Talita Ataíde da Silva[1]
Resumo: O presente artigo buscou demonstrar as mudanças no entendimento acerca do Teletrabalho (home office) decorrentes da Lei nº 13.467/17 que a inseriu na CLT – Consolidação das Leis do Trabalho como uma nova modalidade de trabalho, muito embora já vinha sendo exercida tanto na esfera pública quanto privada. O artigo teve como base pesquisas bibliográficas de obras trabalhistas, administrativas, artigos e dissertações. A pesquisa permite identificar a necessidade desta modalidade de trabalho frente a evolução tecnológica que no decorrer dos anos vem se mostrando mais presente no dia a dia dos trabalhadores seja para quem exerce seu ofício no local de trabalho ou em seu domicílio. Com a inclusão do teletrabalho na CLT nasceu também indagações em relação a responsabilidade do empregador em casos de ocorrência de doença ocupacional.
Palavras-chave: teletrabalho; home office; doenças ocupacionais; etc.
Abstract: The present article sought to demonstrate the changes in the understanding about home office arising from Law No. 13.467 / 17 that inserted it in the CLT – Consolidation of Labor Laws as a new mode of work, although it was already being exercised both in the sphere. public as well as private. The article was based on bibliographical research of labor, administrative works, articles and dissertations. The research allows us to identify the need for this type of work in view of the technological evolution that over the years has been more present in the daily lives of workers, whether for those who work in the workplace or at home. With the inclusion of telecommuting in the CLT, questions were also raised regarding the employer’s responsibility in cases of occupational disease.
Keywords: telecommuting; home office; occupational diseases; etc.
Sumário: Introdução. 1. Do teletrabalho. 1.1. Denominações, conceitos e modalidades. 1.2. O fator tecnológico e as vantagens e desvantagens do teletrabalho. 1.3. A responsabilidade do empregador em caso de doença ocupacional ocorrido no ambiente domiciliar. 1.4. A fiscalização do teletrabalho no direito português em comparação ao brasileiro. Considerações finais. Referências.
Introdução
Com o desenvolvimento tecnológico, grandes mudanças ocorreram no dia a dia das pessoas, seja no seu ambiente domiciliar, no seu local de trabalho ou até mesmo em seus momentos de lazer. Essas mudanças tecnológicas, por muitas vezes, facilitam a realização de atividades simples do cotidiano, mas o problema começa quando as legislações vigentes ainda não acompanharam toda essa evolução.
Dentre tantas atividades laborais dependentes da tecnologia, este artigo se delimita a tratar do teletrabalho no Brasil, isto porque apesar de já ser uma atividade que vinha sendo exercida há alguns anos, ela apenas foi inserida na CLT em 2017, e como se não bastasse toda a demora para legislar sobre o assunto, a legislação ainda deixou muitos questionamentos não respondidos.
Antes de buscarmos respostas, é importante entendermos o que seja teletrabalho, em que medida essa evolução tecnológica cooperou para o seu desenvolvimento, e qual a responsabilidade da empresa em situações de doenças ocupacionais em ambientes domésticos sofridos pelo seu teletrabalhador.
No regime de teletrabalho, o trabalho é exercido fora do ambiente da empresa podendo ser feito em casa ou em escritório próximo da residência, mas longe da organização para a qual se trabalha (LACOMBE, 2012, p. 229).
Para ser considerado teletrabalho, a execução das atividades tem que ocorrer em um ambiente distinto daquele utilizado pelo tomador dos serviços, valendo-se o trabalhador de meios telemáticos, informatizados ou baseados em tecnologias da comunicação e informação.
Carlos Henrique Bezerra Leite, define o teletrabalho como uma espécie de trabalho a distância, e não de trabalho em domicílio, isso porque o teletrabalho não se limita ao domicílio, podendo ser prestado em qualquer lugar (LEITE, 2018, p. 226).
O teletrabalho hoje, pode ser considerado uma poderosa ferramenta para as empresas visto que auxilia na diminuição dos gastos mensais e contribui fortemente para uma maior produtividade do funcionário.
Dentro desse cenário de evolução tecnológica que ajuda empregadores e empregados no desenvolvimento da supramencionada atividade, identifica-se como deficitária a fiscalização de um ambiente efetivamente seguro ao trabalhador.
