Resumo: O presente artigo tem como objeto demonstrar algumas possibilidades de pluralidade jurídico frente ausência do Estado frente a resolução dos conflitos sociais. Na interpretação do contrato social[1] por John Rawls[2], em sua obra Uma Teoria da Justiça, os elementos de um novo pacto social, de uma democratização da jurisdição onde os princípios levam em consideração a equidade jurídica e respeito às diferentes linhas de pensamento dos elementos que compõe uma hipotética associação ou grupo social. Esta evolução é visível nos recentes movimentos do constitucionalismo ocorridos em países sul-americanos (Bolivia, Equador, Venezuela e Brasil). Também se confirma esta nova tendência constitucional, em recente e moderna sentença monocrática do Tribunal de Justiça de Roraima e confirmada pelo TJ-RR de que o Estado não é a única fonte do direito à ser considerada. No caso em tela, os povos primários têm seus signos e códigos que lhes impõe condutas, direitos e obrigações para com os outros e que esta ética precisa ser observada e considerada pelo estatalismo. O segundo exemplo dá-se na comunidade pesqueira no interior do estado baiano, onde pela não interferência do Estado jurisdicional, os membros da comunidade resolvem suas demandas de forma harmônica e sem a aplicação do direito estatal. Estes são pactos sociais ajustados entre indivíduos que aceitam as diferentes ações dos demais componentes do grupo. Em tese é o problema da decisão racional só encontra solução definitiva quando conhecemos as convicções e os interesses das partes, suas relações entre si, as opções que tem a escolher, o procedimento por meio do qual tomam suas decisões etc. [3]
Palavras-chave: Justiça como Equidade, neoconstitucionalismo, John Rawls Contrato Social.
Resumen: El presente artículo tiene como objeto demostrar algunas posibilidades de pluralidad jurídica frente a la ausencia del Estado frente a la resolución de los conflictos sociales. En la interpretación del contrato social por John Rawls, en su obra Una Teoría de la Justicia, los elementos de un nuevo pacto social, de una democratización de la jurisdicción donde los principios toman en consideración la equidad jurídica y respeto a las diferentes líneas de pensamiento de los elementos que componen una hipotética asociación o grupo social. Esta evolución es visible en los recientes movimientos del constitucionalismo ocurridos en países sudamericanos (Bolivia, Ecuador, Venezuela y Brasil). También se confirma esta nueva tendencia constitucional, en reciente y moderna sentencia monocrática del Tribunal de Justicia de Roraima y confirmada por el TJ-RO de que el Estado no es la única fuente del derecho a ser considerada. En el caso en tela, los pueblos primarios tienen sus signos y códigos que les impone conductas, derechos y obligaciones hacia los demás y que esta ética necesita ser observada y considerada por el estatalismo. El segundo ejemplo se da en la comunidad pesquera en el interior del estado bahiano, donde por la no interferencia del Estado jurisdiccional, los miembros de la comunidad resuelven sus demandas de forma armónica y sin la aplicación del derecho estatal. Estos son pactos sociales ajustados entre individuos que aceptan las diferentes acciones de los demás componentes del grupo. En la tesis es el problema de la decisión racional sólo encuentra solución definitiva cuando conocemos las convicciones y los intereses de las partes, sus relaciones entre sí, las opciones que tiene a elegir, el procedimiento por el que toman sus decisiones, etc.
1 – INTRODUÇÃO
Este estudo pretende demonstrar as práticas pluralistas no âmbito do poder judiciário com a capacidade resolutiva, quando o poder estatal demonstra incapacidade como remédio aos conflitos sociais. A nova ordem jurídica estatal vem ocupando espaços para resolução dos conflitos onde o Estado não é o único e exclusivo produtor do direito. Neste plano, as relações entre indivíduo e o Estado fundam-se em uma teoria cujos princípios e regras de convivência transmutam conforme os grupos que as estabelecem. A resolução de conflitos, neste ambiente pluris, tem como princípio o que Rawls[4] chama de justiça como equidade[5], “A justiça como equidade começa, como já disse, com uma das escolhas mais gerais dentre todas as que as pessoas podem fazer em conjunto, ou seja, a escolha dos princípios de uma concepção de justiça que objetiva regular todas as subseqüentes criticas e reformas das instituições”.
Esta é uma nova e moderna concepção do contrato social[6]. Visto “a um nível mais alto de abstração”, produto de discussões do indivíduo dentro de cada grupo, associação ou onde este se encontrar. As soluções oriundas de grupos, associações ou tribos nativas representam as fontes do direito para um novo constitucionalismo nominado plurijuridico.
É resultado não apenas da insurgência contra a ineficácia jurídica do Estado. Também tem o condão de estabelecer para a sociedade formas, usos e costumes da própria raiz secular de aprendizado e tem como propósito elucidar os problemas sociais, como também a busca da paz, tranqüilidade, harmonia e a justa distribuição de bens.
Esta nova interpretação jurídica latino americana, onde o respeito à diferença, denominada como justiça equitativa, é o centro das observações jurídicas, tem sido destacada nas produções acadêmicas contemporâneas
“É necessário compreender, de início, que não se trata de um pluralismo de ordens jurídicas estatais, ainda que o entrelaçamento e o diálogo entre os ordenamentos dos Estados sejam benéficos à evolução do direito, mas, sim, de um pluralismo de centros responsáveis pela emissão de normatividade e juridicidade. É a compreensão de que o Direito não é somente aquele Direito posto pelo Estado e pelo constitucionalismo”. (FORNASIER, Mateus de Oliveira; SILVA, Thiago dos Santos da, p. 33-59, 2016)
Assim objetiva-se expor o que é tendência na ordem jurídica, reinventando o Estado de direito sob base plurinacional em uma plataforma de pluralidade jurídica para além do positivismo colonialista imposto pelo Estado e confirmado nas academias.
2 – A JUSTIÇA EM RAWLS: UM HORIZONTE
A Instituição Justiça – atividade que tem como fim imediato a regulação e solução dos conflitos entre seus membros – busca a satisfação do interesse público, definidos como tais no ordenamento jurídico, é que chamamos de distribuição de justiça. Mas, o que é esta justiça?
Segundo Barbosa (1984, p.13) emitimos juízos freqüentemente, “é como se tivéssemos uma voz interior que pretendesse saber: isto é justo, aquilo é injusto”.
O senso de justiça individual está de maneira direta ligado a uma capacidade intelectual desenvolvida. Neste sentido Barbosa (1984, p.13), “Na realidade esta capacidade que temos é muito complexa. Para percebermos isto, basta verificar a alta variedade e infinidade de julgamentos que normalmente fazemos.” E qual o papel político da justiça? Ao atribuir um mandato a um político, o investimos de tal poder que em muitas vezes não se sabe se a justiça é uma virtude de todos governantes ou é um estado de coisas instaurado pelo Estado. Para Barbosa (1984, p. 16), “A justiça é a qualidade de conduta política que consiste em obedecer à ordem e às leis vigentes – mesmo que injustas.”
Mas para entender o que é “Uma Teoria da Justiça” em Rawls, objeto de nosso estudo, necessário é partir de alguns conceitos e princípios que são comuns, que têm como referência a inviolabilidade humana, qual seja, de que nenhum bem-comum de toda sociedade poderá reservar lugar diferente das primeiras virtudes das instituições sociais (RAWLS, 2016, p.04).
Para Rawls (2016, p. 4) justiça é uma virtude “primeira” das instituições sociais, e como tal “deve-se rejeitar ou retificar a teoria que não seja verdadeira, devem ser reformuladas ou abolidas se forem injustas”.
