Disposição da legítima em face do direito de herança

Autor: Aluer Baptista Freire Júnior – Pós-Doutor em Direito Privado PUC-MG, Doutor e Mestre em Direito Privado PUC-Minas. Professor de Graduação e Pós-Graduação. Advogado. E-mail: [email protected]

Autora: Lorrainne Andrade Batista – Especialista em Direito de Família, Sucessões, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho Damásio Educacional. E-mail: [email protected]

Resumo: Frente as modificações sofridas pela sociedade são de um todo comuns e necessárias mudanças jurídicas que as acompanhem de modo a promover justiça e segurança. Notoriamente é impossível o acompanhamento legislativo em tempo real, mas fato é, que as alterações são e serão realizadas, isso se baseia para todo o âmbito jurídico, inclusive, no direito sucessório. Infelizmente, a devida assistência é lenta, o que torna inadequados os pilares de sustentação da denominada legítima. É nesse caminho que o presente artigo demonstrará as possíveis adaptações sem, no entanto, prejudicar princípios salutares como o direito à herança e o direito de propriedade. Isto posto, contará com um método de pesquisa analítico-descritivo cujo gênero textual conta com redação dissertativa-argumentativa por abordagem indutiva.

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Palavras-chave: Autonomia privada. Direito sucessório. Direito de herança. Legítima. Propriedade.

 

Abstract: Faced with the changes undergone by society, legal changes are common and necessary to accompany them in order to promote justice and security. It is notoriously impossible to monitor legislation in real time, but the fact is, that the changes are and will be carried out, this is based on the entire legal scope, including inheritance law. Unfortunately, due assistance is slow, which makes the pillars of support for the so-called legitimate one inadequate. It is in this way that this article will demonstrate the possible adaptations without, however, harming salutary principles such as the right to inheritance and the right to property. That said, it will have an analytical-descriptive research method whose textual genre has essay-argumentative writing using an inductive approach.

Keywords: Private autonomy. Succession law. Inheritance law. Legitimate. Property.

 

Sumário: Introdução. 1. O Direito de sucessão e sua historicidade. 2. O instituto da sucessão e suas variedades. 3. A herança e seus desdobramentos. 4. O princípio da solidariedade familiar versus o princípio da autonomia privada. 5. O direito de propriedade e sua constitucionalização. 6. Disposição da legítima em face do direito de herança. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

Introdução

Assim como os demais direitos o direito de sucessão está para os anseios da coletividade onde acompanha as latentes modificações sociais como forma de proporcionar segurança e amparo jurídico.

Com destaque na conhecida legítima, expressa pelo código civil brasileiro, é por óbvio que a realidade familiar não está em conformidade com os dispostos em Lei, já que há famílias e famílias, as quais seguem e não seguem o nomenclado princípio da solidariedade familiar, princípio esse basilar para a construção da família e suas envolventes.

A percepção do que é família e sua realidade, bem como, a quebra de seus princípios é de fácil percepção podendo ser confirmada pelos atos agressivos dentro dos próprios lares, onde deveria ter o dever concretizado da proteção, cuidado e respeito mútuo. Já em outros há toda compreensão e cooperação, mesmo que não sejam conectados por laço consanguíneo.

É por essa vereda que o laço consanguíneo não mais denota importância, onde o afeto institui muito mais uma família do que o próprio sangue, o que nem sempre se oferta por intermédio dos ascendentes, descendentes e cônjuge ou companheiro.

Com observância nesses acontecimentos, é de se repensar o conceito de família frente aos direitos sucessórios. Pergunta-se, no caso da legítima, seria justo o autor da herança dispor de apenas cinquenta por cento de seus bens e deixar a outra metade reservada a herdeiros tidos como necessários – apenas pelas condições de descendentes, ascendentes e cônjuge – e que em nada cooperam?

É por isso e muito mais que soluções devem ser alcançadas sem interferência a tantos outros direitos. Seria então possível soluções para a ocorrência da redução da legítima ou até mesmo a sua exclusão sem que estorve o direito de herança e o princípio da solidariedade para que possa-se ampliar o direito de propriedade e o princípio da autonomia privada?

Para que se possa chegar a um objetivo justo, já que os direitos não são absolutos, o desenlace para o que fora indicado necessita de alguns requisitos para sua validade, o que será corroborado oportunamente.

Nesse caminhar, a pesquisa passará por apontamentos históricos e revelará aspectos dos tipos de sucessão, herança, princípio da solidariedade, princípio da autonomia privada, direito constitucional de propriedade e por fim, da disposição da legítima em face do direito de herança. Isto posto, contará com um método de pesquisa analítico-descritivo cujo gênero textual conta com redação dissertativa-argumentativa por abordagem indutiva.

