão “norma regulamentadora”, literalmente interpretada, pode levar à conclusão equivocada de que se refere a uma destas espécies, mais precisamente àquela denominada regulamento: “… pode-se conceituar o regulamento em nosso Direito como ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública”. (MELLO, 2008, p. 337)

Salta aos olhos que referida espécie normativa, devido à sua especificidade, não se presta plenamente à implementação de todos os direitos e prerrogativas protegidos pelo mandado de injunção. Diante do largo espectro de direitos previstos em norma constitucional de eficácia limitada, implica em restringir drasticamente a utilidade da ação constitucional, o que por certo é contraditório e irresolvível.

O constituinte, ao referir-se à norma regulamentadora, o fez ao gênero, abstendo-se de especificações. Considerando a amplitude da finalidade do mandado de injunção, é forçoso concluir que não se trata de má técnica redacional ou que se relegou ao legislador ordinário ou à elaboração doutrinária a definição do conteúdo da expressão. Logo, o texto refere-se, expressamente, a todas as espécies normativas cuja ausência resulte no impedimento à concretização dos direitos previstos no art. 5º, LXXI da Constituição Federal.

O regulamento a que atine a injunção é aquele em sua acepção material, ampla e compreensiva de todas as modalidades de normas necessárias para operar a exeqüibilidade de um dispositivo constitucional ou legal (leis complementares, leis ordinárias, decretos, resoluções, etc.). Por isso, a expressão regulamento não deve ser tomada em seu sentido literal. Formalmente, o regulamento é um ato legislativo ou administrativo que traduz a norma primária em seus aspectos menores, aclarando-a e disciplinando a sua exigibilidade. Mas, sob o aspecto material, o regulamento é ato legal necessário para a exeqüibilidade de outra norma superior” (DIOMAR ACKEL FILHO, Apud OLIVEIRA, p. 53).

Admitindo-se o entendimento supra, a norma regulamentadora faltante poderá possuir natureza administrativa ou legislativa, conforme a competência para sua edição, o que trará importantes reflexos para a definição da legitimidade passiva e da competência para julgamento, tópicos que serão adequadamente desenvolvidos nos itens pertinentes.

Nessa esteira, uma última questão merece análise. Francisco Antônio de Oliveira, tratando dos aspectos trabalhistas do mandado de injunção, aponta que a norma faltante pode ser um ato emitido por empresa, lançando luzes para um aspecto geralmente olvidado pela maioria dos doutrinadores:

Como a empresa privada pode vir a tornar-se parte passiva legítima, na medida em que também ela pode inviabilizar o exercício de direito, o termo engloba, naturalmente, aqueles atos praticados por essa empresa, escritos ou não, que importem em óbice à fruição de direitos de seus empregados, ou, ainda, de qualquer pessoa atingida por eles. A expressão alcança, portanto, qualquer ato proveniente de atividade interna da Administração Pública ou de empresa privada, lesivo de direito por omissão” (WANDER PAULO MAROTTA MOREIRA Apud OLIVEIRA, pg. 51 e 52).

A questão é tormentosa. Aceita a tese de que é cabível a impetração de mandado de injunção para obter a fruição de um direito que dependente de regulamentação por ato de empresa, o reflexo imediato mais palpável será o de admitir a legitimidade da empresa para ocupar o pólo passivo da ação. Esta posição, porém, contraria a doutrina francamente majoritária, segundo a qual somente as pessoas estatais possuem competência para a edição de atos normativos.

Por ora, cabe estabelecer como segundo pressuposto para a impetração do mandado de injunção a ausência de toda e qualquer norma regulamentadora, de natureza legislativa ou administrativa, desde que obste o gozo de direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

3. Legitimidade

3.1 Legitimidade ativa

O texto constitucional não faz qualquer restrição quanto aos legitimados ativos para o ajuizamento do mandado de injunção. Prescreve apenas que haverá o pleno cabimento da ação quando, devido à ausência de norma regulamentadora, reste prejudicada a concretização de direito, liberdade ou prerrogativa constitucional.

O tema não oferece maiores dificuldades: para possuir legitimidade ativa, basta tão somente ser o titular do direito obstado. Ademais, igualmente inexiste controvérsia doutrinária quanto ao fato de que tanto a pessoa natural quanto a pessoa jurídica possuem legitimidade ativa para o ajuizamento.