Apesar do teletrabalho ser exercido fora das dependências do empregador, este pode ser responsabilizado na esfera trabalhista e cível por suas omissões ou negligências, pois mesmo o referido sendo uma espécie de trabalho a distância, alguns doutrinadores entendem que é possível que seja realizado um monitoramento eletrônico das funções do teletrabalhador e fiscalizar o cumprimento das orientações preventivas. Além do mais, o art. 2º, da CLT imputa ao empregador, a responsabilidade pelo o ambiente de trabalho, bem como pela orientação e fiscalização.
Nesse artigo será demonstrado como o empregador pode amenizar os riscos de doença ocupacional no ambiente domiciliar, como o mesmo pode fiscalizar o cumprimento das normas de segurança imposta ao teletrabalhador e qual a limitação para essa fiscalização frente ao direito de privacidade garantido pela Constituição Federal a todos os trabalhadores.
É sobre esta espécie de trabalho inserida na CLT pela Lei 13.467/2017 que será tratado neste artigo com o objetivo de se entender o seu conceito, as suas modalidades, as suas vantagens e desvantagens, a importância da evolução tecnológica para o desenvolvimento desta espécie de trabalho, a responsabilidade do empregador em casos de doenças ocupacionais decorrentes dessa modalidade de trabalho e por fim, quais as medidas preventivas e fiscalizadoras a serem tomadas a fim de evitar o surgimento das aludidas doenças ocupacionais.
1 Do teletrabalho
1.1 Denominações, conceitos e modalidades
Não existe uma definição precisa do teletrabalho, mas há várias denominações a fim de se referenciar o instituto, como flexplace, homework, flexwork, telework, telecommuting (SAKUDA; VASCONCELOS, 2005, p. 41), trabalho virtual, home office.
A lei 13.467/2017 inseriu na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, o art. 75-B, onde o legislador entendeu por considerar como teletrabalho, os serviços exercidos fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituem como trabalho externo (BRASIL, 1943).
A referida atividade não se caracteriza como trabalho externo e nem apenas como trabalho em domicílio, haja vista que o mesmo pode ser exercido em qualquer lugar (inclusive em domicílio) desde que não seja no local onde o empregador já delimitou como sede ou filial da empresa, ou seja, o teletrabalho é um trabalho atípico, externo, descentralizado e flexível.
A Convenção 177 da Organização Internacional do Trabalho (2000) considera trabalho em domicílio aquele realizado por uma pessoa em seu domicílio ou em outros locais de sua escolha, mas que sejam distintos dos locais de trabalho do empregador. Essa é uma das características do teletrabalho, pois é uma atividade a distância e que necessita de equipamentos de informática para ser exercido.
Segundo o doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite, o teletrabalho é uma espécie de trabalho a distância, e não de trabalho em domicílio, isso porque o teletrabalho não se limita ao domicílio, podendo ser prestado em qualquer lugar (LEITE, 2018, p. 226).
Para ser considerado teletrabalho, a execução das atividades tem que ocorrer em um ambiente distinto daquele utilizado pelo tomador dos serviços valendo-se o trabalhador de meios telemáticos, informatizados ou baseados em tecnologias da comunicação e informação, sendo estes meios essenciais para a caracterização do teletrabalho e para a execução dos serviços.
Nascimento (2011) define a expressão teletrabalho como aquele que é realizado fora do estabelecimento do empregador com a utilização dos meios de comunicação que o avanço das técnicas modernas põe à disposição do processo produtivo, em especial de serviços (NASCIMENTO, 2011, p. 441).
Para Martinez (2018), o teletrabalho é um conceito de organização laboral e que apesar do teletrabalhador encontrar-se fisicamente ausente da sede do empregador, ele está presente por meios telemáticos (MARTINEZ, 2018, p. 261).