 

1 O Direito de sucessão e sua historicidade

O direito de sucessão configura-se pelo evento morte, segundo José de Oliveira Ascensão, “o Direito das Sucessões realiza a finalidade institucional de dar a continuidade possível ao descontínuo causado pela morte”. (ASCENSÃO, 2000, p. 13)

Essa continuidade diz respeito ao patrimônio adquirido pelo de cujus e por patrimônio entende-se o complexo de direitos e obrigações, que é indagado por Cezar Fiúza, sendo então o patrimônio “considerado um complexo de direitos e obrigações de uma pessoa, suscetível de avaliação econômica, integra a esfera patrimonial das pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas”. (FIÚZA, 2004, p. 184)

Contudo, nem sempre fora liberto qualquer pessoa adquirir patrimônio, o possibilitou apenas quando da inexistência dos nômades, época que não havia muito o desenvolvimento das cidades.

Antes de chegar-se a atualidade do direito sucessório, atendendo as necessidades da população, esse direito percorreu por diversos caminhos, entre eles, à religião. Nos tempos remotos a sucessão era uma consequência da religião unida ao parentesco, sendo assim, a linha consanguínea não era o suficiente, a ela deveria se encaixar o culto familiar e deveriam crer na mesma religião.

De acordo com Sílvio de Salvo Venosa, “a propriedade e culto familiar caminhavam juntos. A propriedade continuava após a morte, em razão da continuidade do culto”. (VENOSA, 2011, p. 01)

Nesta senda, o que definia os herdeiros era a crença religiosa ligada ao culto familiar, sendo herdeiro aquele escolhido e mais apto a seguir com o culto. Infelizmente, essa figura nunca era feminina, haja vista que, ainda nos ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa “(…) a filha não continuaria o culto, já que com seu casamento renunciaria à religião de sua família para assumir a do marido”. (VENOSA, 2004, p. 17)

Nota-se logo que não era um período muito justo se comparado ao direito sucessório em atuação, que felizmente, abarca o maior nível de justiça possível, embora, assim como os demais ramos do Direito, precisa estar em constante evolução.

Após a fase da antiguidade origina-se o direito romano, onde fora instituído a sucessão testamentária com disposição absoluta dos bens, era a liberdade cem por cento de testar.

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Diferente do referido, no direito germânico essa liberdade não existia, pois somente parentes de sangue poderiam herdar, portanto, o verdadeiro dono dos bens não o destinava para quem bem entendesse, ele era obrigado a aceitar como os verdadeiros e únicos herdeiros as pessoas que com ele haviam laços consanguíneo, não se importava muito a afetividade e a consideração pelas demais pessoas.

No direito francês o que prenomina é o droit de saisine, conhecido pelo direito brasileiro como direito de saisine gerando o princípio de saisine. Por ele, sabe-se que ocorre, mesmo que de maneira ficta, a transmissão automática. O direito francês é um grande influenciador ao sistema pátrio no Direito das Sucessões, por isso, fora adotado o princípio em questão.

O mesmo pode ser confirmado pelo artigo 1.784 da norma civilista, o qual diz que a “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. (grifo nosso) (BRASIL, 2002)

Nesse diapasão, o ordenamento jurídico brasileiro apoiou-se o direito sucessório de modo misto, propagando tanto a sucessão legítima quanto a sucessão testamentária, que serão melhor faladas em momento posterior.

O ordenamento pátrio, pelos moldes do Código Civil de 2002, mantém relativamente a liberdade de testar, evidenciando a exceção com uma percentagem, sendo cinquenta por cento dos bens testados conforme queira o proprietário e os outros cinquenta por cento faz parte da legítima favorecendo os herdeiros necessários, quando houver, reforçando inclusive o princípio da solidariedade familiar, que faz parte do Direito de Família e por consequência do Direito de Sucessões.

A conferir, é o artigo 1.789, “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”. (BRASIL, 2002)

Por esta vereda, junto com a Constituição Federal – que prevê o direito fundamental à herança – O Código Civil é o caderno legislativo mais importante para o crescimento do direito sucessório frente a sua responsabilidade ao instituí-lo em capítulo próprio e junto com o Código Processual Civil assiste os requisitos e procedimentos para a realização da sucessão.

 

2 O instituto da sucessão e suas variedades

Antes de especificar e descrever os tipos de sucessão é vultuoso o conhecimento do instituto de um modo geral. Primeiro momento, como evidenciado em anterior, a herança possui a característica imediata de transmissão, justamente pelo dito suso princípio de saisine, não deixando o patrimônio sem titular.

Afinal, “sucessão é o ato ou o efeito de suceder. Tem o sentido de substituição de pessoas ou de coisas, transmissão de direitos, encargos ou bens, numa relação jurídica de continuidade. Implica a existência de um adquirente que sucede ao antigo titular de determinados valores”. (OLIVEIRA, 2016, p. 27)

O mesmo ocorre quando uma pessoa falece deixando bens: opera-se a sucessão, pela transmissão da herança ao herdeiro, que, assim, sucede ao morto nos direitos e obrigações relacionados ao seu patrimônio. (OLIVEIRA, 2016, p. 27)

Em continuidade, o Código Civil é claro e objetivo em esclarecer que a abertura da sucessão se ofertará onde consta do último domicílio do de cujus, regulada pela Lei em vigor quando da dita abertura.

