Danielle Bezerra da Silva[1]
Resumo: Partindo de uma análise histórica acerca do surgimento do Direito do trabalho, o presente estudo discorrerá sobre a licitude da terceirização em todas as etapas da produção. Sua fundamentação estará pautada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e do Recurso Extraordinário (RE) 958252, com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O intuito do presente estudo é expor ideias que corroboram com o atual entendimento do STF, bem como analisar se a terceirização efetivamente ocasiona uma precarização nas condições de trabalho. Nesse mesmo sentido, será analisada duas hipóteses de tentativas de fraude proveniente dos contratos de terceirização de mão de obra. Quais sejam, aquelas em que o empregado é contratado pela prestadora de serviços, mas todos os elementos do artigo 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) são completamente preenchidos em favor da contratante. Quanto a outra possibilidade, ela diz respeito ao enquadramento sindical indevido.
Palavra-chave: Terceirização. Trabalhador. Precarização. CLT.
Abstract: Starting from a historical analysis about the emergence of labor law, this study will discuss the lawfulness of outsourcing in all stages of production. Its rationale will be based on the judgment of the Arbitration of Non-Compliance with Fundamental Precept (ADPF) Nº. 324 and Extraordinary Appeal (RE) 958252, with general repercussion recognized by the Supreme Federal Court (STF). The purpose of this study is to expose ideas that corroborate the current understanding of the FTS, as well as to analyze whether outsourcing effectively causes a precariousness in working conditions. In the same vein, two hypotheses of attempts to fraud arising from labor outsourcing contracts will be analyzed. That is, those where the employee is hired by the service provider, but all elements of Article 2 and 3 of the Labor Law Consolidation (CLT) are completely completed in favor of the contractor. As for another possibility, it concerns the improper union framework.
Keywords: Outsourcing. Worker. Precariousness. CLT
Sumário: Introdução. 1- Contexto histórico. 2- Terceirização sob a ótica do progresso. 3- A possibilidade de nulidade do contrato de terceirização.4- Conclusão.5- Referências.
Introdução
É certo dizer que o direito se constrói dia após dia, evoluindo à medida em que a sociedade se transforma, seja nas esferas política, econômica, social ou cultural, nas quais se faz necessário o respaldo para regulamentação de tais fatos e para disciplinar a vida em sociedade por meio de princípios, normas e sanções. O direito do trabalho trata da relação empregatícia entre empregador e empregado, norteado pelo princípio da proteção, sendo o empregado o hipossuficiente nesta relação.
Para chegar ao conjunto dos direitos trabalhistas dos dias atuais foi preciso modificar vários pontos que mudaram o modo em que o homem enxergava e executava o trabalho. Durante os tempos da escravidão, com surgimento na antiguidade, os escravos eram tidos apenas como coisas por seus proprietários, e, a qualquer momento, poderiam ser vendidos ou trocados por algum objeto ou, até mesmo, por outro escravo. Estes não detinham nenhum tipo de direito, apenas o dever de obedecer às ordens de seu proprietário, sujeitos a qualquer tipo de situação.
O trabalho, nessa época, era realizado somente por aqueles considerados inferiores da sociedade e nunca por homens livres, por ser considerado algo depreciativo. Já na idade média, há uma transição da escravidão para a servidão, quando surgem os feudos. Quem trabalhava eram os servos, subordinados ao senhor feudal. Porém, mesmo após uma pequena melhoria na condição de trabalhador, servos e escravos continuam sem ter direitos. Os servos possuíam apenas algumas concessões dadas pelo senhor feudal e sofriam castigos físicos. Após este período, surgem as chamadas corporações de ofícios, onde os trabalhadores passaram a se organizar por profissões. Cada corporação estabelecia um tipo de atividade, chefiada pelo mestre, com o auxílio dos companheiros que ajudavam os aprendizes a iniciar uma profissão.
