A Lei da Liberdade Econômica e a Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito do Trabalho

OLIVEIRA, Inácio André de[1]

 

Resumo: O presente artigo analisa as alterações implementadas pela Lei nº 13.784/19 (Lei da Liberdade Econômica) nas normas do Código Civil que regem a desconsideração da personalidade jurídica, e suas repercussões sobre a aplicação do instituto do direito do trabalho. A análise do tema é realizada a partir da interpretação sistemática das disposições da nova lei com as disposições que já regiam a responsabilidade dos sócios pelas dívidas trabalhistas, guiada essa interpretação pelas normas constitucionais que fundamentam, de um lado, a proteção à personalidade jurídica e, de outro lado, a eficácia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Partindo desse perspectiva, o artigo se propõe a avaliar se a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho continua regida pela teoria menor, para a qual basta o esgotamento do patrimônio da sociedade para a responsabilização dos sócios, ou se passou a se submeter à teoria maior, para a qual é obrigatória a demonstração de abuso da personalidade jurídica.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Lei nº 13.874/19.

 

Abstract: This article analyzes the changes implemented by Law 13.784/19 (Economic Freedom Law) in the Civil Code rules that consider the disregard doctrine and its repercussions on the application of the institute in the labor law. The analysis of the subject is carried out from the systematic interpretation of the new law with tehe rules that already regulates the disregard doctrine in the labor laws, guided this interpretation by the constitutional norms that underpin, on the one hand, the protection of legal personality and, on the other hand, the effectiveness of the fundamental rights of workers. From this perspective, the article proposes to assess whether if the disregard doctrine in the labor law remains governed by the minor theory, or if it has been to the bigger theory, which  require the demonstration of abuse of legal personality.

Keywords: Labor law. Disregard Doctrine. Law 13.874/19.

 

Sumário: Introdução. 1. Desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro e proteção à pessoa jurídica como instrumento de liberdade econômica. 2. Fundamentos legais e constitucionais para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho. 3. As alterações impostas pela Lei da Liberdade Econômica e a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho. Conclusões. Referências bibliográficas.

 

Introdução

A desconsideração da personalidade é instituto jurídico pelo qual é possível responsabilizar os sócios, pessoas naturais, pelas obrigações da pessoa jurídica, superando a separação legal entre o patrimônio do sócio e o patrimônio da sociedade.

Consiste em importante instrumento para garantir eficácia aos direitos postulados em juízo, notadamente em relação àqueles direitos que são objeto de provimentos jurisdicionais que impõem obrigação de pagar quantia certa ao credor.

Além disso, evita que a separação patrimonial entre o sócio e a sociedade seja utilizada como instrumento de fraude ou em favor daqueles que se furtam injustamente ao cumprimento de suas obrigações.

No âmbito trabalhista, tal instituto apresenta especial importância, seja em face da natureza alimentar do crédito respectivo, seja diante das frequentes manobras dos devedores para escapar do cumprimento das obrigações devidas aos trabalhadores.

Com efeito, a recém editada Lei nº 13.784/2019 (Lei da Liberdade Econômica), fruto da conversão da Medida Provisória nº 881/2019, promoveu consideráveis alterações nos dispositivos do Código Civil que regem o instituto.

O presente estudo tem por finalidade analisar se essas alterações legislativas repercutem sobre a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho e em que medida se verificam esses reflexos.

 

  1. Desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro e proteção à pessoa jurídica como instrumento de liberdade econômica

A proteção à personalidade jurídica sempre esteve ligada à necessidade de prover instrumentos jurídicos para a organização da atividade empresarial de forma independente das atividades pessoais do indivíduo, oferecendo ao empresário empreendedor segurança quanto à alocação dos recursos necessários ao funcionamento da empresa e ao planejamento dos riscos dessa atividade[2][3].

Ao oferecer garantia de que o patrimônio do sócio não responde pelas dívidas da sociedade, a proteção à personalidade jurídica reduz os riscos diretos ao empresário e incentiva o empreendedorismo e o início de novas atividades empresariais, contribuindo para a livre iniciativa e o desenvolvimento econômico, valores que encontram proteção nos arts. 1º, IV, 3º, II, 170 e 174 da Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido passou a dispor o art. 49-A, parágrafo único, do Código Civil, com redação da Lei nº 13.874/19, que “a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”.