A titularidade ativa em sede de injunção é ampla. Vale dizer que pode ser pessoa jurídica, física, de direito público ou de direito privado. Poderá, ainda, ser uma figura despersonalizada, v.g., o espólio, a herança jacente, a massa falida, o condomínio etc. Poderá ainda haver a substituição processual (legitimação extraordinária) por organização sindical (sindicato, federação, confederação); de entidade de classe legalmente constituída, dos partidos políticos” (OLIVEIRA, 2004, p. 124).

A admissibilidade da impetração de mandado de injunção coletivo, consagrando a legitimação ativa extraordinária em sede de mandado de injunção, muito embora ausente previsão constitucional expressa, resultou de construção analógica em razão do parâmetro estabelecido pelo mandado de segurança coletivo, tendo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se pacificado nesse sentido. Flávia Piovesan, por sua vez, acrescenta argumentos sustentando a plausibilidade do mandado de injunção coletivo:

Ademais, à luz de uma interpretação sistemática da Constituição, e especialmente em face do que dispõem o art. 5º, XXI – que prevê a legitimidade das entidades associativas, quando expressamente autorizadas para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente – e o art. 8º, III – que estabelece a legitimidade dos sindicatos de efetuar a defesa dos direitos e interesses coletivos da categoria, inclusive em questões judiciais -, é admissível a impetração do mandado de injunção por entes coletivos, em defesa dos direitos coletivos da categoria” (PIOVESAN, p. 191)

Já a titularidade ativa da pessoa jurídica de direito público interno nem sempre foi aceita pelo pretório excelso.  Exemplificativamente, a decisão prolatada pelo Ministro Maurício Correa, no ano de 2001, por ocasião da apreciação do Mandado de Injunção n.º 537/SC: “Não se pode, contudo, incluir dentre os direitos fundamentais as prerrogativas de que gozam os Municípios na estrutura política em face dos Estados e da União, pois elas decorrem da opção constitucional de descentralização vertical do Estado Brasileiro. Outorgar ao Município legitimidade ativa processual para impetrar mandado de injunção seria elastecer o conceito de direitos fundamentais além daquilo que a natureza jurídica do instituto permite”.

Atualmente, este entendimento parece estar sendo superado. Como se verifica da argumentação extraída do voto do Ministro Gilmar Mendes nos autos do Mandado de Injunção n.º 725/RO, abaixo transcrito, sinaliza-se a disposição no sentido de admitir a legitimidade das pessoas jurídicas de direito público para a propositura da ação: “Não se deve negar aos municípios, peremptoriamente, a titularidade de direitos fundamentais e a eventual possibilidade de impetração das ações constitucionais cabíveis para sua proteção. Se considerarmos o entendimento amplamente adotado de que as pessoas jurídicas de direito público podem, sim, ser titulares de direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito à tutela judicial efetiva, parece bastante razoável vislumbrar a hipótese em que o Município, diante de omissão legislativa inconstitucional impeditiva do exercício desse direito, se veja compelido a impetrar mandado de injunção. A titularidade de direitos fundamentais tem como consectário lógico a legitimação ativa para propor as ações constitucionais destinadas à proteção efetiva desses direitos”.

Encerrando a análise da titularidade ativa para o ajuizamento de mandado de injunção, podemos definir que esta aptidão é inerente às pessoas naturais e jurídicas, inclusive as pessoas jurídicas de direito público, bem como aos entes despersonalizados ao qual a lei processual confere legitimidade para estar em juízo. Admite-se, ainda a legitimação extraordinária por meio de substituição processual, tornando possível a figura do mandado de injunção coletivo.

3. 2 Legitimidade passiva

Legitimado passivo é aquele sobre o qual recai os efeitos da sentença. Partindo-se do pressuposto de que objeto do mandado de injunção seja obter a normatização regulamentar que viabilize o direito obstado, seja por norma editada pela entidade competente em cumprimento de decisão judicial, seja por norma emanada subsidiariamente do próprio Poder Judiciário, deve-se forçosamente concluir que cabe àquele que detém o dever constitucional de editar a norma regulamentadora ocupar o pólo passivo da ação.