Caso a pessoa venha a falecer sem deixar testamento dispondo dos seus atos de última vontade, a herança será transmitida de forma total a todos os herdeiros necessários, se for o caso. É o que preconiza o artigo 1.788, “morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo”. (BRASIL, 2002)

A sucessão pode se realizar tanto judicialmente quanto na forma extrajudicial por inventário e seguidamente a partilha. Nesse sentido, em sua obra Inventário e Partilha: Teoria e Prática, Euclides de Oliveira, “Formaliza-se a transmissão sucessória pelo processo judicial de inventário e partilha, conforme dispõe o Código de Processo Civil, em capítulos próprios que tratam do inventário, da partilha e do arrolamento (no CPC de 1973: arts. 982 a 1.045, no CPC de 2015: arts. 610 a 673), bem como dos testamentos e codicilos (no CPC de 1973: arts. 1.125 a 1.141; no CPC de 2015: arts. 735 a 737). Pode efetuar-se, também, o inventário e partilha extrajudicial, por escritura pública em tabelionato de notas, quando as partes sejam maiores e capazes e o falecido não tenha deixado testamento, de conformidade com o disposto na Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007 (v. cap. 14 – Inventário e Partilha Extrajudicial)”. (OLIVEIRA, 2016, p. 29)

Quando tratar de pessoa desaparecida, também poderá ocorrer a sucessão de modo provisório conforme os requisitos do Código Civil e do Código Processual Civil, mais tarde conseguindo recair em sucessão definitiva.

A sucessão provisória cuida-se dos bens do ausente, pessoa em lugar incerto e não sabido, que após cumprido os termos da Lei é considerado morto. Tal sucessão é prevista no artigo 26 do Código Civil, capítulo III, seção II.

A saber, “decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão”. (BRASIL, 2002)

Conforme artigo 28, § 1º, “findo o prazo a que se refere o 26, e não havendo interessados na sucessão provisória, cumpre ao Ministério Público requerê-la ao juízo competente”. (BRASIL, 2002)

Esse tipo de processo é mais comum do que se pensa, posto isto, é o exemplo jurisprudencial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, “CONFLITO DE COMPETÊNCIA –  COMARCA DE BARBACENA – AÇÃO DECLARATÓRIA DE AUSÊNCIA – PRETENSÃO RELACIONADA À SUCESSÃO DO AUSENTE – VARA CIVEL COM ATRIBUIÇÃO PARA JULGAMENTO DOS FEITOS RELATIVOS ÀS SUCESSÕES – COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. 1 – A declaração de ausência, ainda que possa influenciar o estado da pessoa, produz reflexos na sucessão do ausente, resultando na partilha de seus bens. 2 – Existindo na Comarca de Barbacena varas cíveis com atribuição para julgamento de feitos que envolvam questões sucessórias, resta evidenciada a competência do juízo suscitado para o processamento da ação declaratória de ausência. 3 – Competência do juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Barbacena”.

De acordo com o artigo 37, seção III, “dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas”. (BRASIL, 2002)

No caso de ausente com 80 anos ou mais, a sucessão definitiva pode ser requerida após 05 (cinco) anos sem notícias. É o que conta o artigo 38, “pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele”. (BRASIL, 2002)

Nestes termos, a sucessão definitiva dos bens de ausentes depende da sucessão provisória dos mesmos, ocorrendo apenas quando cessado todos os procedimentos relativos a essa.

Respeitante à sucessão definitiva, insta salientar, “art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele tempo. Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados em território federal”. (BRASIL, 2002)

No que pese aos tipos de sucessão por morte não equivalentes à ausentes, há a sucessão legítima e testamentária. A primeira decorre da Lei e é efetivada quando não há disposição de última vontade do falecido, ou seja, pela falta do testamento em suas diversas formas, acatando a todos os seus requisitos de eficácia.

Washington de Barros Monteiro à apara dizendo, “se não há testamento, se o falecido não deixa qualquer ato de ultima vontade, a sucessão é legítima ou ab intestado, deferido todo o patrimônio do de cujus às pessoas expressamente indicadas pela lei de acordo com a ordem de vocação hereditária (Cód. Civil de 2002, art. 1.829). Assim estabelece o art.1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quando os bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo. A essas hipóteses acrescente-se a revogação do testamento”. (MONTEIRO, 2008, p. 9)

Consequente da Lei, a sucessão legítima desempenha uma ordem de vocação hereditária, exibida nos incisos do artigo 1.829, logo, os sucessores da legítima são previstos também na legislação.

Tem-se então os herdeiros necessários e esses seguem uma ordem de vocação hereditária. Os herdeiros necessários são os descendentes, ascendentes e o cônjuge. A ordem, incluindo os colaterais, cumpre-se dessa forma, “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:  I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais”. (BRASIL, 2002)

Já a sucessão testamentária “tem origem em ato de última vontade do morto, por testamento, legado ou codicilo, mecanismos sucessórios para exercício da autonomia privada do autor da herança”. (TARTUCE, 2011, p. 1.187)

Nesse meato, esse tipo de sucessão abraça as disposições de última vontade do autor dos bens deixados em forma de herança por documento testamentário, seja ele público, cerrado, privado ou em suas modalidades especiais como o militar, aeronáutico e marítimo.

