Autor: Tiago Marques Nogueira – Acadêmico de Direito – Ciesa
Orientador: Msc. Leland Barroso de Souza
Resumo: Este ensaio busca desmistificar o mandado de segurança no campo do direito eleitoral sobre sua área de utilização, competência para julgamento e legitimidade ativa e passiva do remédio constitucional. O trabalho analisa a história, legislação, doutrina e jurisprudência sobre o tema como forma de partida para entender a ação civil constitucional nesse campo. Destaca-se na pesquisa o método dedutivo, que faz uso de premissas gerais para chegar a uma hipótese concreta. O problema da pesquisa é: Qual o cabimento do Mandado de Segurança na seara eleitoral? Qual órgão é competente para julgá-lo nesse âmbito? Quem são os legitimados ativos para impetrá-lo e os passivos para serem impetrados no mandado de segurança em matéria eleitoral?
Palavra-chave: Mandado de Segurança. Direito Eleitoral. Competência. Legitimidade. Cabimento.
Abstract: This essay seeks to demystify or demand a field of electoral law over its area of use, competence for judgment, and active and passive legitimacy of the constitutional remedy. The paper analyzes the history, legislation, doctrine and jurisprudence on the subject as a starting point to understand the constitutional civil action in this field. It stands out in research or deductive method, which makes use of general premises to obtain a concrete hypothesis. The research problem is: What is the fitting of the Writ of Mandamus in the Electoral Area? Which body is competent to judge in this context? Who are the legitimate assets to drive it and the liabilities for non-compulsory impulses in electoral security?
Keywords: Writ of Mandamus. Electoral law. Competence. Legitimacy. Fitting.
Sumário: Introdução. 1. História do Mandado de Segurança. 2. O mandado de segurança no Brasil. 3. Cabimento do mandado de segurança eleitoral. 4. Competência do mandado de segurança eleitoral. 5. Da legitimidade do mandado de segurança eleitoral. 6. Considerações finais. 7. Referências.
INTRODUÇÃO
Discorrer sobre o mandado de segurança na seara eleitoral é uma atividade desafiadora. Esse ensaio busca analisar o mandado de segurança e sua aplicação em uma área pouco estudada: Direito Eleitoral, esclarecendo pontos fundamentais como: cabimento, competência e os seus legitimados.
O remédio constitucional do mandado de segurança é uma ação constitucional de natureza civil que tem a finalidade de proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus e habeas data. É uma ação de proteção do cidadão com semelhança do writ americano e do juicio de amparo mexicano. Tem peculiaridades como as hipóteses de cabimento e não cabimento, os seus legitimados e a competência para julgamento.
O objetivo é desmistificar o mandado de segurança em matéria eleitoral pois seu uso é comum quando ligado ao processo civil, mas existe a aplicabilidade deste importante instrumento no Direito Eleitoral. O método de pesquisa é o dedutivo, ou seja, procede do geral para o particular, analisando as circunstâncias históricas, leis, doutrinas e jurisprudências para chegar a conclusões mais específicas. O problema é conjuntural: qual o cabimento, competência e legitimados do mandado de segurança eleitoral? A resposta serve para elucidar o conhecimento dessa ação, ainda desconhecida apesar de sua ampla divulgação na processualística civil.
O preâmbulo encerra-se com a apresentação da estrutura do artigo científico ora apresentado, que se desenvolve nas seguintes fases:
1 – História do mandado de segurança – abordando a parte histórica do instituto no mundo;
2 – Analisando a historicidade da ação no ordenamento jurídico brasileiro;
3 – Cabimento do mandado de segurança eleitoral – analisando em que questões é possível o seu manejo na matéria eleitoral;
4 – Competência do mandado de segurança – verificando quem é o órgão que julga o mandado de segurança eleitoral;
5 – Legitimidade do mandado de segurança eleitoral – identificando quem são os legitimados ativos e passivos da ação constitucional;
6 – Considerações finais.
Essa é a estrutura do presente trabalho com o fito de esclarecer a competência, cabimento e legitimidade do mandado de segurança eleitoral.