Rawls (2000, XXII) explica que as principais características estruturais de uma concepção alternativa de justiça estão implícitas na tradição contratualista, diz Rawls (2000, XXIII): “Entre as visões tradicionais, acredito ser essa a concepção que mais se aproxima de nossos juízos ponderados sobre justiça, e que constitui a base moral mais apropriada de uma sociedade democrática.”
Para alguns autores a teoria de Rawls pode não se sustentar, pelos próprios paradigmas que ao longo dos anos o próprio autor mudou. Entre os críticos à obra de Rawls destacamos o indiano Amartya Sen, que escreve sobre os princípios da posição original, diz ele (SEN, 2016, p.88):
“a alegação básica de Rawls do surgimento de um único conjunto de princípios de justiça na posição original (discutida e defendida em seu A theoryof justice) é consideravelmente suavizada e qualificada em seus escritos posteriores. De fato,em seu Justice as fairness: a restatement, Rawls observa que “há indefinidamente muitas considerações que podem ter apelo na posição original e cada concepção alternativa de justiça é favorecida por algumas considerações e desaprovada por outras”, e também que “o próprio equilíbrio das razões se assenta no juízo, ainda que seja um juízo informado e orientado pela argumentação”. Quando Rawls passa a admitir que “o ideal não pode ser plenamente alcançado”, sua referência é sua teoria ideal da justiça como equidade. No entanto, não precisa haver nada de especialmente “não ideal” em uma teoria da justiça que abra espaço para sobreviventes desacordos e discordâncias sobre algumas questões, enquanto foca muitas conclusões sólidas que emergiriam com força de um acordo fundamentado a respeito das exigências da justiça.”
Para este autor, a teoria da equidade tem “e ainda assim parece aceitar que existem problemas incuráveis na obtenção de um acordo unânime sobre um conjunto de princípios de justiça na posição original que não podem deixar de ter conseqüências devastadoras para sua teoria da “justiça como equidade” (SEN, 2016, p.88-89).
Em Rawls, justiça como equidade é forma expressa de princípios éticos e morais, é inadmissível justiça que permita a perda da liberdade de alguns e que possa ser justificada por um bem maior desfrutado por outros. Segue, “Por conseguinte, na sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas irrevogáveis; os direitos garantidos pela justiça não estão sujeitos a negociações políticas nem ao cálculo de interesses sociais.”, apenas na razão de não haver uma teoria melhor, é que nos permite aquiescer a uma teoria errônea, ou seja: “injustiça só é tolerável quando é necessária para evitar uma injustiça ainda maior. Por serem as virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça não aceitam compromissos.” (RAWLS, 2016, p.04)
Para uma teoria da justiça, necessário é conhecer intuitivamente as idéias fundamentais desta teoria. Assim, devemos conhecer o papel da justiça, que Rawls descreve como “a virtude primeira das instituições sociais, assim como a verdade o é dos sistemas de pensamento” e segue, “por serem as virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça não aceitam compromissos”. São chamadas por Rawls de proposições que expressam nossa intuição sobre justiça, e segue (RAWLS, 2016, p.04):
“Vamos supor, para organizar as idéias, que a sociedade é uma associação de pessoas mais ou menos auto-suficiente que, em suas relações mútuas, reconhece certas normas de conduta como obrigatórias e que, na maior parte do tempo, se comporta de acordo com elas. Vamos supor também que essas normas especificam um sistema de cooperação criado para promover o bem dos que dele participam.”
Muito embora a sociedade seja um empreendimento cooperativo, por haverem determinados interesses individuais, ela está marcada pelo conflito, já que, segundo Rawls, ninguém é indiferente ao modo como os benefícios produzidos por esta sociedade são distribuídos, pois “para atingir seus fins, cada um prefere uma parcela maior a uma parcela menor desses benefícios” ( RAWLS, 2016, p.05). O modo de atribuir direitos e deveres nas instituições é que Rawls denomina princípios da justiça social, e estes princípios se regem por uma concepção publica da justiça, na qual seus membros reconhecem uma perspectiva comum da qual suas reivindicações podem ser julgadas, norteados por duas regras: 1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça; e 2) as instituições sociais fundamentais geralmente atendem, e em geral se sabe que atendem, a esses princípios. Fundamentalmente o senso público é o norte nos dois princípios, embora para as inclinações ao interesse próprio seja necessária a vigilância mútua (RAWLS, 2016, p.5).
É importante ressaltar que uma concepção distinta de justiça só é viável quando as instituições não fazem distinções arbitrárias entre pessoas, nas atribuições dos direitos e deveres fundamentais, bem como o ordenamento das leis são definidos por um justo equilíbrio entre as reivindicações das vantagens da vida social que conflitam entre si (RAWLS, 2016, p.6), ainda assim é necessário que as idéias arbitrárias e de equilíbrio apropriado estejam abertas para que cada um as interprete segundo os princípios de justiça que aceita, como justifica o autor, “que essa diferença entre o conceito e as diversas concepções de justiça não resolve nenhuma questão importante. Simplesmente ajuda a identificar o papel dos princípios da justiça social” (RAWLS, 2016, p. 6-7).
Importante lembrar que o nosso conceito de justo ou injusto é vasto, não estando restrito apenas as leis, instituições e sistemas sociais, mas também sobre decisões, julgamentos e atribuições, além dos rótulos que se estabelece sobre as opiniões, as disposições e sobre as próprias pessoas. Aqui nos interessa o tema à que John Rawls analisa que é o da justiça social. O modo como as principais instituições sociais distribuem os direitos e os deveres fundamentais e determinam a divisão das vantagens decorrentes da cooperação social (RAWLS, 2016, p.8).
Que instituições são estas? A constituição política e os arranjos econômicos e sociais. A proteção jurídica da liberdade de pensamento e da liberdade de consciência, mercados competitivos, a propriedade privada dos meios de produção e a família, em conjunto estas instituições definem os direitos e deveres das pessoas e repercutem em seus projetos de vida, em uma expectativa futura e em grau de bem-estar almejado (RAWLS, 2016, p.8).
Neste cenário de instituições e conceitos estamos num contexto de pluralidade social e jurídica e desigualdade. O princípio de justiça toma espaço e a problematização gira em torno da maneira como cria-se um sistema em que todos os membros da sociedade estejam contemplados de forma equitativa sobre seus direitos e a justa distribuição de bens? A primeira medida proposta por Rawls é que partimos de uma posição original.
Esta é, uma situação hipotética com que as partes contratantes fazem suas escolhas, conforme o mesmo descreve Rawls (2016, p. 14-15) que na justiça como equidade, “a situação original de igualdade corresponde ao estado de natureza da teoria tradicional do contrato social, Entre as características essenciais dessa situação está o fato de que ninguém conhece seu lugar na sociedade, sua classe ou seu status social”.
Segundo Daniel Nery da Cruz ( 2013, p.99-100) na Justiça como equidade, as desigualdades devem ser preservadas e não extintas, “desde que ordenadas de forma a trazer benefícios principalmente aos menos favorecidos, pelo efeito da ação cooperativa geral dos grupos componentes da sociedade.”
Para um melhor entendimento sobre princípios na posição original, o autor destaca dois que seriam acordados entre os integrantes, segundo Rawls (2016, p.73), seriam:
“Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para outras pessoas.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de todos (b) estejam vinculados a cargos e posições acessíveis a todos.”