Quanto as modalidades de teletrabalho, Calvo explica (2019):
“No teletrabalho a domicílio, o teletrabalhador não sai de casa para trabalhar. No teletrabalho remotizado, o trabalho é executado em local remoto, distante da empresa, em telecentros ou; em unidades ou escritórios distantes da sede central da empresa ou; em centros satélites, inclusive fora do país. O telecentro é uma estratégia empresarial, decorrente da vaga da reestruturação produtiva e ocupacional, que tem sua lógica na redução dos custos indiretos, na solução do espaço físico e, objetiva assentar o trabalhador em local perto da sua residência, de modo a evitar o deslocamento e o congestionamento do tráfego, ou colocá-lo perto da clientela. O teletrabalho móvel é aquele executado de forma móvel, no lugar onde estão determinados clientes ou; no hotel; ou no ônibus, carro ou avião caso em que o trabalhador executa as suas tarefas fora da sede da empresa, em constante locomoção, mas em contato permanente com o superior hierárquico, mediante o uso das ferramentas telemáticas (Calvo, 2019, p. 39).”
Segundo Francisco Ferreira e Jouberto de Quadros, o teletrabalho pode ser classificado quanto ao critério locativo (NETO; CAVALCANTE, 2019):
- Teletrabalho em domicílio: é o trabalho realizado na casa do empregado ou em qualquer outro local por ele escolhido;
- Teletrabalho em telecentros (centro satélite ou centro local de telesserviço): é o trabalho exercido em um espaço, pertencente ou não a empresa, preparado para o desempenho do teletrabalho;
- Teletrabalho nômade (também conhecido como móvel): o teletrabalhador não tem local fixo para a prestação dos serviços;
- Teletrabalho transnacional: realizado em partes por trabalhadores situados em países distintos, com trocas de informações e elaboração de projetos em conjunto.
Quanto ao critério temporal, pode ser:
- Permanente: quando o tempo de trabalho fora da empresa excede a 90% do tempo trabalhado.
- Alternado: é aquele em que se consome 90% da carga horária no mesmo local.
- Suplementar: ocorre quando o teletrabalho é frequente, mas não diário, sendo pelo menos uma vez por semana (dia completo).
Quanto ao critério comunicativo:
Teletrabalho off-line (desconectado) ou on-line (conectado).
1.2 O fator tecnológico e as vantagens e desvantagens do teletrabalho
Ao longo dos anos houve uma grande evolução tecnológica de softwares, banco de dados, computadores, fibras óticas, equipamentos eletrônicos de comunicação, tecnologia robótica e serviços de informação que estão cada vez mais presentes na sociedade realizando um papel importante seja na área da comunicação ou até mesmo como ferramenta imprescindível para o trabalho.
Para Keen (1993), o conceito de Tecnologia da Informação envolve aspectos humanos, administrativos e organizacionais. Já para Luftman (1993), Tecnologia da Informação é a aplicação de recursos tecnológicos para processar informações.
Com a tecnologia avançada e o aparecimento da sociedade de informação surgiram novas formas de desempenhar o trabalho e modificar as já existentes como por exemplo as atividades em meio período, terceirização do trabalho e contratação de trabalhadores à distância (SANTOS; LAMBARINE; MOREIRA, 2014, p. 39).
O mundo empresarial não é mais o mesmo. Para ter um espaço no mercado de trabalho é necessário estar atualizado com as inovações tecnológicas, pois só assim é possível estar inserido no mundo digital e fazer uso de ferramentas virtuais e de comunicação.
O direito do trabalho vem tentando acompanhar os efeitos da tecnologia nas atividades laborais, isso porque com a tecnologia tão presente no cotidiano dos trabalhadores, algumas atividades já podem ser realizadas apenas por máquinas, diminuindo assim a necessidade de muitas pessoas exercendo essas atividades, mantendo apenas o indispensável para manusear os aludidos equipamentos.
Segundo Lévy (1993), citado por Santos; Lambarine e Moreira, (2014, p. 40):
“A maior parte dos programas computacionais desempenham um papel de tecnologia intelectual, ou seja, eles reorganizam, de uma forma ou de outra, a visão de mundo de seus usuários e modificam seus reflexos mentais. As redes informáticas modificam circuitos de comunicação e de decisão nas organizações. Na medida em que a informatização avança, certas funções são eliminadas, novas habilidades aparecem, a ecologia cognitiva se transforma. O que equivale a dizer que engenheiros do conhecimento e promotores da evolução sociotécnica das organizações serão tão necessários quanto especialistas em máquinas. (LÉVY, 1993).”
Para Di Martino (2001), citado por Heringer (2017), a evolução do teletrabalho decorre do desenvolvimento tecnológico sendo as tecnologias da informação e da comunicação as responsáveis pelas mudanças ocorridas no local de trabalho (HERINGER, 2017, p. 29).