- HISTÓRIA DO MANDADO DE SEGURANÇA
O mandado de segurança deve ser estudado dentro de sua historicidade para termos uma noção de suas ideias ao longo da construção do direito no mundo e principalmente no Brasil. Não podemos negar que olhar para o passado é fundamental para a construção do futuro e entender esse instituto a partir desse enfoque, naturalmente nos colocará numa posição mais crítica para avaliarmos o mandado de segurança em matéria eleitoral.
Devemos antes de tudo traçar as características dos momentos históricos, as circunstâncias para poder compreender como de fato o instituto foi influenciado. Para desenharmos esse quadro, faz-se necessário uma regressão: A história do mandado de segurança está relacionada com a história da limitação do poder estatal. Os primeiros movimentos nesse sentido segundo Rocha (MANDADO DE SEGURANÇA: A DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS, 1987) foram encontrados nas sociedade romana e inglesa, através da autoridade romana e da Magna Carta de 1215 quando barões ingleses limitaram o poder de tributar do Rei da Inglaterra.
Segundo Temer (ELEMENTOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 1987) o Estado era absolutista, não havia a separação dos três poderes (Executivo, Legislativo e o Judiciário) todas essas funções eram do soberano. O Estado necessitaria ser freado para emergir o Estado Democrático de Direito, um Estado, nos dizeres de Masson (MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 2016), que depende da limitação jurídica ao poder político e estabilidade dos direitos e garantias individuais. E o marco dessa passagem é a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos que colocavam em xeque o poder estabelecido e garantia ao povo mais participação e decisão. Essa nova concepção também deixou vestígios no Direito e essa é a baliza da criação de instrumentos jurídicos de defesa do cidadão perante o Estado.
A partir desses acontecimentos históricos temos uma série de criações legislativas semelhantes ao nosso mandado de segurança, trata-se do writ, uma medida geral de proteção contra atos privados e públicos nos Estados Unidos. A legislação mexicana também traz em seu bojo o juicio de amparo e não podemos deixar de citar o mandamus na Inglaterra que visa atos administrativos de demissão. (CAMPOS, André Luiz Nogueira Borges de. O mandado de segurança em matéria eleitoral.2008. fls. 15. Monografia – Escola Judiciária Eleitoral do Amazonas – EJE/AM, Manaus, 2008).
Portanto, a conexão do mandado de segurança com o Estado Democrático de Direito é evidente. O império da lei, a garantia das liberdades fundamentais e o controle de legalidade do Judiciário são facetas do remédio constitucional em análise e que refletem sua herança histórica como um instrumento de defesa das liberdades individuais perante excessos do Estado.
- O MANDADO DE SEGURANÇA NO BRASIL
O mandado de segurança é uma criação do direito brasileiro como ensina Temer (2012, p. 187): “O mandado de segurança foi introduzido no direito brasileiro na Constituição de 1934 e não há similar no direito estrangeiro.”
Embora o mesmo tenha sofrido influência de institutos estrangeiros, nos dizeres de Gomes (2016, p. 229): “Historicamente, deriva do writ of habeas corpus, tendo também se inspirado no juicio de amparo mexicano.”
A doutrina brasileira também faz uma distinção entre direito e garantia: “De um lado, há os direitos propriamente ditos, que são os dispositivos normativos que visam o reconhecimento jurídico de pretensões inerentes à dignidade de todo ser humano. De outro lado, temos as previsões normativas que asseguram a existência desses direitos propriamente ditos, sendo denominadas garantias fundamentais. (RAMOS, 2014, p. 56)”
A garantia do mandado de segurança no Brasil tem um histórico bem definido na visão de Aires Filho (MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA ELEITORAL, 2002), quando divide a sua historiografia em três momentos: FASE DE PRÉ-TENSÃO, FASE DE TENSÃO E FASE DE ADOÇÃO.
A primeira fase (PRÉ-TENSÃO) é aquela em que se tem uma tentativa de limitar o poder do estado com a possibilidade de anular atos administrativos porém sem eficácia. A Lei n° 221/1984 é a referência dessa fase e objetiva o controle dos atos administrativos imperiais que mais tarde é expandida para abarcar atos da administração estadual e municipal.