Em tema de legitimidade passiva, portanto, o mandado de injunção requer enfoque novo. No conceito clássico do direito processual civil, a legitimidade passiva advém da circunstância de estar a parte situada como obrigada, ou seja, no pólo passivo da obrigação de direito material que se pretende fazer valer em juízo, ou como integrante da relação jurídica a ser desconstituída ou declarada, ou ainda como titular do direito a ser declarado inexistente. Decorre de uma situação criada no processo com a apresentação do pedido do autor, onde um conflito de interesse é suscitado e aí adquire consistência jurídico-processual mesmo que inexistente o direito nele questionado. Nesse aspecto, sempre que o réu estiver vinculado como parte passiva ou integrante de uma situação jurídica criada pela alegação do autor, real ou não, na sua petição inicial, estará legitimado ad causam de forma a possibilitar a apreciação judicial do mérito do processo. […] Tais conceitos merecem adaptação diante da novidade que representa o mandado de injunção, porque o conceito de lide tradicional (conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida) não se amolda ao instituto. Na verdade, pode-se dizer que inexiste lide no sentido clássico. Existe, isto sim, direito constitucional que deve ser exercitado pela eficácia imediata dos direitos contidos no art. 5º “(FIGUEIREDO Apud OLIVEIRA, p. 131).

Atualmente, a doutrina é massivamente majoritária no sentido de que a legitimidade passiva cabe somente às pessoas estatais, sob o argumento de que somente elas detêm competência para a edição de provimentos normativos (MORAES, 2005, p.422).

Como já aventado neste estudo quando do exame dos requisitos para a impetração do mandado de injunção, há corrente dissonante do entendimento predominante, propugnando a possibilidade de que pessoas jurídicas privadas integrem o pólo passivo da ação, sob a argumentação de que, além dos entes estatais, também as empresas podem obstar direitos em conseqüência de omissão normativa inconstitucional. “A titularidade passiva também não deve ser limitada: pode ser qualquer órgão da Administração direta ou indireta, pessoas jurídicas de direito público ou não, e até mesmo pessoas jurídicas de direito privado ou fundações de serviço público, como, por exemplo, as empresas que estiverem obrigadas a conceder participação nos lucros a seus empregados e propiciar creches e pré-escolas, a deferir licença-paternidade etc.”. (MOREIRA apud OLIVEIRA, p. 130).

A argumentação, porém, na vicejou.

Cumpre registrar uma segunda corrente doutrinária, a qual parte de premissa diversa daquela predominante. O pressuposto fundamental desta posição consiste em inteligir o mandado de injunção não como um instrumento apto à obtenção da norma regulamentar faltante, de forma a concretizar o direito mediatamente, mas sim como ação cuja finalidade precípua seja obter a fruição do próprio direito, de forma imediata. Partindo do magistério do mestre José Afonso da Silva (SILVA, 2008, p. 450), Flávia Piovesan aborda a questão da legitimidade passiva:

O mandado de injunção, reitere-se, objetiva tornar viável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à cidadania e à soberania, quer a obrigação de prestar o direito seja do Poder Público, quer incumba a particulares.

Vale dizer, cabe mandado de injunção tanto nas relações de natureza pública como nas relações privadas, como, por exemplo, nas relações de emprego privado, hipótese que envolve os direitos previstos no art. 7º do texto constitucional.

Nesta ótica, sustenta-se que no mandado de injunção a legitimidade passiva recai sobre a parte privada ou pública que viria a suportar o ônus de eventual concessão da injunção. Isto é, a legitimidade passiva recai sobre o ente cuja atuação é necessária para viabilizar o exercício do direito e não recai, portanto, sobre a autoridade competente para elaborar a norma regulamentadora faltante.

“Neste sentido, afirma o Ministro Carlos Mário Velloso: ‘Sustento a tese de que está legitimada passivamente para ação do mandado de injunção a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que deva suportar os efeitos da sentença” (2001, p. 145).

Apresentadas as correntes doutrinárias pertinentes, e uma vez aceita a premissa de que a norma viabiliza Dora deve ter natureza administrativa ou legislativa, torna-se imperativo acatar o entendimento predominante segundo o qual somente as pessoas estatais a quem cabe a competência para editar a norma faltante poderão integrar a titularidade passiva da ação em comento.

4. Competência e Procedimento

As regras fundamentais de competência judicial estão consagradas na Constituição Federal, portanto é do texto magno que devemos extrair aquelas pertinentes ao julgamento do mandado de injunção pela corte constitucional.

O tema da competência do Supremo Tribunal Federal para processamento do mandado de injunção não comporta maiores desdobramentos. Encontra-se prevista no art. 102, I, alínea q, o qual estabelece que esta se dá nos casos em que a elaboração da norma regulamentadora omissa for atribuição:

a) do Presidente da República;

b) do Congresso Nacional;

c) da Câmara dos Deputados;

d) do Senado Federal;

e) das Mesas de uma dessas Casas Legislativas;

f) do Tribunal de Contas da União;

g) de um dos Tribunais Superiores;

h) do próprio Supremo Tribunal Federal.

Logo, o critério definidor de competência adotado pelo constituinte foi o da pessoa estatal que detém o dever de editar a norma regulamentadora ausente.