Nesse cenário, a proteção aos interesses dos demais atores econômicos que se relacionam com a pessoa jurídica, como regra geral, e levando em conta o exercício regular da atividade, é garantida principalmente pela constituição do capital social e pela publicidade nas alterações na estrutura jurídica e patrimonial da empresa, de modo a permitir, aos possíveis parceiros comerciais, medir o risco nas interações.

Ou seja, na esteira do art. 1.052 do Código Civil[4], o sócio responde pela integralização do capital social necessário à formação do patrimônio da empresa e somente esse responde pelas obrigações decorrentes da atividade, cabendo aos parceiros comerciais avaliar se esse patrimônio e os frutos dele decorrentes são suficientes para o cumprimento das obrigações contratadas.

Assim, para que a proteção à personalidade jurídica tenha eficácia nas relações civis e empresariais e atinja as suas finalidades constitucionais é que, somente em casos excepcionais, nas quais as atividade empresarial não é regularmente desenvolvida ou em que a pessoa jurídica é utilizada para fins ilícitos, admite-se a desconsideração da personalidade jurídica, com a conseqüente responsabilização do patrimônio dos sócios[5].

Nessa ordem de idéias, foi inserida no art. 50 do Código Civil de 2002, já em sua redação original, a regra geral de que a desconsideração da personalidade jurídica somente se admite “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”, consagrando-se a chamada teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica[6].

É importante ressaltar que, mesmo antes de a desconsideração da personalidade jurídica ser inserida expressamente no Código Civil, o instituto já tinha previsão em outros dispositivos legais pretéritos, tais como o art. 135 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e o art. 4º da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98).

O art. 135 do CTN e o art. 28, caput, do CDC também já contemplavam a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, prevendo o primeiro a sua incidência em caso de “atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos” e o segundo, no mesmo sentido, em caso de “abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”.

De maneira diversa do Código Civil, o art. 28, § 5º, do CDC[7] e o art. 4º da Lei nº 9.605/98[8], contemplaram a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, autorizando-a independentemente da configuração de utilização ilícita da pessoa jurídica, a partir da simples verificação de que a personalidade jurídica constitui obstáculo ao ressarcimento de prejuízos ao consumidor ou ao meio ambiente[9].

Não obstante a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica retire a excepcionalidade de sua aplicação, autorizando-a sempre quando o patrimônio da pessoa jurídica não seja suficiente para o cumprimento de obrigações ambientais ou consumeristas, tal consequência é razoável em face da natureza das relações de direito material protegidas na espécie.

É que em se tratando de responsabilidade dos sócios pelo cumprimento de obrigações consumeristas ou ambientais, a relevância dos direitos envolvidos, associada à hipossuficiência do consumidor, no primeiro caso, e à natureza difusa dos interesses envolvidos, no segundo caso, torna insuficiente a constituição de capital social e a publicidade dos atos constitutivos para garantir eficácia às obrigações respectivas.

Isso porque, diferentemente do que ocorre nas obrigações contratuais de natureza civil ou empresarial, a hipossuficiência do consumidor constitui empecilho para a análise de risco na contratação e, de outro lado, a natureza não contratual e difusa das regras de proteção ao meio ambiente é absolutamente incompatível com a avaliação de risco pela coletividade titular do direito.

Não bastassem tais aspecto práticos para justificar a não excepcionalidade da desconsideração da personalidade jurídica prevista nos diplomas legais de proteção ao consumidor e ao meio ambiente, a aplicação da teoria menor em relação às obrigações daí decorrentes sustenta-se na análise sistemática das normas da Constituição que submetem a livre iniciativa ao respeito a determinadas classes de direitos[10].

Extrai-se claramente do art. 170, V e VI, da CF que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa, deve observar os princípios de defesa do consumidor e de defesa do meio ambiente. Fundada a proteção à personalidade jurídica na livre iniciativa, a excepcionalidade de sua desconsideração perde espaço sempre que for necessário para resguardar direito ao qual a livre iniciativa esteja constitucionalmente subordinada.