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Por fim, o ideal é que uma não se sobreponha a outra, porém, havendo esse conflito, a vontade do autor da herança sempre prevalecerá, desde que, cumpridos todos os requisitos de validade e eficácia que a espécie de testamento escolhida exigir e dentre todos, a capacidade civil para tanto quando da disposição do ato.

 

3 A herança e seus desdobramentos

Aos bens que se transferem ao sucessor em virtude da morte de alguém, dá-se o nome de herança, isto é, patrimônio que se herda, acervo hereditário ou, no aspecto formal e de representação, espólio. (OLIVEIRA, 2016, p. 29)

Todavia “(…) cumpre distinguir da herança a cota cabente ao cônjuge sobrevivo, denominada meação. Não que essa cota se extreme ab initio. Ao invés, deve ser abrangida na declaração dos bens a inventariar, com submissão aos encargos e às dívidas do espólio, até que se efetue a partilha. Nesse aspecto, diz-se que a meação integra o “monte-mor”, ou seja, a totalidade do acervo patrimonial em causa. Mas não se confunde com a efetiva herança, que se constitui na somatória dos quinhões atribuíveis aos herdeiros. A distinção é relevante para fins de incidência fiscal, já que o imposto de transmissão recai apenas sobre a parte transmitida aos herdeiros, excluída, pois, a meação”. (OLIVEIRA, 2016, p. 29/30)

A herança é um direito fundamental garantido pela Carta Maior e como tal deve ser cumprido sendo transmitida a seus herdeiros, sucessores e quando for o caso, legatários. Sobre a mesma não recairá a transmissão em sendo renunciada ou havendo a deserdação e indignidade.

A figura dos herdeiros é identificada como aqueles que recebem a herança em sua totalidade ou a quota-parte do patrimônio do de cujus. O sucessor é qualquer indivíduo que tenha para si propriedade que coube a outrem e legatário é ligado a sucessão testamentária, é a pessoa beneficiada por coisa certa e determinada pelo autor da herança.

Com referência as hipóteses de exclusão – renúncia, deserdação e indignidade – onde resulta na ilegitimidade passiva, a renúncia acontece quando não há a aceitação da herança e depende apenas do herdeiro qualificando um ato unilateral. Apesar do herdeiro ser protegido por Lei o mesmo não tem obrigação de aceitar os bens destinados a ele.

Frisa-se no artigo 1.808 que “não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo”. (BRASIL, 2002)

A renúncia é um ato que deve ser muito bem pensado, pois ao renunciar, o herdeiro é considerado como se morto fosse, prontamente, não há transferência para os descendentes desse, por exemplo.

Contudo, nos termos do artigo 1.811, “(…) se, porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça”. (BRASIL, 2002)

Assim, genericamente, o renunciante acaba por envolver em sua decisão os seus futuros herdeiros e abrindo mão do seu posto de herdeiro e dos seus direitos como tal, retroagindo ao dia da abertura da sucessão e a sua parte passa a acrescer à dos demais herdeiros da mesma classe.

É o que dispõe o artigo 1.810, “na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subseqüente”. (BRASIL, 2002)

Destaca-se, resignado artigo 1.806 CC, que “a renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial”. (BRASIL, 2002) É um feito irrevogável, assim como a aceitação.

Vale lembrar que se algum credor for prejudicado mediante a essa decisão, poderá ele aceitar em nome do renunciante por intervenção de autorização judicial. Após o pagamento da dívida, restando-se ainda parte da herança, esta será acrescida aos outros herdeiros.

Passando a deserdação, para Maria Berenice Dias, tanto esta quando a indignidade “(…) são formas de penalizar o herdeiro que se conduziu de forma injusta contra o autor da herança de modo a merecer reprimenda, tanto do ponto de vista moral como legal. No entanto são instituídos que não se confundem, apesar da quase identidade de motivos e a consequência ser a mesma: a exclusão do herdeiro”. (DIAS, 2015, p. 301)

Embora tenham suas semelhanças não podem ser retratadas como se iguais fossem. Um dos motivos de não poderem se confundir é que a deserdação, diferente da indignidade, é ofertada por via testamentária.

Obstinado Flávio Tartuce em sua obra Direito Civil: Direito das Sucessões pela editora Método, “na deserdação há um ato de última vontade que afasta herdeiro necessário, sendo imprescindível a confirmação por sentença. Por isso é que a deserdação é tratada pelo CC/02 no capítulo próprio da sucessão testamentária”. (TARTUCE, 2010, p. 1.213)

Destarte, a deserdação é empregada tão somente por interlúdio da sucessão testamentária vide testamento pelo autor da herança fundamentado com base nos artigos 1.814, 1.962 e 1.963.

Enfim, havendo a fundamentação e sendo ato de disposição de última vontade do autor, tem-se que a deserdação deve ser expressa.

Distintamente da deserdação a indignidade depende de ação cível própria e não apenas cobre a sucessão testamentária, mas também, a sucessão legítima. Disciplinada pelos artigos 1.814 a 1818, a indignidade perdura sobre o mais violento dos atos dispostos no artigo 1.814, inciso I, que é o homicídio doloso ou a tentativa deste.