A Constituição Federal não regula o procedimento do mandado de injunção, tampouco remete à lei a sua regulamentação. Como já frisado, a previsão constitucional da garantia é feita em termos amplos, implicando atribuir à doutrina e à jurisprudência estabelecer o parâmetro para o procedimento a ser seguido durante o processamento da ação.

No entanto, é incontroversa a auto-aplicabilidade da norma constitucional instituidora do mandado de injunção, não ficando este a depender da edição de lei específica que regule o procedimento (CARRAZA, 2008, p. 407). Nesse sentido, também já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, quando da oportunidade do julgamento do MI 107-3 DF, relatado pelo Ministro Moreira Alves:

Assim, fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito da competência desta Corte – que está devidamente definida pelo art. 102, I, q – auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber”.

Importante ressaltar que, já nos trabalhos preparatórios da Assembléia Nacional Constituinte, constava no art. 37 do anteprojeto da Comissão de Sistematização a aplicação ao mandado de injunção do mesmo procedimento reservado ao mandado de segurança (PACHECO, 2002, p. 380).

Muito embora a previsão expressa tenha sido olvidada durante a tramitação legislativa e, portanto, não incluída na redação definitiva do texto constitucional, a lei n.º 8.038, de 28 de maio de 1990 – que institui normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal – expressamente estabelece, no parágrafo único do art. 24, a observância, quando cabível, das normas relativas ao mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica.

Tanto o mandado de injunção como o mandado de segurança são ações de natureza civil e de rito sumaríssimo, mas há diferenças fundamentais entre os institutos que obrigam a certas adaptações procedimentais. Deve-se evitar a armadilha de, com base na coincidência dos procedimentos, impetrar o mandado de injunção como mero sucedâneo do mandado de segurança. Basta gizar que, para o cabimento de um, o mandado de injunção, pressupõe-se a ausência de norma regulamentadora, ao passo que para o cabimento do outro, o mandado de segurança, o pressuposto é o direito líquido e certo.

Uma das questões que se levantam é acerca da existência de prazo decadencial para a impetração do mandado de injunção, sabido que este é, no mandado de segurança, de 120 dias, por força do teor do art. artigo 18 da Lei nº 1.533/51. Ora, destinando-se o mandado de injunção a possibilitar a fruição de um direito, prerrogativa ou liberdade constitucional que dependa de regulamentação posterior que restou omissa, não há que se falar em prazo decadencial. Aceitar a hipótese de incidência de prazo decadencial importaria em admitir a inviabilização da concretização do direito constitucionalmente assegurado, sob o argumento discutível de que a inércia daquele a quem cabe o dever de regulamentar tornou-se admissível em função da inércia do autor da ação. Trata-se, evidentemente, de uma construção contraditória e insustentável (OLIVEIRA, 2004, p. 107).

Outra observação incide sobre a indicação de quem deve integrar o pólo passivo da ação. Como já assentado durante o exame dos legitimados passivos, deve integrar o pólo passivo do mandado de injunção a pessoa estatal a quem cabe editar a norma faltante. Portanto, indiferente seja esta uma autoridade, um ente estatal, uma pessoa jurídica de direito público. Neste sentido, o mandado de injunção diferencia-se do mandado de segurança, que é impetrado sempre contra o ato de uma autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, e não contra a pessoa jurídica que ela integra.

Em sede de mandado de segurança, não se admite dilação probatória. Logo, a prova deve ser pré-constituída. Evidente! Se o direito há que provado durante a tramitação da ação, certo não é, muito menos líquido.  Igualmente, não nos parece possível que se deva prescindir da pré-constituição das provas, pois requerer a viabilização de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional por meio da edição de norma regulamentar pela entidade competente, ou a sua regulamentação no caso concreto pelo Poder Judiciário, postulando a produção da prova deste direito é, no mínimo, curioso. Nesta hipótese, aplicar-se-ia forçosamente o rito ordinário, em franca oposição com a intenção do constituinte, que, como já apontado, concebeu inicialmente o procedimento do mandado de injunção nos mesmos moldes daquele do mandado de segurança (PACHECO, 2002, p. 380).

A questão da possibilidade de dilação probatória durante o curso do processamento do mandado de injunção, porém, encontra eco em posições doutrinárias:

No mandado de injunção, em não havendo direito líquido e certo, mas apenas direito em que pende óbice para a sua fruição, caso existirá em que a instrução probatória se fará necessária. Isso não significa que as partes estejam dispensadas de instruírem, desde logo, as peças básicas (inicial e informações) com documentos” (OLIVEIRA, 2004, p. 167).