Na base desta estrutura deve ser assegurado que os ajustes sociais que envolvem oportunidades e desigualdades estejam contemplados de forma explicita neste sentido Nythamar de Oliveira diz (2003, p.19):
“Os princípios de justiça se aplicam à estrutura básica da sociedade, governando a atribuição de direitos e deveres e regulando as vantagens econômicas e sociais. O primeiro princípio diz respeito à exigência da aplicação das liberdades fundamentais a todos os indivíduos, imparcialmente, segundo uma lista de liberdades básicas iguais, facilmente concebível pelas partes envolvidas. Dentre tais liberdades, as mais importantes são a liberdade política (o direito de votar e ocupar um cargo público), a liberdade de expressão e reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, as liberdades da pessoa (integridade pessoal, qual seja, proteção contra agressão física e psicologia), o direito a propriedade privada (que não inclui a propriedade de bens produtivos) e a proteção contra a prisão e a detenção arbitrárias”.
Assim, na tese de Rawls não se vê imposições ou restrições a qualquer tipo de desigualdade individual ou social, apenas que aquilo que está posto possa ser melhorado, ou renunciar certos direitos em razão de vantagens econômicas significantes, diz ele: “A vantagem, é que, desde o princípio, se reconhece a questão das prioridades e há um empenho em descobrir princípios para lidar com ela. Desta forma se é levado a ter sempre em mente as condições sob as quais seria razoável o peso absoluto da liberdade com respeito a vantagens sociais e econômicas, […]” (2016, p.76-77).
O chamado princípio da diferença está relacionada com a equidade redistributiva, assim como a eficiência global, e assume a responsabilidade de fazer com que os membros da sociedade em pior situação sejam beneficiados. “As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades e; em segundo lugar, tem de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade” (RAWLS; 2016, p: 74-75). Conforme o autor todos os valores sociais, liberdades e oportunidades, rendimento e riqueza, e as bases sociais do respeito próprio, devem ser distribuídos igualmente. Se uma distribuição for desigual, deverá estar ampara em benefícios de todos.
Entre as estruturas de uma sociedade democrática e justa na concepção de Rawls à que tem segundo grau na escala de importância, são os bens. Primeira, como já foi visto é a justiça (como equidade).
As idéias admissíveis de bem têm de caber dentro da estrutura da justiça enquanto concepção política.
O princípio de justiça e o conceito de bem são complementares. A prioridade do justo não nega isso: “Uma concepção política de justiça tem de ter dentro de si espaço suficiente para modos de vida que sejam objeto de uma defesa devotada de cada indivíduo”. Se não puder fazer isso, essa concepção carecerá de sustentação e será instável. (OLIVEIRA, 2003, p. 19-20).
Na teoria do bem, Rawls dá idéias de bem da justiça como equidade (2016, P.489):
“I. O bem como racionalidade – pressupõe-se que os cidadãos têm pelo menos um projeto intuitivo de vida à luz do qual planejam seus empreendimentos mais importantes e alocam seus recursos racionalmente. II. Os bens primários – os que especificam as necessidades dos cidadãos de acordo com a concepção política de status de pessoas livres e iguais. III. As concepções permissíveis de bem – as concepções que são compatíveis com os princípios de justiça. IV. As virtudes políticas – as que especificam o ideal de um bom cidadão de uma democracia. Trata-se de um ideal político, que não pressupõe uma doutrina abrangente. V. A ideia de bem político de uma sociedade bem-ordenada pelos dois princípios de justiça. VI. A ideia do bem dessa sociedade como união social de uniões sociais.”
Para Leonardo D. do Couto, a justiça como equidade, embora seja coerente com o republicanismo clássico, rejeita o humanismo cívico, que estimula a participação política não só para proteger as liberdades básicas, mas também porque considera que, com isso, há a realização de nosso bem (completo) – o que torna este último uma doutrina abrangente. (COUTO, 2010 p.6), A justiça como equidade filia-se à tradição liberal, que em geral considera que as liberdades dos antigos têm menos valor intrínseco que as liberdades dos modernos.
Assim, aferiremos que a teoria da justiça tem como objeto demonstrar que a industrialização no sistema econômico das nações teve como foco gerar e multiplicar suas riquezas à uma velocidade muito grande. E que na geração de grandes fortunas, a multiplicação de riquezas não contempla a distribuição dos bens básicos como a liberdade, as rendas e os direitos aos recursos sociais.
A primeira vista a proposta de Rawls causa certa desconfiança por contemplar a desigualdade como justificação de justiça. “desde que essas desigualdades beneficiem a todos, principalmente os menos favorecidos”. Mas, “equilíbrio na distribuição dos bens”, contemplando assim uma compensação ou melhoria por meio de ganhos econômicos e sociais em detrimento de algumas liberdades. A proposta de Rawls nos conduz para uma nova e moderna concepção de justiça, onde o sistema jurídico não deve impor regras de conduta de impossível realização. Legislador e magistrados devem agir de boa-fé, acreditando que qualquer ordem é possível de ser cumprida. Qualquer regra do sistema jurídico não pode ser de difícil realização, a sansão pela desobediência e pelo não cumprimento deve culminar em atos possíveis de serem realizados dentro de uma realidade onde o direito e a liberdade individual sejam respeitadas, como o autor próprio descreve: “aqueles que possuem uma liberdade menor devem ter uma compensação. E a situação do seu ponto de vista deve ser avaliada a partir da posição original”. (RAWLS, 2016, p.17).
A aplicabilidade da teoria/tese de Rawls se enquadra no processo de elaboração de políticas públicas e sociais que minimizem as desigualdades inerentes ao sistema político cuja finalidade de Rawls é de identificar de forma racional o núcleo central de princípios, capazes de servir de fundamento para as principais instituições de uma sociedade, de reger direitos e os deveres dos indivíduos e de permitir que seja organizada uma distribuição equitativa de encargos e benefícios de cooperação social. Rawls entende que uma sociedade é bem ordenada quando é regida por uma concepção pública da justiça, onde todos aceitam os mesmos princípios, e todos a creditam que e estrutura básica respeita esses princípios. A estrutura básica deve impedir uma concentração demasiada de propriedade na parte daqueles que levam a dominação política e devem garantir iguais oportunidades para todos. Os valores sociais tais como liberdades e oportunidades, rendimentos e riqueza, devem ser distribuídos igualitariamente, a não ser que uma distribuição desigual de alguns desses valores redunde em benefícios de todos. (CHIRIA, 2017, p. 14-15).
Olhando para as sociedades latinas, está longe de serem bem ordenadas, sobretudo a aquelas que sofrem a dominação política estão em desacordo no que diz respeito os princípios que devem reger os termos fundamentais de uma associação como menciona Rawls. No que diz respeito a distribuição de bens, no Brasil sempre foi um problema muito grave. Os bens universais que deveriam estar disponíveis para o bem de todos, estão sobre o comando de poucos, são mal distribuídos, favorecendo um pequeno grupo de indivíduos e excluindo os outros dos seus direitos.
Há que salientar também a questão da exclusão social, a desigualdade social, um elitismo evidente. Um descompasso tão largo entre ricos e pobres, que são o “pano de fundo” de conflitos sociais. Então, é preciso que seja garantida a justiça, de modo que todos tenham acesso a ela, isto na distribuição dos rendimentos, das oportunidades e na distribuição dos seus direitos. E para um Estado justo e democrático, o cidadão deve usufruir dos seus direitos fundamentais. Diz Rawls que a justiça depende da maneira como são repartidos os direitos e deveres fundamentais, das oportunidades econômicas e das condições sociais em diversos sectores da sociedade. Rawls parte do princípio de que todos devem ter uma chance equitativa de ter acesso aos cargos públicos e posições sociais (OLIVEIRA, 2003, p. 19-20).