Conforme foi mencionado inicialmente, o direito é uma construção que acompanha a sociedade e se molda as relações que surgem no decorrer dos tempos. Sendo assim, no século atual é muito comum que algumas empresas firmem contratos de prestação de serviços com outras empresas que têm como finalidade oferecer mão de obra qualificada aos seus contratantes. Esse tipo de negócio jurídico é conhecido pelo termo terceirização. Devido aos constantes questionamentos por parte de uma parcela da sociedade, no que tange à existência de uma exploração de mão de obra e precarização nas relações de trabalho, surgiu a necessidade de analisar o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no que tange a licitude da terceirização.
Para atingir o objetivo da pesquisa, qual seja: “Analisar a terceirização sob o viés da licitude e do favorecimento ao desenvolvimento social” foi realizada uma pesquisa exploratória, na qual foi possível consultar livros, dissertações e artigos científicos selecionados através de busca nas seguintes bases de dados: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, SciELO e Periódicos Capes. Também foi necessário analisar as legislações mencionadas e descritas no presente estudo, como a Constituição Federal de 1988, a CLT entre outras.
1 Contexto histórico
A legislação trabalhista foi inspirada por um desejo de igualdade e valorização da classe trabalhadora. Em que pese ser unânime o reconhecimento de que o trabalho proporciona ao indivíduo uma vida digna, no período da Revolução Industrial a dignidade do trabalhador era algo que sequer era priorizado.
Sendo assim, nesse período que se deu por volta do século XIX, a situação do trabalhador era degradante em todos os aspectos. Pois, as jornadas de trabalho eram extensas, os ambientes laborativos eram insalubres, os salários eram ínfimos e a saúde e segurança do trabalhador sequer era observada dentro dos postos de trabalho. Sendo esse um dos fatores que ocasionavam a morte do empregado por acidentes de trabalho.
Também era muito comum que aos 30 anos de idade o indivíduo estivesse inapto para o exercício das atividades laborativas. De acordo com Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2012, p. 14), “Os capitalistas (proprietários das máquinas), pela força do poder econômico, ditavam as regras a serem observadas pelos operários, explorando a massa trabalhadora sem a menor preocupação com a condição de vida dos empregados (os proletários). ”
Outro fato de grande consternação se deve à presença de crianças nos locais de trabalho e na baixa contraprestação paga pelos empregadores às mulheres e crianças, que desempenhavam os mesmo ofício dos homens e cumpriam a mesma jornada de trabalho.
Diante dessa exploração desleal da força de trabalho humana, bem como, diante da automação da produção, que ocasionou em um aumento no número de demissões nas indústrias, a população trabalhadora se uniu e lutaram pelo reconhecimento de garantias legais que coibisse a exploração da mão de obra trabalhadora e lhes proporcionassem uma vida digna.
Insta esclarecer que a autonomia privada individual, reconhecida pelo Estado, principalmente a partir da Revolução Francesa. Tratava-se da capacidade de autorregramento das vontades dos indivíduos, por meio de contrato privado em que prevalece o princípio pacta sunt servanda. É o poder de autorregulamentação, poder de autogovernar os próprios interesses, e pressupõe a existência de um sistema de normas que o reconhece.
Neste caso, o ordenamento jurídico reconhece aos particulares o poder de se conferirem normas e, ao mesmo tempo, reconhece tais normas, de modo que todo o
ordenamento jurídico está aparelhado para imprimir-lhes eficácia e validade. Após a Revolução Francesa, a Revolução Industrial vem trazer em seu bojo o fortalecimento da autonomia privada e da liberdade para contratar, de modo que a autonomia passa a assumir grande importância, tornando-se essencial no ordenamento jurídico capitalista, evoluindo para a autonomia privada coletiva, também denominada autonomia sindical. A autonomia privada coletiva, ou autonomia sindical, diz respeito à autonomia do sindicato quanto à sua criação, elaboração de seus estatutos, registro sindical, autonomia e garantias constitucionais contra a ingerência governamental, assim como a autonomia de o sindicato estabelecer normas, culminando nos Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) e Convenções Coletivas de Trabalho (CCT). Nesse processo histórico, no surgimento das primeiras organizações sindicais, contudo, a coalizão de trabalhadores – e até mesmo de empregadores – era proibida, chegando a ser considerada um movimento criminoso punido com prisão.