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; (BRASIL, 2002)

Com a devida indignação, Osni de Souza erude, “não há maior falta de afeição, solidariedade e gratidão para o defunto do que o ato daquele que lhe provocou a morte. Só configura, entretanto, causa de indignidade o homicídio doloso (praticado com animus necandi), independentemente do motivo que impulsione o homicida, sendo irrelevante, pois que tenha agido com o intuito de apressar a aquisição da herança. Referindo-se o inciso I ao homicídio consumado ou tentado, presente o dolo de matar, o resultado morte não é exigido para a exclusão do herdeiro. Mas não configura indignidade o homicídio culposo, a instigação, induzimento ou auxilio ao suicídio, ou, ainda, quando presente causa de exclusão de ilicitude (estado de necessidade, legitima defesa, exercício regular de direito)”. (SOUZA, 2011, p. 1513).

Atravessado isso, a herança ainda pode ser classificada como jacente ou vacante. Jacente será a herança sem destinação, quando a mesma não se torna possível de sucessão por falta de herdeiros, pessoas certas e determinadas. Essa falta pode se dirigir por diversos fatores como a falta de testamento ou simplesmente a não existência de herdeiros em qualquer que seja as suas categorias.

Carlos Roberto Gonçalves é claro quanto aos fatores que caracterizam a herança em jacente “a sem testamento, que ocorrer diante da inexistência de herdeiros conhecidos ou da renúncia da herança, por parte destes. A com testamento, configurando-se quando o herdeiro instituído ou o testamenteiro não existir ou não aceitar a herança, ou a testamenteira, e o falecido não deixar cônjuge nem companheiro, nem herdeiro presente. Pode desaguar também na hipótese de não se encontrar herdeiro em condições de se tornar titular do patrimônio que se lhe deseja transferir, como no caso de nascimento de um herdeiro, sendo nessa hipótese a herança arrecadada como jacente, aguardando-se o nascimento com vida do beneficiário ou quando se aguarda a formação ou constituição da pessoa jurídica, a que se atribuíram os bens”. (GONÇALVES, 2018, p.137-138)

 Acentua-se que apesar das circunstâncias os bens de herança jacente não ficam sem proteção, eles são arrecadados e destinados a guarda e administração de um curador até que se defina um sucessor ou sejam declarados vacantes.

Conquanto, infere-se que a herança vacante escoa da jacente e é uma forma definitiva ao fim da herança caso a mesma não seja fadada a um herdeiro de direito. É quantioso saber que “a declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal”. (BRASIL, 2002)

 

4 O princípio da solidariedade familiar versus o princípio da autonomia privada

Atendendo o assunto em alusão é necessário deixar estabelecido sobre o princípio da solidariedade familiar e autonomia privada, pois são dois grandes institutos que devem ser observados e ponderados.

A começar, o princípio da solidariedade no âmbito família é a base do planejamento da mesma e consiste na união de todos para o seu bom desenvolvimento não só econômico como em todos os seus bojos, como, afeto, educação, saúde.

Por esse aspecto, a solidariedade familiar se impõe positivamente à manutenção do lar como um todo, é por isso, a concretização da chamada mútua assistência. Família não é só um instituto cujo conceito demanda muita importância, mas é também a forma das maiores expressões de amor, cuidado e proteção.

Por isso, as famílias são resguardas por princípios legítimos como é o caso do aqui exposto.

Para Rolf Madaleno, “a solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente (…)”. (MADALENO, 2016, p. 159)

Como muito bem informado por Maria Berenice Dias “solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna”. (DIAS, 2016, p. 79)

O vínculo da solidariedade transcende em todos os seus sentidos, principalmente social. A solidariedade de modo generalizado é prevista pela Carta Magna no inciso I do artigo 3°, o qual aconselha que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;”. (BRASIL, 1988)

O princípio da solidariedade familiar em si é encontrado em vários dispositivos do Código Civil de 2002, num desses está o artigo 1.566, “são deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos”. (BRASIL, 2002)

Não menos importante que o princípio em voga é o princípio da autonomia privada que assim como os demais não é absoluto e sofre limitações, contudo, é compreendido em diversas hipóteses.

Exercer com amplitude a autonomia privada não se configura em um poder absoluto, sem limites, o que seria impensável, porque nenhuma pessoa age completamente livre ou com total autonomia. (BORGES, 2005, p. 51)

Orlando Gomes absorve esse princípio como “o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica”. (GOMES, 2007, p. 25)

Nesta passagem, Francisco Amaral, “a autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações que participam, estabelecendo-lhe o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica. Sinônimo de autonomia da vontade para grande parte da doutrina contemporânea, com ela porém não se confunde, existindo entre ambas sensível diferença. A expressão ‘autonomia da vontade’ tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real”. (AMARAL, 2003, p. 347/348)

Assim, a autonomia privada pode ser “livremente” exercida, desde que, em atenção a legislação pátria, circundando inclusive as suas exceções.