Assim sendo, cabe considerar que é viável as práticas alternativas para obtenção de uma sociedade mais digna e humana e também na necessidade de um melhor atendimento das classes através do respaldado órgão que é o Poder Judiciário.
O reconhecimento da existência e imprescindibilidade de mecanismos alternativos de produção e aplicação de direitos fora do âmbito estatal faz-se necessário em um ambiente plurijurídico. Neste sentido, Wolkmer designa pluralismo jurídico: “como a multiplicidade de práticas jurídicas existentes num mesmo espaço sócio-político, interagidas por conflitos ou consensos, podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais e culturais” (WOLKMER, 2001, p.285-286).
Este será o objeto de nosso estudo nos capítulos a seguir do presente artigo, por derradeiro cabe dizer que o estudo de Rawls é fonte subsidiaria do pluralismo jurídico. O espírito da teoria de Rawls é possível se vislumbrar, por exemplo, na materialidade da Sentença decretada pelo egrégio Órgão Judiciário do Estado de Roraima, consolidado sob número 0000302-88.2010.8.23.0090.
3 – O PLURALISMO JURIDICO COMO MANIFESTAÇÃO CONTRA HEGEMÔNICA.
Como referência histórica, o processo de conhecimento não se evidencia por interpretações ou elementos técnicos, conforme Antonio Carlos Wolkmer (2001), “na práxis cotidiana interativa de um todo concreto que se organiza para produzir a vida social”, é que se constrói um conceito global que atinja toda dimensão de um sistema contemplando os fatores causais advindos da historia humana.
Há que se destacar e privilegiar elementos da formação social, modos de produção da riqueza, ideologia, crenças religiosas ou a negação dela, e elementos de formação político-institucional de poder, identificando o tipo de sociedade ou organização social para assim se ter uma visão ampla do Direito Estatal.
Pretende-se construir, assim, um conceito do Direito como produto da vida humana organizada, proveniente de suas necessidades, lutas e anseios, em cada período histórico da civilização apontando o tipo de ordenação jurídica resultante deste sistema.
Nesta esteira vale dizer que a sociedade feudal surge no século IV pela decadência do Império escravista Romano, com características políticas e jurídicas ligadas a propriedade da terra e aos estreitos vínculos comunitários vinculados à um poder senhorial, que compreende nobres, bispos, universidades, reinos e estamentos. Ainda que a estrutura do Direito permaneça Medieval, “trata-se de um Direito próprio, baseado nos usos locais, nos precedentes dos juízes da terra, nas cartas de privilegio concedidas pelo senhor” (Hespanha, 1982, p.179), como leciona Antonio Carlos Wolkmer (2001, p.28):
“Não há duvida de que se deve reconhecer, quanto à produção jurídica, num primeiro momento, a existência do pluralismo normativo das corporações em cujos marcos ocorre uma justiça administrativa em tribunais cridos pelo senhor feudal e pelo proprietário nominal da terra. Posteriormente, em face das exigências de regulamentação e controle da nova ordem econômica mercantilista e de proteção aos intentos imediatos da nascente burguesia comercial, a antiga estrutura descentralizada de produção jurídica é sucedida pela consolidação mais genérica sistemática e unitária de um Direito Mercantil.”
Ainda que este processo implique em uma ruptura com o antigo sistema por tratar de um Direito que reconhece a desigualdade e os interesses estamentais, constitui-se como uma hierarquia social estabelecida para legitimar a distinção entre o Clero, a nobreza e o campesinato.
A evolução do sistema industrial (sec. XIX) trouxe como consequência uma cultura jurídica que prioriza a legalidade Estatal em razão do modo de produção econômico-social. Para Antonio Carlos Wolkmer é visível os paradigmas políticos-ideológicos, “primeiramente, o jusnaturalismo – fundado no racionalismo metafisico-natural – e, posteriormente, o positivismo jurídico dogmático, alicerçado no racionalismo lógico-instrumental.” (Wolkmer, 2001, p.66-67), processo do liberalismo-contratualismo reflexo da economia e condição social da classe burguesa capitalista vem se demonstrar por uma retórica da igualdade, liberdade e fraternidade, ocultando seu real objetivo, o racionalismo que de maneira formal apresentou-se pela via da Revolução Industrial como positivismo. Conceitual. Wolkmer (2001, p. 67) diz que:
“O positivismo não só se torna a verdadeira ciência das sociedades industriais avançadas, como também acaba convertendo-se numa conduta e numa forma de vida em que os valores essenciais são: a competição, a materialidade, a ordem, a segurança, o progresso, a liberdade e o pragmatismo utilitário. O desenvolvimento do capitalismo desencadeou a racionalidade positivista como fenômeno generalizado e complexo, se por um lado, liberta, por outro reprime.”
Para Jurgen Habermas, o tecnicismo nada mais é do que uma ideologia que tenta pôr em prática, sob qualquer preço, o conhecimento técnico e a ilusão objetiva das ciências. (HABERMAS, 1980, p. 159).
A cultura positivista não prioriza a universalização do Direito, mas apenas o interesse médio de uma elite, todo direito é particularizado o que constitui a expressão legítima de desenvolvimento da sociedade. Para Wolkmer (2001, p.69) o Direito formalizado da sociedade burguesa é:
“O Direito escrito e formalizado da moderna sociedade burguesa-capitalista alcança o apogeu com sua sistematização científica, representada pela Dogmática Jurídica. O paradigma da Dogmática Jurídica forja-se sobre proposições legais abstratas, impessoais e coercitivas, formuladas pelo monopólio de um poder público centralizado (o Estado), interpretadas e aplicadas por órgãos (judiciário) e por funcionários estatais (os Juízes). Por elaborar sua construção sistemática sobre um Direito escrito identificado com a lei e produzido unicamente pelos órgãos estatais, minimizam-se, na tradição de suas fontes formais, as múltiplas manifestações de exteriorização normativa (direito espontâneo, informal, extra-estatal, etc.), representados pelos corpos sociais autônomos (sindicatos, assembléias, corporações, comunas, associações profissionais, grupos sociais de toda espécie etc.).”
Ressalta-se que houve avanços e conquistas históricas do liberalismo-burguês (sec. XVIII) que atenderam à interesses sociais, econômicos e políticos em um determinado lapso temporal. Porém, a crise do Capitalismo monopolista é superada pelo processo de globalização e fundamentalmente pelo advento de concentração do capital, agrava o fato da cultura liberal haver entrado em colapso, por não mais atender os sistemas organizacionais e os novos sujeitos sociais. Assevera-se, assim, o colapso da estrutura normativa (gerada para atender valores e interesses) e não refletem os inteiros objetivos de vida atuais, isto se deve, por primeiro a novas e flexíveis modalidades de produção do capital. Sobre isto, diz Wolkmer ( 2001, p.70):
“Ademais, importa enfatizar que o esgotamento do modelo jurídico tradicional não é a causa, mas o efeito de um processo mais abrangente que, tanto traduz a transformação estrutural por que passa o sistema produtivo do Capitalismo global, quando expressa a crise cultural valorativa que atravessa as formas de fundamentação dos diferentes setores das ciências humanas.”