Feitas as considerações acima, o exame do procedimento adotado para processamento do mandado de injunção no Supremo Tribunal Federal encerra as análises preliminares do instituto. As premissas básicas para o desenvolvimento posterior do estudo estão postas. Cabe, agora, adentrar na análise da natureza jurídica da decisão.

5.  Efeitos da decisão em Mandado de Injunção na Interpretação do STF

5.1 Panorama geral

Disponível no arsenal de garantias constitucionais a partir da promulgação da Constituição Federal em 15 de outubro de 1988, a impetração dos primeiros mandados de injunção junto ao Supremo Tribunal Federal obrigou aquela corte a debruçar-se sobre a tarefa de definir a natureza jurídica da decisão proferida em seu julgamento. 

Alexandre de Moraes (MORAES, 2005, pg. 425) identifica o desenvolvimento de duas posições principais sobre a natureza jurídica da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de mandado de injunção: uma, a posição concretista, e outra, a posição não concretista.

A nota característica da posição concretista é a de conferir ao Poder Judiciário a prerrogativa de declarar a existência da omissão normativa e, conseqüentemente, implementar o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional, permanecendo eficaz até a posterior edição normativa por parte do órgão competente. Tal decisão, portanto, implicando na criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica, possui eficácia constitutiva (ASSIS, 2007, p. 80).

O gênero concretista permite a divisão em duas espécies. A primeira delas denomina-se posição concretista geral. Concretista, já que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal consiste em regular a norma constitucional. Geral, pois seus efeitos são erga omnes, irradiando efeitos para todos os possíveis destinatários da norma omissa.

O concretismo geral foi prontamente rechaçado pela doutrina, jamais tendo sido defendido nas sessões do Supremo Tribunal Federal. A argumentação que fundamenta a rejeição constrói-se a partir da constatação de que o Poder Judiciário, ao prolatar decisões com efeitos erga omnes em sede de mandado de injunção, está a usurpar competência constitucional que foi atribuída a poder diverso. Logo, estaria a ferir de morte o princípio da independência e harmonia entre os Poderes da República (ASSIS, 2007, p. 80).

Laboram em equívoco, portanto, os que sustentam que o Poder Judiciário, concedendo a injunção, deve baixar a norma regulamentadora faltante, assumindo o papel de verdadeiro legislador. Aliás, os adeptos de tal corrente sustentam que os efeitos da decisão judicial concessiva da injunção são erga omnes, com o quê positivamente não estamos de acordo. Adiantamos que essa posição, que implicitamente admite que o Judiciário avoque a competência do Legislativo, vulnera o princípio da harmonia e separação dos Poderes e, destarte, à falta de autorização constitucional, não pode prevalecer” (CARRAZA, 2008, p 410).

A esse argumento soma-se o de que “não seria razoável que o Poder Judiciário elaborasse norma geral e abstrata, quando da apreciação de um caso concreto, cujo pedido é a restauração de direito subjetivo violado” (PIOVESAN, 2000, p. 148).

A segunda posição de natureza concretista é a denominada posição concretista individual. Diferencia-se da posição concretista geral por admitir que a sentença produza efeitos tão somente para o impetrante do mandado. A decisão, portanto, abstrai-se da generalidade dos casos enquadrados na mesma situação fática exposta na inicial, limitando-se a regular apenas o caso concreto submetido à apreciação judicial. Ao rejeitar a eficácia erga omnes da decisão, a formulação permite superar o impasse criado pelo concretismo geral, contornando a eventual ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes, insculpido no art. 2º da Constituição Federal:

O mandado de injunção não tem por objecto uma pretensão a uma emanação, a cargo do juiz, de uma regulação legal complementadora com eficácia ‘erga omnes’. O mandado de injunção viabiliza, num caso concreto, o exercício de um direito ou liberdade constitucional perturbado pela falta parcial de lei regulamentadora. Se a sentença judicial pretendesse ser uma normação com valor de lei ela seria nula (inexistente) por usurpação de poderes” (CANOTILHO Apud MORAES, p. 426).

A forma como se dá a regulamentação do caso específico, nos moldes preconizados pelo concretismo individual, dá origem a duas vertentes: a posição concretista individual intermediária e a posição concretista individual direta, que serão adiante aprofundadas.