No Direito das Sucessões é possível encontrar tal princípio no que convém ao tema em questionamento, que é na disposição de última vontade por documento testamental. Ainda quando seja de grande cooperação a quem por toda a vida adquiriu bens, encontra alguns óbices de disposição como se queira de fato.

A espelho, o princípio da autonomia privada, alusivo à sucessão testamentária, sofre mitigação por expor a norma civil a possibilidade de o autor da herança testar somente cinquenta por cento de todos os seus bens.

Esse limite imposto pela Lei busca a proteção da legítima, por conseguinte, dos herdeiros necessários para que não haja qualquer desamparo, inclusive, com fundamento no princípio da solidariedade familiar. Porém, será que essa proteção não poderia se dedicar malgrado em outros requisitos?!

Tais princípios indagados no presente tópico são de nobre essencialidade ao ordenamento e em especial no Direito de Família e Direito de Sucessões. Por isso, fica entendido o motivo do levantamento dos mesmos.

Pensando de uma forma genérica, estaria a enfrentar, ao falar sobre a redução da legítima, um confronto entre os princípios já que em a possibilitando estaria a acreditar que ambos os princípios se quedaria e perderiam o sentido.

Por agora, vale repensar as linhas percorridas nesse sentido e a probabilidade da existência dos princípios em afirmação não perderem sua eficácia, basta, assim como qualquer decisão, imaginar a ponderação com apoio a cada caso concreto, o que será melhor evidenciado em tópico principal.

 

5 O direito de propriedade e sua constitucionalização

Maria Helena Diniz reza a propriedade como “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”. (DINIZ, 2010, p. 848)

Nesse mesmo raciocínio, reitera Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “a propriedade é um direito complexo, que se instrumentaliza pelo domínio, possibilitando ao seu titular o exercício de um feixe de atributos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto (art. 1.228 do CC)”. (FARIAS; ROSENVALD, 2006, p. 178)

A ideia de uso é sinônimo de usufruir, isto é a utilização da propriedade pelo seu dono dentro das limitações legais. O proprietário de um bem, seja ele imóvel ou móvel, tem liberdade de aproveitar do mesmo conforme atenda às suas necessidades sem prejudicar terceiros e ultrapassar a Lei, como seria em alugar sua casa.

É cediço, ao pegar o exemplo supra, que o aluguel de um bem gera lucros ao proprietário, por isso, se entende como gozo por meio de sua propriedade. Falar em uma propriedade rural repleta de pés de café, esses frutos colhidos trazem rendimentos ao dono, logo, também configura gozo.

Ao direito de dispor da propriedade nada mais é do que a definição da mesma em continuar usufruindo e gozando ou a sua descontinuidade pessoal ao substituí-la de alguma maneira, vender, doar.

Sendo a propriedade, em regra, fruto do trabalho dos indivíduos, é garantido pela Constituição como direito fundamental no inciso XXII, artigo 5°. A verificar: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXII – é garantido o direito de propriedade;”. (BRASIL, 1988)

Reforçando esse direito é o artigo 17 da Declaração Universal de Direitos Humanos, “(…) 1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros; 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”. (ONU, 1948)

O direito de propriedade, assim como, os princípios destacados, sofrem restrições. Esse direito, por modelo, tem que cumprir a sua função social, como preceitua o inciso XXIII do artigo 5° da Carta Suprema.

Trazendo para o Direito Sucessório, a propriedade sofre limitação quanto ao direito de dispor em testamento a relação aos seus bens. Como sabido, o proprietário não pode testar os seus bens como achar útil e nem de acordo com os seus desejos, ao menos não cem por cento, o que acaba por descaracterizar a ideia antepassada da propriedade ser um direito absoluto.

É por essa e outras causas que o conceito de propriedade é amplo, porém, é certo defini-lo como trago à baila, em sua obrigatoriedade em seguir o que se determina em Lei, como a Constituição e o Código Civil.

A Carta Maior não especifica todas as determinações do direito de propriedade, diferentemente do Código Civil, ademais, é esse último que cuida dos remetentes as sucessões.

Nessas condições, nasce a dúvida se a redução da legítima seria viável em reflexão nas restrições do direito de propriedade e se a mesma causaria insegurança aos herdeiros necessários.

Mais uma vez, a solução está em dependência de cada caso concreto. Em adiantamento, é imprescindível seguir a realidade de cooperação entre as famílias juntamente com a capacidade e necessidade.

 

6 Disposição da legítima em face do direito de herança

Bastando enxergar o mundo atual, dialogar sobre a redução da legítima e até mesmo sobre a liberdade de testar com fulcro em requisitos determinados se faz forçoso. A sociedade tem evoluído em diversos pontos, até mesmo na ligação afetiva.

Algumas pessoas são de fato mais família do que a própria família e cumprem em realidade o papel dela. Para conferir o não cumprimento familiar basta reviver notícias de abandono, maltratados, falta de cuidado, carinho, atenção, falta de amor, por outro lado, os processos de adoção, amigos que acolhem.