Coloca-nos, assim, a importante tarefa de discutir a “crise de paradigmas”, em face da incapacidade de um sistema ineficaz ante a totalidade situacional do homem, suas verdades e os obstáculos do saber vigente.
Paradigma, ao conceito de Thomas Kuhn, é uma estrutura de pressupostos que fundamentam uma “comunidade cientifica”, sendo um modelo de cientificidade diferentes da concepção técnico-positivista predominante e indica “toda constelação de crenças, valores, técnicas etc. partilhados pelos membros de uma determinada comunidade” (KUHN, 1975, p.218).
Habermas enumera quatro formas de “crise” concebidas como “perturbações” do sistema sócio-cultural, a saber: crise de legitimação, crise de motivação, crise econômica e crise de racionalidade, as duas primeiras são reflexos de uma crise de identidade, enquanto as demais são resultado de uma crise sistêmica. (HABERMAS, 1980, p.62).
Em uma perspectiva dialética, “crise” representa a aguçada luta das contradições de classe e conflitos sociais do chamado processo histórico. Para Marilena Chauí, crise está ligada a divisões, submissões e conflitos no interior da sociedade e da política, que pode estar ligada com a idéia de ruptura, enquanto desconformidade estrutural entre um processo e seu princípio regulador, diz Chauí (1984, p. 36):
“[…] no que diz respeito as condutas referíveis a valores, condutas éticos e normativas, mais precisamente quando o comportamento entra em conflito com a norma, criando-se assim, uma situação de desconformidade e contradições entre o ordenamento regulatório e o procedimento que aquela supostamente condiciona.”
E nesta esteira compreende-se que a crise é o prenúncio de uma quebra de ordem, de um desconforto que aponta para um desfecho fora de controle, de uma reação destruidora. Ela está ligada a aspectos estruturais ou operacionais do sistema. E pode-se prever pela transitoriedade.
Para Wolkmer, “nada pode ficar indefinidamente em quebra ou ruptura. A própria dinâmica dos elementos levará a uma superação das contradições, seja mantendo a estrutura, seja rompendo-a, seja corrigindo as disfunções […]” (WOLKMER, 2001, p.71).
Desta forma, o paradigma-hegemônico do Direito Estatal não consegue oferecer orientações, diretrizes e normas capaz de nortear a vida social, revelando-se como a própria fonte privilegiada da crise, das incongruências e das incertezas. Não se consegue mais harmonizar o “[…] individualismo característico do paradigma-dogmático (trivializador, generalizador e atomizador de conflitos sociais), com a natureza coletiva dos conflitos grupais e classistas” (WOLKMER, 2001, p. 77).
Com isto, a crise reflete o conflito do “velho e o novo”, velho: o paradigma-dogmático; novo: estatuto alternativo – já referido no capitulo pretérito na proposta de Rawls, Justiça como equidade. É possível ver o consenso comunitário em torno de princípios comuns de orientação que levam a superação da crise.
Para Wolkmer (2001, p. 76):
“O paradigma positivista – herdeiro das formulas jurídicas e políticas do século passado – ainda possui um enfoque estrutural, formalista e estático do Estado e do Direito, os paradigmas alternativos assumem uma perspectiva que transcendem os limites normativos da dogmática, procurando captar os antagonismos jurídicos legais e extralegais, estatais e extra-estatais. Ficando evidente a “flexibilidade, abrangência e racionalidade substantiva” que leva à superação da “rígida identificação formal do Direito com a lei” e a revisão do “principio do monopólio estatal da produção normativa”.
Um conjunto de vestígios confirmam a crescente implementação de novos mecanismos de auto-regulação de conflitos e de resolução dos interesses emergentes.
A implementação de jurisdições mais flexíveis e eficazes permite deixar de lado “uma concepção meramente legalista da justiça” que identifica Direto como lei, possibilitando que a solução dos conflitos se efetive através de formulas inteiramente novas de negociação, mediação e arbitramento. (WOLKMER, 2001, p.78)
Pretende-se, assim, conceituar o Direito como fenômeno resultante das relações sociais, grupos sociais, comunidades e indivíduos com valoração desejada. De se instaurar outra legalidade a partir da multiplicidade de fontes normativas, não obrigatoriamente estatais, que atendam às justas exigências fundamentais de sujeitos sociais e ver a Sociedade como estrutura descentralizada, plural e participativa.
Mas como alcançar uma jurisdição que prestigie o princípio da razoável duração do processo, que garanta o acesso radicalmente democrático e esteja comprometida com o trinômio qualidade/fundamentação/justificação das decisões? Para Jeferson Dytz Marin (2015, p. 228-229):
“O avanço rumo a uma jurisdição democrática – seria pretensão demais falar de solução – está alicerçado na asseguração de garantias materiais e numa política compromissária do judiciário, amparada no respeito à fundamentação e intensificação (democratização) da contenda, a fim de que as decisões façam jus à necessária pluralidade que o processo reclama.”
Aliás, como nos referimos no capitulo anterior, um exemplo consolidado desta jurisdição democrática, está contida com elementos científicos propostos, quando propõe o primado do justo sobre o bom em duas concepções macro: a distributiva e a corretiva. Mas, observa-se que a crítica de Jeferson Dytz Marin não encerra a discussão acerca da jurisdição, ao contrario ele trata de evidenciar os pontos comuns rawlsiano com o pluralismo jurídico de que estamos tratando, diz Marin (2015, p. 231):
“Rawls imprime à sua teoria uma circularidade que se alimenta sempre na mesma idéia original: a tradição contratual. É ela que assegura a justiça das instituições e, de fora deontológica, fulcra-se num procedimento contratualista de maneira equitativa, fair.”
E complementa Marin (2015, p. 238):
“Rawls desenvolve uma teoria calcada no procedimento, mas de maneira contratualista, com foco em elementos históricos, na tradição […] O contrato será resultado do acordo mutuo materializado pelas pessoas, que, representadas por instituições, asseguraram o exercício do justo pelo pacto. Todavia, esse é o ultimo passo da teoria rawlsiana. O alcance de tal pretensão será precedido de um procedimento, que vem alicerçado no caráter conteudístico dos princípios que Rawls julga serem os mais adequados para a concretização de uma teoria da justiça. Isso se dá, naturalmente, porque o contrato social, por si só, não representa a garantia de sucesso da teoria.”
A crítica de Marin ao contratualismo dá-se ao sentido conceitual de bem comum, que “não é trabalhado por Rawls, nem suficientemente por Rousseau” visto que tais princípios são aplicados num sistema liberal, preferindo assim a realidade monológica não consegue pensar a comunidade política como uma verdadeira pluralidade. (MARIN, 2015, p.233).
Contudo, a equidade proposta por Rawls e os princípios é que terão a tarefa de viabilizar tal tese, ainda que para Marin (2015, p. 234):
“[…] Rawls acaba por reconhecer os limites de alguns aportes da teoria, o que se considera uma virtude e destoa do endeusamento doutras teorias da justiça, tidas por depositárias de todas as agruras do direito e vertedoras das soluções para a panacéia de males que aflige a sociedade. Embora ateste a impossibilidade de critérios absolutos para o debate democrático que deve verter do contrato, Rawls prestigia a pluralidade, na medida em que reconhece nas condições de argumentação das instituições envolvidas uma premissa básica para a conquista da justiça”.
