Análise Crítica Acerca da Regulamentação do Contrato Intermitente no Ordenamento Brasileiro

A CRITICAL ANALYSIS ABOUT THE REGULATION OF THE INTERMITTENT CONTRACT IN THE BRAZILIAN’S LEGAL SYSTEM

Bruna Oliveira Andrade[1]

Orientadora: Angélica de Melo Ferreira[2]

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Resumo: O presente artigo visa analisar, a partir de um olhar crítico, a regulamentação do contrato de trabalho intermitente, especialmente no tocante as lacunas deixadas pelo legislador quando da instituição desse novo tipo contratual, tendo como ponto de partida o disposto no artigo 452-A e parágrafos seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho. Diante disso, buscou-se, incialmente, delimitar o conceito de Trabalho intermitente, analisando a definição estabelecida pelo legislador no parágrafo 3º do artigo 443, da CLT, bem como os fundamentos sugeridos pela doutrina. Procurou-se ainda, demonstrar um paralelo entre os requisitos caracterizadores da relação de emprego e a modalidade intermitente. Na sequência, estabeleceu-se uma distinção entre o contrato intermitente e os tipos contratuais que se assemelham, justamente para não restar dúvidas quando da sua pactuação.  Examinou-se ainda, esse novo tipo contratual à luz dos princípios trabalhistas. Elaborou-se uma abordagem crítica à essa regulamentação. Adiante, apresentou-se uma estatística de número de empregos criados após a instituição do contrato intermitente. Por fim, averiguou-se as jurisprudências relacionadas ao tema em estudo.

Palavras-chave: : Lei 13.467/17. Reforma Trabalhista. Contrato Intermitente. Artigo 452-A CLT. Análise Crítica.

 

Abstract: This article aims to analyze, from a critical view, the regulation of the intermittent employment contract, especially regarding the gaps left by the legislator when this new type of contract was instituted, taking as its starting point the provisions of article 452-A and following paragraphs of the Consolidation of Labor’s Laws. Given this, it was initially worked to delimit the concept of intermittent work, studying the definition established by the legislator in the third paragraph of article 443 of the CLL, as well as the grounds suggested by the doctrine. It was persued, also, to demonstrate a parallel between the requirements that characterize the employment relationship and the intermittent modality. Subsequently, a distinction has been made between the intermittent contract and the similar types of contract, precisely to ensure that there is no doubt when it is agreed. This new type of contract was also examined in the light of labor’s law principles. A critical approach to this regulation has been elaborated too. Ahead, a statistics on the number of jobs created after the intermittent contract was introduced. Lastly, it was verified the jurisprudences related to the subject under study.

Keywords: Law 13.467/17. Labor’s Law reform. Intermittent Contract. Article 452-A CLL. Critical analysis.

 

Sumário: Introdução. 1. Conceito do Contrato de Trabalho Intermitente 2. Análise Geral. 2.1 Análise do Contrato de Trabalho Intermitente em face dos requisitos caracterizadores da relação de emprego. 2.2 A nova modalidade contratual e os modelos de contratação de trabalho que se assemelham. 2.3 O contrato de Trabalho Intermitente à luz dos princípios trabalhistas. 3. Análise crítica acerca da regulamentação do contrato intermitente no ordenamento brasileiro. 4. O trabalho intermitente e a ilusão de diminuição da taxa de desemprego. 5. Jurisprudência relacionada a aspectos do contrato de trabalho intermitente. Considerações finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

            Com o advento da Lei de nº 13.467/17, denominada de Reforma Trabalhista, houve diversas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho, apresentando cerca de 117 (cento de dezessete) modificações nos artigos da CLT, surgindo novas premissas na seara material e processual de forma a impactar decisivamente as relações trabalhistas.

Nesse contexto, a reforma trabalhista acrescentou ao texto do artigo 443, da CLT a figura do contrato de trabalho intermitente, permitindo uma nova modalidade contratual, com características próprias do contrato de emprego tradicional, apresentando, porém, algumas especificidades.

A presente modalidade de contrato de trabalho foi inserida no citado artigo como contrato de emprego, com a intenção de aumentar o índice de labor formal, garantindo direitos trabalhistas aos trabalhadores até então excluídos do mercado de trabalho regular, bem como visou o atendimento de demandas específicas de setores definidos. No entanto, percebe-se que ao regulamentar o contrato intermitente, o legislador reformador omitiu-se em diversos pontos importantes, deixando lacunas e gerando insegurança jurídica.

Nesta perspectiva, a presente pesquisa tem como objetivo principal analisar a nova forma de contratação na modalidade intermitente, bem como os dispositivos que o regulamentam e, por conseguinte, elaborar uma visão crítica a respeito deste tipo de contrato, tendo em vista as lacunas existentes na legislação atual. Para a concretização do respectivo objetivo, incialmente será necessário estudar os principais aspectos do contrato de trabalho, tais como, conceituação, características. Posteriormente, será feito um exame detalhado dos dispositivos que regulam o supramencionado contrato, bem como questões a serem observadas após a sua celebração.

Cumpre destacar que o presente artigo científico encontra-se baseado no método dedutivo, utilizando também a pesquisa bibliográfica e exploratória, haja vista que foi realizada uma análise sobre o tema em tela, com a finalidade de que o pesquisador se familiarize com o objeto alvo de estudo, realizando-se um apanhado das principais doutrinas inerentes à temática em questão, bem como na legislação, destacando-se a concernente ao contrato de trabalho intermitente, entre outros tipos de materiais.

A pertinência do presente artigo reside no fato de que, as eventuais lacunas deixadas pelo legislador são capazes de ocasionar consequências na prática, principalmente quando da pactuação do contrato e, também pelo fato de tratar de um tema contemporâneo, rodeado de inseguranças, controvérsias e indagações. De mais a mais, por ser algo novo e recente, há uma carência de estudos acadêmicos sobre o tema no ordenamento brasileiro, além de, em que pese, haver até o momento, apenas uma decisão sobre a validade do contrato intermitente no Tribunal Superior do Trabalho e algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade tramitando no STF, ainda não tem uma jurisprudência solidificada sobre o tema na corte suprema.