A falta de efetividade gerou a busca por um novo meio jurídico que pudesse efetivar esses direitos em face do estado como as medidas possessórias e até mesmo o habeas corpus, quando do uso da teoria brasileira do habeas corpus que objetivava ampliar a abrangência desta ação para abarcar qualquer atividade lícita. (Barbi, Passos e Sidou, 1963, p. 11), essa é a segunda fase (FASE DA TENSÃO), onde as dificuldades técnicas se sobressaem.
Dessa celeuma, segundo Aires Filho (O MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA ELEITORAL, 2002) vem a busca para a criação de um mecanismo legítimo de defesa dos interesses individuais que desaguaram na lei n° 191/1936 que disciplinava a segurança com algumas exceções que enfim separaram-no do habeas corpus e inicia-se a última fase: a adoção, marcada pelas primeiras ideias do mandado de segurança até a sua consolidação.
Eis que surge o Estado Novo e a constituição de 1937 tira o mandado de segurança do plano constitucional, no entanto o decreto-lei n° 6/37 trazia previsão a ele e portanto ficou no ordenamento jurídico brasileiro, mas com uma função muito restrita e até mesmo sem eficácia, haja visto que a redação não permitia uma proteção do indivíduo, veja na seguinte lição de Barbi, Passos e Sidou: “Seguiu-se o denominado Estado Nôvo, cuja Carta Política não consagrou o remédio do mandado de segurança, reconhecido, todavia, pela Ditadura, no Decreto-lei n. 6, de 1937, embora com âmbito de aplicação assás estreito, o que tornou impraticável a inovação do writ.” (Barbi, Passos e Sidou, 1963, p. 15).
Segundo os mesmos autores Barbi, Passos e Sidou (ESTUDOS SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA ,1963) criou-se o código de processo civil de 1939 que resgata o instituto no plano infraconstitucional e em seguida na Constituição de 1946 retoma o mandado de segurança a garantia constitucional.
O advento da Constituição de 1967 criou o regime militar no Brasil que trazia uma redação similar a CF/88, esta última com novidades em relação aos antigos institutos, conforme se depreende da obra de Lenza (DIREITO CONSTITUCIONAL ESQUEMATIZADO, p.1045).
A Carta Cidadã constitucionaliza novamente o patamar da figura do mandado de segurança preventivo para a defesa de ameaça de lesão a direito líquido e certo e não somente a figura do mandado de segurança repressivo. É uma novidade o mandado de segurança coletivo, conforme leciona Moraes (DIREITO CONSTITUCIONAL, 2017) para a defesa de direitos e garantias fundamentais. Foi evoluída também o entendimento do que é autoridade pública para abranger os que mesmo não sendo do serviço público estivesse na posição de órgão de pessoa jurídica de direito público. Essa inovação garante uma ampliação na proteção do cidadão e hoje o mandado de segurança é ao lado do habeas corpus os principais remédios constitucionais em voga no Brasil.
CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA ELEITORAL
O mandado de segurança pode ter finalidade eleitoral, como reconhece Lenza ao dizer que “é uma ação de natureza civil, qualquer que seja a natureza a natureza do ato impugnado, seja ele administrativo, seja ele jurisdicional, criminal, eleitoral, trabalhista etc.” (LENZA, 2012, p. 1044).
O cabimento do mandado de segurança eleitoral, nos dizeres de José da Cunha Nogueira:“(…)são precisamente aqueles que atacarem quaisquer atos contra as garantias dos eleitores, dos eleitos ou de candidatos a eleição, como tais.” (NOGUEIRA, 1987, p. 24)
O campo de atuação do mandado de segurança eleitoral é definido pelo autor Dorval Aires Filho (2002 e p.48), vejamos:
“Tipicamente, o mandado de segurança poderá ser usado, opondo-se a atos provenientes de dois grandes eixos: administrativos, relacionados com a atividade-meio (tribunais) e judiciais, relacionados com a atividade-fim (juízes, tribunais). Logo no primeiro, podem ser contestados via mandado de segurança, atos que proclamam impedimentos, designam, retardam, omitem ou suspendem a nomeação de juízes zonais, promotores e funcionários a serviço; portarias que, inadvertidamente, desobedecem à ordem de antiguidade, ou que, sem qualquer observância normativa, reconduzem ou afastam escrivãs; medidas outras que negam ou concedem vantagens; matérias relativas a concursos públicos, enfim, demais posturas que se relacionam com o funcionamento da Justiça Eleitoral.