Não há como falar de teletrabalho sem mencionar a importância do fator tecnológico para o desempenho dessa atividade. Hoje em dia quase tudo se resolve apenas com um celular, e no setor laborativo não poderia ser diferente, já que as empresas buscam cada vez mais lucro gastando-se menos com a produção.
A tecnologia da informação e da comunicação ampliou muito o trabalho exercido em casa, haja vista que o trabalhador pode exercer suas atividades por meio de microcomputador, internet, impressora, fax, modem, acesso à redes de computa- dores, correio eletrônico, correio de voz, telefone celular, identificação de chamadas, etc (LACOMBE, 2012, p. 229).
É com investimento em tecnologia que o teletrabalho pôde cada vez mais ganhar espaço e atrair os olhares dos empregadores para uma modalidade de trabalho que permite uma diminuição de gastos e uma maior produtividade.
Tudo isso porque há uma grande gama de benefícios para os empregados e empregadores. Para o empregador, a redução de custo com o espaço físico, a eliminação de distrações tradicionais do local de trabalho como conversas pessoais, fofocas ou políticas da empresa são considerados pontos positivos do teletrabalho, tendo em vista que o teletrabalhador alcança uma maior produtividade.
Muito embora, o teletrabalho possa ser muito vantajoso para quem emprega pessoas nessa modalidade, o aludido pode colocar em perigo as informações e dados, uma vez que o empregador não pode manter em segurança informações que não esteja dentro da empresa (NETO; CAVALCANTE, 2019, p. 91).
Já os teletrabalhadores podem gozar de uma maior flexibilidade de horário e aproveitarem isso para se dedicarem mais tempo à família, e até mesmo reduzirem os custos com transporte e estacionamento, além de reduzir o tempo gasto para ir e vir do trabalho e consequentemente, o estresse causado por esse trajeto.
Entretanto, alguns colaboradores preferem o ambiente do escritório tradicional, pois o teletrabalho tende a manter os teletrabalhadores distantes da política e dos dirigentes de alto escalão o que pode resultar em menos aumentos e promoções (VECCHIO, 2019, p. 108).
Além disso, os problemas familiares, o isolamento e a perda de contato com os colegas, bem como a grande pressão por produtividade são interferências desvantajosas para o profissional (NASCIMENTO, 2014, p. 1059).
Uma outra discussão surgida após a Lei 13.467/17 e que pode ser encarada, a princípio, como desvantagem, é em relação a carga horária. O art. 62, III, da CLT, prevê que o teletrabalho está excluído do regime de jornada de trabalho, isso porque nesta modalidade, o trabalhador deve apresentar resultados, ou seja, não se leva em consideração as horas trabalhadas, mas sim, a quantidade de tarefas realizadas.
Isso dá a entender que o teletrabalhador não tem direito ao pagamento das horas extras e do descanso semanal remunerado, todavia, isso viola o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que o trabalhador a fim de cumprir todas as tarefas rapidamente e cumprir as metas estabelecidas acabará ultrapassando o limite das 8 horas diárias previstas na legislação (art. 7º, inciso XIII, CF) colocando em risco a sua saúde física e psíquica.
Com o intuito de proteger os direitos dos teletrabalhadores e garantir que não sejam violados, a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho (2017) aprovou o Enunciado nº 71 resguardando o direito ao teletrabalhador de receber horas extras e o repouso semanal remunerado, analisemos:
“Säo devidas horas extras em regime de teletrabalho, assegurado em qualquer caso o direito ao repouso semanal remunerado. interpretação do art. 62, iii e do parágrafo único do art. 6º da clt conforme o art. 7º, xiii e xv, da constituição da república, o artigo 7º, “e”, “g” e “h” protocolo adicional à convenção americana sobre direitos humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais (“protocolo de San Salvador”), promulgado pelo decreto 3.321, de 30 de dezembro de 1999, e a recomendação 116 da OIT (Enunciado nº 71).”
Embora, o teletrabalho seja exercido fora das dependências do empregador, este pode ser responsabilizado na esfera cível e trabalhista pelas suas omissões ou negligências, pois mesmo o teletrabalho sendo uma espécie de trabalho a distância, alguns doutrinadores entendem que é possível que seja realizado um monitoramento eletrônico das funções do teletrabalhador e fiscalizar o cumprimento das orientações como medida preventiva.