Resta, ainda, a análise de uma última tese, nomeadamente a posição não concretista. Resumidamente, consiste em negar ao mandado de injunção qualquer efeito constitutivo, limitando a eficácia da decisão ao efeito meramente declaratório da omissão inconstitucional: “Sendo esse o conteúdo possível da decisão injuncional, não há falar em medidas jurisdicionais que estabeleçam, desde logo, condições viabilizadoras do exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucionalmente prevista, mas, tão-somente, deverá ser dado ciência ao poder competente para que edite a norma faltante” (MORAES, 2005, p. 428).

5.2 Posição não concretista

O predomínio inicial dentre os entendimentos acerca da natureza jurídica da decisão em mandado de injunção coube à posição não concretista. Consolidou-se a partir do julgamento do MI 107-3/DF, em 21 de novembro de 1990, cujo relator foi o Ministro Moreira Alves. Naquele julgamento, tendo o relator suscitado questão de ordem sobre a auto-aplicabilidade do mandado de injunção, decidiu-se que:

Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular do direito, garantia ou prerrogativa a que alude o artigo 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direita de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional” (MI 107-3/DF, p. 2)

A posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal fixou o efeito declaratório da decisão. Embora se argumente que a cientificação do órgão competente para que adote medidas para editar a norma faltante tenha carga mandamental, não há qualquer meio que assegure que o órgão omisso o faça. Ora, se é da essência do efeito mandamental a declaração do direito e a ordem, proferida pelo juiz, dirigida a alguma autoridade (ASSIS, 2007, p 84), forçoso concluir que estamos diante de uma eficácia meramente declaratória. Ademais, uma vez a viabilização da fruição do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional restando dependente da aquiescência daquele a quem cabe o dever de editar a normatização faltante, os efeitos constitutivos da decisão foram elididos. Diante desse quadro restritivo, os doutrinadores oportunamente teceram fundamentadas críticas:

Os instrumentos para controle das omissões inconstitucionais não têm tradição em nosso direito. Criados pela Constituição de 1988, não alcançaram, por enquanto, a efetividade que deles seria razoável esperar. Quanto ao mandado de injunção, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal  inclina-se por considerar os provimentos dele decorrentes como de eficácia assemelhada aos proferidos nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, ou seja, como simples atos de cientificação do responsável pela inércia legislativa, como recomendação para supri-la. Ora, a eficácia prática de provimentos dessa natureza, desamparados que são de força executiva, fica na dependência do efeito político que a sua inobservância poderá gerar para os responsáveis. Tais efeitos são diretamente relacionados com o grau de politização da sociedade e escapam, por inteiro, ao controle do Poder Judiciário. As recomendações e admoestações do Judiciário quanto à inércia legislativa de um modo geral não têm logrado sensibilizar os responsáveis pela elaboração das normas” (ZAVASCKI, 2001, p 18).

Como se observa claramente, o não concretismo representa a antítese do concretismo geral. Com o claro objetivo de bloquear o caminho para crises institucionais decorrentes de eventual violação do princípio da separação dos poderes, sacrificou-se deliberadamente o efeito constitutivo da decisão.

Outra criticada implicação da argumentação produzida pelo Ministro Moreira Alves foi o reconhecimento de pretensa similitude entre o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O debate centra-se no pressuposto de que, em que pese tratarem-se ambas as ações em instrumentos de controle da inconstitucionalidade por omissão, diferenciam-se em aspectos essenciais, como legitimidade, competência, objeto e efeitos da decisão (PACHECO, 2002, p. 390).  Nesse sentido:

Inconcebível é admitir que, no julgamento do mandado de injunção, o Poder Judiciário declare inconstitucional a omissão e dê ciência ao órgão competente para a adoção das providências necessárias à realização da norma constitucional. Caso contrário, estar-se-ia a atribuir ao mandado de injunção idêntica finalidade à da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Inexistiria distinção entre a finalidade do mandado de injunção e a finalidade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, nos moldes em que é prevista pelo art. 103, § 2º, do texto constitucional.

Ora, falaria qualquer razoabilidade ao constituinte se criasse dois instrumentos jurídicos com idêntica finalidade. A duplicidade de instrumentos jurídicos afastaria a logicidade e coerência do sistema constitucional, mesmo porque não haveria sentido em centrar a legitimidade ativa no caso de ação direta de inconstitucionalidade por omissão nos entes elencados pelos incs. I a IX do art. 103 e, ao mesmo tempo, admitir a ampla legitimidade do mandado de injunção, que pode ser impetrado por qualquer pessoa, se ambos os instrumentos apresentassem idênticos efeitos”. (PIOVESAN, 2000, p 150)

Resumidamente: o mandado de injunção é uma ação posta a disposição de qualquer pessoa, natural ou jurídica, ou ente despersonalizado com capacidade processual, a pleitear perante o Poder Judiciário a viabilização de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional subjetivo obstado por ausência de norma regulamentadora; já a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é uma ação de controle abstrato de inconstitucionalidade de competência do Supremo Tribunal Federal, prevista no art. 103, § 2º da Constituição Federal, privativa daqueles a quem a Carta Magna atribuiu legitimidade ativa, apta a tutelar direito objetivo.