No segundo grupo, a possibilidade do uso do instrumento decorre de atos que envolvam direitos políticos, ações específicas, investigações, impugnações, reclamações, consultas, problemas processuais decorrentes destas inciativas, entre eles, a legitimidade e a competência, além dos recursos cabíveis e até a sua existência, quanda não há, expecionalmente, previsão para que se defenda diante de uma decisão judicial, portanto, um grande eixo que abrange o direito de votar e ser votado nas disputas por cargos eletivos, seja qual for a esfera de poder .”
O campo de incidência do mandado de segurança eleitoral é a matéria com pertinência eleitoral que pode estar em um dos grupos abordados acima: eixo administrativo-judicial e os que concernem a direitos políticos mesmo que praticados por autoridades não eleitorais, mas que afetem as matérias acima descritas.
Importante abordarmos o mandado de segurança eleitoral e os atos judiciais pois ele não se presta a ser sucedâneo recursal. Ele só é cabível contra ato judicial teratológico. Nesses casos o mandado de segurança eleitoral vêm sendo defendido pela doutrina:
Veja ensinamento de Aires Filho (2002, p. 64): “(…)não raras vezes, havendo ato judicial teratológico, têm os tribunais conhecido e julgado mandados de segurança(…)”.
No mesmo sentido Coelho (2012, p. 440): “O Mandado de Segurança em matéria eleitoral é cabível para questionar decisões administrativas, decisões judiciais irrecorríveis e decisões judiciais teratológicas, (…)”.
Encontra eco também na doutrina de Velloso (ELEMENTOS DE DIREITO ELEITORAL, 2016) quando advoga que o ato judicial é passível de mandado de segurança no direito eleitoral, desde que evidenciada situação teratológica.
A jurisprudência respalda o entendimento doutrinário nitidamente ao exigir a evidência da teratologia.
“Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais.”
MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL QUE NÃO CONCEDEU EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ELEITORAL. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO POR WRIT. TERATOLOGIA E DANO IRREPARÁVEL NÃO EVIDENCIADOS. INDEFERIMENTO DA LIMINAR E DO PRÓPRIO MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL. FUNDAMENTOS DA DECISÃO NÃO INFIRMADOS. AGRAVO DESPROVIDO. – A excepcionalidade para admissão do mandado de segurança contra atos judiciais, só existe diante de decisão teratológica, concomitante a dano irreparável manifestamente evidenciado. […]- Agravo regimental desprovido. (AgR-MS 3723, Rel. Ministro MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, julgado em 05/05/2008, DJ – Diário da Justiça, Volume 1, Tomo I, Data 12/06/2008, Página 14, sem grifos no original).
O mandado de segurança tem hipóteses de não cabimento como ensina Meirelles (1999, p. 40):
“A regra é o cabimento do mandado de segurança contra ato de qualquer autoridade, mas a lei o excepciona contra o que comporte recurso administrativo com efeito suspensivo, independente de caução; contra decisão ou despacho judicial para o que haja recurso processual eficaz, ou possa ser corrigido prontamente por via de correição (…)”.
Essa regra também se aplica ao mesmo instituto no direito eleitoral como reconhece o jurista Coelho (2012, p. 440): “não sendo cabível contra ato passível de recurso ou correição.”
Também não é cabível contra decisão judicial transitada em julgado, conforme súmula 268 do Supremo Tribunal Federal:
“Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.”
Devemos dar atenção especial para a hipótese de não cabimento contra lei em tese: “O mandado de segurança não pode ser armado contra normas abstratas eleitorais, leis ou resoluções incapazes de gerarem, por si sós, situações práticas. É o caso de se impetrar um mandamus, visando, por exemplo, inviabilizar a produção normativa, ou parte dela, em tese, ou seja, sem apontar seus efeitos reais.” (AIRES FILHO, 2002, p. 50).
Não podemos deixar de analisar o cabimento do mandado de segurança coletivo em matéria eleitoral. Antes uma breve conceituação deste instituto a luz de Masson (MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 2016) que afirmar ser o mesmo mandado de segurança individual porém com uma perspectiva coletiva que modifica seu objeto e legitimação ativa.