Não se pode, no entanto, desprezar o fato de que não existe, nas discussões clássicas, uma uniformidade do que seja o pluralismo jurídico, de forma propositiva e situada contextualmente, Beliny Magalhães Leão (2014, P.542) nos alerta sobre à visão consolidada de pluralismo do Direito apenas com “referencial teórico significativo”:
“Os estudos atualmente disponíveis acerca de pluralidades jurídicas em grupos sociais raramente abordam comunidades tradicionais, e quando o fazem, estudam aquelas cujo acervo de referencial teórico é significativo, como no caso de comunidades indígenas e quilombolas.
As pesquisas mais expressivas nessa temática, dentro da sociologia jurídica, geralmente estudam classes marginalizadas que chegam a desenvolver ordens jurídicas próprias. Santos (1988), por exemplo, pesquisou comunidades de favelas, Albernaz (2008) o movimento dos sem terra (MST), Fonseca (2004) analisou detentos de presídios e Michelotti (2006) estudou os catadores de materiais descartados”.
Tais estudos e pesquisas apontam para um referencia jurídico já consolidado, isto é, o Direito escrito e de forma clássica. O que Beliny questiona e que será objeto do próximo capítulo é (2014, p. 543):
“Na esfera das etnociências, pesquisadores como Diegues (2008) e Arruda (1997) mostram que comunidades tradicionais transmitem conhecimentos consuetudinários pela tradição, demonstrando sua importância para a conservação do meio ambiente local. Entretanto, tais estudos não costumam mencionar a influência da ordem jurídica Estatal nessas comunidades. Os estudos levantados até o presente mostram que,quando se discutem as pluralidades jurídicas, a preocupação tem se concentrado em negar uma ou outra, não de identificar possíveis benefícios advindos de sua coexistência em uma comunidade. Dos questionamentos acerca da existência de ordens jurídicas baseadas nos costumes, e da aproximação e/ou distanciamento deles do direito codificado, criado pelo Estado, surgem diversas abordagens envolvendo pluralismo jurídico ou pluralidade jurídica, a depender do termo utilizado pelos autores, como expressão da cultura traduzida para o direito, partindo da constatação de que, ao lado do oficial vigente, existem formas diversas de juridicidade, detentoras de validade, legitimidade, eficácia e coercibilidade”.
Sobre isto, compete estabelecer que os sujeitos protagonistas do pluralismo jurídico extra-estatal são detentores da especificidade do objeto analisado, capaz de tornarem legítima uma produção legal não-estatal.
Para Wolkmer, estes novos sujeitos detêm um conjunto de características, enquanto paradigma de nova cultura-jurídica, onde passe pela apreciação de vários requisitos, como o “conteúdo”, “valores”, “formas de ação” e “atores sociais”. Nesta linha, o autor define (2001, p. 122):
“Os novos movimentos sociais devem ser entendidos como sujeitos coletivos transformadores, advindos de diversos estratos sociais e integrantes de uma pratica política cotidiana com certo grau de “institucionalização”, imbuídos de princípios valorativos comuns e objetivando a realização de necessidades humanas fundamentais.”
Assim, acrescentam aos sistemas jurídicos vigentes as demandas oriundas de carências dos protagonistas da sociedade, pessoas excluídas pelas normas jurídicas do Estado. Portanto, não há que se falar em negação, mas como a teoria que sustenta a coexistência de vários sistemas jurídicos no seio da mesma sociedade.
4 – UM NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANO: A COMUNIDADE PESCADORES DE “CAMPINHOS” (RESEX CANAVIEIRAS – BAHIA) E O CASO DENILSON
O Direito, referencial em nosso estudo, não pode ser reflexo do senso comum, mas deve ser um Direito que ouça as pessoas medianas que habitam os bairros, que tenha por principio a realidade de cada local, associação, aldeia, atendendo ao vasto mosaico cultural da vida brasileira. Definitivamente, não é o Direito encastelado no gabinete que aguarda os litígios sorvidos em série. O Direito que se quer construir não freqüenta a vaga memória do julgador, que certamente habita os contornos processuais e da excepcionalidade que o feito possa sugerir.
Certamente, como já mencionado, o mentor de toda crise jurisdicional é o próprio sistema jurídico, por não alcançar à quem deveria alcançar, se não quando o faz é apenas para punir, como denuncia Jeferson Dytz Marin (2015, p. 38).:
“A dor cálica e inocente da abreviação da vida, do esquecimento dos passos, da descoberta precipitada, espelhada na prostituição infantil que aguça a sede mórbida em cada esquina. A fome do pão, a fome de crack, a vontade combalida, a vida curta, a ausência do desejo pelo porvir e o surpreendente afã de alegria que toma as crianças pedintes, faz brotar uma tristeza estática, incapaz, que dolorosamente se revela quase soporífera. Aqui, não há direito. Não há justiça. Não há, seguramente, verbetes sumulares ou relativização da coisa julgada. Não há nada. Apenas a ausência do Estado”.
A (in) eficácia da jurisdição é vítima de um modelo neoliberal de produção burocrática do Poder Judiciário, uma vez que afasta o julgador daquilo que é essencialmente seu modus operandi (decidir com vistas à luz de cada caso). Esse afastamento “é uma decorrência do modelo jurisdicional recortado pela rapidez e que se impõe uma nova fonte de opressão: aquela das cifras. Uma vez que a necessidade de extinguir o maior número de processos é uma questão de ordem” (MARIN, 2015, p. 39).
Denota-se assim, um apequenamento do Poder Judiciário, reduzindo o ato de julgar a reprodução de algo imposto pelo “panóptico jurídico” (MARIN, 2015, p.39) ou embasado em uma decisão do passado, que simplifica o jurisdicionar, visto que dispensa o julgador de encontrar novos fundamentos para o que está dizendo.
Sobre esta uniformidade de decisões e saberes, na significação da genealogia do Poder, Foucault (1999, p. 172) nota que:
“A genealogia seria portanto, com relação ao projeto de uma inscrição dos saberes na hierarquia de poderes próprios à ciência, um empreendimento para libertar da sujeição os saberes históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico, unitário, formal e científico.”
Assim, o Filósofo faz ressoar um saber local e o título da obra é auto-explicativo “MICROFÍSICA”, evidenciando uma análise da hierarquização cientifica do conhecimento e seus efeitos intrínsecos de poder, descrevendo a genealogia como uma tática que, a partir da discursividade local ativa libertos da sujeição (sujeitos, agentes, atores) que emergem desta discursividade.
Entendido está, a imposição Estatal quando trata, verbi gratia, da ampliação e avanços da informática, empregadas na construção de raciocínio lógico, propondo premissas falsas de inovar o pensar, colocando em risco o saber intelectivo. Para Marin, a tentativa Estatal de universalização dos conceitos, é um dos potencializadores da crise e isto se dá com o uso da informação via informática, diz Marin (2015, P. 38-39):
“Todos os instrumentos de estandardização da causa objetivam a prevalência da vontade dos tribunais superiores e o resgate de subsunções com amparo indevido nos procedimentos do common Law. Nesse sentido, as sumulas vinculantes, as sumulas impeditivas de recursos, a possibilidade de indeferimento liminar e de julgamento de plano dos relatores, o filtro seletivo das presidências dos tribunais de justiça impostos aos recursos especial e extraordinário, os requisitos de repercussão geral e do pré-questionamento e a sentença preliminar. Essas práticas têm a mesma motivação genérica, qual seja, o arquétipo neoliberal e a imposição do critério quantitativo imposto pelo Banco Mundial e os organismos internacionais. Traduzem um discurso monológico”.