A respeito da industrialização e seu impacto no meio ambiente do trabalho, Zulma das Graças Lucena (2004, p. 58) afirma que,”A indústria moderna aliada à tecnologia transformou o mundo da natureza: não somente o ambiente construído nas áreas urbanas, como também os demais se tornaram sujeitos ao controle do homem. O impacto da industrialização não se limitou à esfera da produção, afetando a totalidade da relação do homem com a natureza, porque mesmo em áreas primordialmente agrícolas, o uso de tecnologias como fertilizantes, máquinas agrícolas e outros modificou substancialmente as relações prexistentes entre a organização social humana e o meio ambiente”
Diante desse contexto, acolhendo a afirmação de Carlos Henrique Bezerra Leite (2019), é possível afirmar que “o Direito do Trabalho originou-se de três causas principais, quais sejam: econômica (revolução industrial), política (transformação do Estado Liberal – Revolução Francesa – em Estado Social – intervenção estatal na autonomia dos sujeitos da relação de emprego) e jurídica (justa reivindicação dos trabalhadores no sentido de se implantar um sistema de direito destinado à proteção, como o direito de união, do qual resultou o sindicalismo, o direito de contratação individual e coletiva“.
2 Terceirização sob a ótica do progresso
Nos séculos XVII e XVIII, Adam Smith, Thomas Malthus, David Ricardo e Karl Marx apresentaram o desenvolvimento na perspectiva de uma sociedade urbano- industrial, voltada para a acumulação de capital, indicando a importância do desenvolvimento para a concretização do ideário capitalista.
Para esses pensadores, em suas diferentes teses, o conceito de desenvolvimento concebido no campo da economia centrava-se na ideia da acumulação de riqueza e na expectativa que o futuro guarda em si a promessa de um maior bem estar.
A ideia de desenvolvimento nesta concepção está atrelada ao crescimento econômico ou PIB, onde seria o caminho capaz de levar uma sociedade atrasada ao status de avançada, elevando sua capacidade de obter receitas e gerar empregos, tendo assim esse crescimento percebido e beneficiados a todos os cidadãos.
Dessa forma, seguindo esse raciocínio, pode-se considerar que o desenvolvimento econômico é um conjunto de transformações intimamente associadas, que se produzem na estrutura de uma economia, e que são necessárias à continuidade de seu crescimento. Ou seja, são as mudanças que influenciam direta e indiretamente no desenvolvimento econômico.
Fundamentado inclusive no princípio constitucional da livre iniciativa, contido no artigo 1º, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil (CF 1988), os contratos de terceirização de mão de obra possui como fundamento proporcionar o desenvolvimento econômico da nação. Uma vez que, possibilita à empresa contratante que esta reduza custos referentes a encargos sociais, trabalhistas e fiscais. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; ”
De acordo com o mencionado texto constitucional, é permitido tanto o livre exercício de qualquer atividade econômica como também a liberdade de trabalho. Em que pese existir posicionamentos a favor da terceirização, há também opiniões contrárias, sobretudo proveniente dos sindicatos das categorias que afirmam que essa modalidade de contratação ocasiona em um enfraquecimento do poder de negociação e na redução de vantagens trabalhistas.
Em que pese tal preocupação por parte dos sindicalistas ser justificável, pois é verdade que ainda há uma grande massa de trabalhadores que enfrenta diariamente as explorações oriundas dos empregadores. É necessário considerar também que, as violações dos dispositivos legais não é a regra e que atualmente esses mesmos empregados podem contar com uma justiça especializada para solucionar esses litígios. Logo, data vênia aos que posicionam-se contrários à terceirização, mas é essencial que a sociedade volte seus olhos para a realidade do século XXI, onde novos modelos de negócio estão surgindo e o direito, inclusive o direito do trabalho deve acompanhar essa evolução.
Destaca-se que, a legislação continua resguardando os direitos no que tange a saúde e segurança do trabalhador. Martins (2017, p. 182) sustenta que, ” É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato (§ 3º do art. 5º-A da lei n. 6.019/74. A responsabilidade não é da empresa prestadora de serviços, mas da contratante, onde o serviço é prestado. A contratante poderá estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou em local por ela designado (§ 4º do art. 5º-A da Lei n. 6.019/74). Trata-se de faculdade da contratante e não de obrigação.”