Este monitoramento, além de outras formas, pode ser realizado através do login e logoff, meio do qual o empregador terá ciência se o seu teletrabalhador está ou não cumprindo o horário de jornada de trabalho legal e gozando dos intervalos a ele concedidos em razão da sua atividade.
1.3 A responsabilidade do empregador em casos de doença ocupacional ocorridos no ambiente domiciliar
Preliminarmente é necessário que se diferencie acidente de trabalho e doença ocupacional. Enquanto aquela decorre de um fato repentino e externo ao trabalhador, esta decorre de forma contínua e internamente se agravando devagar. Para ser considerado doença ocupacional, deve haver um nexo de causalidade entre a atividade laborada e a doença.
O art. 75-E, da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT prediz que é dever do empregador instruir os empregados quanto às precauções devidas, para que assim, se evite doenças e acidentes de trabalho, bem como é dever do empregado assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador (BRASIL, 1943).
A interpretação literal deste dispositivo, pode dar o falso entendimento de que quando se tratar de teletrabalho, o empregador não mais terá responsabilidade quanto ao meio ambiente de trabalho e à observância das normas de medicina e segurança do trabalho (NETO; CAVALCANTE, 2019).
Contudo, este dispositivo deve ser interpretado em sistemática com o art. 157, I e II, CLT, pois cabe a empresa cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho c/c o art. 2, da CLT que imputa ao empregador a responsabilidade pelo o ambiente de trabalho, pela orientação, fornecimento e fiscalização do uso de equipamentos de proteção (BRASIL, 1943).
Desta forma, embora o trabalho também seja exercido no ambiente domiciliar do trabalhador, as obrigações e as responsabilidades para com o ambiente de trabalho continua sendo do empregador, devendo este fiscalizar e fazer cumprir as normas de segurança a fim de se evitar danos ao teletrabalhador.
Nesse mesmo ínterim, a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho (2017) aprovou o Enunciado nº 72 que prediz:
“A mera subscrição, pelo trabalhador, de termo de responsabilidade em que se compromete a seguir as instruções fornecidas pelo empregador, previsto no art. 75-E, parágrafo único, da CLT, não exime o empregador de eventual responsabilidade por danos decorrentes dos riscos ambientais do teletrabalho. Aplicação do art. 7º, XXII da Constituição c/c art. 927, parágrafo único, do Código Civil (Enunciado nº 72, 2017).”
Vejamos, também, o que diz o Enunciado nº 83 aprovada pela mesma Jornada de Direito do Trabalho:
“O regime de teletrabalho não exime o empregador de adequar o ambiente de trabalho às regras da nr-7 (pcmso), da nr-9 (ppra) e do artigo 58, § 1º, da lei 8.213/91 (ltcat), nem de fiscalizar o ambiente de trabalho, inclusive com a realização de treinamentos. exigência dos artigos 16 a 19 da convenção 155 da oit (Enunciado nº 83, 2017).”
Ainda que no teletrabalho, o empregador não esteja presente no âmbito laboral e o teletrabalhador tenha se comprometido a seguir as instruções fornecidas, o empregador deve ser responsabilizado em caso de ocorrência de dano, isso porque ele possui responsabilidade civil objetiva, ou seja, deve ser responsabilizado independentemente de culpa.
É claro que devido ao fato do teletrabalho ser exercido fora das dependências da empresa, a fiscalização por parte do empregador fica mitigada. Entretanto, isto não pode ser usado como alegação para que se exime da culpa, devendo o julgador diante de um caso concreto decidir de forma gradativa, mas nunca deixando de responsabilizar o empregador.
O art. 199 da CLT traz em seu bojo que além da obrigação de fornecer mobiliário adequado, o empregador também é obrigado a orientar o trabalhador quanto a postura correta sempre que a execução da tarefa exija que o trabalho seja feito sentado, a fim de se evitar posições incômodas ou forçadas (BRASIL, 1943).
Nesse mesmo sentido, o item 17.3 da Norma Regulamentadora nº 17 que trata da ergonomia, determina que o empregador deve planejar ou adaptar a mobília de acordo com o trabalho a ser executado, isso vai desde uma cadeira confortável e ajustável ao corpo até ao brilho da tela do computador que será utilizado.