Dito isto, a argumentação e destaques direta e indireta de tantos autores encaminha para a inegável constatação de convivência de um estado de direito Estatal – existente para servir à interesses econômicos e políticos das elites oligárquicas e inspirado, quase sempre, nas legislações alienígenas – e o Direito derivado das práticas indígenas, dos negros excluídos, camponeses e trabalhadores rurais, movimentos sociais e injustiçados em geral que longe dos tribunais e instancias da Justiça fazem a auto-composição forte nos estatutos e costumes um direito consuetudinário que muito tem a contribuir para um alargamento societário de auto-regulamentação voluntária, sedimentando uma nova política de administração da Justiça (MARIN, 2015, p. 289).
Estes sujeitos históricos de mistura ou de exclusão tem gerado as denominadas comunidades tradicionais, formalmente caracterizadas pela geração e transmissão de conhecimentos e de práticas vernaculares, utilizando territórios e recursos naturais como condição de sua reprodução cultural, social, religiosa e econômica, adotando formas próprias de organização social.
Comunidades tradicionais que ocupam cerca de 25% do território nacional e correspondem, aproximadamente, a 4,5 milhões de pessoas, das quais 2 milhões são quilombolas, um milhão formam a população atingida por barragens de hidrelétricas, 435 mil indígenas, 400 mil quebradeiras de coco babaçu, 37 mil seringueiros e163 mil castanheiros (BRASIL, 2006). Além destes, os faxinalenses, as comunidades de fundo de pasto, pomeranos, ciganos, raizeiros, vazanteiros, piaçabeiros, pescadores artesanais, pantaneiros, religiosos afrodescendentes, peçonheiros e outros sujeitos sociais emergentes que possuem identidades coletivas fundamentadas em direitos territoriais e numa autoconsciência cultural (ALMEIDA, 2008, p. 22-24).
Tendo em vista, a construção metodológica, é indispensável a apresentação de fatos que concretizem tudo o quanto foi exposto até aqui. São questões que conceituam fatores casuais, objeções, limites, possibilidades do pluralismo jurídico permitem elucidar, aproximar e distanciar dos pressupostos em debate.
Considere-se duas premissas importantes ao debate: a pluralidade jurídica alternativa no âmbito do direito não-oficial, e no interior do direito oficial.
Tratemos primeiramente do instituto da pluralidade jurídica no âmbito do direito não Estatal:
4.1 – PLURALIDADE JURÍDICA: SUA IMPORTÂNCIA PARA A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL EM COMUNIDADES TRADICIONAIS
Diz o pesquisador Beliny Leão, foram tomadas como base empírica a comunidade tradicional de pescadores artesanais, denominada Campinhos, situada na Resex de Canavieiras, localizada no litoral sul do estado da Bahia. Trata-se de uma unidade de conservação federal, de uso sustentável, com gestão compartilhada entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e as comunidades, civilmente organizadas, que habitam a reserva. A Resex de Canavierias abrange uma área de 100 mil hectares, dos quais 83% situam-se no Oceano Atlântico, 12% a restingas e manguezais, e o restante (menos de 5%) constituem áreas de terra firme. Seu objetivo é fazer a junção da conservação dos recursos naturais com a proteção da cultura e costumes das comunidades (LEÃO, 2014, p. 545).
Com moradores de origem predominantemente negra, quilombolas, em cuja atividade econômica da pesca, coleta de crustáceos e moluscos concentra o sustento de toda comunidade. Como atividade secundária, dedicam-se ao cultivo de côco, mandioca, hortas, ervas medicinais e pequenas criações de animais domésticos.
Com relação ao Direito e as funções jurídicas, Leão (2014, p.546 – 547) observa que:
“Com relação às funções judiciárias, a intenção foi observar o funcionamento das soluções para os conflitos socioambientais locais, isto é, se os moradores se valiam de métodos alternativos (autocomposições, conciliações, mediações e arbitragens), formas de solução de litígios mais vinculados ao direito costumeiro, ou se iam à procura da intervenção estatal, mediante a ingerência de órgãos administrativos ou da jurisdição, formas vinculadas ao direito oficial”.
Segundo Beliny, resultou da pesquisa que esta comunidade utiliza vários mecanismos pra solucionar litígios da comunidade (LEÃO, 2014, p.548):
“Recorrem, predominantemente, a métodos alternativos extrajudiciais como a autocomposição, resolvendo com diálogo os seus problemas; ou com a heterocomposição, recorrendo a terceiros para auxiliarem na pacificação. Excepcionalmente, utilizam-se da jurisdição, recorrendo ao Estado e acessando o Poder Judiciário por meio de processos judiciais.”
Diz o mesmo que “Quando a tentativa de se chegar à composição direta do conflito (autocomposição) não é alcançada, os moradores passam a recorrer a algum conciliador, mediador ou árbitro” (LEÃO, 2014, p.549).
Socorre-se a comunidade da heterocomposição, que é quando envolve terceiros na solução de litígios tais como divergências sobre o descuido com o ecossistema e o extrativismo, pequenos furtos e roubos, ameaças e brigas. Conflitos que seriam regulados pelo direito penal.
Outro dado importante são os casos em que a jurisdição Estatal é acionada, “o fazem principalmente em conflitos contra alguma pessoa física ou jurídica não pertencente à comunidade, envolvendo disputas por terras, especulação imobiliária.” (LEÃO, 2014, p.551).
Portanto a jurisdição tem importância para os casos complexos como os conflitos de terra, dando maior segurança jurídica aos envolvidos, pois como diz Beliny Leão, “por seus métodos próprios, não seria capaz de solucionar problemas dessa envergadura, tendo em vista sua condição desfavorecida frente a agentes externos, com poder econômico e interesse no território onde ela está localizada.”
É possível perceber que o direito costumeiro possui grande efeito na comunidade, por meio dele, “dele, usos, costumes, práticas, técnicas e conhecimentos são transmitidos pela tradição de geração em geração, como é oficialmente caracterizado este tipo de comunidade, e ditam as normas das relações socioambientais desejáveis aos seus integrantes.” (LEÃO, 2014, p.555).
E, conclui Beliny (LEÃO, 2014, p.556).:
“Admitir normas vindas de cima para baixo não parece tarefa difícil para a comunidade, habituada à resignação, apesar da indignação. Resta saber até que ponto o Estado está disposto e preparado para reconhecer as normas estabelecidas pelos costumes da comunidade.”
Assim apresentamos a pluralidade alternativa não Estatal, com resolução objetiva dos conflitos pela via não institucionalizada, onde as fontes de produção legislativa não institucionalizada, o Direito não escrito permeia as relações e são fontes de um novo paradigma que aponta para um futuro amplo dos espaços sócio-politicos de participação democrática e controle popular na produção plural do Direito.
4.2 – PLURALISMO JURÍDICO E INTEGRAÇÃO: RECONHECIMENTO DAS DIFERENÇAS OU GOVERNO DAS MINORIAS? O CASO DOS INDÍGENAS NA AMÉRICA LATINA
Tomado de grande cunho cientifico, o trabalho que serve de base para o referido ponto aborda o novo constitucionalismo da América Latina, ou seja, a hipótese de que “o neoconstitucionalismo tem a capacidade de se coadunar à idéia de integração de ordens jurídicas (estatais e não estatais), havendo já experiências esparsas disso” (FORNASIER; SILVA, 2016, p. 33), ante um poder estatal que não responde as demandas sociais, percorrendo longas crises cíclicas e contínuas.