 

  1. Fundamentos legais e constitucionais para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho

Até a alteração da CLT pela Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), a possibilidade de responsabilização dos sócios pelas dívidas trabalhistas da empresa não tinha previsão expressa na legislação trabalhista. A desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho decorria da incidência de normas da CLT que indiretamente a autorizavam, bem como de normas de outras áreas do direito.

Nesse sentido, não obstante a ausência de previsão expressa de dispositivo na CLT sobre a desconsideração da personalidade jurídica, decorria tal possibilidade do disposto nos arts. 10 e 448 da CLT, dos quais se extrai que questões referentes à estrutura jurídica formal das empresas não podem prejudicar os direitos trabalhistas dos empregados respectivos.

Em outras palavras, os dois dispositivos vinculam o contrato de trabalho e as obrigações daí decorrentes à empresa, enquanto atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, não prejudicando os contratos de trabalho e os direitos trabalhistas, as estruturas jurídicas formalizadas para o exercício da atividade, entre as quais a constituição de pessoa jurídica[11].

Não fosse por essa interpretação dos dispositivos da própria CLT, a desconsideração da personalidade jurídica já era aplicada no direito do trabalho também pela incidência de normas de outros ramos do direito comum, em especial da norma inscrita no art. 28, § 5º, do CDC, a qual autoriza a desconsideração independentemente da demonstração de fraude ou abuso de direito no uso da personalidade jurídica.

Por fim, com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, a CLT passou expressamente a prever a possibilidade de se responsabilizar subsidiariamente os sócios atuais e os sócios retirantes pelas obrigações trabalhistas da sociedade, dispondo sobre os requisitos e limites temporais para tanto, bem como sobre a ordem de preferência na responsabilização da sociedade, do sócio retirante e do sócio atual.

Da análise supra já é possível concluir que a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho, seja pela interpretação das normas pretéritas da CLT, seja por incidência do CDC, seja ainda na vigência da reforma trabalhista, sempre foi aplicada em consonância com a teoria menor, redirecionando-se a execução para os sócios sempre quando se verificar que a pessoa jurídica não tem patrimônio suficiente.

Por óbvio, existindo evidências de que ocorreu o uso abusivo da personalidade jurídica pela empresa devedora, a teoria maior, e normas que a prevêem, incidem como reforço à desconsideração da personalidade jurídica no caso concreto. O que não se admite é que a teoria maior seja o único caminho para a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho.

Em sede de análise infraconstitucional, a adoção da teoria menor no direito do trabalho, emerge sem muito esforço exegético dos arts. 10 e 448 da CLT e do art. 28, § 5º, do CDC, uma vez que ambos os diplomas legais já permitiam a desconsideração sempre quando a personalidade jurídica era empecilho ao prosseguimento da execução, não sendo necessário demonstrar fraude ou abuso de direito para tanto.

Da mesma forma, é possível extrair da redação atual do art. 10-A da CLT[12] que a reforma trabalhista também adotou a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, ao prever a possibilidade de responsabilização dos sócios atuais após esgotada a execução contra a sociedade, bem como dos sócios retirantes após esgotada a execução contra os sócios atuais, respeitados os limites temporais estipulados.

Referido dispositivo legal não exige a demonstração de fraude ou de abuso de direito para a desconsideração da personalidade jurídica, do que se conclui que, uma vez frustrada a execução em face da empresa, responsabiliza-se o sócio. O art. 10-A, parágrafo único, da CLT apenas exige a demonstração de fraude para fins de afastar o benefício de ordem do sócio retirante, atribuindo-lhe responsabilidade solidária com os demais.

Se a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho não decorresse da interpretação sistemática da legislação infraconstitucional citada, os mesmos motivos de ordem prática e constitucional analisados supra em relação aos direitos consumerista e ambiental tornariam inexorável a sua aplicação na seara trabalhista.