A família é a base da sociedade desde que exerça o seu papel como tal, família não é simplesmente estar dentro da mesma casa, ter colocado no mundo, ter o mesmo sangue, família vai muito além do entendido popularmente. O que mais tem se avistado é a violência praticada pelos próprios “familiares”, ambiente que deveria prevalecer a proteção, a solidariedade e interesse mútuo.

Motivos é que não faltam para reparar-se que cada dia mais o princípio da solidariedade familiar, na prática, é como se não existisse e que a afetividade tem superado o vínculo consanguíneo.

Assim como o conceito de família tem sofrido fartas alterações e possuído inúmeras modalidades, a legítima também pode e precisa sofrer modificações e deixar os pilares que se tornaram inadequados.

Neste viés, fica claro a raridade do princípio da solidariedade por intervenção dos fatos existentes onde a sua perda é notória em diversas famílias. Entretanto, também é transparente a existência dele em outras e precisa ser preservado para que não se perca o sentido do “instituto” família.

Meditando nisso, ao estimular mudanças no Direito Sucessório, caminhos para a eficácia dos princípios que protegem direitos, inclusive fundamentais, exigem muita atenção e destreza, com o fim de satisfazer os anseios sociais sem prejudicar direitos e princípios tão importantes para o equilíbrio em sociedade e o bem comum.

Ao estipular sobre a redução da legítima, em primeiro remete-se a uma afronta ao princípio da solidariedade e ao direito de herança, ambos explícitos pela Constituição da República Federativa do Brasil, porém, será isso mesmo? Não há meios que beneficiem ambos os lados? Para que se possa alcançar um direito de propriedade mais pleno sem ultrapassar princípios e demais direitos.

Para isso, é salutar aduzir soluções cabíveis para a realização da redução da legítima ou até mesmo a exclusão, se for levar o dever de solidariedade familiar a fundo. A começar, em concordância com Pablo Stolze Gagliano, “(…) essa restrição do testador também implica afronta ao direito constitucional de propriedade, o qual, como se sabe, pode ser considerado de natureza complexa, é composto pelas faculdades de usar, gozar/fruir, dispor e reivindicar a coisa. Ora, tal limitação, sem sombra de dúvida, entraria em rota de colisão com a faculdade real de disposição, afigurando-se completamente injustificada”. (grifo nosso) (GAGLIANO, 2014, p. 59)

Mesmo que não sejam direitos absolutos, não é explicável pesar a mão nas suas restrições. No caso de dispor da herança, logo propriedade, de apenas cinquenta por cento, metade de tudo que fora conquistado, não parece democrático.

É apropriado ter ponderações, como a verificação conforme o caso concreto. Não é nobre, por ideal, ser contemplado em cinquenta por cento o cônjuge que nem sequer ajudou, mesmo que indiretamente, a conquistar os tão almejados bens de herança só pela Lei presumir ser o melhor, intervindo na vida privada dos indivíduos e ditando como os proprietários devem testar os seus patrimônios sem a análise de uma hipótese de relevância como a necessidade ou não dos herdeiros da legítima.

A legítima em cinquenta por cento não concilia as relações familiares e os direitos patrimoniais e nem é um instrumento harmônico, pois está a um passo para uma base de interesse, o que já vem acontecendo, quando os filhos matam os próprios pais por saberem que a Lei os garantem como herdeiros caso não sejam descobertos.

A legítima em algumas situações não garante nem o agir por interesse, pois muitos acreditam que por essa proteção, não devem cuidados aos autores da herança, pois apesar de existirem veredas judiciais para evitar o desemparo emocional e de cuidados, alguns não têm tempo de agir, têm medo ou simplesmente não sabem, não são orientados.

Data vênia, não há que se falar em insegurança aos herdeiros necessários em caso de eventual redução ou exclusão da legítima, haja vista, que o ser humano em sua plenitude deve sempre buscar por sua própria independência, sendo a herança, via de regra, apenas um ganho gratuito. Diga-se via de regra gratuito no que guarnece à junção da herança, que pode ser obtida por esforço comum ou não.

A Lei faz essa presunção de esforço, mas é coerente que o mesmo seja abordado, verificado, ainda mais nos casos de herança ou que seja possibilitado a redução da legítima ou exclusão da mesma com ações nesse sentido, demonstrando a falta de cooperação dos herdeiros necessários civilmente capazes e não somente em casos mais graves como já abordados (tópico 4, herança).

A forma de manutenção das famílias se desenvolveu em muitos campos e principalmente econômico, já que em tempos pretéritos as mulheres eram privadas de quase tudo, viviam a mercê do lar e hoje podem exercer livremente a profissão que escolherem. Mesmo ainda encontrando alguns meios os quais não são bem recebidas e havendo diferença salarial em alguns cargos, atualmente a independência feminina é uma realidade.

Os filhos são criados em busca da autossuficiência, independência financeira, a seguir os estudos para melhor qualificação, formação e se estabelecer no mercado. Quando não é por meio dos estudos, é objetivando outros passos dos pais, mesmo que sem educação básica, porém, sempre em busca do próprio sustento.