É necessário ressaltar que em razão do recorrente uso de computadores e meios de comunicação telemáticos, os teletrabalhadores estão mais propensos a adquirir, por exemplo, lesões decorrentes de movimentos repetitivos (LER – Lesão por Esforço Repetitivo, DORT – Doença Ortomolecular Relacionada ao Trabalho), inflamações na coluna cervical, pescoço, ombro, braço, mãos e até mesmo a desenvolver problemas oculares.
O art. 72, da CLT garante à aqueles que exercem serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), um repouso de 10 minutos a cada período de 90 minutos de trabalho consecutivo sem que seja deduzido da duração normal do trabalho (BRASIL, 1943).
Essa garantia também é estendida aos trabalhadores que exercem funções semelhantes (Súmula 346, do TST). Como ocorre com a atividade do digitador, o teletrabalho também possui similaridades com os serviços de mecanografia, e por isso deve ter os repousos e as horas extras garantidas para que não comprometa a saúde do teletrabalhador de modo a surgir as doenças ocupacionais oriundas do excesso de trabalho.
Uma maneira de fiscalizar se o teletrabalhador está cumprindo com as normas de segurança a fim de evitar as doenças ocupacionais, é a realização de visitas periódicas ao domicílio do seu trabalhador. Entretanto, essa visita deveria estar prevista no contrato de trabalho, uma vez que o domicílio é asilo inviolável (inciso XI, do art. 5º, CF) e a presença do empregador sem que haja previsão contratual poderia vir a causar constrangimentos ao teletrabalhador e a sua família.
A verdade é que os legisladores brasileiros pecaram em não trazer as formas de fiscalização do teletrabalho demonstrando claramente que a lei 13.467/17 não foi discutida da forma como deveria, deixando agora nas mãos dos operadores do direito o dever de interpretar e buscar solucionar esse problema que vem aumentando dado ao crescimento do número de pessoas trabalhando em regime de teletrabalho no ambiente domiciliar.
Com base em todo o exposto acima, não restam dúvidas que as omissões deixadas pela Lei 13.467/17 trouxeram indagações acerca da fiscalização do cumprimento das normas de segurança e que precisam ser respondidas para que se tenha segurança jurídica tanto para quem contrata quanto para quem é contratado nesta modalidade de trabalho.
1.4 A fiscalização do teletrabalho no direito português em comparação ao brasileiro
A lei 13.467/17 foi omissa quanto ao modo de fiscalização do teletrabalho no ambiente domiciliar, e com isso deixou uma brecha para discussão. Em razão dessa omissão, traz-se o Código do Trabalho de Portugal que em seu art. 170 demonstra claramente o direito à privacidade do trabalhador em regime de teletrabalho:
“Artigo 170º – Privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho:
1 – O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico.
2 – Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho só deve ter por objeto o controle da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efetuada entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada.
3 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.”
Os legisladores portugueses foram mais prudentes ao legislarem sobre o teletrabalho, pois se preocuparam em garantir o direito à privacidade dos teletrabalhadores, ao mesmo tempo em que garantiram aos empregadores o direito de fiscalizar o trabalho exercido por estes em seus domicílios desde que respeitado os horários de visitas e a privacidade do trabalhador e de seus familiares.
Essa preocupação com o horário de visita e com a privacidade da família por parte dos legisladores portugueses não é descabida, haja vista que no teletrabalho em domicílio há um enorme risco de haver uma confusão entre a vida profissional e a vida privada. Além disso, o empregador munido do seu direito de realizar as visitas periódicas poderia vir a exceder-se e agir de forma arbitrária violando a intimidade do teletrabalhador.
Em contrapartida, a legislação brasileira nada trouxe a respeito do tema deixando teletrabalhadores e empregadores sem nenhuma proteção jurídica. Diante da omissão da lei 13.467/17 em relação a fiscalização do teletrabalho, deve o operador do direito lançar mão do direito comparado do Código do Trabalho de Portugal a fim de suprir as lacunas que ainda estão em aberto em razão da morosidade do poder legislativo.