Mais que o consumidor, o trabalhador se revela técnica e economicamente hipossuficiente no momento da contratação para fins de se valer dos mecanismos usuais de proteção dos créditos daqueles que contratam com a pessoa jurídica, bem como para analisar a idoneidade financeira do possível empregador e os riscos daí decorrentes para escolha da contratação ou não.

A prática quotidiana revela que o trabalhador, em regra premido pelo receio do desemprego e pela necessidade de prover os meios necessários à sua subsistência, aceita a primeira vaga de emprego que lhe é oferecida, sem nenhuma possibilidade de analisar se a pessoa jurídica tem idoneidade financeira suficiente para cumprir com as obrigações do contrato de trabalho ou de escolher se aceitará ou não o emprego.

Nessa esteira, considerando que a hipossuficiência do trabalhador na contratação o impede de proceder com a avaliação de riscos e com a livre escolha pela contratação, medidas ao alcance dos sujeitos nas contratações civis ou empresariais, não se pode adotar no direito trabalho o mesmo nível de proteção à personalidade jurídica que é aplicada no direito civil ou no direito empresarial.

A aplicação da teoria menor no direito do trabalho, portanto, é impositiva por revelar-se como único mecanismo de proteção à efetividade dos direitos do trabalhador em face da insuficiência patrimonial da pessoa jurídica, de modo que limitar a desconsideração aos casos de fraude ou abuso de direito no âmbito trabalhista pode significar a frequente negativa de eficácia a tais direitos[13].

Não bastasse isso, da mesma forma como a Constituição submete o exercício da livre iniciativa à proteção ao consumidor e ao meio ambiente, tal exercício está também subordinado ao respeito aos direitos do trabalhador, do que se extrai que a proteção à pessoa jurídica como instrumento da livre iniciativa não pode se sobrepor aos direitos dos trabalhadores previstos na lei e na Constituição Federal.

Tal subordinação decorre do princípio da dignidade da pessoa humana previsto no art. 1º, III, da CF, cujo núcleo axiológico corresponde à colocação dos direitos inerentes à pessoa humana, entre eles os direitos do trabalhador, em posição de centralidade e superioridade na ordem constitucional, de modo que a eles estão subordinados todos os demais valores constitucionais, inclusive a ordem econômica e a livre iniciativa.

Ainda o art. 170 da Constituição Federal expressamente subordina a ordem econômica e o exercício da livre iniciativa à proteção da dignidade e dos direitos fundamentais da pessoa humana ao prever expressamente que a ordem econômica “tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, finalidade que não se concretiza sem garantia de eficácia aos direitos do trabalhador.

Com efeito, é impositivo reconhecer que os direitos do trabalhador constituem direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana, seja porque no exercício do trabalho é despendida boa parte da energia vital e desenvolvidas as potencialidades humanas, seja porque dele decorrem os meios para subsistência e acesso aos demais direitos fundamentais individuais e sociais garantidos pelo ordenamento jurídico.

Vale ressaltar que a preponderância dos direitos do trabalhador na ordem constitucional transmite-se aos créditos decorrentes do seu descumprimento espontâneo, o que fica evidente no privilégio garantido pelo art. 100, § 1º, da Constituição Federal para os “débitos de natureza alimentícia, entre os quais estão compreendidos aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações”.

Por conseguinte, se a livre iniciativa, fundamento da proteção à personalidade jurídica, está constitucionalmente subordinada à proteção aos direitos do trabalhador, a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada sempre quando essencial à garantia de eficácia a esses direitos e ao adimplemento dos créditos respectivos, não se aplicando as normas de direito civil que a estabelecem como medida excepcional.

Em outras palavras, a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho decorre da própria hierarquia estabelecida pela Constituição Federal entre os valores inerentes à dignidade da pessoa humana e os demais valores previstos no  texto constitucional, entre os quais aqueles referentes à ordem econômica e à livre iniciativa.