Na doutrina de Aires Filho, temos uma diretriz que encaminha a resposta do cabimento do mandado de segurança coletivo eleitoral, vejamos: “Não é preciso ir muito longe para identificar estes postulados. Basta observar o que preconiza a Consituição Federal em pelo menos duas passagens: nos seus princípios fundamentais e no capítulo destinado ao Partido Político. São as seguintes máximas: soberania nacional; cidadania; dignidade humana; regime democrático e pluripartidarismo político, além de os direitos relativos às agremiações partidárias, que vão desde sua criação, organização, recursos do fundo partidário, funcionamento e acesso gratuito ao rádio e a televisão.” (AIRES FILHO, 2002, p. 86).
O cabimento do mandado de segurança eleitoral em relação ao momento processual conforme leciona Velloso (ELEMENTOS DE DIREITO ELEITORAL, 2016) não encontra limitação, sendo possível seu manejo em qualquer fase do processo eleitoral.
Portanto essas são as hipóteses de cabimento e não cabimento material e cabimento do momento processual do mandado de segurança eleitoral e é importante esclarecer agora quem é o competente para julgamento dessa ação constitucional no direito eleitoral.
COMPETÊNCIA DO MANDADO DE SEGURANÇA ELEITORAL
A competência é a “(…) de que o instituto seja a medida da jurisdição, ou ainda a quantidade de jurisdição delegada a um determinado órgão ou grupo de órgãos.”(NEVES, 2017, p. 216). Importante lembrar que a jurisdição não tem fragmentação, sendo um poder uno porém não irrestrito, conforme lição de Santos (PRIMEIRAS LINHAS DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, 2004).
A competência do mandado de segurança eleitoral é obviamente os componentes da Justiça Eleitoral, porém não sendo a autoridade coatora do âmbito eleitoral, ainda sim permanece a sua competência: “Mesmo não sendo eleitoral a autoridade coatora, competente para conhecer do pedido de mandado de segurança relativo a matéria eleitoral será essa justiça (…)” (NOGUEIRA, 1987, p. 24).
Segundo Costa (2000, p. 205), a Justiça Eleitoral é assim composta:
“São órgãos da Justiça Eleitoral, consoante o art. 118 da CF/88:
- o Tribunal Superior Eleitoral
- os Tribunais Regionais Eleitorais
- os Juízes eleitorais
- as juntas eleitorais”
Analisemos cada uma e seguidamente elucidaremos a sua competência.
O Tribunal Superior Eleitoral tem sua competência fixada no Art. 22 do Código Eleitoral. Vejamos:
“Art. 22. Compete ao Tribunal Superior:
I – Processar e julgar originariamente:
(…)
- e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, relativos a atos do Presidente da República, dos Ministros de Estado e dos Tribunais Regionais; ou, ainda, o habeas corpus, quando houver perigo de se consumar a violência antes que o juiz competente possa prover sobre a impetração;”
No entanto, através da Resolução 132, de 1984 a expressão: “ou mandado de segurança” foi suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal que não aplica esse artigo para atos eleitorais do Presidente da República, devido ao artigo Art. 102, I, “d”, CF/88 porém tem aplicação normal para as outras autoridades ali previstas.
Os Tribunais Regionais Eleitorais tem a sua competência estabelecida no Art. 20 do Código Eleitoral e também existe menção expressa do julgamento do mandado de segurança:
“Art. 29. Compete aos Tribunais Regionais:
I – processar e julgar originariamente:
- e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, contra ato de autoridades que respondam perante os Tribunais de Justiça por crime de responsabilidade e, em grau de recurso, os denegados ou concedidos pelos juizes eleitorais; ou, ainda, o habeas corpus quando houver perigo de se consumar a violência antes que o juiz competente possa prover sobre a impetração;”.
A redação é clara: esse órgão julga o mandado de segurança eleitoral quando os juízes eleitorais o denegam ou concedem em grau recursal e quando autoridades respondem perante os Tribunais de Justiça.