Como demonstrado, a adoção da posição não concretista por parte do Supremo Tribunal Federal sempre recebeu ácidas críticas doutrinárias, não obstante constituir-se no entendimento predominante no pretório excelso ao longo de aproximadamente 17 anos.

5.3 Posição concretista intermediária

O concretismo individual intermediário é criação do Ministro Neri da Silveira (MORAES, 2005, p 426). Diante da ineficácia resultante da adoção do não concretismo, estabelece que o Poder Judiciário somente está autorizado a regulamentar o caso concreto após conceder ao poder competente prazo para a edição da norma, e este, mesmo assim, permanecer inerte.

Trata-se de solução harmonizadora. Transparece cristalina a preocupação conciliatória subjacente, pois a fórmula permite reservar a quem cabe o dever de regulamentar a norma constitucional a possibilidade de fazê-lo, afastando a intromissão na esfera de competência de outro Poder, e igualmente permite ao Judiciário o exercício do inarredável dever de resguardar direitos e garantias fundamentais por meio de atuação supletiva supridora da omissão inconstitucional.

O Supremo Tribunal Federal, afastando-se eventualmente da orientação não concretista predominante, adotou em alguns julgados uma variante desse entendimento, matizada com indisfarçáveis tons concretistas intermediários: ao estipular prazo para a edição da norma faltante, facultou ao impetrante, se inerte o impetrado, ajuizar ação de reparação de natureza econômica por perdas e danos.

As críticas doutrinárias permaneceram, porém, acerbas:

“Até o presente este instituto não conseguiu preencher a finalidade que lhe é própria, pois o STF, certamente por discordar do preceito constitucional que o instituiu, tem conseguido, por via interpretativa esdrúxula, impedir que produza os efeitos para os quais foi concebido. De todo modo, para não fazer do preceito um nada, já decidiu que se o Congresso não atender o prazo fixado por aquela Corte, em mandado de injunção anterior, para regulamentar o preceito, exsurge em favor do impetrante direito a ajuizar, “com base no direito comum, ação de perdas e danos” para ressarcimento do dano sofrido (MI 447-1-DF, sessão de 5.5.94, DJ de 1.7.94. Nota-se que decisão desta ordem não atende ao objetivo do inciso LXXI do art. 5º, o qual literalmente dispõe: ‘Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (MELLO, 2008, p 939).

Estas decisões representam, indubitavelmente, avanço notável em relação à tão combatida posição não concretista, apontando para uma evolução natural em direção ao concretismo individual direto.

5.4 O concretismo individual direto

A doutrina há muito defendia que a decisão proferida em sede de mandado de injunção havia de possuir eficácia concreta, individual e direta. Significa dizer que, uma vez julgada procedente a ação, assegura-se em relação ao impetrante o exercício do direito obstado, até a posterior edição da normatização regulamentadora prevista.

Os expoentes desse entendimento no Supremo Tribunal Federal foram, notadamente, os Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio. Apesar do suporte doutrinário e da relevância dos argumentos, a tese permaneceu minoritária no âmbito da corte constitucional, sendo sucessivamente derrotada nas votações.

O decurso do tempo, a sedimentação dos debates acerca da natureza do mandado de injunção, a natural renovação dos quadros componentes do tribunal, agora possuidores de perfil menos ortodoxo que as composições anteriores, e indubitavelmente a crescente insatisfação com os resultados até então obtidos, levaram finalmente o Supremo Tribunal Federal a rever o posicionamento até então adotado.