 

  1. As alterações impostas pela Lei da Liberdade Econômica e a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho

A Lei nº 13.874/19, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, introduziu alterações legislativas nos dispositivos do Código Civil que tratam da desconsideração da personalidade jurídica e da consequente responsabilização dos sócios pelas dívidas da sociedade, ao introduzir o art. 49-A e alterar a redação do art. 50 do referido diploma legal, os quais passaram a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 49-A.  A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

  • 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
  • 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

  • 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
  • 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
  • 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

A leitura dos dispositivos transcritos revela que a Lei 13.874/19 introduziu no Código Civil previsão expressa da autonomia patrimonial entre a sociedade e os sócios, frisou que essa autonomia é instrumento que serve à livre iniciativa e ao desenvolvimento econômico e estabeleceu critérios mais rígidos para a desconsideração da personalidade jurídica, mantendo a sua excepcionalidade para os casos de abuso da personalidade.

Ou seja, no que diz respeito às relações de direito civil e comercial, as quais são objeto precípuo das disposições do Código Civil, foi mantida a aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica que já vigorava antes da alteração legislativa em foco, apenas estabelecendo de maneira mais detalhada os critérios para apuração do abuso da personalidade jurídica e os limites da responsabilidade dos sócios.

Com a vigência da Lei da Liberdade Econômica, ou já em face da vigência da Medida Provisória que lhe deu origem, surgiu a necessidade de analisar a aplicabilidade das alterações legislativas no âmbito do direito do trabalho, de modo a definir se passou a incidir a teoria maior na seara trabalhista para fins de tornar obrigatória a demonstração de desvio de finalidade ou confusão patrimonial para responsabilização dos sócios.

Em uma primeira análise, o art. 1º, § 1º, da Lei nº 13.874/19 poderia conduzir à conclusão no sentido de que foram alterados os requisitos para  a desconsideração nos processos trabalhistas ao estabelecer que “O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação […]”.

Contudo, tal dispositivo legal deve ser analisado a partir da interpretação sistemática das normas da Lei nº 13.874/19 e dos fundamentos legais e constitucionais que já fundamentavam a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho, definindo-se a partir daí se permanece aplicável na seara trabalhista a teoria menor, ou se passou a vigorar a apenas a teoria maior.

De plano, constata-se que o dispositivo, ao enumerar os ramos do direito sobre os quais incidem as disposições da Lei, ressalva expressamente que tal incidência limita-se às “relações jurídicas que se encontram em seu âmbito de aplicação”. Ou seja, o próprio dispositivo deixa margem para que o intérprete defina quais as disposições da Lei que incidem sobre cada tipo de relação jurídica em cada ramo do direito.

Tal disposição, apesar de óbvia, é importante para definir o âmbito de aplicação de cada uma das normas da Lei de Liberdade Econômica, uma vez que ela promoveu alterações legislativas em diplomas legais relacionados a diversos ramos do direito, tais como o Código Civil, a Lei de Sociedades Anônimas, a Lei de Registro Público de Empresas Mercantis e a própria Consolidação das Leis do Trabalho.

Não seria razoável supor que todas as normas da Lei 13.874/19 incidem sobre todos os ramos do direito enumerados no art. 1º, § 1º,  sendo mais plausível que cada norma incida apenas sobre as relações jurídicas submetidas à área jurídica correspondente ao seu conteúdo, de modo que as normas de direito civil e empresarial aplicam-se sobre as relações respectivas, as normas de direito do trabalho sobre as relações pertinentes etc.

Interpretação contrária conduziria à conclusão de que a Lei 13.874/19 cria verdadeiro caos na interpretação do direito em todas as áreas mencionadas no citado dispositivo, uma vez que faria incidir sobre determinado ramo do direito normas absolutamente incompatíveis com as disposições legais e com os princípios constitucionais que já incidiam sobre ele.

Tanto é assim que o art. 421-A, introduzido pela Lei 13.874/19 no Código Civil, traz disposição pela qual a aplicação das normas de direito civil e empresarial parte da premissa de que os contratos respectivos presumem-se paritários e simétricos, excluindo de seu âmbito de incidência os regimes jurídicos previstos em leis especiais, dos quais é exemplo o contrato de trabalho, sabidamente assimétrico.