Existe uma situação curiosa, descrita por Aires Filho (O MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA ELEITORAL, 2002) que é a competência para apreciar o mandado de segurança contra ato do presidente do TRE. Segundo a obra, cabe ao próprio órgão fazer esse julgamento, confirmada pela jurisprudência que garante não somente a hipótese de ato do presidente do TRE mas de membro do mesmo órgão:
“Agravo regimental. Mandado de segurança. Ato de juiz de Tribunal Regional Eleitoral. Incompetência do Tribunal Superior Eleitoral. Desprovimento. 1. Consoante o art. 22, VI, da LC nº 35/78 e a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, não compete a esta Corte processar e julgar, originariamente, mandado de segurança impetrado contra ato de membro de Tribunal Regional Eleitoral. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, prejudicado o pedido de reconsideração.”
(Ac. de 25.3.2014 no AgR-MS nº 85094, rel. Min. João Otávio de Noronha.)”
(TSE – MS: 357836920086000000 MACAPÁ/AP 45142008, Relator: Min. Antônio Cezar Peluso, Data de Julamento: 11/03/2008, Data de Publicação: DJ – Diário de Justiça – 17/03/2008 – Página 2-3) Mandado de Segurança. Impetração contra ato de Presidente de TRE. Incompetência do TSE. Declinação de competência. Remessa dos autos. Precedentes. A competência para apreciar e julgar mandado de segurança voltado contra ato de Presidente de Tribunal Regional é do próprio tribunal.
Os juízes eleitorais tem sua competência definida no Art. 35 do Código Eleitoral:
“Art. 35. Compete aos juízes:
III – decidir habeas corpus e mandado de segurança, em matéria eleitoral, desde que essa competência não esteja atribuída privativamente a instância superior.”
Segundo Aires Filho (O MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA ELEITORAL, p. 36) “a competência dos juízes eleitorais em matéria de mandado de segurança é puramente residual, ou seja, não sendo matéria afeta ao TSE nem aos TREs é que lhes competem o processamento e decisão do remédio heroico.”
As juntas eleitorais segundo Barretto (Direito Eleitoral, 2012) não possuem capacidade de julgamento pois são órgãos de natureza administrativa para facilitar a apuração eleitoral, por isso não julgam o remédio constitucional aqui discutido.
Por fim é importante observar que a competência do mandado de segurança eleitoral segue algumas regras de fixação bem explicadas nas palavras de José da Cunha Nogueira:
“É uma competência ratione autoritatis, porque depende da qualificação da autoridade pelo critério acima; e racione numeris, isto é, em razão do cargo ou função da autoridade contra a qual se requer o mandado. Aquela regra sofre, porém, exceção nos casos de competência da Justiça Eleitoral, competência que é ratione materiae “em matéria eleitoral” (NOGUEIRA, 1987, p. 25).
Portanto a fixação da competência do mandado de segurança eleitoral é definida pela categoria da autoridade coatora e seu local e obviamente verificando a questão da pertinência eleitoral.
DA LEGITIMIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA ELEITORAL
A legitimidade é conceituada com maestria na doutrina pelo autor Câmara (2017, p. 43): “Legitimidade é a aptidão para ocupar, em um certo caso concreto, uma posição processual ativa. Exige-se tal requisito não só para demandar (aquilo que se costuma referir como “legitimidade para agir”), mas para praticar qualquer ato de exercício do direito de ação. Assim , exige-se legitimidade para demandar, para contestar, para requerer a produção de uma prova, para recorrer etc.”.
A legitimidade do mandado de segurança eleitoral pode ser ativa (impetrante) e passiva (impetrado) e é abrangente, passando por pessoas físicas e jurídicas que podem ser de direito público conforme obra de Gagliano (NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL, 2017) são as conhecidas pessoas de direito público interno: União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as de direito público externo são os Estados estrangeiros e todas as pessoas regidas pelo direito internacional público e privado segundo o mesmo autor são as conhecidas pessoas de direito privado: sociedades civis, religiosas, pias, morais, etc, sociedades mercantis, partidos políticos, etc., englobando autarquias e fundações e até entes despersonalizados. O legitimado ativo é o detentor do direito líquido e certo e o legitimado passivo é a autoridade coatora segundo Masson (MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 2016).
Especificando a matéria eleitoral, temos valiosa lição de Velloso (ELEMENTOS DE DIREITO ELEITORAL ,2016) que afirma que o polo ativo do mandado de segurança eleitoral temos os candidatos, eleitores e os representantes dos partidos desde que se tenha direito líquido e certo lesado ou ameaçado por autoridade pública ou agente e o polo passivo na lide mandamental são os juízes eleitorais, os presidentes dos tribunais e os próprios tribunais.