Sucede que, esse tema é bastante controverso, tendo em vista que há inclusive quem defenda a ideia de que a terceirização é uma modalidade fraudulenta da aplicação da legislação trabalhista, e advogam no sentido da nulidade do contrato firmado entre empresa contratante e a prestadora de serviços, ocasionando no consequente reconhecimento do vínculo empregatício entre o empregado e a empresa tomadora dos serviços.
Leite (2019, p. 554) posicionando-se contrário à esse tipo de contrato, declara que: “pensamos que a terceirização em atividade-fim, além de precarizar as relações trabalhistas em geral, viola diversos princípios constitucionais, bem como tratados internacionais de direitos humanos, os quais estabelecem o primado do trabalho digno, o valor social do trabalho e da livre-iniciativa, a função socioambiental da empresa, a busca do pleno emprego etc”
Em contrapartida, ao realizar uma análise sobre o direito comparado, Leite (2019, p. 546) cita em sua obra que, “No Japão, segundo o Ministro aposentado do TST, José Ajuricaba da Costa e Silva, ‘a subcontratação e a terceirização são praticadas em larga escala. Os sindicatos japoneses não se opõem a isso, pois entendem que esse sistema maximiza resultados para a empresa (e consequentemente para os empregados) e, por isso, é bom.[…]‘”.
Além do Japão, outros países como Argentina, Espanha, França , México e Itália também adotam a contratação de serviços por meio de empresa terceirizada. Do mesmo modo, assim com no Brasil, esses países proíbem a contratação de trabalhadores por meio de empresa terceirizada com o intuito de desvirtuar a existência de contrato de trabalho entre este e a tomadora dos serviços.
Com efeito, de acordo com o artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”(BRASIL, 1943).
Em Agosto de 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) deu fim ao dilema existente sobre a licitude e ilicitude da terceirização. Por meio do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324 e do Recurso Extraordinário (RE) 958252, com repercussão geral reconhecida, o STF decidiu que a terceirização é lícita em todas as etapas do processo produtivo (atividade-meio ou atividade-fim).
Apesar de posicionamentos contrários afirmarem que esta decisão ofende os princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da vedação ao retrocesso social. Por compreenderem que a terceirização estimula o cometimento de fraudes trabalhistas, a ministra Carmém Lúcia defende que ” a terceirização não é a causa da precarização do trabalho nem viola por si só a dignidade do trabalho. Se isso acontecer, há o Poder Judiciário para impedir os abusos. Se não permitir a terceirização garantisse por si só o pleno emprego, não teríamos o quadro brasileiro que temos nos últimos anos, com esse número de desempregados“.(STF, 2019)
Sobre o enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o ministro relator do Recurso Extraordinário, esclarece que, “foi considerado inconstitucional por violar os princípios da livre iniciativa e da liberdade contratual. ” Leite (2019, p. 552). “Em seu voto, o relator afirmou, ainda, categoricamente que: ‘A terceirização resulta em inegáveis benefícios aos trabalhadores, como a redução do desemprego, crescimento econômico e aumento de salários, a favorecer a concretização de mandamentos constitucionais, como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, sem prejuízo da busca do pleno emprego. O escrutínio rigoroso das premissas empíricas assumidas pelo TST demonstra a insubsistência das afirmações de fraude e precarização. A alusão, meramente retórica, à interpretação de cláusulas constitucionais genéricas não é suficiente a embasar disposição restritiva ao direito fundamental, motivo pelo qual deve ser afastada a proibição [CF, artigos 1º, IV (2); 5º, II (3); e 170 (4)]’.” Leite (2019, p. 553).