Diante disso, a primeira conclusão a que se chega é de que, às relações de trabalho aplicam-se as disposições da Lei 13.874/19 que alteram especificamente as normas trabalhistas inseridas na CLT. As demais disposições podem ser aplicáveis no âmbito trabalhista, mas passam pelo crivo da análise da aplicabilidade subsidiária, pautada pelos critérios do art. 8º da CLT e pelos princípios constitucionais incidentes.

Com efeito, ao prever que aplicação do direito comum no âmbito do direito do trabalho é subsidiária, o art. 8º impõe como primeiro requisito para tal aplicação que não existam regras próprias do direito do trabalho regendo a matérias respectiva. A prioridade é para aplicação das regras próprias previstas na CLT e, somente se ausentes essas, fica autorizada a aplicação subsidiária das regras de direito comum.

Tal critério já seria o suficiente para excluir a necessidade de transportar para o direito do trabalho as normas que regem a desconsideração da personalidade jurídica em outros ramos, uma vez que atualmente o art. 10-A da CLT, analisado em conjunto com a interpretação que já se conferia aos arts. 10 e 448 do mesmo diploma, autorizam a responsabilização dos sócios sempre quando insuficiente o patrimônio da empresa.

Vale ressaltar que nem mesmo supletivamente se poderia pensar na aplicação das normas da Lei nº 13.874/19, sobre desconsideração da personalidade jurídica, ao direito do trabalho, uma vez que o Código Civil contempla a teoria maior, com requisitos incompatíveis com teoria menor que se extrai da CLT, na qual não há exigência de demonstrar abuso da personalidade jurídica para responsabilizar o sócio.

Ainda que se entendesse que as normas inscritas nos arts. 10, 10-A e 448 da CLT não são suficientes para autorizar a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho, o que prevê o art. 8º é a aplicação subsidiária do direito comum, ou seja, de normas de outras ramos do direito para além do direito do trabalho, o que não se restringe às normas de direito civil e empresarial previstas no Código Civil.

Para além do direito do trabalho, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica não tem fundamento no direito brasileiro apenas no Código Civil, encontrando fundamento art. 135 do Código Tributário Nacional, no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 4º da Lei de Crimes Ambientais, cumprindo analisar qual das normas respectivas melhor se adapta às relações de trabalho.

Tal análise deve ser pautada pela definição de qual dos quatro ramos jurídicos citados tem por base relações jurídicas que mais se aproximam das relações de trabalho em suas características principais, uma vez que a interpretação sistemática do ordenamento jurídico deve como premissa o princípio da isonomia (art. 5º, I, da CF), de modo a fazer incidir normas semelhantes sobre relações jurídicas similares.

Na linha do que foi exposto em tópico anterior, as relações consumeristas são aquelas que mais se aproximam das relações de trabalho, uma vez que em regra ambas são marcadas pela hipossuficiência de um dos contratantes em relação ao outro. Por conseguinte, a norma do art. 28, § 5º, do CDC é a mais adequada para reger subsidiariamente a desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho[14].

Diversamente, as relações de direito civil e empresarial são fundadas na paridade presumida entre os contratantes, o que as torna incompatíveis com a hipossuficiência do trabalhador nas relações de trabalho. Tal circunstância afasta a incidência obrigatória dos requisitos do art. 50 do CC, com alterações da Lei 13.874/19, como única forma de desconsiderar a personalidade jurídica no direito do trabalho.

Por fim, não bastassem todos os fundamentos expostos acima a partir da interpretação da Lei nº 13.874/19 em seus próprios termos e de forma sistemática com as normas trabalhistas e consumeristas, a vedação à aplicabilidade obrigatória, no direito do trabalho, dos requisitos introduzidos no Código Civil decorre da interpretação da legislação infraconstitucional à luz da Constituição Federal.

Isso porque, como já mencionado acima, o reforço à proteção à personalidade jurídica trazido pela Lei da Liberdade Econômica tem por fundamento a livre iniciativa no exercício da atividade econômica. Todavia, em um sistema constitucional centrado na dignidade da pessoa humana, os valores decorrentes da livre iniciativa não podem constituir empecilho à concretização dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Nessa ordem de idéias, interpretar a legislação infraconstitucional no sentido de que a Lei 13.874/19 tornou excepcional a desconsideração no direito do trabalho, passando a autorizá-la apenas em caso de abuso da personalidade jurídica, significaria subordinar a eficácia dos direitos trabalhistas à proteção irrestrita da livre iniciativa, em flagrante afronta ao sistema constitucional fundado no princípio da dignidade da pessoa humana.

De maneira diversa, a melhor interpretação da lei à luz da Constituição aponta no sentido de que a desconsideração é possível no âmbito trabalhista sempre quando a proteção à personalidade jurídica for empecilho à concretização do direito do trabalho, teoria menor hoje expressamente consagrada no art. 10-A da CLT, além de autorizada pela incidência subsidiária do art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor.

 

Conclusões

O art. 1º, § 1º, da Lei nº 13.874/19 estabeleceu que a incidência das normas dela decorrentes incide sobre “relações jurídicas que se encontram em seu âmbito de aplicação”, do que se conclui que a Lei deixa margem para que o intérprete continue a definir quais as disposições da Lei que incidem sobre cada tipo de relação jurídica em cada ramo do direito.

Diante disso, a incidência dos dispositivos da nova lei no âmbito do direito do trabalho, ressalvados aqueles que expressamente alteram dispositivos da CLT, deve ser analisada em face do art. 8º da CLT, que autoriza a aplicação subsidiária do direito comum no âmbito trabalhista, e sempre à luz das normas da Constituição Federal que garantem a eficácia dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Nessa esteira, considerando que a aplicação do direito comum no direito do trabalho é subsidiária, não tem lugar a aplicação de normas que regem a desconsideração da personalidade jurídica em outros ramos do direito, uma vez que a partir da vigência da Lei 13.467/17, o art. 10-A da CLT, em interpretação conjunta com os arts. 10 e 448 do mesmo diploma, passou a estabelecer regra própria sobre o instituto.

Não fosse isso, a aplicação subsidiária do direito comum não significa aplicação subsidiária exclusivamente do direito civil, cabendo definir quais as normas de outros ramos que melhor se adaptam às características do direito do trabalho. Nesse sentido, tornam-se aplicáveis as regras do CDC, diploma que rege relações jurídicas em que existente a hipossuficiência de um dos contratantes, assim como no direito do trabalho.

Seja pela incidência das normas próprias do direito do trabalho, seja pela incidência subsidiária do art. 28, § 5º, do CDC, a desconsideração no âmbito trabalhista permanece autorizada sempre quando se verificar a insuficiência patrimonial da sociedade, sendo inaplicáveis as regras do Código Civil e da Lei 13.874/19 para fins de tornar obrigatória a demonstração de abuso da personalidade jurídica.

Tal interpretação, ademais, é que a melhor se compatibiliza com a ordem constitucional centrada na dignidade da pessoa humana, a qual subordina o exercício da livre iniciativa, fundamento da proteção à personalidade jurídica, à garantia de eficácia aos direitos fundamentais, entre os quais os direitos fundamentais dos trabalhadores previstos na Constituição e na legislação infraconstitucional.

 

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[1] Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, Professor da Escola Superior da Magistratura do Trabalho da 21ª Região, Bacharel em Direito.

[2] O princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, observado em relação às sociedades empresárias, socializa as perdas decorrentes do insucesso da empresa entre seus sócios e credores, propiciando o cálculo empresarial relativo ao retorno dos investimentos. (COELHO, 2002, p. 38)

[3] A personalização é uma técnica jurídica utilizada para se atingirem determinados objetivos práticos — autonomia patrimonial, limitação ou supressão de responsabilidades individuais — não recobrindo toda a esfera da subjetividade, em direito. Nem todo sujeito de direito é uma pessoa. Assim, a lei reconhece direitos a certos agregados patrimoniais como o espólio e a massa falida, sem personalizá-los. (COMPARATO, 1983, ps.268).

[4] Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

[5] O objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine ou piercing the veil) é exatamente possibilitar a coibição da fraude, sem comprometer o próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a pessoa jurídica e sua autonomia, enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de fraude.

(COELHO, 2002, ps. 34-35).