Sobre o polo passivo é importante registrar a questão do ato de dirigente de partido político. Sendo estes últimos pessoas jurídicas de direito privado e o mandado de segurança remédio contra abusos de autoridades públicas, surgiu a dúvida sobre a possibilidade do mandado de segurança contra ato praticado por este.
No entanto a celeuma já foi resolvida, conforme ensinamento de Gomes (DIREITO ELEITORAL, 2015) pois a lei do mandado de segurança trouxe dispositivo que equiparou a autoridades públicas os representantes ou órgãos de partidos políticos.
Em direito eleitoral a matéria tem contornos específicos, são os casos dos órgãos políticos e do eleitor que em determinadas hipóteses não possuem legitimidade segundo Aires Filho (O MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA ELEITORAL, 2002).
A ilegitimidade dos partidos políticos e do eleitor em nível local perante o Tribunal Superior Eleitoral é fundamentada com base em um escalonamento, numa hierarquia entre Juízes Eleitorais, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunal Superior Eleitoral que forma uma espécie de pirâmide de exclusão conforme determinado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
A questão da representação judicial é afeta nesse tópico e para as pessoas jurídicas de direito privado, vale a lição preciosa do autor Daniel Amorim Neves: “A pessoa jurídica é representada por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores (Art. 75, VIII, do Novo CPC)” NEVES, 2017, p. 168).
Segundo o mesmo autor Neves (Manual de Direito Processual Civil, 2017) as pessoas jurídicas de direito público são assim representadas: a Advocacia Geral da União representa a União, os procuradores são os representantes dos Estados e no caso dos municípios se não houver procuradoria, a representação cabe ao Prefeito. As autarquias e fundações públicas são representados por quem a lei do ente indicar.
Os entes despersonalizados são representados em várias figuras como massa falida, espólio, herança vacante e jacente, presidência das mesas legislativas, fundos financeiros e outras figuras jurídicas com tais caracteres.
A questão da legitimidade no mandado de segurança eleitoral passa por uma análise fundamental nos dizeres de Aires Filho (2002, p. 63): “Em matéria de legitimidade, o essencial é que se tenha uma ilegalidade ou um abuso, tolhendo direito líquido e certo. E que o ente, qualquer que seja, tenha prerrogativa ou direito próprio ou coletivo a defender.”
O Mandado de Segurança Coletivo Eleitoral em relação a legitimidade segue aquelas pessoas descritas na CF/88 como ensina Moraes (DIREITO CONSTITUCIONAL, 2017) os partidos políticos com representação no congresso nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, em substituição processual que segundo Câmara (O NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO, 2017) substituição processual é o fenômeno onde um legitimado extraordinário (alguém que não sendo sujeito da relação jurídica tem legitimidade dada por lei) ocupa lugar do legitimado ordinário (são os sujeitos da relação jurídica).
Portanto, vemos que a legitimidade do mandado de segurança eleitoral é amplo para abarcar as várias situações possíveis de resguardar os direitos políticos e a lisura das eleições.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho criou as condições para a análise do mandado de segurança eleitoral nos seus aspectos processuais, delimitado em relação ao seu cabimento, competência e legitimidade. As peculiaridades são diversas como por exemplo a questão da pertinência eleitoral, a possibilidade de mandado de segurança excepcional contra ato judicial teratológico, os casos de competência, etc.
A relevância desse trabalho é desvendar o mandado de segurança na seara eleitoral nos institutos acima. Essa ação constitucional civil é muito conhecida no mundo jurídico do direito processual civil. A comunidade acadêmica não despertou para a utilização desse mecanismo para o direito eleitoral, por isso a elaboração do presente trabalho é de extrema utilidade para a própria classe jurídica como também para todos os envolvidos no processo eleitoral: eleitores, eleitos, instituições, Justiça Eleitoral, dentre outros.