A profissão é o que menos interessa pois todas são nobres e edificam o ser humano. O que deve-se ater aqui é que nem sempre a herança é uma peça impreterível, pois os meios de criação são outros, é um direito, mas não é obrigatório trabalhar para deixar herança, assim faz o homem em busca de satisfação pessoal e melhoria de vida, não somente em deixar para seus ascendentes, descendentes, cônjuge ou quem for.

É certo, senão a maioria, que há sujeitos que se preocupam com a família e assim o deve mesmo apesar dos pesares e que passam a vida arrecadando patrimônio para deixar os filhos bem, passarem por menos dificuldades e aproveitarem da melhor maneira a continuidade do descontinuo da vida.

Também é certo, que essa decisão deve ser tomada pelos verdadeiros donos das propriedades, dos bens corpóreos e incorpóreos, conforme julgam-se essenciais, quebrando essa restrição demasiadamente exagerada instituída pelo legislador e que em atual não faz mais sentido.

Nesses tempos, a previsão da legítima como se encontra, não faz jus a realidade a tornando questionável. Uma solução para esse quadro seria a liberdade de testar tolerando exceções como na maioria das normas.

Por conseguinte, não há que se falar em legítima, exceto quando tratar-se de herdeiro vulnerável por motivo o qual o mesmo não tem culpa da dependência econômica com o falecido, como em casos de crianças, pessoas sem capacidade laboral, onde a ajuda, compreensão e cooperação se tornam necessárias e quando comprovadamente expor os herdeiros considerados necessários, a sua colaboração para com os bens. Ademais, segundo Rolf Madaleno “a solidariedade é o princípio e oxigênio de todas relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário”. (grifo nosso) (MADALENO, 2013, p. 93)

Assim sendo, mediante herdeiros necessários com a capacidade civil plena, capazes de exercer atividades para seu próprio sustento e aqueles que não cooperaram para a vitória patrimonial, não carecem e nem precisam contar com uma possível herança, sendo, neste caso, justo o dono de todo um patrimônio dispor dele como bem entender.

Outra solução é a redução da legítima conforme a verdade econômica de cada entidade familiar e a relação de dependência e participação dos herdeiros necessários, como acontece no direito ao alimento em cumprir o binômio possibilidade de quem paga e necessidade de quem recebe.

Neste ínterim, preenchendo os quesitos supra, não existiria conflito entre o princípio da solidariedade e o princípio da autonomia privada e nem desrespeito ao direito de propriedade e herança em eventual redução ou até mesmo exclusão da legítima, exceto quando cuidar-se de descendentes, ascendentes e cônjuge (herdeiros necessários conforme artigo 1.845 CC) ou companheiro vulneráveis nos termos acima expostos.

Por fim, o capítulo II, art. 1.845 a 1.850 do Código Civil brasileiro de 2002, precisa ser repensado de modo a centralizar o mais justo à aquele cujo é o verdadeiro dono e merecedor de tudo o que conquistou, sem ao mesmo tempo, desemparar os seus reais dependentes e quem o ajudou de fato, seja pela abdicação de uma própria profissão/trabalho seja pelos frutos desta/deste.

 

Conclusão

Com fundamento em tudo que fora textualizado, é sadio que o instituto nomenclado legítima merece atenção na presença de tantas mudanças do Direito de Família e Sucessões. A mitigação do direito de dispor está muito acima do razoável a depender da prática de determinadas famílias.

Como fora explanado, a justiça no ambiente familiar quando do direito de suceder está muito além do laço consanguíneo, uma vez que, ser titulado de filho, filha, esposa, neto, neta e assim por diante, é muito fácil além de uma realidade quase certa a toda e qualquer pessoa.

Pelo expresso no decorrer da baila a família depende muito mais de laços de afetividade, aperfeiçoamento, cumprimento dos seus princípios mais básicos, como é o caso do princípio da solidariedade familiar, o que atualmente pouco se exerce.

Por essa e outras que o direito sucessório sem as devidas modificações e compreensão do caso concreto mora em uma linha tênue entre justiça e injustiça, ainda mais quando se fala em direito de propriedade e autonomia privada, ademais, direito de herança.

Quando há a união de pensamentos entre a realidade e o contexto legal é sabido que dispor de apenas cinquenta por cento do próprio patrimônio mesmo ainda estando em vida é medida que foge de um estado democrático.

Seguindo alguns requisitos é mais do que propício a observância fática, além de que não existiria conflito entre o princípio da solidariedade e o princípio da autonomia privada e nem desrespeito ao direito de propriedade e herança.

Nesse diapasão, tais direitos devem ser repensados e aplicados consonante a cada situação familiar, abrindo espaço para reclamações em acontecimentos do não cumprimento da solidariedade e ajuda mútua para a sustentação e manutenção dos bens, mantendo sempre que possível a existência de princípios e direitos basilares na prática, evitando ainda chegar-se a atos que causam a deserdação e indignidade.

A chave advém do merecimento de acordo com os fatos e não além deles. Por conseguinte, há sim caminhos – expostos em tópico anterior – que ampliam o direito de propriedade, que encontra-se lesado, sem menosprezar outros direitos e princípios.

 

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