O marco dessa guinada foi o julgamento do MI 721-7/DF, realizado em 30 de agosto de 2007, cujo relator foi o já citado Ministro Marco Aurélio. Nele, pela primeira vez, o plenário do Supremo Tribunal Federal conferiu concretude ao mandado de injunção. O basilar voto do relator consolidou a abordagem doutrinária, sintetizando os argumentos que viam sendo desfiados na defesa da concretude do instituto:

“O instrumental previsto na Lei maior, em decorrência de reclamações, consideradas as Constituições anteriores, nas quais direitos dependentes de regulamentação não eram possíveis de ser acionados, tem natureza mandamental e não simplesmente declaratória, no sentido da inércia legislativa, Revela-se próprio, ao processo subjetivo e não ao objetivo, descabendo confundi-lo com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cujo rol de legitimados é estrito e está na Carta da República. Aliás, há de se conjugar o inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal com o § 1º do citado artigo, a dispor que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais constantes da Constituição têm aplicação imediata. Iniludivelmente, buscou-se, com a inserção do mandado de injunção, no cenário jurídico-constitucional, tornar concreta, tornar viva a Lei Maior, presentes direitos, liberdades e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Não se há de confundir a atuação no julgamento do mandado de injunção com atividade do Legislativo. Em síntese, ao agir, o Judiciário não lança, na ordem jurídica, preceito abstrato. Não, o que se tem, em termos de prestação jurisdicional, é a viabilização no caso concreto, do exercício do direito, do exercício da liberdade constitucional, das prerrogativas ligadas à nacionalidade, soberania e à cidadania. O pronunciamento judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de direito, Poder Legislativo.

É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada, entendendo que, mesmo assim, ficará aquém da atuação dos tribunais do trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que, consoante prevê o § 2º do artigo 114 da Constituição Federal, sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho. Está-se diante de situação concreta em que o Diploma Maior recepciona, mesmo assim de forma mitigada, em se tratando apenas do caso vertente, a separação dos Poderes que nos vem de Montesquieu. Tenha-se presente a frustração gerada pelo alcance emprestado pelo Supremo ao mandado de injunção. Embora sejam tantos os preceitos da Constituição de 1988, apesar de passados dezesseis anos, ainda na dependência de regulamentação, mesmo assim não se chegou à casa do milhar na impetração dos mandados de injunção”.

A adoção da posição concretista individual foi mantida em julgamentos posteriores, dos quais cite-se aquele proferido no MI 708-0/DF, em 25 de outubro de 2007.

O posicionamento atual, portanto, atendeu aos reclamos da doutrina, resgatou do limbo do esquecimento a intenção do constituinte originário de 1988 e restaurou a autoridade dos julgados do Supremo Tribunal Federal.

Conclusão

O mandado de injunção foi concebido pelo constituinte originário como um dos mecanismos aptos ao controle da inconstitucionalidade por omissão, sistema este introduzido pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional pela Constituição Federal de 1988.

A condução do processo de redemocratização, após anos de gradativa fragilização das instituições democráticas, implicava em preservar, como valor maior, a independência e a harmonia entre os Poderes.

Nesse contexto, a interpretação conferida inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal, ao atribuir efeitos não concretistas à decisão, prevalecendo a eficácia meramente declaratória, em que pese tenha procurado contornar eventual crise institucional, importou no efeito colateral de afastar o instituto dos fins inicialmente preconizados.

A doutrina, atenta ao espírito da Constituição, repugnou a abordagem adotada pelo Supremo Tribunal Federal. A própria corte, ao longo dos anos de amadurecimento do instituto, sinalizou que a fórmula inicialmente encontrada havia se exaurido.

Com a consolidação das instituições democráticas e o afastamento das possibilidades de retrocesso institucional, nada mais impedia que se desse ao mandado de injunção aquela plenitude idealizada originalmente.

As recentes decisões, ao atribuírem efeitos concretos, diretos e individuais à decisão em sede de mandado de injunção, nada mais fizeram do que reencontrar um caminho há muito abandonado, resgatando uma perspectiva que permanecia viva apenas nos livros doutrinários e nas intenções de um momento histórico memorável: o de proporcionar um meio inédito e ousado de conferir viabilidade ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

 

Referências
ASSIS, Araken. Manual da Execução. 11ª Ed  – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª Ed – São Paulo: Malheiros, 2001.
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24ª Ed – São Paulo: Malheiros, 2008.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13ª Ed – São Paulo: Saraiva, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 16ª Ed – São Paulo: Malheiros, 1995.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional – 5ª ed. – São Paulo: Atlas, 2005.
OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Mandado de injunção. 2ª Ed – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
PACHECO, José da Silva. O Mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 4ª Ed – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ª Ed – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 31ª Ed – São Paulo: Malheiros, 2008.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – procedimentos especiais. 39ª Ed – São Paulo: Forense, 2008.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 1ª Ed – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Antunes de Lima

Bacharel em Direito. Aluno da pós-graduação lato sensu em Direito Ambiental da Universidade Federal de Pelotas. Técnico Judiciário Federal, lotado no Juizado Especial Federal Cível de Pelotas.


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