O resultado deste artigo foi a entrega de hipóteses de incidência onde se aplica o remédio constitucional estudado que ocorre quando existe a lógica da violação de direito líquido e certo mas com um adicional: a matéria impugnada deve ser referente a matéria eleitoral. As hipóteses de não incidência também são analisadas como as legislações abstratas (lei em tese) e contra ato judicial ou administrativo passível de recurso ou correição. Em relação a legitimidade temos que no âmbito abordado ele deve abarcar o máximo de envolvidos para permitir uma completa participação dos atores do processo eleitoral, garantindo assim a lisura e a participação democrática no disputa pelo poder.
Diante disso, as questões abordadas na introdução foram totalmente supridas pois verdadeiramente foram respondidas com praticidade e eficiência. Em quais casos se utiliza o mandado de segurança eleitoral? Quem é o competente para julgá-los? Quem são os legitimados? Esses questionamentos foram satisfeitos a medida do desenvolvimento do trabalho de forma sistemática e buscando elucidar esse mecanismo na legislação eleitoral.
Conclui-se que é evidente que os estudos nessa área ainda são poucos mas que o esforço aqui engendrado possa servir de ânimo para que novas pesquisas possam ser realizadas e talvez serem estudadas sob o prisma do mandado de segurança como instrumento de democracia. Fundamental não só para os juristas e estudantes do conteúdo jurídico, mas sobretudo para a sociedade civil e suas diversas nuances, permitindo que o instrumento de defesa dos direitos individuais perante o Estado: o mandado de segurança, possa ser fortificado como um verdadeiro fortalecimento do maior espetáculo da democracia: as eleições.
REFERÊNCIA
Agrícola Barbi, Celso et al Calmon de Passos, J.J. e Othon Sidou, J.M. Estudos sobre mandado de segurança. Edição única. Rio de Janeiro: EDITORA, 1963.
Aires Filho, Durval. O mandado de segurança em direito eleitoral. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.
Barretto, Rafael. Direito Eleitoral – Coleção Saberes do Direito. Edição n° 47. São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo regimental. Mandado de Segurança. AgR-MS n° 85094. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Brasília, DF, 25 mar. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Mandado de Segurança. MS n° 3718. Relator: Ministro Cezar Peluso.
Câmara, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. Edição n° 3. São Paulo: Atlas, 2017.
CAMPOS, André Luiz Nogueira Borges de. O mandado de segurança em matéria eleitoral. 2008. fls. 15. Monografia – Escola Judiciária Eleitoral do Amazonas – EJE/AM, Manaus, 2008).
Coêlho, Marcus Vinicius Furtado. Direito Eleitoral e processo eleitoral – Direito Penal Eleitoral e Direito Político. Edição n° 3. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
Costa, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral: teoria da inelegibilidade – direito processual eleitoral: comentários à lei eleitoral. Edição n° 3. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Teoria Geral do direito civil. Edição n° 15. São Paulo: Saraiva, 1999.
Gagliano, Pablo Stolze; Filho, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume 1: parte geral. Edição n° 19. São Paulo: Saraiva, 2017.
Gomes, José Jairo. Direito eleitoral. Edição n° 11. São Paulo: Atlas, 2015.
Gomes, José Jairo. Recursos Eleitorais. Edição n° 2. São Paulo: Atlas, 2016.
Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. Edição n° 16. São Paulo: Saraiva, 2014.
Masson, Nathalia. Manual de direito constitucional. Edição n° 4. Salvador: JusPodivm, 2016.
Meirelles, Hely Lopes. Mandado de Segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data. Edição n° 21. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1999.
Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. Edição n° 33. São Paulo: Atlas, 2017.
Neves, Daniel Amorim Assunpção. Manual de Direito Processual Civil – Volume único. Edição n° 9. Salvador: JusPodivm, 2017.
Nogueira, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral. Edição única. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
Rocha, Jose de Moura. Mandado de segurança: A defesa dos direitos individuais. Edição n° 1. Rio de Janeiro: AIDE, 1987.
Ramos, Andre Carvalho. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014.
Santos, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil: volume 1. São Paulo: Saraiva, 2004.
Temer, Michel. Elementos de direito constitucional. Edição n° 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
Temer, Michel. Elementos de direito constitucional. Edição n° 24. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2014.
Velloso, Carlos Mário da Silva; Agra, Walber de Moura. Elementos de direito eleitoral. Edição n° 5. São Paulo: Saraiva, 2016.