A respeito disso, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem sido no sentido da aplicação obrigatória da tese fixada no STF, consoante pode-se observar na leitura da seguinte jurisprudência: ” I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. MULTA PREVISTA NO ART. 477, § 8º, DA CLT. PAGAMENTO COMPLEMENTAR, FORA DO PRAZO LEGAL. Demonstrada violação do art. 477, § 8º, da CLT, merece provimento o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido . II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DO BANHEIRO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. Não há registro no acórdão recorrido de efetiva restrição ao uso do banheiro, tampouco de necessidade de autorização expressa da chefia, para a sua utilização. Assim, a pretensão do autor esbarra no óbice da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. MULTA PREVISTA NO ART. 477, § 8º, DA CLT. PAGAMENTO COMPLEMENTAR, FORA DO PRAZO LEGAL. Não se trata de hipótese de pagamento incorreto ou insuficiente decorrente do reconhecimento judicial de diferenças relativas às verbas rescisórias, mas de pagamento complementar, fora do prazo legal (art. 477, § 6º, da CLT). Nesses casos, esta Corte Superior entende ser cabível a aplicação da multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. III – RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS PELAS RECLAMADAS (ANÁLISE CONJUNTA). COISA JULGADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO INDIVIDUAL. Esta Corte Superior entende não haver litispendência ou coisa julgada entre a ação coletiva e a ação individual ajuizada pelo empregado, porque inexiste identidade subjetiva. Julgados. Recursos de revista não conhecidos . HIPOTECA JUDICIÁRIA. A decisão recorrida está de acordo com a jurisprudência do TST no sentido de que o art. 466 do CPC/73 é compatível com o processo do trabalho e de que a hipoteca judiciária pode ser declarada, ainda na fase de conhecimento, inclusive de ofício pelo julgador. Julgados. Recursos de revista não conhecidos. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. LEVANTAMENTO DOS VALORES DEPOSITADOS EM JUÍZO. ART. 475-O DO CPC/73. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. Esta Corte Superior pacificou o entendimento de que o art. 475-O do CPC/73 não se aplica ao processo do trabalho, uma vez que a execução provisória trabalhista possui regramento próprio previsto na CLT, razão pela qual é incabível a sua aplicação subsidiária. Julgados. Recursos de revista conhecidos e providos . TERCEIRIZAÇÃO. CALL CENTER. ATIVIDADE-FIM. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DE SERVIÇOS. Em sessão realizada no dia 30/08/2018, o STF fixou tese jurídica de repercussão geral, correspondente ao tema nº 725, no sentido de que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante” (ADPF 324/DF e RE 958252/MG). Assim, a matéria já não comporta debates. Recursos de revista conhecidos e providos, para declarar a licitude da terceirização, afastar o reconhecimento do vínculo de emprego com as tomadoras de serviço e julgar improcedentes os pedidos dele decorrentes. Fica mantida a responsabilidade subsidiária quanto à condenação remanescente (Súmula 331, IV e VI, do TST). (TST – RR: 1613005420085030107, Relator: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 08/05/2019, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/05/2019, grifos do autor)”
3 A possibilidade de nulidade do contrato de terceirização
Consoante foi explanado no capítulo anterior, o STF reconheceu a licitude da terceirização em qualquer das etapas do processo produtivo. Contudo, também foi demonstrado que a legislação trabalhista veda a prática de atos que objetivem desvirtuar, impedir ou fraudar os preceitos contidos na CLT. Sendo assim, buscará neste capítulo, analisar a possibilidade de configuração do vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços em decorrência da comprovação da prática de quaisquer dos verbos contidos no artigo 9º da CLT.
A respeito do trabalho empregatício, Mauricio Godinho Delgado (2017, p. 312) entende se tratar da “relação jurídica mais importante e frequente entre todas as relações de trabalho que se têm formado na sociedade capitalista.”. Fato é que, o vínculo empregatício é formado pela combinação de vários elementos fático-jurídicos. Para Delgado (2019, p. 313),”Os elementos fático-jurídicos componentes da relação de emprego são cinco: a) prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer; b) prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; c) também efetuada com não eventualidade; d) efetuada ainda sob subordinação ao tomador dos serviços; e) prestação de trabalho efetuada com onerosidade.”
Ressalta-se que, de acordo com os artigos 2º e 3º da CLT os elementos essenciais para caracterização da relação empregatícia são: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. Repise-se que, todos os elementos devem está presente na relação discutida, pois a presença de apenas um desses elementos ou a ausência de um deles descaracteriza a relação de emprego.