O Estado, como “ordem impessoal com autoridade estruturada, atua de forma a centralizar e concentrar o Poder, detendo o monopólio sobre a produção normativa, deslegitimando quaisquer outras ordens normativas que atentem contra essa exclusividade”, utilizando-se da “força legitima” para punir os “anormais” (FORNASIER; SILVA, 2016, p. 36).
A contemporaneidade, porém, oferece uma crise da soberania do Estado, levando a uma ressignificação da atuação estatal, especialmente no sistema do Direito, demonstrando, por exemplo, uma perda de força dos órgãos locais em benefício dos conglomerados empresariais transnacionais, desvelando um novo cenário sociocultural na pós-modernidade. “Ou seja, a cultura nacional não é extinta, mas ressignificada com referentes culturais transnacionais” (FORNASIER; SILVA, 2016, p. 39).
Este estado autoritário gera em outro viés uma multiplicidade de emissão de normatividade e juridicidade. “É a compreensão de que o Direito não é somente aquele Direito posto pelo Estado – é Direito, mas, tão somente, uma das facetas do sistema jurídico, não o próprio sistema.” (FORNASIER; SILVA, 2016, p. 40)
Nesta senda, vale destacar a sentença proferida, em grau de apelação, interposta pelo Ministério Público do Estado de Roraima, em face de sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Bonfim, que deixou de apreciar o mérito da denúncia do Parquet, para declarar a ausência do jus puniendi estatal neste caso, diante do julgamento do fato por comunidade indígena, com fundamento no art.57 do Estatuto do Índio e art. 231 do Constituição Federal. Trata-se de crime, onde o indígena Denilson Trindade Douglas foi, por denuncia oferecida pelo MPE, qualificado incurso no CPB, Art. 121, § 2º, dando conta de que o réu cometera homicídio contra o seu irmão Alanderson. O fato ocorreu no dia 20/06/2009 na comunidade indígena do Manoá, terra indígena Manoá/Pium, Região Serra da Lua, município de Bonfim-RR (TJ/RR, 2015, P 1-2).
De cujo acórdão, confirmando a sentença de primeiro grau, se extrai as seguintes penalidades impostas pela aldeia, (TJ/RR, 2015, P 1-2):
“1. O índio Denilson deverá sair da Comunidade do Manoá e cumprir pena na Região do WaiWai por mais 5 (cinco) anos com possibilidade de redução conforme seu comportamento;
2. Cumprir o Regimento Interno do Povo WaiWai, respeitando a Convivência, o costume, a tradição e moradia junto ao povo WaiWai;
3. Participar de trabalho comunitário;
4. Participar de reuniões e demais eventos desenvolvido pela comunidade;
5. Não comercializar nenhum tipo de produto, peixe ou coisas existentes na comunidade sem permissão da comunidade juntamente com o tuxaua;
6. Não desautorizar o tuxaua, cometendo coisas às escondidas sem conhecimento do tuxaua;
7. Ter terra para trabalhar, sempre com conhecimento e na companhia do tuxaua;
8. Aprender a cultura e a língua WaiWai;
9. Se não cumprir o regimento será feita outra reunião e tomar outra decisão".
Quanto a não introdução, ou uso do Direito estatal, ressalta o Magistrado: “Cabe acentuar que todo o procedimento supra mencionado foi realizado sem mencionar em momento algum a legislação estatal, tendo apenas como norte a autoridade que seus usos e costumes lhe confere.” (TJ-RR, 2015, p.3).
De forma inovadora o ente Estatal afasta-se do direito de punir, para não acarretar bis in idem. Visto que a jurisdição penal estatal suceder à punição imposta pela comunidade indica clara situação de ofensa à este principio.
Como lecionam FORNASIER e SILVA (2016, p. 14):
“Na América Latina, notadamente um “caldeirão cultural”, são imensas as diferenças culturais existentes, já que convivem em um mesmo espaço geográfico descentes da colonização européia, uma infinidade de nações indígenas originárias, descendentes da escravidão e, obviamente, a miscigenação de toda essa multiculturalidade. E, justamente, na América Latina um movimento de origem “descolonial” ou pós-colonial vem atuando no interesse de integração intercultural e reconhecimento das diferenças existentes entre toda a população latino-americana, numa forma de implementar garantia aos direitos humanos e enfatizar que essas diferenças não excluem um processo dialogal entre a população.”
A pluralidade jurídica se coloca com duas grandes premissas: alternativa no âmbito do direito não-oficial, e no interior do direito oficial. Por conta de que o Estado é o detentor do direito de punir. Mas, cresce e se consolida um constitucionalismo que exige um espaço político-social que respeite as diversidades. Premissas contidas na tese de John Rawls, quando ele nos fala de justiça diferente da dominante. Os princípios de justiça é o ordenamento da sociedade democrática e dará a garantia harmônica entre os componentes do grupo. São eles que darão acesso, de forma equitativa, à bens primários, e acesso as oportunidades.
Como podemos comprovar no trabalho de Beliny Magalhães leão, a escolha pela autocomposição, conciliação, mediação e arbitragem da comunidade pesquisada são formas de solução que retira do direito costumeiro e não do direito estatal as premissas e princípios da teoria de Rawls e que Norberto Bobbio leciona (2001, p.17), como sendo um de tres pontos distintos que toda norma jurídica pode ser submetida. De fato, frente a qualquer norma jurídica podemos colocar uma tríplice ordem de problemas: 1) se justa; 2) se válida; 3) se eficaz. Mas sem dúvidas do primeiro ponto, justiça, nascerão todos outros. E para que a eficácia da justiça não tem mais como fonte a norma estatal, como comprovado no decurso de nosso trabalho, tanto pelas justificativas, quanto nos exemplos de resolução de conflitos sociais.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O novo modelo de Direito, de que nos serve para instrumentalizar este trabalho, é fruto de uma consciência política aplicada à ciência acadêmica. Teoria que é resultado das discussões e rompimento com padrões teóricos imposto pelo Estado. Sendo que as crises, cíclicas e históricas, do sistema industrial moderno colocam para a sociedade mundial um dilema consumista, ou seja, a lógica mundial do consumir sempre impõe ao cidadão a necessidade de ter dinheiro imediatamente para isso. Acontece que a distribuição destes bens não está disponível à todos, decorrência das diversas faces da crise: crise de produção, demandas contra produção e a importante colocação de John Rawls, conceituando as desigualdades dentro do conceito de justiça é que nos faz refletir acerca de um novo pacto social, onde a situação hipotética de contrato social não tem a finalidade inaugural de determinada sociedade ou estabelecer formas de governo. A idéia norteadora em Rawls é que os princípios de justiça sirvam de estrutura básica da sociedade, constituindo o objeto do acordo original. Para John Rawls, a justiça como equidade é tomada a partir da situação original de igualdade correspondente ao estado de natureza do tradicional contrato social. Nada diferente da idéia de um novo constitucionalismo latino americano que tem norteado decisões como o caso Denilson, que nos reportamos anteriormente, constituindo uma nova cultura jurídica antiformalista, antiindividualista, antimonista. Fundada nos valores do poder da comunidade, reconhecendo nos sujeitos sociais suas diferenças, sua identidade, suas necessidades básicas e suas reivindicações por autonomia.
Pensar e forjar formas de produção de conhecimento que partam da práxis democrática pluralista como expressão do direito a diferenças, identidade coletiva, igualdade de acesso a justiça não é possibilidade, mas condição primeira para a resolução as mazelas da globalização e legitimar como forma contra hegemonica de afirmação aos direitos humanos emergentes.
Informações Sobre o Autor
João Auri Garcez
Acadêmico do curso de direito da URCAMP Alegrete