[6] A teoria maior propugna que somente poderá o juiz, episodicamente, no caso concreto, ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica como forma de combate a fraudes e abusos praticados através dela. Esta tese diferencia, com nitidez, a teoria do disregard de outras figuras jurídicas que imponham a responsabilidade pessoal do sócio (como a responsabilidade por ato de má gestão nas sociedades anônimas). (ROSENVALD e CHAVES, 2008, p. 281)

[7] § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[8] Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

[9] […] a teoria menor trata como desconsideração da personalidade jurídica toda e qualquer hipótese de comprometimento do patrimônio do sócio por obrigação da empresa. Centra o seu cerne no simples prejuízo do credor para afastar a autonomia patrimonial. (ROSENVALD e CHAVES, 2008, p. 281).

[10] […] a supremacia da Constituição é o postulado sobre o qual se assenta o próprio direito constitucional contemporâneo, tendo sua origem na experiência americana. Decorre ela de fundamentos históricos, lógicos e dogmáticos, que extraem de diversos elementos, dentre os quais a posição de preeminência do poder constituinte sobre o poder constituído, a rigidez constitucional (v. supra), o conteúdo material das normas que contém e sua vocação de permanência. A Constituição, portanto, é dotada de superioridade jurídica em relação a todas as normas do sistema e, como consequência, nenhum ato jurídico pode subsistir se for com ela incompatível. (BARROSO, 2012, ps. 106-107).

[11] “[…] a despersonalização do empregador tem despontado como importante fundamento para a desconsideração do manto da pessoa jurídica, em busca da responsabilização subsidiária dos sócios integrantes da entidade societária, em contexto de frustração patrimonial pelo devedor principal na execução trabalhista. Pela despersonalização inerente ao empregador, tem-se compreendido existir a intenção da ordem juslaborativa de enfatizar o fato da organização empresarial, enquanto complexo de relações materiais, imateriais e de sujeitos jurídicos, independentemente do envoltório formal a presidir sua atuação no campo da economia e da sociedade. Com isso, a deconsideração societária, em quadro de frustração da execução da coisa julgada trabalhista derivaria das próprias características impessoais assumidas pelo sujeito passivo no âmbito da relação de emprego.” (DELGADO, p. 381)

[12] Art. 10-A.  O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:

I – a empresa devedora;

II – os sócios atuais; e

III – os sócios retirantes.

Parágrafo único.  O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato

[13] Desse modo, uma vez constatada a insuficiência do patrimônio social, é possível buscar-se, em toda e qualquer hipótese, o patrimônio pessoal dos sócios, pois o respeito à personalidade jurídica da sociedade, como distinta da personalidade dos sócios, obstacularizaria a efetividade da execução trabalhista, fazendo com que os trabalhadores suportassem eventuais prejuízos da empresa sem que pudessem usufruir de seus lucros ou de exercer o poder diretivo, o que, mais do que tudo, seria injusto. (KOURY, 2004, p. 24)

[14] O desvio dos princípios e finalidades da empresa e a promiscuidade entre os bens da entidade e de seus sócios ou administradores, via de regra, caracterizam conduta dolosa com a finalidade única de embaraçar interesses de credores. O ordenamento jurídico pátrio possui disciplina específica para essas situações no artigo 50 do CCB, que confere ao Poder Judiciário a prerrogativa de levantar o véu da pessoa jurídica para que as obrigações desta sejam estendidas aos bens particulares dos integrantes de seus quadros societários e administrativos. Trata-se da positivação da chamada Teoria Maior, amplamente reconhecida pela doutrina civilista. A segunda possibilidade abraçada pela doutrina e pela jurisprudência encontra fundamento na desigualdade material intrínseca à relação entre a empresa devedora e seu credor. A hipossuficiência de quem persegue o crédito é considerada o único pressuposto do afastamento da personalidade jurídica por aqueles que defendem a Teoria Menor, formalizada, no plano legislativo, pelos artigos 28, §5º, do CDC e 4º da Lei nº 9.605/1998. Por não encontrarem disciplina específica no âmbito da CLT, os trabalhadores são jurisprudencialmente equiparados aos atores hipossuficientes do microssistema consumerista. (BRASIL, TST, 2019)

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