Por questões didáticas é importante dividir o elemento da subordinação em dois tipos, quais sejam: subordinação hierárquica e subordinação jurídica. o primeiro tipo corresponde a relação entre um subordinado e um superior hierárquico. Enquanto que, o segundo, diz respeito ao poder de comando por parte do empregador. Para Manus (2018), “é preciso que os serviços prestados pela pessoa física caracterizem-se pelo caráter subordinado, sem o que igualmente não estaremos diante da figura jurídica do contrato individual de trabalho.”
Consequentemente, o mencionado autor posiciona-se contrário ao reconhecimento da subordinação estrutural,visto que, para ele a subordinação hierárquica é essencial para o reconhecimento do vínculo empregatício. “Se a produção do bem ocorrer sem a subordinação hierárquica, não há contrato individual de trabalho, não encontrando respaldo legal a teoria da subordinação estrutural.” (Manus, 2018).
Manus (2014), ao discorrer sobre a subordinação jurídica, ele explica que, “Se houver trabalho prestado por pessoa física com autonomia, estará ausente um requisito essencial, não se configurando o contrato de trabalho. De igual modo, se o trabalho for prestado por pessoa jurídica, igualmente ausente outro requisito essencial, que é a pessoalidade, não se cogitando de contrato de trabalho. A não eventualidade também é requisito essencial, daí porque sendo eventual o trabalho não se cogita de contrato de trabalho.”
Em consonância com o que foi esposado anteriormente, a CLT assegura a possibilidade de nulidade do contrato firmado que tenha o intuito de lesar a sua finalidade. Logo, ao reconhecer a nulidade do contrato de prestação de serviços entre a contratante e a prestadora de serviços, deverá reconhecer também o vínculo empregatício entre o empregado e o tomador dos serviços prestados.
Diante disso, em que pese não se tratar de um dos elementos da relação empregatícia, mas por se tratar de uma das hipóteses de fraude contratual oriunda de uma prestação de serviços, se faz necessário analisar o enquadramento sindical decorrente das atividades preponderantes do prestador de serviços.
Há situações em que a empresa contratada como terceirizada oferece diversos tipos de serviços para inúmeros perfis de clientes. Diante de realidades como esta, questiona-se acerca de qual seria a categoria sindical que o empregado deverá enquadrar-se. Nos termos do parágrafo 1º do artigo 581 da CLT: “Quando a empresa realizar diversas atividades econômicas, sem que nenhuma delas seja preponderante, cada uma dessas atividades será incorporada à respectiva categoria econômica, sendo a contribuição sindical devida à entidade sindical representativa da mesma categoria, procedendo-se, em relação às correspondentes sucursais, agências ou filiais, na forma do presente artigo.”(BRASIL, 1943, grifos do autor).
Por outro lado, o parágrafo 2º do mesmo artigo esclarece o conceito de atividade preponderante, da seguinte forma: “Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional.”(BRASIL, 1943). Portanto, pode-se utilizar como exemplo uma empresa de Call Center, que oferece serviços para empresas do setor bancário, de comunicação, de telefonia etc. Em casos como este, a atividade preponderante é o serviço de telemarketing, segundo o entendimento jurisprudencial do TST. “AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. ENQUADRAMENTO SINDICAL. ATIVIDADE PREPONDERANTE. ARGUMENTO INOVATÓRIO. Nos termos do artigo 511, § 2º, da CLT, o enquadramento sindical se dará, em regra, pela atividade preponderante do empregador. Excepcionalmente, em função de condições de vida singulares, o enquadramento observará a atividade exercida pelos empregados que formarão categoria diferenciada (artigo 511, § 3º). O artigo 581, § 2º, da CLT, por sua vez, define como atividade preponderante aquela que constitui o objetivo final da empresa, para o qual todas as demais atividades convirjam. No caso, o Tribunal Regional, soberano na análise da prova, concluiu que a Reclamante deveria ser enquadrada na categoria profissional representada pelo Sindicato dos Empregados de Empresas de Telemarketing – SINTRATEL – na medida em que a atividade preponderante da Reclamada era o serviço de telemarketing, sendo esta também a atividade exercida pela Reclamante. Consignou, ainda, que o SINTRATEL possui representatividade na cidade de São Paulo. Registrou que “em razão de que a atividade preponderante da reclamada era relativa ao serviço de telemarketing e que a autora trabalhava em função do atendimento prestado, aplicam-se, ao caso dos autos, as normas