Para melhor compreensão do tema, este artigo está estruturado em três partes. Preliminarmente apresenta-se o conceito de contrato de trabalho intermitente, bem como os institutos que o regulamentam. No segundo tópico, será feita uma análise do contrato de trabalho intermitente e os requisitos caracterizadores da relação de emprego. A terceira parte, por sua vez, demonstra-se a distinção entre o contrato intermitente e os contratos de trabalho que se assemelham. Na sequência, analisa-se a nova modalidade contratual à luz dos princípios trabalhistas. Nesse seguimento, será realizada uma análise crítica acerca da regulamentação do referido contrato, enfatizando as lacunas deixadas pelo legislador, bem como um exame em relação a diminuição da taxa de desemprego após a instituição desse tipo contratual. Por fim, traz-se à baila jurisprudências relacionadas ao tema estudado.

 

1 CONCEITO DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

            Evidencia-se que antes de adentrar nas principais características dessa nova modalidade contratual, para uma melhor compreensão desse instituto, é fundamental a sua conceituação.

Cumpre assinalar que, antes da reforma trabalhista, o artigo 443 da CLT, previa apenas os contratos indeterminados ou a termo. Todavia, com a nova redação dada pela Lei de nº 13.467-17, incluiu-se ao citado artigo o contrato de trabalho intermitente, vejamos:

Art. 443.  O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).

  • 3oConsidera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).

 

Conforme se depreende do artigo 443, parágrafo 3º, da CLT, incluído pela Lei de nº 13.467, de 13 de julho de 2017, a interpretação literal que se dá ao citado parágrafo é que o trabalho intermitente é aquele em que a prestação de serviço é marcada pela subordinação, porém não é contínua, ocorrendo a alternância de períodos de prestação de serviço e de inatividade. Essa prestação de serviços pode ser estabelecida em horas, dias ou meses, não importando o tipo de atividade, excepcionando, apenas os aeronautas.

Nesse sentido, vale assinalar que se mostra razoável que a intermitência deve estar ligada à atividade do tomador de serviço, ou seja, à atividade descontinuada, pois, se assim não fosse, esvaziaria a lógica dessa tipologia contratual. Assim, a contratação de um intermitente deve ser de maneira excepcional, devendo atender aos interesses de empresas que não tem necessidade de um obreiro contínuo, sob pena de fraude e precarização dos contratos tradicionais em que exigem uma prestação de serviço continuada (NOGUEIRA, 2017; ARAÚJO, 2018).

Ao intentar conceituar o trabalho intermitente, Alves (2019) faz uma crítica ao conceito estabelecido pelo legislador. Para o autor, todo trabalho é marcado pela intermitência, visto que há períodos de labor e ociosidade, sendo impossível consolidar um conceito preciso se a regra prevista no artigo 443, parágrafo 3º, da CLT utiliza unicamente como critério o revezamento entre períodos de atividade e inatividade.

Nesse caminhar, o mencionado autor faz um breve esboço das particularidades do contrato supramencionado para só então conceituá-lo. Assim, ele define o contrato como trabalhista, em que a relação será regida pelas regras contidas na CLT, onde o fornecimento de mão de obra é de modo incontínuo. Dito isso, o autor conceitua o contrato intermitente como sendo um contrato bilateral, regido pelas regras celetistas, com fornecimento de trabalho não eventual.

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O supracitado contrato está disciplinado no artigo 452-A e nos parágrafos seguintes da consolidação trabalhista. Importante destacar que, diante das omissões deixadas pelo legislador ao instituir esse novo tipo contratual, no intuito de tentar sanar as aludidas omissões, editou-se a MP 808-17. Contudo, a citada Medida Provisória perdeu a sua vigência e o contrato intermitente passou a ser disciplinado nos exatos termos previstos na lei reformista. Salienta-se ainda que, na tentativa de tentar restabelecer as condições previstas na mencionada Medida Provisória, o Ministério do Trabalho publicou a Portaria 349-18.

Assim, no decorrer do artigo, será feita uma análise pormenorizada desses institutos que disciplinam o contrato de trabalho intermitente.

 

2  ANÁLISE GERAL

2.1 ANÁLISE DO CONTRATO INTERMITENTE EM FACE DOS REQUISITOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO DE EMPREGO

Antes de adentrar na discussão se o trabalhador intermitente tem de fato um vínculo de emprego, faz-se necessário discorrer sobre a relação de emprego e seus elementos caracterizadores.

No que concerne à relação de trabalho, esta engloba os mais diversos tipos de labor, como por exemplo, o trabalho avulso, eventual, autônomo. Essa relação é gênero, da qual é espécie a relação de emprego, sendo marcada pela ausência de um dos elementos previstos no art.3º, da CLT.

Para se configurar a relação de emprego, imprescindível a presença dos pressupostos fático-jurídicos caracterizadores dessa relação, previstos nos artigos 2º e 3º, da CLT, quais sejam: não eventualidade, trabalho prestado por pessoa física, pessoalidade, subordinação e onerosidade.

A respeito do que foi exposto acima, Delgado (2018) ensina que o trabalho deve ser prestado por pessoa física, onde o trabalho deve ser realizado por pessoa natural, diferentemente do que ocorre com o empregador, que pode ser tanto pessoa física, como jurídica.

No tocante a pessoalidade, o citado autor explicita que, o prestador de serviço será sempre o mesmo, tendo esse vínculo caráter intuitu personae, de modo que o trabalhador não poderá ser substituído por terceiros. A substituição do obreiro, quando necessária, não descaracteriza em si a pessoalidade que é peculiar à relação empregatícia. Cumpre pontuar que a pessoalidade diz respeito somente ao empregado, não se estendendo ao empregador.

Até então, os dois requisitos citados em linhas precedentes são de observação obrigatória no contrato intermitente e, não poderia ser diferente, pois são premissas básicas a serem observadas quando da celebração de um contrato de emprego.

Em que pese a difícil conceituação doutrinária acerca da não-eventualidade, é possível relacioná-la à continuidade de prestação de serviço, trazendo uma ideia de permanência.

Dito isso, necessário salientar que, diversamente da previsão de continuidade na prestação de serviço, como requisito caracterizador da relação de emprego, no trabalho intermitente, a prestação de serviço é descontínua. Isto porque, não há uma previsibilidade de quando o obreiro será convocado para trabalhar, assim, percebe-se a ausência de habitualidade nessa nova modalidade contratual.

Para Pinheiro (2017), a definição de empregado, bem como os requisitos para configuração da relação de emprego, estabelecidos na CLT, não se mostram compatíveis com o intermitente, particularmente em relação a não eventualidade.

No que diz respeito a onerosidade, o obreiro ao colocar sua força de trabalho a disposição do empregador, tem o direito de receber pecúnia como contraprestação pelo serviço prestado. Cumpre pontuar que o pagamento pode ser tanto em dinheiro ou parte dele em utilidade, conforme disposto no artigo 458, da CLT. Essa lógica não se aplica àquela prestação de serviço voluntário, filantrópico, ou seja, instituições sem fins lucrativos.

Embora haja previsão da onerosidade no contrato intermitente, muito se discute na doutrina sobre a constitucionalidade da remuneração desse contrato específico, dado que o legislador estabeleceu que a percepção salarial será proporcional ao tempo trabalhado, ao passo que é previsto expressamente no texto constitucional, mais precisamente no artigo 7º, inciso VII, a garantia de salário nunca inferior ao mínimo para aqueles que percebam remuneração variável.

Em relação a subordinação, esta representa o elemento diferenciador que compõe a relação empregatícia, sobretudo, porque permite distingui-la do trabalhador autônomo. É marcada pelo poder diretivo do empregador sobre o empregado, sobre o modo de realização de serviço.

A despeito deste quesito, importante pontuar que, muito embora a Lei tenha apontado expressamente a existência de subordinação no contrato intermitente, por outro lado, menciona que no caso de recusa no ato da convocação, não restará configurada a insubordinação. Desta forma, o legislador estaria, pois, relativizando esse elemento caracterizador da relação empregatícia, dando-lhe validade apenas e, tão somente, quando efetivamente for aceita a proposta de trabalho.

O que se percebe da análise do contrato intermitente à luz dos requisitos caracterizadores da relação empregatícia é uma verdadeira flexibilização do vínculo empregatício. Isto porque, a subordinação não é um traço marcante nesse tipo de contrato, estando condicionada a aceitação do serviço. Outro ponto que merece destaque, diz respeito a inobservância do requisito da não eventualidade, tendo em vista que a prestação de serviço intermitente é descontínua. Não há como considerar essa nova modalidade contratual como sendo uma relação empregatícia, sendo que os elementos caracterizadores não são observados como um todo.

Feito o levantamento dessas premissas acerca do contrato intermitente e os elementos caracterizadores da relação de emprego, no próximo tópico será estabelecida distinções entre a nova modalidade contratual e as formas de pactuação de trabalho que se assemelham.

 

2.2  A NOVA MODALIDADE CONTRATUAL E OS MODELOS DE CONTRATAÇÃO DE TRABALHO QUE SE ASSEMELHAM

Faz-se mister destacar que para uma melhor compreensão dessa inovação contratual trazida pela Lei da Reforma trabalhista, é imperioso tecer algumas ponderações a respeito das relações de trabalho que se assemelham ao intermitente, justamente para evitar confusão acerca de tais institutos.

É sabido que o contrato de trabalho, em regra, vigora por prazo indefinido. Excepcionalmente será firmado por prazo determinado. Desta forma, caso não tenha disposição prevendo o termo final do contrato, este passará a vigorar por prazo indeterminado.

Nesse sentido, Godinho (2018) pontua que o contrato de trabalho é indeterminado, pois, quando de seu ajuste, não se fixa um termo final, prevalecendo de forma indefinível. Essa indeterminação decorre do preceito basilar da continuidade do vínculo de emprego. Somado a isso, a ausência de prefixação de termo final, garante ao trabalhador um montante significativo de verbas rescisórias quando da interrupção do trato laboral, dentre outras garantias.

Diante da excepcionalidade do contrato a termo, indispensável a observação de alguns requisitos para sua efetivação, como por exemplo, o empregado ao ser contratado deve ter ciência da determinação do prazo, além do mais, não obstante poder ser pactuado tanto da forma escrita ou verbal, diversos doutrinadores comungam do entendimento de que se faz necessária a forma escrita. Ademais, o artigo 443, parágrafo 2º, alíneas, a, b e c da CLT, elenca as hipóteses em que os contratos determinados terão validade (CASSAR, 2018).

Ainda nesse caminhar, ao discorrer sobre as hipóteses dos contratos a termo, Martins (2018), assevera que a transitoriedade se refere ao serviço a ser prestado ou a atividade empresarial, sendo caracterizado por ser de curta duração, momentâneo e breve. A durabilidade do contrato estará restrita ao acontecimento que possibilitou o recrutamento do obreiro e, mesmo que prorrogado deverá respeitar o lapso temporal máximo de dois anos. A não observação dessa regra, terá como corolário a consolidação do contrato determinado em prazo indeterminado. Ademais, o autor salienta que o contrato de experiência não excederá o prazo de 90 dias, obedecendo a mesma regra de indeterminação de tempo, no caso de extrapolação do referido prazo.

Assim, diante da análise dos contratos por prazo determinado e indeterminado, Correia e Miéssa (2018) inclinam-se do entendimento de que o pacto intermitente possui particularidades dos dois tipos contratuais, considerando-se que, de um lado, ao firmar essa modalidade contratual, não há definição de um marco final, em contrapartida, existe uma definição do período em que o serviço será prestado.

Ademais, para os citados autores, no espaço de tempo em que não existir a prestação de serviço, o contrato de trabalho estará suspenso, haja vista que o obreiro não irá trabalhar e como consequência não auferirá salário. Ainda, nesse sentido, para os ilustres doutrinadores, o que difere o contrato intermitente do modelo tradicional, qual seja, o contrato indeterminado, é a existência do quesito do revezamento entre a prestação de serviço e da ociosidade.

É possível concluir que, a modalidade intermitente se trata de uma relação de emprego, no qual o contrato vigora sem determinação de prazo. Todavia o fornecimento de mão de obra não será contínuo, de modo que a intermitência diz respeito a prestação de serviço, considerando o fato do contrato ser celebrado por tempo indeterminado.

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Ao minudenciar o trabalhador autônomo, em apertada síntese, Barros (2017), salienta que esse obreiro não se subordina ao controle do tomador de serviço, sendo dotado de autonomia, podendo prestar o serviço da maneira que lhe seja mais conveniente, não devendo obediência as ordens advindas do empregador.

Delgado (2018) acrescenta que muito embora o trabalhador autônomo se assemelhe à figura do empregado propriamente dito, diferencia-se deste pela ausência do requisito essencial caracterizador da relação de emprego, qual seja, a subordinação. Para o autor, além da ausência de subordinação, a pessoalidade pode ser relativizada, vez que, não obstante a pactuação do trabalho entre o prestador e tomador de serviço, a tarefa não precisa ser necessariamente efetuada pela parte contratante, podendo haver permuta do sujeito no decorrer do prestamento do trabalho.

Em que pese a semelhança em relação a prestação de trabalho ser de forma não contínua, percebe-se que a diferença entre o autônomo e o intermitente consiste no fato de este último estar subordinado ao seu empregador, ainda que essa subordinação se dê unicamente quando o trabalhador aceita a proposta de serviço, além de ser  caracterizado por uma relação empregatícia, ao passo que aquele trabalha sem a existência de vínculo empregatício, tendo em vista que não preenche os requisitos para configuração da relação de emprego.

Sobre o trabalho eventual, o citado autor ensina que, dentre as diversas teorias que tentam explicar o que seria a eventualidade, é exequível concluir que, em suma, é o trabalho prestado de maneira ocasional, de forma esporádica e temporária a vários empregadores. É marcado pela periodicidade, sendo, pois, considerado efêmero.

Diferentemente do labor eventual, o trabalho avulso geralmente precisa da intermediação do sindicato ou do Órgão Gestor de Mão de Obra e, embora não seja considerado empregado de fato, faz jus aos mesmos benefícios que os trabalhadores que preenchem todos os requisitos da relação de emprego (CASSAR, 2018).

Delgado (2018) explicita que, a diferenciação entre o trabalhador eventual e o avulso reside na especificação da atuação, dado que a atividade do avulso está relacionada ao setor ligado ao porto, necessitando de intermédio para o devido recolhimento do valor referente a execução do trabalho e o consequente repasse para o obreiro.

Nesse seguimento, Romar (2018), enfatiza que o avulso não se vincula a nenhum empregador, podendo prestar serviço a distintos tomadores de serviço. Ensina ainda que, com advento da Lei 12.023/2009, passou a ser regulado o trabalhador avulso que não está ligado a atividade portuária, conhecidos como movimentadores de cargas e, em que pese a contratação ser feita por intermédio do sindicato, não constitui uma relação de emprego.

Para Dallegrave Neto e Ernani Kajota (2018) apesar de não haver uma relação de emprego no trabalho avulso, este se assemelha ao intermitente pelo fato da convocação e a paga do salário ser de acordo com as horas trabalhadas. Iuri Pereira Pinheiro (2017) ao discorrer sobre o tema, explicita que a semelhança existente entre o avulso e o intermitente reside no revezamento das atividades.

Nesse linear, em paralelo às constatações transcritas acima, percebe-se que, embora o legislador tenha incluído o contrato intermitente como modalidade de contrato de emprego, é notório que ele guarda características tanto da relação de trabalho, como da relação de emprego. Isto porque, no intermitente não existe continuidade na prestação de serviços, sucedendo o mesmo com o autônomo, eventual e o avulso, bem como inexiste vinculação aos tomadores de serviço, haja vista que podem trabalhar para diversos empregadores.

Ressalta-se que, em que pese a semelhança existente entre os citados tipos de contrato, a diferença essencial reside na existência de vínculo de emprego, presente apenas no contrato intermitente, em virtude de supostamente atender todos os requisitos caracterizadores do vínculo de emprego.

Feita tais considerações acerca dessas modalidades contratuais, no próximo tópico será feita uma análise do contrato intermitente à luz dos princípios basilares do Direito do Trabalho.

 

2.3 O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE À LUZ DOS PRINCÍPIOS TRABALHISTAS

As diversas modificações introduzidas pela reforma trabalhista, trouxe impactos relevantes, inclusive afetando alguns princípios norteadores do Direito do Trabalho, como será demonstrado no decorrer do tópico. Para isso, sem esgotar o rol dos princípios aplicáveis à seara trabalhista, cumpre fazer algumas considerações em relação aos princípios mais relevantes à temática analisada.

Importante pontuar que os princípios, como fontes do Direito do Trabalho, visam nortear os aplicadores do direito na sua atuação elucidativa. Inclusive, destinam-se a equilibrar a disparidade entre as partes envolvidas no vínculo empregatício.

O princípio da proteção deve ser compreendido como uma salvaguarda aos menos favorecidos da relação empregatícia, bem como visa minimizar a desigualdade existente entre empregador e empregado. Este princípio se subdivide em: in dubio pro operário; da aplicação da norma mais favorável e por fim, da aplicação mais benéfica ao trabalhador (MARTINS, 2018).

O aludido autor explicita que a aplicação da norma mais favorável ao empregado deve ser entendida como aquela que diante do confronto entre normas, prefere-se aquela que beneficie mais o obreiro. Enfatiza que, na prática, o in dubio pro operário, não deve ser aplicado na íntegra, visto que, deve-se analisar em cada caso a quem pertence o ônus da prova. No entendimento do autor, a condição mais benéfica visa proteger o direito adquirido pelo empregado, dado que, uma vez conquistado um direito vantajoso, não faz sentido uma norma superveniente restringi-lo.

Destarte, de uma análise atenta do aludido princípio, juntamente com as falhas deixadas pelo legislador, resta cristalino que o empregado intermitente tem direito à mesma proteção e as mesmas garantias destinadas ao trabalhador tradicional, tendo em vista que esse principio é aplicável a todo vínculo empregatício, de modo que não seria diferente com o trabalho intermitente, pelo contrário, por se tratar de um contrato com uma regulamentação frágil,  deve ser de observação obrigatória.

No tocante ao princípio da irrenunciabilidade de direitos, equivale dizer que o trabalhador não pode simplesmente renunciar aos direitos que lhe são assegurados, inclusive àqueles que são posteriores a extinção do contrato (ROMAR, 2018). Vale dizer que, em caso de renúncia por parte do operário, esta não se reputará válida, pois, caso ocorra, restará caracterizado o vício. Essa medida visa impossibilitar a ocorrência de fraude por parte dos empregadores.

Deve-se ter em mente que o princípio da continuidade da relação de emprego está associado à ideia de perpetuação do contrato de trabalho, devendo prevalecer a indeterminação de prazo, destarte, esse caráter duradouro propicia maior tranquilidade econômica para o trabalhador. Como decorrência lógica desse princípio, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 212, na qual dispõe que no caso de descontinuidade do vínculo contratual, o ônus da prova será de incumbência do empregador (CORREIA; MIÉSSA, 2018).

De uma análise detido do artigo 443, parágrafo 3º da CLT, percebe-se que o legislador expressamente dispôs sobre a ausência de continuidade da prestação de serviço no contrato intermitente, violando nitidamente o supracitado princípio, visto que o labor a ser desenvolvido pelo obreiro está sujeito a necessidade do tomador de serviços e, como consequência, a percepção do salário estará condicionada ao efetivo serviço prestado, de sorte que, diante de tal imprevisibilidade, não restam dúvidas acerca do rompimento da lógica da continuidade do trabalho.

O princípio da primazia da realidade visa sobrepor a realidade do fato à prova documentada que intenta dissimular a verdade real. Ressalta-se que esse princípio pode favorecer ou desfavorecer o empregado, considerando-se que o objetivo principal é a busca da veracidade do fato ocorrido. Na prática, é aplicado para obstar as possíveis fraudes tentadas pelos empregadores que visam se eximirem de suas obrigações (MARTINEZ, 2013).

Ora, tendo em vista a timidez da reforma no tocante a precisão quanto a regulamentação do contrato intermitente e, diante da possibilidade de empregadores substituírem o regime de contratação por vínculos menos favoráveis aos trabalhadores, o magistrado deverá se valer do princípio supramencionado para proferir suas decisões.

Por sua extrema relevancia, para compreensão do presente estudo, a seguir será realizada a análise pormenorizada e crítica dos supramencionados institutos que regulam o contrato intermitente.

 

3 ANÁLISE CRÍTICA ACERCA DA REGULAMENTAÇÃO DO CONTRATO INTERMITENTE NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

Em breve síntese, o contrato intermitente é dotado de natureza de relação de emprego, em que a prestação de serviço é ocasional, se concretizando, tão somente, quando haver convocação. Esse chamamento dependerá da conveniência da empresa contratante. Ressalta-se que, esse contrato pode ser firmado sem a observância do tipo de atividade desenvolvida tanto pela empresa, como pelo trabalhador.

Todavia, considerando o fato de que o artigo 443, parágrafo 3º, da CLT excepciona apenas os aeronautas da prestação de serviço intermitente, importante salientar que, essa modalidade contratual não é compatível com serviços de natureza pública, justamente porque esses serviços devem obediência ao princípio da continuidade do serviço público (CORREIA; MIÉSSA, 2018).

Ora, tendo em vista as especificidades desse tipo de contrato, não se mostra razoável a exceção direcionada unicamente aos aviadores. Isto porque, existem outras profissões que se monstram incompatíveis com o trabalho intermitente, a exemplo daquelas regidas por legislação própria. Ademais, a intenção do legislador ao instituir o contrato intermitente, foi normatizar os trabalhos considerados informais e não abranger aquelas atividades já regularizadas. Destarte, para evitar insegurança quando da contratação, se faz necessária uma delimitação quanto as hipóteses dos serviços, bem como o setor de atividade econômica em que realmente poderia haver esse tipo pactuação.

Diante da necessidade de regularização dos trabalhos informais, o legislador estabeleceu requisitos indispensáveis para a celebração do contrato intermitente, previstos no art. 452-A, da CLT. Embora encontra-se expresso no supracitado artigo a formalização do contrato por escrito, o artigo 2º da Portaria 349/2018 do Ministério Público do Trabalho reitera tal formalidade, justamente para não restar dúvida acerca desse regramento, sendo vedada sua celebração de forma tácita.

Ademais, na intenção de formalizar a contratação, a citada portaria, além de outros conteúdos obrigatórios do contrato, estabelece o direito do trabalhador de ter sua Carteira de Trabalho e Previdência Social devidamente assinada, requisito de observação obrigatória nos contratos de trabalho por prazo indeterminado.

Além disso, o legislador ao assegurar a igualdade de salário entre os demais funcionários do mesmo empregador, garantiu que fosse respeitado o princípio da isonomia salarial, consagrado na Carta Magna (CORREIA; MIÉSSA, 2018).

Cumpre pontuar que a garantia de remuneração não é assegurada, dado que a sua percepção depende do chamamento por parte do empregador para o efetivo fornecimento de mão de obra. Para o obreiro auferir complementação maior de renda, terá que buscar outros contratos com empregadores diversos (RIBEIRO, 2018).

Dito isso, para uma melhor compreensão da regulamentação do contrato intermitente, indispensável a análise pormenorizada dos parágrafos seguintes do artigo 452-A, da CLT.

Salienta-se que, conforme dispõe o parágrafo 1º do artigo 452-A da CLT, a convocação para prestação de serviço será feita por intermédio de um meio seguro, momento em que será informado ao trabalhador a jornada, de modo que deve ser com antecedência de, no mínimo, três dias corridos. Percebe-se que o legislador não especificou o meio em que será feita a convocação, entende-se nesse caso, ser possível a utilização de meios eletrônicos, como por exemplo: e-mail, whattsapp, telefone, dentre outros, contanto que seja eficaz.

Por sua vez, os §§ 2º e 3º do mesmo artigo, menciona que ao receber o chamado, o empregado disporá de apenas um dia útil para responder, caso permaneça em silêncio, a recusa será presumida. Importante assinalar que, diferentemente do que ocorre na relação de emprego, nessa nova modalidade contratual, a recusa não desfigura a subordinação. Esse requisito caracterizador da relação empregatícia só será observado no caso do trabalhador anuir com a solicitação do empregador (JOÃO, 2018).

Outra especificidade dessa modalidade contratual é a multa prevista no parágrafo 4º do citado artigo, no percentual de 50% do valor que seria pago, no caso de descumprimento por alguma das partes, sem motivo justificável. A aceitação da oferta vincula tanto empregado, como empregador e a sua inobservância, sem motivo justificável, que deverá ser analisado em cada caso concreto, enseja o adimplemento da multa pela parte faltante (CORREIA; MIÉSSA, 2018).

Ressalta-se ainda que, no período em que o empregado não for convocado, poderá colocar sua força de trabalho à disposição de outros empregadores, podendo firmar diversos contratos intermitentes, inclusive com modalidades contratuais distintas, visto que o legislador não estabeleceu um limite. Frisa-se que, no interstício em que não estiver trabalhando, não será reputado tempo a disposição do empregador, ou seja, não estará sujeito às suas ordens, por isso o permissivo legal da celebração de outros contratos com contratantes distintos.

Aliás, essa interpretação do § 5º, do artigo 452-A, da CLT encontra guarida na Portaria nº 349/2018 do Ministério Público do Trabalho, que regulamentou o período de inatividade no trabalho intermitente (CORREIA; MIÉSSA, 2018)

De outra sorte, o § 6º elenca as parcelas que o trabalhador intermitente faz jus ao final de cada período de serviço efetivamente prestado, tais como: remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais.

Segundo Cassar (2018), o rol previsto no aludido parágrafo é apenas exemplificativo. Muito embora o legislador não tenha se manifestado acerca das demais parcelas, entende-se que os demais direitos trabalhistas previstos em outras modalidades contratuais são estendidos ao trabalhador intermitente. E não poderia ser diferente, pois, se o legislador conferiu a esse contrato a natureza de um vínculo empregatício, é razoável conceder as mesmas garantias do contrato tradicional aos obreiros intermitentes.

Ribeiro (2018) faz uma crítica a respeito do pagamento fracionado das férias. Para o autor, esse fracionamento destoa do que está disposto na Carta Magna, não fazendo sentido um trabalhador, no momento em que for gozar as férias, não ter remuneração, sendo que essa foi recebida de forma fracionada e antecipada quando da efetiva prestação de serviço.

O mencionado autor explicita ainda que, o descanso semanal recompensado deverá compreender a de um dia integral, ainda que o obreiro tenha trabalhado algumas horas ou dias, ante a impossibilidade da remuneração do repouso semanal ser de forma proporcional a quantidade de horas ou dias trabalhados.

Em sentido diverso do entendimento acima delineado,  Pinheiro (2017) é categórico ao afirmar que o legislador não se equivocou ao estipular o pagamento das verbas correspondentes ao final de cada prestação de serviço. Isto porque, o trabalhador não tem a certeza de quando será convocado novamente para trabalhar ou se até mesmo regressara ao serviço.

Vale assinalar que, a redação dada ao parágrafo 7º, incluído pela Lei de nº 13.467, não traz nenhuma novidade, haja vista que esta previsão legal de que o recibo de quitação deverá abranger de forma discriminada todas as verbas recebidas, encontra guarida na Súmula 91 do TST e artigo 477, parágrafo 2º, da CLT, que vedam expressamente o salário complessivo (GARCIA, 2018).

Ademais, o parágrafo 8º, dispõe que o empregador deverá recolher as contribuições previdenciárias e realizar o depósito fundiário, que deverá ter por base os valores quitados no lapso mensal. Para garantir a aplicabilidade de tal dispositivo, o Ministério do Trabalho, através do artigo 6º, da Portaria 349/2018, reitera o inteiro teor do citado parágrafo.

Muito embora o legislador tenha quedado silente a respeito do recolhimento das contribuições previdenciárias nos meses em que a percepção salarial fosse menor, a extinta Medida Provisória 808/17 incluiu o artigo 911-A, da CLT, onde havia a previsão de que a atribuição de tal encargo caberia aos empregados.

Nesse mesmo caminhar, com base no citado artigo, a Receita Federal do Brasil, publicou o Ato Declaratório dispondo sobre a contribuição previdenciária complementar prevista no § 1º do art. 911-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Todavia, com a queda da aludida Medida Provisória, o citado artigo foi revogado, de modo que, não é mais incumbência do empregado recolher de forma complementar a contribuição previdenciária.

Anote-se, ainda, por oportuno, que com a queda da aludida Medida Provisória e, diante da míngua legislativa acerca das referidas contribuições, o Ministério do Trabalho e Emprego publicou a Portaria 349/18, com intuito de reparar eventuais omissões. Sucede que, ao tratar dos subsídios previdenciários, em nada inovou, conservando praticamente a literalidade do parágrafo 8º do artigo 452-A, da CLT.

Observa-se que, com a perda da vigência da MP 808/17, as incertezas quanto o recolhimento das contribuições previdenciárias permanecem, de sorte que, a única certeza que se tem em relação a tais contribuições é que serão recolhidas com base no montante adimplido mensalmente (SERAU JÚNIOR; COSTA FERREIRA, 2019).

A despeito de tudo o quanto acima exposto, Ibrahim (2018) entende que a contribuição previdenciária deve atender o que determina a legislação da seguridade social, onde os recolhimentos devem ser feitos levando-se em conta a proporção do trabalho e  remuneração que o empregado percebe pelo tempo que trabalhou, não havendo que falar em complementação a encargo do obreiro.

Embora tenha permanecido a regra de que o recolhimento das contribuições previdenciárias é um encargo do empregador, sem a necessidade de complementação por parte do trabalhador, não restou claro como será feito o cálculo para fins de recolhimentos previdenciários quando a remuneração não atingir o valor de um salário mínimo, o que por certo, terá consequências futuras quando da aposentadoria desses trabalhadores.

Para mais, a reforma trabalhista assegurou o direito de férias ao trabalhador intermitente. Embora, o parágrafo 9º, do artigo 452-A, da CLT tenha previsto que no lapso de 12 (doze) meses, o operário tenha direito a gozar um mês de férias, nos 12(doze) meses posteriores, oportunidade em que não poderá ser convocado pelo mesmo empregador.  Na realidade, o efetivo gozo das férias restará comprometido. Isto porque, poderá celebrar contratos com empresas distintas e em períodos diversos, de modo que, estaria diante de períodos aquisitivos e concessivos distintos, esvaziando, destarte, o real propósito da concessão das férias (GARCIA, 2018).

Diante da ausência de regulamentação acerca do fracionamento das férias, O Ministério do Trabalho, quando da edição da Portaria 349/2018, no artigo 2º, parágrafo 1º, estipulou a mesma regra contida no artigo 134, parágrafos 1º e 3º, da CLT, permitindo, assim, a divisão das férias, podendo ser usufruídas em até três momentos diferentes, desde que acordado com o empregador. Lembrando que um dos períodos não pode ser menor que 14 dias corridos e os demais não podem ser inferiores a 5 dias corridos. A referida portaria ainda dispõe que, em caso de dispensa, as pecúnias resilitórias e o aviso prévio terão como base a média dos valores auferidos pelo empregado no decorrer do contrato.

Importante assinalar que, logo após a entrada em vigor da Lei de nº 13.467, diante de sua fragilidade e insuficiente redação, foi editada a Medida Provisória 808 no dia 14 de novembro de 2017, visando sanar as omissões deixadas pela aludida lei. Embora tal medida não sanasse completamente tais lacunas, corroborou com alguns pontos importantes acerca do trabalho intermitente. Dentre as diversas modificações trazidas, destaca-se a revogação de parte do art. 452-A, da CLT, incluindo também, diversos dispositivos que regulamentava o contrato de trabalho intermitente.

Em apertada síntese, os regramentos da Medida incluíam cláusulas facultativas, como por exemplo, o local de trabalho, os turnos, os meios de convocação; havia limitação do período de inatividade; existia previsão de quarentena para que os empregadores pudessem contratar novamente os ex funcionários em regime intermitente, dentre outros. Ante a ausência de votação da MP antes que a mesma perdesse sua eficácia, no dia 23/04/2018, a mencionada Medida Provisória perdeu sua validade, voltando a prevalecer o texto original da lei reformista (BERNARDES; SCALÉRCIO; LIMA, 2018).

À vista disso, o que parecia aclarar um pouco mais as omissões deixadas pelo legislador, caiu por terra, de maneira que a insegurança quanto a aplicação de alguns dispositivos, permanecerão. Cita-se como exemplo, a quarentena que era prevista na MP 808 e, diante da inexistência de regulamento desse instituto, as contratações tornam-se mais propensas à fraude, pois o empregador não precisará respeitar um lapso temporal entre a dispensa do empregado contínuo e sua contratação na modalidade intermitente.

Por fim, insta ressaltar que, o trabalho intermitente está previsto no rol do artigo 611-A, da CLT, cuja observação é obrigatória. O citado artigo estabelece que, no caso de as Convenções ou Acordos Coletivos regularem o aludido trabalho, terão predominância sobre a Lei. Ora, e nem poderia ser diferente, visto que, diante da insuficiente redação dada a tal modalidade contratual, possivelmente os acordos ou convenções ao tratarem da matéria, o fará de forma clara e precisa, possibilitando a correção dos pontos vagos e imprecisos deixados pela Lei de nº 13.467.

Doravante, ante a timidez da reforma e com a queda da referida Medida Provisória, caberá aos aplicadores do direito fazer uma interpretação forçada na tentativa de aplicarem de forma correta os regramentos dessa inovação contratual.

Feita tais considerações a respeito do contrato intermitente, no tópico seguinte será realizada uma análise dos dados estatísticos de emprego após a instituição dessa nova espécie contratual.

 

4  O TRABALHO INTERMITENTE E A ILUSÃO DE DIMINUIÇÃO DA TAXA DE DESEMPREGO

            O contrato de trabalho intermitente foi instituído no intuito de amenizar a situação de crise financeira vivenciada no país, bem como flexibilizar as normas de contratação de emprego. Esses critérios, por si só, não se mostram capazes de originar novos empregos, tendo em vista que, em um sistema onde o capitalismo é predominante, a convocação para a prestação de serviço só vai ocorrer no caso em que a empresa tenha realmente uma demanda que justifique a necessidade da admissão de um empregado. Ora, se um obreiro for realmente indispensável para suprir a capacidade produtiva da empresa, o tomador de serviço não ficará preso a regras formais para admitir um funcionário (BRAGHINI, 2017).

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) apontam que desde o momento em que a Lei 13.467 entrou em vigor, sucederam 128.498 admissões de intermitentes. Da análise dos dados divulgados, constata-se que o maior índice de contratação ocorreu no comércio, levando em conta as atividades de assistente de vendas, repositor de mercadorias e atendentes (ARANHA; BASÍLIO, 2019).

Ora, logicamente que o número de empregos se elevaria após a instituição desse tipo contratual, tendo em vista que a análise é feita a partir de registros de trabalhos formais. No entanto, o que se depreende dessas estatísticas é uma falsa realidade de aumento de emprego no país, até porque não se mostra eficiente pra demonstrar a regularidade das prestações de serviço e, se de fato esses trabalhadores intermitentes estão sendo convocados.

Ainda vale assinalar que, a contabilidade do número de empregos feita pelo CAGED leva em consideração a quantidade de vagas ocupadas e, como o trabalhador intermitente pode firmar diversos contratos, com diferentes empregadores, obviamente que haverá um aumento no numerário de empregos formais, haja vista que esse mesmo obreiro será contabilizado mais de uma vez, justamente pela possibilidade de possuir mais de um contrato de emprego (TRINDADE, 2018).

 

5 JURISPRUDÊNCIA RELACIONADA A ASPECTOS DO CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE   

            Diante de diversas críticas levantadas acerca do contrato intermitente, inclusive sobre a suposta inconstitucionalidade desse tipo contratual, faz-se mister analisar alguns julgados que versam sobre o tema, de forma a verificar o entendimento que vem sendo dado a matéria.

Tendo em vista as peculiaridades do contrato intermitente, cumpre pontuar que diversos Tribunais Regionais do Trabalho, tais como: TRT2, TRT13, TRT15, já proferiram decisões no sentido de reconhecer a nulidade do contrato intermitente. Contudo merece destaque o acórdão publicado do TRT da 3ª região, haja vista que, em decorrência da publicação do referido acórdão é que foi proferida a primeira decisão do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema.

No processo 0010454-06.2018.5.03.0097 que correu no TRT da 3ª região, o Desembargador relator José Eduardo de Resende Chaves Júnior, entendeu pela nulidade do contrato intermitente ao fundamento de que embora seja lícito, deve ser celebrado meramente em caráter excepcional, devendo ser utilizado somente para atender demandas que não sejam contínuas.

Em sede de Recurso de Revista de número 0010454-06.2018.5.03.0097, a 4ª turma do Tribunal Superior do Trabalho deu provimento ao recurso interposto por parte da Magazine Luiza, modificando a decisão proferida em segunda instância, reconhecendo a validade do contrato intermitente. No entendimento do relator do processo, Ives Gandra Martins Filho, a decisum do Regional caracteriza afronta ao princípio da legalidade. Para o Ministro, essa nova modalidade não gera precarização, pelo contrário, traz segurança jurídica tanto para os trabalhadores quanto para os empregadores, na medida em que houve regulamentação dos trabalhos informais, garantindo direitos trabalhistas essenciais.

Percebe-se que os fundamentos da decisão vergastada na segunda instância são rasos, se comparados a complexidade da matéria discutida. Isto porque, analisando o caso concreto, extrai-se que o empregador obedeceu aos ditames legais quando da contratação do obreiro, inclusive pela data em que perdurou o vínculo empregatício, é notório que se tratava de época do ano em que, de fato a demanda da empresa era maior, restando, assim, patente a excepcionalidade da contratação.

Importante salientar que, embora o colendo Tribunal Superior tenha proferido a citada decisão, ressalta-se que se trata de uma decisão turmária, não representando o posicionamento da corte sobre o tema. Destarte, ante a complexidade do tema, justamente pelas lacunas deixadas pelo legislador, resta evidente que o assunto ainda carece de muitas reflexões e, como consequência, os julgadores deverão analisar caso a caso para considerar a validade ou não contrato intermitente.

Importa destacar que tramitam no Supremo Tribunal Federal Ações Diretas de Inconstitucionalidade (5806; 5826; 5829; 5950; 6154) de relatoria do Ministro Edson Fachin, que questionam dispositivos inerentes ao contrato de trabalho intermitente. Dentre os diversos questionamentos apontados, destaca-se o argumento de que o contrato intermitente se trata de precarização do trabalho e, tendo em vista a inexistência de garantia da jornada de trabalho, bem como da percepção salarial, os riscos da atividade seriam transferidos  ao trabalhador.

Outros levantamentos delineados nas citadas ações versam sobre o permissivo de remuneração inferior ao salário mínimo, além da inexistência de prefixação de jornada de trabalho e ofensa a diversos princípios constitucionais, tais como: dignidade da pessoa humana, da garantia do salário mínimo, o valor social do trabalho. Diante de tais indagações é que as entidades inclinam-se do entendimento de que a nova modalidade contratual deve ser considerada inconstitucional.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos estudos efetuados, é possível concluir que a forma açodada em que a Lei 13.467/17 foi aprovada, não se mostrou uma reforma reflexiva. Isto porque, a intenção do legislador ao flexibilizar as normas trabalhistas, inserindo no rol do artigo 443 da CLT a figura do contrato intermitente, foi no intuito facilitar a formação do pacto laboral, posibilitando, assim, a expansão de vagas de empregos formais, com extensão das mesmas garantias trabalhistas aos trabalhadores intermitentes. Evidentemente que na prática não está sucedendo, visto que, muitas empresas ainda estão com receio de servir-se deste tipo contratual, justamente por não ter sido instituído de forma clara e precisa pelo legislador. Outrossim, os mencionados benefícios foram estendidos de forma genérica, não restando claro os reais direitos a que esses obreiros fazem jus.

Nesse diapasão, diante das especificidades inerentes a nova espécime contratual e, tendo em vista a sua colisão com critérios essenciais do Direito do Trabalho, imperioso destacar alguns pontos relevantes que possivelmente desafiarão tanto doutrinadores como aplicadores do direito.

A princípio, cumpre pontuar que na modalidade contratual tradicional, conforme se infere da interpretação sistemática do art. 2º da CLT, o risco da atividade econômica é do empregador, ao passo que a reforma trabalhista, ao instituir o contrato intermitente, visivelmente transferiu tal risco ao empregado, em razão da ausência de previsibilidade quanto a prestação de serviço, que será concretizada, tão somente, diante de uma demanda efetiva do trabalho, por conseguinte, a percepção salarial estará condicionada ao efetivo labor (CASSAR, 2018; RENZETTI, 2018).

Outro ponto que merece destaque é ausência de regulamentação quanto a duração do trabalho. Em verdade, o legislador apenas mencionou que ao ser convocado, o obreiro será noticiado da jornada de trabalho, não especificando-a, o que deixa subentendido que deverá ser respeitada a jornada descrita no texto constitucional, não ultrapassando o montante de 44 horas semanais. Ademais, diante da omissão do legislador no que diz respeito aos descansos intervalares, bem como as horas extras, é indubitável que deve ser aplicado os dispositivos contidos na CLT que regulam tais institutos.

Noutro giro, o legislador ao tratar das atividades que carecem de contratação intermitente, erroneamente excetuou apenas os aeronautas, de modo que toda e qualquer atividade desenvolvida pela empresa pode ser objeto desse tipo de contratação. Ora, não é necessário muito esforço para compreender que essa ausência de delimitação gerará grandes demandas no judiciário, visto que, existem atividades que devem ser contínuas, de modo que sua interrupção causaria grandes transtornos. É presumível que a verdadeira intenção do legislador era direcionar essa regulamentação para as atividades sazonais, que serviriam para suprir a necessidade momentânea das empresas e não as suas atividades permanentes.

Ademais, ressalta-se que, diante da lacuna deixada pelo legislador no que diz respeito a extinção do contrato, deve-se aplicar o regramento previsto na CLT, observando se a dispensa se deu com ou sem justa causa, bem como se a dissolução do contrato se deu por vontade do trabalhador. Com efeito, se o legislador considerou essa nova espécie contratual como uma relação de emprego, nada mais justo do que estender a esses trabalhadores os mesmos direitos garantidos aos empregados tradicionais.

Embora o contrato intermitente admita uma flexibilidade maior para o obreiro, apenas se mostra vantajoso para aqueles trabalhadores informais que buscam auferir uma complementação de renda e não para aqueles que buscam um emprego fixo, que lhe garanta estabilidade. Na verdade, é um contrato que mais convém aos empregadores, visto que, diante do aumento de volume de serviço em determinados períodos do ano, podem optar por contratarem trabalhadores somente para atender aquela demanda específica, sem a necessidade de custear um empregado contínuo.

A despeito de tudo o quanto acima exposto, infere-se que essa nova espécie contratual carece de regulamentação em diversos pontos para que efetivamente traga segurança jurídica quando da sua aplicação, como por exemplo: fixação da jornada diária, assim como o de intervalo para descanso; número de recusas por parte do empregado quando da sua convocação; instituição de uma quarentena para evitar fraudes nas contratações; a forma como será recolhida as contribuições previdenciárias quando os valores pagos não atingirem um salário mínimo, dentre outros.

Com efeito, inegável que a Consolidação trabalhista necessitava de uma reforma. Todavia, o legislador ao flexibilizar as normas trabalhistas, na intenção de aumentar o número de empregos, deixou de observar os interesses dos trabalhadores, causando desequilíbrio na relação de emprego, visto que essa modalidade contratual é mais vantajosa para os empregadores. Assim, diante da existência de inúmeras lacunas deixadas pelo legislador, caberá ao intérprete da lei efetuar ponderações interpretativas, se valendo, dos princípios protetivos trabalhistas, bem como das normas previstas na Constituição Federal e das normas coletivas internacionais.

 

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[1]Bacharelanda do curso de Direito do Centro Universitário Uniruy, campus Costa Azul. Artigo científico, apresentado como requisito para obtenção de aprovação na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, ano de 2019.2.

[2] Juíza do Trabalho. Titular da 13ª Vara do Trabalho de Salvador. Professora do curso de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Ruy Barbosa. Presidente da Amatra V durante a gestão de 2017-2019. Professora convidada da Pós de Direito Precidenciário da Faculdade Baiana de Direito. Professora convidada da Pós em Direito do Trabalho e Previdenciário da Faculdade Batista do Maranhão. Juíza auxiliar da Presidência do Tribunal Regional do Trabalho nas gestões de 2011-2013 e 2013-2015.

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