Considerações finais
Neste artigo foi demonstrado alguns aspectos do teletrabalho inserido na CLT pela Lei nº 13.467/17, e que embora já viesse sendo exercido no Brasil há alguns anos, ainda carecia de proteção jurídica, haja vista que diante de um caso concreto, o julgador deveria decidir com base em outros artigos da CLT.
O teletrabalho é uma nova modalidade de trabalho exercida para além das portas do estabelecimento central da empresa podendo ser exercido em telecentros, domicílio ou em qualquer outro local e que tem como a principal característica o uso dos meios telemáticos, informatizados ou baseados em tecnologias da comunicação e informação para a execução das atividades.
A evolução tecnológica contribuiu e tem contribuído para a prática do referido trabalho, isso porque conforme já demonstrado, o teletrabalho só é possível graças ao fator tecnológico que permite exercer o trabalho a distância por meio de e-mails, chamada de vídeo e imagem e sistemas sem que haja a necessidade de estar presente fisicamente no ambiente empresarial.
Muitas são as vantagens do teletrabalho para o empregador, como por exemplo, a redução de custo com o espaço físico, a eliminação de distrações tradicionais do local de trabalho como conversas pessoais, fofocas ou políticas da empresa, mas também para o teletrabalhador que pode gozar de uma maior flexibilidade de horário e aproveitarem isso para se dedicarem mais tempo a família, e até mesmo reduzirem os custos com transporte e estacionamento, além de reduzir o tempo gasto para ir e vir do trabalho e consequentemente o estresse causado por esse trajeto.
Há também as desvantagens para o empregador, tendo em vista que em razão da modalidade do referido trabalho, suas informações e dados podem estar em perigo já que o mesmo não pode manter em segurança aquilo que não está dentro da empresa. Em contrapartida, os teletrabalhadores podem sofrer com a falta de habilidade para separar o momento de lazer do momento de trabalhar, além disso, o isolamento pode causar problemas devido a perda de contato com os colegas e a grande pressão por produtividade.
Nesse artigo também foi demonstrado como o empregador pode amenizar os riscos de doença ocupacional no ambiente domiciliar, como o mesmo pode fiscalizar o cumprimento das normas de segurança imposta ao teletrabalhador e qual a limitação para essa fiscalização frente ao direito de privacidade garantido pela Constituição Federal a todos os trabalhadores.
O art. 157, I e II c/c art. 2 da CLT imputa ao empregador a responsabilidade pelo o ambiente de trabalho, em cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, bem como a orientação, fornecimento e fiscalização do uso de equipamentos de proteção a fim de evitar doenças ocupacionais, mesmo que o teletrabalho seja exercido no ambiente domiciliar do trabalhador.
Ainda que no teletrabalho, o empregador não esteja presente no âmbito laboral e o teletrabalhador tenha se comprometido a seguir as instruções fornecidas, o empregador deve ser responsabilizado em caso de ocorrência de dano, isso porque ele possui responsabilidade civil objetiva, ou seja, deve ser responsabilizado independentemente de culpa.
Contudo, não é fácil para o empregador fiscalizar o cumprimento das normas de segurança, embora uma das maneiras encontradas para fiscalizar seja a realização de visitas periódicas ao local, devendo estar prevista no contrato de trabalho, uma vez que o domicílio é asilo inviolável (inciso XI, do art. 5º, CF) e a presença do empregador sem que haja previsão contratual poderia vir a causar constrangimentos ao teletrabalhador e à sua família.
Os legisladores brasileiros pecaram em não trazer as formas de fiscalização do teletrabalho demonstrando claramente que a lei 13.467/17 não foi discutida da forma como deveria, deixando agora nas mãos dos operadores do direito o dever de interpretar e buscar solucionar esse problema que vem aumentando dado ao crescimento do número de pessoas trabalhando em regime de teletrabalho no ambiente domiciliar.
Sendo assim, conclui-se que a lei 13.467/17 foi omissa quanto a fiscalização e que a mesma não cria mecanismos diretos de prevenção a doenças ocupacionais no ambiente domiciliar, restando a 2ª Jornada do Direito Material e Processual do Trabalho como a única fonte de fundamentação para garantir que os empregadores se responsabilizem pelo o ambiente domiciliar conforme já exposto no decorrer do artigo.
Referências
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[1] Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Graduada em Direito pela Faculdade Mulltivix Vitória. Advogada. E-mail: [email protected].