coletivas juntadas com a petição inicial firmadas pelo Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing e Empresas de Telemarketing da Cidade de São Paulo e Grande São Paulo – SINTRATEL, como bem explicitado na sentença, sendo devidos os títulos oriundos do correto enquadramento sindical”. Nesse contexto, para se chegar a entendimento diverso, necessário o revolvimento dos fatos e provas, o que é vedado nessa esfera recursal, a teor da Súmula 126/TST . No mais, os argumentos em relação à aplicação do acordo coletivo configuram inovação recursal, não cabendo sua análise nesta fase processual. Nesse contexto, não afastados os fundamentos da decisão agravada, nenhum reparo merece a decisão. Ademais, constatado o caráter manifestamente inadmissível do agravo, impõe-se a aplicação da multa prevista no artigo 1.021, § 4º, do CPC/2015, no percentual de 5% sobre o valor dado à causa (R$ 170.000,00), o que perfaz o montante de R$ 8.500,00, a ser revertido em favor da Reclamante, ora Agravada, devidamente atualizado, nos termos do referido dispositivo de lei. Agravo não provido, com aplicação de multa. (TST – Ag-AIRR: 22610420105020002, Relator: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 26/06/2019, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/06/2019, grifos do autor)”
Conclusão
Diante do exposto conclui-se que, a luta da classe trabalhadora por melhores condições de vida e maiores garantias legais permanece constante. Isto posto, deve-se considerar também que a abordagem neoclássica da economia defende a ideia de que desenvolvimento se irradia concentricamente, trazendo a todos em algum momento o mesmo nível de progresso material, social, cultural dos países pioneiros capitalistas. Logo, a falta de sistematização juntamente com pensamentos inadequados e atitudes mal planejadas podem conduzir à ocorrência do erro metódico humano, que consequentemente inviabilizará o alcance dos padrões e metas esperados.
Em razão disso, aqueles que lutam pela melhoria nas relações entre empregados e empregadores, sobretudo as entidades sindicais devem atuar de modo imparcial velando sempre pela proteção a saúde e segurança do trabalhador, bem como pelo devido cumprimento da legislação trabalhista. Considerando inclusive, o fato de que as condições de trabalho atuais do século XXI, tem se modificando e pensamentos engessados favorecem apenas o retrocesso social. principalmente quando se trata de um país como o Brasil que atualmente enfrenta um alto índice de desempregados que estão custeando suas despesas com renda provenientes da informalidade.
Logo, exploração e desumanidade seria não enxergar a realidade econômica do Brasil e consequentemente não viabilizar maneiras de reinserir esses indivíduos no mercado de trabalho. Portanto, é necessário considerar também que o direito deve ser flexível e harmônico, mas em favor do desenvolvimento econômico do país é inegociável a dignidade, a saúde e a segurança do trabalhador brasileiro. Tendo em vista que essas premissas são primordiais para um verdadeiro progresso social de uma nação.
Referências
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BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 16 dez. de 2019.
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LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 2019. 11ª edição. Saraiva.
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. A subordinação hierárquica como elemento essencial para o vínculo de emprego. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-set-28/reflexoes-trabalhistas-subordinacao-hierarquica-essencial-vinculo-emprego>. Acesso em: 16 dez. de 2019.
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Subordinação jurídica ainda é requisito essencial ao contrato de trabalho. 2014. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-nov-07/reflexoes-trabalhistas-subordinacao-juridica-ainda-requisito-essencial-contrato-trabalho>. Acesso em: 16 dez. de 2019.
MARTINS, Sergio Pinto. Terceirização no direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017
NETO, Francisco Ferreira Jorge; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. 6. ed. Atlas, 2012.
SCHUSSE, Zulma das Graças Lucena. O Desenvolvimento Urbano Sustentável – Uma Utopia Possível?. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 9, p. 57-67, jan./jun. 2004. Editora UFPR.
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[1] Advogada Trabalhista, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Uninabuco/PE e Pós-Graduanda em Novo Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected]